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Valores que norteiam o processo de tomada de decisão da enfermeira

Values that guide decision-making in nursing

Resumos

Este estudo teve como objetivo identificar os valores que emergem no processo decisório de um grupo de enfermeiras de uma instituição de cuidados de saúde e compreender de que forma estes valores emergentes interferem em suas atividades gerenciais. No estudo do fenômeno utilizou-se a triangulação metodológica que inclui a aplicação tanto de métodos quantitativos como qualitativos. O local do estudo foi um hospital geral filantrópico da cidade de São José do Rio Preto e foram sujeitos do estudo enfermeiras que exercem, função gerencial em unidades de internação e especializadas. Para a coleta de dados, utilizou-se um questionário contendo três situações da prática profissional da enfermeira. Os resultados mostraram que os valores honestidade, auto-controle e responsabilidade estão muito arraigados neste profissional. Geralmente, as enfermeiras demonstram tolerância, compreensão e solidariedade com seus sobordinados em situações que não envolvam a sua competência profissional. Contudo, quando a decisão envolve obtenção de reconhecimento social, as enfermeiras são incisivas e podem punir os seus subordinados.

Valores; Tomada de decisão


The aim of this study is to identify the values raised by a group of nurses from a health care institution, and to understand in which way these values can interfere in nursing management activities.This study was based on Methodological Triangle which envolves both quantitative and qualitative methods. It was held at a philantropic hospital in São José do Rio Preto with nurses who work in specialized areas with, in-pacients. The data were collected using a questionaire in which three situations were presented covering usual incidents to nurses. These situations required important decisions to be made based on personal values. The results showed that for nurses, honesty, self-control and responsability are inter-related; usually, the nurses demonstrated tolerance, understanding and solidarity. But, many times, nurses are condescending to their subordinates when their professional competence is not required. However, when trying to attain social recognition, nurses are keen and they can punish their subordinates.

Values; Decision-making


ARTIGO ORIGINAL

Valores que norteiam o processo de tomada de decisão da enfermeira* * Trabalho classificado em 1º lugar como tema livre no VI Congresso de Enfermagem do Oeste Paulista, em São José do Rio Preto, S.Paulo

Values that guide decision-making in nursing

Márcia Galan Perroca

Enfermeira, mestranda e docente do Curso de Graduação em Enfermagem da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, S. Paulo

RESUMO

Este estudo teve como objetivo identificar os valores que emergem no processo decisório de um grupo de enfermeiras de uma instituição de cuidados de saúde e compreender de que forma estes valores emergentes interferem em suas atividades gerenciais. No estudo do fenômeno utilizou-se a triangulação metodológica que inclui a aplicação tanto de métodos quantitativos como qualitativos. O local do estudo foi um hospital geral filantrópico da cidade de São José do Rio Preto e foram sujeitos do estudo enfermeiras que exercem, função gerencial em unidades de internação e especializadas. Para a coleta de dados, utilizou-se um questionário contendo três situações da prática profissional da enfermeira. Os resultados mostraram que os valores honestidade, auto-controle e responsabilidade estão muito arraigados neste profissional. Geralmente, as enfermeiras demonstram tolerância, compreensão e solidariedade com seus sobordinados em situações que não envolvam a sua competência profissional. Contudo, quando a decisão envolve obtenção de reconhecimento social, as enfermeiras são incisivas e podem punir os seus subordinados.

Unitermos: Valores. Tomada de decisão

ABSTRACT

The aim of this study is to identify the values raised by a group of nurses from a health care institution, and to understand in which way these values can interfere in nursing management activities.This study was based on Methodological Triangle which envolves both quantitative and qualitative methods. It was held at a philantropic hospital in São José do Rio Preto with nurses who work in specialized areas with, in-pacients. The data were collected using a questionaire in which three situations were presented covering usual incidents to nurses. These situations required important decisions to be made based on personal values. The results showed that for nurses, honesty, self-control and responsability are inter-related; usually, the nurses demonstrated tolerance, understanding and solidarity. But, many times, nurses are condescending to their subordinates when their professional competence is not required. However, when trying to attain social recognition, nurses are keen and they can punish their subordinates.

Uniterms: Values. Decision-making

1 INTRODUÇÃO

A enfermeira, como profissional da área de saúde, continuamente necessita tomar decisões relativas à administração da assistência de enfermagem a ser prestada em sua unidade.

CHIAVENATO (1993) conceitua o processo decisório como a "análise e escolha, entre várias alternativas disponíveis, do curso de ação que a pessoa deverá seguir". Acrescenta ainda, que a decisão envolve critérios utilizados pelo administrador para fazer sua escolha pessoal. Desta forma, o que uma pessoa deseja e aprecia influencia aquilo que ela vê e interpreta.

MAXIMIANO (1995), em sua abordagem sobre o processo de tomar decisões, esclarece que fatores inerentes à estrutura mental daquele que toma a decisão pode influenciar no processo pois as interpretações variam de pessoa para pessoa e de grupo para grupo. As diferentes interpretações originam-se da percepção que cada pessoa ou grupo tem do problema.

O processo de tomada de decisão, explica CIAMPONE (1991), "envolve fenômenos tanto individuais como sociais, baseado em premissas de fatos e de valores, que inclui a escolha de um comportamento, dentre uma ou mais alternativas, com a intenção de aproximar-se de algum objetivo desejado". STONER; FREEMAN (1995) também concordam que as decisões são influenciadas e guiadas por princípios de valores

Os valores representam um dos elementos da cultura organizacional. Toda organização tem uma cultura, ou seja, normas, valores, atitudes e crenças compartilhados os quais determinam seus objetivos, estilos de trabalho e natureza das relações humanas (STONER; FREEMAN ,1995; FREITAS,1991).

Na tentativa de classificar o que venha a ser um valor KLUCKHOHN (1951) ressalta que é "uma concepção; explícita ou implícita, distintiva de um indivíduo ou característico de um grupo, do desejável que vai influenciar a seleção dentre os modos, meios e finalidades de ação disponíveis". Dessa forma, buscando-se os valores que regem o comportamento torna-se possível analisar os fundamentos motores do agir humano.

Em sua abordagem sobre a concepção dos valores humanos ROKEACH (1973) formula 5 pressupostos sobre a natureza dos mesmos: "(1) o número total de valores que uma pessoa possui é relativamente pequeno; (2) todo homem em qualquer lugar possui os mesmos valores em diferentes graus; (3) valores são organizados em sistemas de valores; (4) os antecedentes dos valores humanos podem ser traçados pela cultura, sociedade e suas instituições e personalidade; (5) as consequências dos valores humanos podem ser manifestadas em virtualmente todos os fenômenos que os cientistas sociais consideram valer investigar e compreender".

Alguns autores preocupam-se também em classificar os valores que aparecem no ser humano. Assim, SCHEIN (1984) classifica-os em: "(1) valores finais, não debatidos e não questionáveis, para os quais seria melhor empregar o termo "premissas"; e (2) valores sujeitos a debate, abertos, esposados, para os quais o termo "valores" é a melhor expressão. "ROKEACH (1973) classifica os valores em duas classes fundamentais: valores terminais que incluiriam os valores pessoais e sociais e os valores instrumentais que compreenderiam os valores morais e de capacidade. Scheler apud GELAIN (1983) identifica uma escala de valores que surge no homem, na sequência : valores úteis,vitais, lógicos, estéticos, éticos e religiosos.

No contexto da enfermagem, pesquisadores têm reconhecido a cultura organizacional como um importante instrumento para a compreensão do comportamento dos indivíduos na organização. DEL BUENO; VINCENT (1986) consideram especial atenção à identificação e compreensão dos valores de grupos de trabalho. De acordo com estas autoras " o administrador necessita discriminar entre o que as pessoas dizem ser seus valores e o que de fato é valorizado", acrescentando ainda ser um desafio para os novos administradores em enfermagem reconhecer os indicadores culturais para tomada de decisões "conscientes da concordância ou não concordância às normas e valores da cultura".

COELING; WILCOX (1988) identificando a cultura de um grupo de trabalho de duas unidades de enfermagem, revelada através de normas e valores, esclarece que a compreensão das diferenças entre as culturas oferece subsídios, à enfermeira, para efetivas intervenções administrativas.

Outros pesquisadores, como THOMAS et al (1990) preocupam-se em descrever um método para medir e interpretar cultura nas organizações de cuidados de saúde.

Em meu desempenho profissional, tenho observado o comportamento da enfermeira frente a situações que exije decisão. A enfermeira, embora possuindo competência técnica, algumas vezes, não consegue resultados satisfatórios na decisão tomada. Estes vieses no processo parecem estar ligados à forma de pensar e valorar do ser enfermeira .

Assim, justifica-se minha intenção em estudar os valores refletidos no processo decisório da enfermeira, acreditando que a forma como esta profissional valoriza as situações que vivencia, possibilita uma melhor compreensão do seu comportamento e da dinâmica do Serviço de Enfermagem na organização.

2 OBJETIVOS

Identificar os valores que emergem no processo decisório de um grupo de enfermeiras de uma instituição de cuidados de saúde .

Compreender de que forma estes valores emergentes no processo de tomada de decisões de enfermeiro interferem em suas atividades gerenciais .

3 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

De acordo com SHINYASHIKI (1995), não existe um foco conceitual e metodológico para o estudo de cultura. Existem diferentes posturas dos pesquisadores com relação ao seu objeto de investigação. FLEURY (1989) privilegia os métodos qualitativos,embora não descarte a utilidade das técnicas quantitativas. DUNCAN (1986) preconiza a utilização de uma abordagem "multimétodo" chamada triangulação, incluindo técnicas qualitativas para capturar significados e, quantitativas para usar na verificação intuitiva das interpretações dos significados.

Na elaboração desta pesquisa optou-se pelo uso combinado de métodos quantitativos e qualitativos, ou seja, a Triangulação Metodológica dentro do método. A triangulação incluiu dados qualitativos provenientes da aplicação de questionário e dinâmica de grupo e, quantitativa referentes aos dados levantados dos sujeitos do estudo.

KOIZUME (1992) explica a triangulação metodológica como a utilização vários métodos ou procedimentos de coleta de dados em um mesmo estudo, tais como : entrevistas, questionários, observações diretas, registros de arquivos e evidências físicas. Ainda de acordo com esta autora, na forma de triangulação metodológica dentro do método, um mesmo tipo de dado pode ser obtido de formas diversificadas.

Para o estudo do fenômeno, "valores emergentes no processo decisório da enfermeira", também foi utilizada a proposta metodológica de THÉVENET (1989). Este autor recomenda, para a delineamento dos principais traços da cultura da organização, após a realização da coleta dos dados, a validação das primeiras hipóteses junto aos sujeitos do estudo para que as mesmas sejam confirmadas ou infirmadas .

3.1 Local

O estudo foi realizado em um hospital geral filantrópico da cidade de São José do Rio Preto que atende às especialidades de Clínica Médica, Cirurgia Geral, Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia. A instituição campo de estudo conta com 300 leitos.

3.2 Sujeitos

Foram sujeitos da pesquisa seis (6) enfermeiras que exercem função gerencial em unidades de internação e especializadas no hospital campo de estudo.

3.3 Instrumento de Coleta de Dados

Os dados para este estudo foram coletados através de um questionário (ANEXO ANEXO ) e de técnica de dinâmica de grupo.

Para a elaboração do questionário utilizou-se a técnica de incidentes críticos. Segundo NOGUEIRA (1993), esta técnica consiste em "analisar incidentes relatados por pessoas qualificadas para julgamento sobre a eficiência de determinado trabalho e, a partir da análise destes incidentes, extrair comportamentos eficientes ou não para o objetivo do trabalho". Incidente pode ser definido como qualquer atividade humana capaz de permitir inferências e previsões a respeito da pessoa que executa o ato.

O questionário submetido anteriormente a um pré-teste consta de 3 itens:

1- Dados de identificação do enfermeiro - inclui os dados que caracterizam os enfermeiros sujeitos desde estudo como: idade, sexo, ano de formado, tempo na organização.

2- Experiência Profissional - contempla os dados que evidenciam as experiências dos enfermeiros em função gerenciais.

3- Dados relacionados a valores - onde são apresentados três situações contendo incidentes críticos da prática profissional da enfermeira e que exigem escolha de decisões das quais emergem valores.

A dinâmica de grupo foi gravada e transcrita constituindo instrumento para análise do tema.

3.4 Procedimento Para Coleta De Dados

A coleta de informações foi iniciada após a autorização formal da Instituição e a anuência das enfermeiras em participar do estudo.

A coleta do material de base foi realizada em 2 etapas. Na primeira etapa, as seis enfermeiras que puderam ser liberadas pela Diretoria de Enfermagem, foram reunidas em local apropriado, na Instituição, para aplicação do questionário e apresentação das situações a serem analisadas. Na segunda etapa procurou-se discutir as situações apresentadas através de técnica de dinâmica de grupo no sentido da obtenção do consenso.

4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A apresentação dos resultados deste estudo obedeceu as seguintes divisões: (1) Análise dos dados que caracterizam as enfermeiras sujeitos do estudo; (2) Análise das falas das enfermeiras sobre situações apresentadas por escrito e posteriormente discutidas em grupo.

4.1 Análise dos dados que caracterizam as enfermeiras

Estes dados são apresentados nas TABELA 1 e TABELA 2 e permitem visualizar o tempo, o tipo de atuação profissional, as funções exercidas como enfermeira e o tempo de atuação na instituição campo de estudo.

Observa-se, pela TABELA 1, que a idade das enfermeiras do estudo variou de 25 a 34 anos. Quanto ao ano de graduação, 3 enfermeiras têm de 2 a 4 anos de formada enquanto que 2 têm de 5 a 8 anos e apenas 1 tem 12 anos de formada.

No que concerne ao tempo de atuação na instituição foi observado que prevalece o tempo de 1 a 3 anos para 5 enfermeiras e apenas 1 está na instituição há 11 anos.

Foi verificado também que as atividades exercidas pelas enfermeiras são principalmente de supervisão geral mencionada por 5 delas enquanto apenas 1 atua na assistência direta. Quanto à experiência profissional das enfermeiras foi revelado que 4 delas atuaram até o momento em apenas uma instituição, enquanto que 1 delas atuou em duas instituições e 1 atuou em três instituições. (TABELA 2)

4.2 Análise das Falas das Enfermeiras em Relação às Situações Apresentadas

Após a obtenção dos depoimentos das enfermeiras com relação aos 3 incidentes críticos, procedeu-se à análise das descrições que os sujeitos fizeram sobre o fenômeno enfocado, buscando-se resgatar os comportamentos críticos emergidos em cada situação, agrupando-os em categorias. Para esta abordagem qualitativa utilizou-se o referencial de MINAYO (1986) e de MARTINS; BICUDO (1989).

Situação 1 - Trabalhando com o erro

A vivência das enfermeiras com relação a esta situação pode ser melhor compreendida através das categorias:

a) Ouvir o funcionário envolvido na situação procurando identificar as diferentes variáveis situacionais

"conversar com o funcionário para saber sua capacidade, seu tempo de serviço e quantas falhas ele já cometeu".

b) Realizar orientação e treinamento em serviço

"rever toda a teoria a esse respeito e treiná-lo novamente".

c) Executar punição leve (advertência)

"o treinamento sem punição é como se ele daqui a pouco esquecesse, precisa de alguma coisa além do treinamento para chamar a atenção, tipo assim, abrir os olhos".

"... dar uma advertência apenas se suas condições de trabalho não condizerem com o que a empresa propõe".

O agir dessas enfermeiras frente à possibilidade de erro na equipe de enfermagem permite resgatar alguns valores envolvidos, tais como: AUTOCONTROLE e SENSATEZ pela procura de um exame acurado do problema sem dedução ou inferências; RESPEITO à pessoa humana ouvindo o funcionário envolvido; RESPONSABILIDADE pela procura de adequação deste funcionário às reais necessidades do serviço garantindo uma assistência de qualidade ao cliente; e finalmente de JUSTIÇA quando a enfermeira exerce seu poder de decidir sobre o direito de punir seu pessoal. Interessante notar que a punição é sempre de caráter leve (advertência). Nenhuma das enfermeiras mencionou a possibilidade de demitir esse funcionário, o que nos leva a ponderar que nesta organização de saúde a natureza humana é considerada boa e os seres humanos passíveis de aperfeiçoamento. Na fala de uma das enfermeiras foi possível observar nitidamente que o valor JUSTIÇA está fortemente atrelado aos valores organizacionais.

Situação 2 - Lidando com a insubordinação

Discutindo esta situação emergiram das falas das enfermeiras três posturas distintas:

a) Conversar com o funcionário mas manter decisão de remanejamento

..."dialogaria explicando a necessidade de colaboração".

..."caso não aceitasse eu o deixaria na escala".

b) Conhecer o motivo da recusa e desistir da substituição

"procurar saber o porquê da recusa (medo, falta de conhecimento... se de todas as formas ele recusasse... procurar outro funcionário".

c) Conversar com o funcionário e abrir exceção

    ...”falar-lhe explicando todos os motivos (...) se funcionário colabora com as atitudes da supervisora poderia abrir-lhe uma exceção”.

As descrições das enfermeiras em situações que envolvem o lidar com atitudes de insubordinação mostram a existência de um valor dominante - RESPONSABILIDADE - pois a enfermeira como coordenadora da equipe de enfermagem responde diretamente pela implementação de uma assistência de enfermagem de qualidade ao cliente. E possível também perceber que as enfermeiras usam principalmente o diálogo explicando a situação ao funcionário procurando persuadi-lo ao invés de puni-lo.

As enfermeiras foram unânimes em afirmar que antes de tomar qualquer conduta com respeito a este funcionário verificariam se o mesmo não tem "estabilidade no setor". Como não existe embasamento legal para tal atitude, percebe-se um domínio dos valores organizacionais nesta situação.

No discurso de uma das enfermeiras fica evidente o favorecimento ("abrir exceção") ao funcionário colaborador com a enfermeira.

Situação 3 - Vivenciando novas experiências

Três posturas distintas emergiram das falas do grupo de enfermeiras no que concerne a implementação de novas técnicas junto à equipe de enfermagem:

a) Convencer o grupo a aceitar e pedir colaboração

"tentaria convencer o grupo que a sistemática é boa e que dará certo apenas com sua colaboração".

b) Impor a decisão tomada

"o melhor é persistir, mostrar que é você é quem determina como deve ser feito e o que é melhor".

c) Punir a não colaboração

"impor a sua autoridade e determinar o que deverá ser feito, punindo as que não querem colaborar".

Fica explicito, nestas falas, a natureza do relacionamento humano no serviço de Enfermagem através das relações de poder do enfermeiro, líder da equipe de enfermagem, com as demais categorias que lhe são hierarquicamente subordinadas. Algumas enfermeiras baseiam-se em técnicas de tomada de decisões tradicionais, decidindo o que julgam ser o melhor para o grupo, impondo a execução das decisões e punindo a não colaboração. Outras, procuram utilizar técnicas participativas envolvendo o grupo e solicitando colaboração. Estas posturas revelam diferentes de visões de homem e de mundo.

Algumas enfermeiras não se reconhecem como membro da equipe de enfermagem, colocando-se como pessoa superior aos demais elementos (DESIGUALDADE), não ouvindo ou acatando sugestões do grupo (DESRESPEITO).

O valor reconhecimento social é muito forte nestes discursos pois o sucesso decorrente da implementação de novas sistemáticas redundará em “status” para a enfermeira.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando os valores emergentes das falas de um grupo de enfermeiras nas situações apresentadas podem ser destacados os seguintes pontos:

- os valores honestidade, auto-controle, responsabilidade estão muito arraigados no profissional enfermeiro. Isto poderia ser explicado pelas raízes históricas da profissão, que já no passado delineava o perfil da enfermeira como honesta, responsável, dedicada, com espírito vocacional, treinada para treinar. Percebe-se que esta imagem persiste até os dias atuais.

- por estar constantemente lidando com a saúde e a vida, que são os valores mais importantes em qualquer escala de valores, as enfermeiras mostram-se tolerantes, compreensivas, solidárias e mesmo condescendentes nas diversas situações. O predomínio de mulheres na profissão e a consequente dominância de valores femininos poderiam elucidar este fenômeno.

- embora as três situações estudadas envolvam relações de poder entre a enfermeira e a equipe, pode-se perceber que nas ações executadas por seus subordinados nas quais a competência profissional da enfermeira não é questionada (situação 1 e 2), ela se mostra tolerante e condescendente. Contudo, quando a ação de enfermagem envolve obtenção de reconhecimento social (status), a enfermeira mostra-se mais incisiva e punitiva, talvez pelo fato da enfermeira ter seu papel social pouco reconhecido.

- das situações discutidas, apenas as situações 1 e 2 evidenciam a predominância de valores organizacionais. Na situação 3 existe uma nítida predominância de valores pessoais e profissionais .

ANEXO

INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS

Este é um estudo sobre valores que norteiam o processo de tomada de decisão do enfermeiro. Suas respostas devem respeitar os valores que você possui sobre o tema.

I - DADOS DE IDENTIFICAÇÃO

Sexo _____ Idade _______ Ano de formado ________ Tempo na Empresa ______

III - DADOS RELACIONADOS A VALORES

SITUAÇÃO 1

Uma enfermeira é responsável por uma Unidade de Clínica Médica que atende várias especialidades inclusive Endocrinologia . Um dos pacientes desta unidade é diabético insulino-dependente, tem 16 anos e sérias dificuldades em manter a glicemia em níveis satisfatórios mesmo quando internado. Um auxiliar de enfermagem ao preparar a insulina, cometeu um erro no cálculo da mesma, administrando 50 U ao invés das 25 U prescritas. O paciente fez sério episódio de hipoglicemia tendo que ser levado imediatamente para a UTI.Que atitude lhe parece melhor que poderia esta enfermeira tomar com respeito a este Auxiliar de Enfermagem?

SITUAÇÃO 2

A escala mensal de serviço da Unidade B, tinha sido muito trabalhosa para a enfermeira. Um dos melhores funcionários apresentara súbito problema de saúde tendo que ser afastado de suas atividades. Este funcionário atuava sozinho em pequeno setor desta Unidade e precisava ser substituído. Havia somente outra auxiliar de enfermagem, que embora menos qualificada, já tinha atuado anteriormente neste setor e a enfermeira não teve dúvida em escalá-la neste local. Contudo, esta funcionária, após escalada, recusou-se a cumprir o determinado, alegando que não sairia de forma alguma da Unidade e que se a enfermeira insistisse, iria conversar com o Superintendente da instituição. De que forma você pensa, poderia a enfermeira resolver esta situação?

SITUAÇÃO 3

Entusiasmada com uma nova sistemática de passagem de plantão apresentada em uma Jornada de Enfermagem na qual participara, a enfermeira de uma unidade de internação de Clínica Médico-Cirúrgica resolveu implantá-la em sua Unidade. Após as orientações iniciais ao pessoal de enfermagem, determinou-se um prazo para início desta nova sistemática. O resultado foi uma forte resistência de todo o pessoal ao novo método, havendo mesmo boicote por parte de alguns, impedindo a implantação do plano traçado. De que forma você acredita esta enfermeira poderia resolver a situação?

  • 1- CIAMPONE, M.H.T. "Tomada de decisão em enfermagem". In: KURCGANT , P. (Coord) Administração em enfermagem. São Paulo, EPU, 1991.
  • 2- CHIAVENATO, I. Teoria geral da administração 4 ed. São Paulo, Makron Books, 1993. v.2. cap.15, p.165-273 : Teoria comportamental da administração.
  • 3- COELING, V.E.H.; WILCOX, J.R. Understanding organizational culture: a key to a management decision-making. J. Nurs. Adm., v.18, n.11, p.16-24, 1988.
  • 4- DEL BUENO, D.J.; VINCENT, P.M. Organizational culture: how important it is? J. Nurs. Adm., v.16, n.10, p.15-20, 1986.
  • 5- DUNCAN,W.J. A proposal for a multimethod approach to organizational culture research. Graduate School of management, University of Alabama, Birmingham, 1986. (mimeografado)
  • 6- FLEURY, M.T.L. O desvendar a cultura de. uma organização - uma discussão metodológica. In : FLEURY, M.T.L.; FISCHER, R.M. (org) Cultura e poder nas organizações . São Paulo, Atlas, 1989.
  • 7- FREITAS, M.E. Cultura organizacional: formação, tipologia e impactos. São Paulo, Makron Books, 1991. cap. 2, p. 12- 37 : Alguns elementos da cultura.
  • 8- GELAIN, I. Deontologia e enfermagem São Paulo, EPU,1983. cap.2, p.09-15 : Fundamentos: consciência, liberdade, valores.
  • 9- KLUCKHOHN, C. et al. Values and Values - Orientations in the theory of action. In: PARSONS, T.; SHILS, E. et al. Toward a general theory of action Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1951.
  • 10- KOIZUME, M.S. Fundamentos metodológicos da pesquisa em enfermagem. Rev.Esc.Enf.USP, v.26, n. esp., p.33-47,1992.
  • 11- MARTINS, J.; BICUDO, M.A.V. A pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos básicos. São Paulo, Moraes/EDUC, 1989.
  • 11- MAXIMIANO, A.C.A. Introdução à administração 4 ed. São Paulo, Atlas, 1995. cap.4, p.82-108 : Processo decisório e resolução de problemas.
  • 12- MINAYO, M.C. de S. O desafio do conhecimento - pesquisa qualitativa em saúde. 4 ed. São Paulo- Rio de Janeiro, HUCITEC-ABRASCO, 1996. cap. 4, p. 197-247: fase de análise ou tratamento do material.
  • 13- NOGUEIRA, M.S. et al. Técnica dos incidentes críticos: uma alternativa metodológica para análise do trabalho em áreas cirúrgicas. Rev. Paul. Enf., v.12, n.3, p. 107-12,  1993.
  • 14- Rokeach, M. The nature of human values New York, The Free Press, 1973.
  • 15- SCHEIN, E.H. Coming to a new awareness of organizational culture. Sloan Manage. Rev v.25 , n.2, p. 3-15, 1984.
  • 16- SHINYASHIKI, GT. Uma abordagem quantitativa para o estudo da cultura organizacional e seus antecedentes. São Paulo, 1995. 78 p. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo.
  • 17- STONER, J.A.F. ; FREEMAN, R.E. Administração. Rio de Janeiro, Prentice Hall do Brasil, 1995. cap. 9, p. 179-199: Tomada de decisões.
  • 18- THÉVENET, M. Cultura de empresa - auditoria e mudança. Lisboa, Monitor, 1989. cap. 5, p. 96-116 : Metodologias para o estudo da cultura.
  • 19- THOMAS, C. et al. Measuring and interpreting organizacional culture. J. Nurs. Adm., v.20, n.6, p.17-24, 1990.

ANEXO

  • *
    Trabalho classificado em 1º lugar como tema livre no VI Congresso de Enfermagem do Oeste Paulista, em São José do Rio Preto, S.Paulo
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Mar 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 1997
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