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Processo grupal em enfermagem: possibilidades e limites

Groupal process in nursing: possibilities and limities

Resumos

Este trabalho apresenta a trajetória de estudos e de reflexões sobre a utilização de grupos na assistência de enfermagem. Através de uma perspectiva qualitativa buscamos identificar, na percepção dos entrevistados, aspectos que os motivam para essa atividade, suas fontes de aprendizagem e os pontos relevantes da sua experiência concreta com grupos. Verificamos que os enfermeiros reconhecem o valor terapêutico desse trabalho e providenciam condições físicas e estruturais adequadas. No entanto, um dos fatores limitantes no desenvolvimento dessa atividade é a dificuldade no manejo de situações grupais que revelam os meandros do sentimento humano, indicando que o enfermeiro coordenador de grupo, necessita além de recursos teóricos, exercitar seu autoconhecimento para prover um ambiente e relacionamento interpessoal capazes de otimizar o valor terapêutico dessa atividade.

Grupos; Enfermagem; Atividade grupal


This work shows studies and reflections about the utilisation of groups in nursing assistance. As an aim sought to identify, through nurses perspective, aspects about their motivations to work with groups, their surce of knowledge and relevant points of their experience with groups. The results demonstrates that nurses recognise the therapeutic value of groups in assistance and provide suitable conditions to its development. However, difficulties to handling groupal situations are limiting elements to develop this activity that reveal the human sentiment meander, indicating that nurse group co-ordinator needs, beyond theoretical establishment, to practice by their selfknowledge to provide an ambient and a interpersonal relationship able to obtain the real significance of this activity.

Groups; Nursing; Group activity


ARTIGO ORIGINAL

Processo grupal em enfermagem: possibilidades e limites* * Resumo de Tese apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-Universidade de São Paulo para a obtenção do grau de Doutor

Groupal process in nursing: possibilities and limities

Denize Bouttlet MunariI; Antonia Regina Furegato RodriguesII

IProfessor Titular da Universidade Federal de Goiás

IIProfessor Associado do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP

RESUMO

Este trabalho apresenta a trajetória de estudos e de reflexões sobre a utilização de grupos na assistência de enfermagem. Através de uma perspectiva qualitativa buscamos identificar, na percepção dos entrevistados, aspectos que os motivam para essa atividade, suas fontes de aprendizagem e os pontos relevantes da sua experiência concreta com grupos. Verificamos que os enfermeiros reconhecem o valor terapêutico desse trabalho e providenciam condições físicas e estruturais adequadas. No entanto, um dos fatores limitantes no desenvolvimento dessa atividade é a dificuldade no manejo de situações grupais que revelam os meandros do sentimento humano, indicando que o enfermeiro coordenador de grupo, necessita além de recursos teóricos, exercitar seu autoconhecimento para prover um ambiente e relacionamento interpessoal capazes de otimizar o valor terapêutico dessa atividade.

Unitermos: Grupos. Enfermagem. Atividade grupal.

ABSTRACT

This work shows studies and reflections about the utilisation of groups in nursing assistance. As an aim sought to identify, through nurses perspective, aspects about their motivations to work with groups, their surce of knowledge and relevant points of their experience with groups. The results demonstrates that nurses recognise the therapeutic value of groups in assistance and provide suitable conditions to its development. However, difficulties to handling groupal situations are limiting elements to develop this activity that reveal the human sentiment meander, indicating that nurse group co-ordinator needs, beyond theoretical establishment, to practice by their selfknowledge to provide an ambient and a interpersonal relationship able to obtain the real significance of this activity.

Uniterms: Groups. Nursing. Group activity.

1 INTRODUÇÃO

Grande parte das atividades desenvolvidas pelos seres humanos é realizada em grupos. Assim sendo, estudar os grupos é de uma importância incontestável. Os pesquisadores sobre o assunto, em geral, iniciam suas exposições destacando a natureza gregária do homem, assim como as relações entre os indivíduos e grupos (CARTWRIGHT; ZANDER, 1967; MAILHIOT, 1981; OSÓRIO, 1986). O homem sempre utilizou o grupo para trabalhar, divertir-se, e estudar. Essa caraterística tão antiga do ser humano é anterior mesmo à sua consciência da necessidade de viver como um ser agregado.

O trabalho desenvolvido por Pratt no Hospital Geral de Massachussets, nos EUA em 1905, é considerado como marco histórico no que concerne às primeiras experiências de utilização de grupo enquanto recurso terapêutico. Segundo KADIS (1967), "depois da introdução do método de grupo por Pratt e seus seguidores para enfrentar a influência de emoções em doenças somáticas, o emprego dessa técnica começou a difundir-se amplamente".

CAPPON (1978) relata que as investigações de Pratt foram desenvolvidas, inicialmente, com pacientes tuberculosos através de reuniões de pacientes em grupos para informá-los sobre sua doença e as medidas higiênicas necessárias para sua recuperação. Mais tarde, o pesquisador utilizou o mesmo método com pacientes diabéticos e cardíacos. O fundamento básico desse método pressupunha que os resultados do tratamento dependiam da influência benéfica de uma pessoa sobre a outra. WOOD (1990) refere-se a esse trabalho como um espaço onde a solidão, o pessimismo, a depressão e outros efeitos psicológicos advindos da doença poderiam ser aliviados pelo suporte emocional existente em um grupo estável de pessoas com preocupações e experiências semelhantes.

Na trajetória de aproximação com a temática, focalizamos o interesse na utilização do grupo como um recurso para ajudar e assistir as pessoas em suas necessidades.

Na área de enfermagem, a utilização de grupos não se constitui propriamente em uma novidade. Por natureza, o enfermeiro é um profissional que desenvolve seu trabalho em grupo tanto na assistência nas atividades junto à equipe de enfermagem, junto às equipes multiprofissionais, durante a passagem de plantão, executando atividades educativas junto a grupos específicos da população, como no ensino, realizando grupos de discussão de casos ou como estratégia em disciplinas nas quais o grupo funciona como parte da aprendizagem.

Verificamos na literatura nacional que o atendimento de enfermagem em grupo, tem sido utilizado em várias especialidades, sendo a enfermagem de saúde pública, na década de setenta, a pioneira na publicação de resultados de investigações utilizando grupos na assistência à gestantes (DUARTE; MUXFELDT, 1975; SCHIMIDT; FREDDI, 1975). Entretanto, é a partir da década de oitenta que pudemos encontrar pesquisas registradas em periódicos nacionais relatando trabalhos realizados por outros enfermeiros. Através de atividades grupais, estes enfermeiros atendiam a uma variada clientela, tal como pessoas com problemas de locomoção, de hanseníase, de obesidade, de cardiopatias, grupos de mães, de adolescentes, de diabéticos e de egressos, conforme salientam respectivamente LEITE; AGUIAR; CARVALHO(1981); CRISTOFOLINI (1982); SANTOS; MENDES (1983); VARGAS; SCAIN (1983), CORRÊA; GEBARA (1984); MARTINS; MORETTO (1985); SCAIN (1986); MORENO; RODRIGUES, (1993).

A literatura internacional é vasta a respeito da temática e o maior número de trabalhos é encontrado na enfermagem norte-americana que, por sua vez, encontra-se respaldada no "berço de nascimento" dos estudos de grupo liderados por Kurt Lewin na década de trinta (MAILHIOT 1981). Destacamos aqui apenas os trabalhos de LOOMIS (1979); WILSON (1985); HEYNEY; WELLS (1989); ALLEY; FOSTER (1990); LEWIS, FRAIN; DONNELLY (1993); PAYNE (1993).

Consultando o conteúdo dos trabalhos publicados, notamos que os publicados pela enfermagem brasileira, na sua grande maioria, não se referem à questão ao enfermeiro para o desenvolvimento dessa tarefa.

Sabemos, por nossas experiências com alunos de graduação, de pós-graduação e por nossa própria vivência que, por não ser esta uma tarefa das mais fáceis (embora agradável e muito compensadora), o preparo técnico do coordenador da atividade grupal é deveras importante.

Pesquisas anteriores realizadas por nós, demonstraram que os profissionais tem disponibilidades diferentes ao entrarem para o trabalho grupal. Esse fato interfere no seu aproveitamento do processo e, conseqüentemente, nem sempre se revertem em experiências satisfatórias ao participante (CAMPOS; MUNARI; LOUREIRO; JAPUR, 1992; LOUREIRO; JAPUR; CAMPOS; MUNARI, 1990; JAPUR; LOUREIRO; CAMPOS; MUNARI, 1992).

Por essa razão, acreditamos que é preciso conhecer quais são os aspectos necessários à formação do enfermeiro para que o mesmo possa realizar atividades em grupo de forma mais consciente, reflexiva e efetiva. Em uma pesquisa preliminar, cujos resultados apresentamos na 46ª Reunião Anual da SBPC, observamos que do ponto de vista formal (através de cursos, especialização, supervisão e outros) os enfermeiros tiveram muito poucas oportunidades de conhecer aspectos teórico-vivenciais sobre o trabalho grupal (MUNARI, 1994). Essa pesquisa permitiu-nos ainda uma aproximação com a clientela entrevistada de tal forma que definimos os sujeitos do presente estudo e pudemos conhecer mais detalhadamente os elementos que o enfermeiro utiliza na condução de atividades grupais e como adquiriu ou adquire habilidades para isso.

Partindo da percepção que o enfermeiro tem sobre sua atuação como coordenador de grupos na assistência, identificarmos os grupos coordenados por enfermeiros na assistência em que se utiliza o grupo como um recurso terapêutico. A partir dessa seleção, tivemos como objetivos: 1- Apreender os aspectos que motivam o enfermeiro a assistir pessoas através de grupos; 2- Conhecer as fontes de aprendizagem que utiliza para desenvolver essa atividade; 3- Identificar alguns pontos relevantes e as limitações no desenvolvimento dessa tarefa, a partir da experiência concreta do próprio enfermeiro.

2 METODOLOGIA

O interesse sobre essa temática e sua relação com o trabalho do enfermeiro levou-nos, num primeiro momento, a buscar na prática, informações que nos permitissem observar a inserção das atividades grupais no cotidiano do enfermeiro. Para tanto realizamos um levantamento para conhecer a dimensão deste trabalho do enfermeiro no município de Ribeirão Preto. Este estudo exploratório ofereceu elementos para conhecer melhor o fenômeno. O levantamento subsidiou a realização de entrevistas livres que objetivavam conhecer estas atividades em profundidade e sob a perspectiva do enfermeiro enquanto agente.

A partir dos dados obtidos identificamos três tipos de trabalho desenvolvidos pelos enfermeiros classificados como: "grupos de caráter informativo e de educação em saúde"; "grupos para a manutenção de programas compulsórios" e, "grupos de reabilitação e apoio emocional".

Em função dos objetivos estabelecidos para essa pesquisa, optamos por restringir a amostra aos enfermeiros envolvidos com o terceiro tipo de grupo, visto que estes apresentam características de um grupo terapêutico.

Dos grupos coordenados por enfermeiros puderam ser incluídos nessa categoria 9 deles:

- Grupos de mulheres mastectomizadas (02)

- Grupo de familiares de pessoas com AIDS (01)

- Grupo de pessoas com epilepsia (01)

- Grupo de pacientes psiquiátricos crônicos (01)

- Grupo de pessoas laringectomizadas (01)

- Grupo de pessoas colo, íleo ou urostomizadas (01)

- Grupo de pessoas obesas (01)

- Grupo de pessoas idosas (01)

Os aspectos metodológicos que envolviam a condução dessa investigação estavam de acordo com as diretrizes preconizadas por BOGDAN; BIKLEN (1982 ); MINAYO (1993).

A tentativa de conhecer a perspectiva dos enfermeiros acerca da coordenação dos grupos, levou-nos a uma segunda etapa de aproximação dos sujeitos. Nessa fase, utilizamos uma entrevista com questões abertas (anexoanexo), que serviram de guia ou apoio na condução das mesmas.

A primeira análise das entrevistas foi feita logo após a coleta, ouvindo-as e transcrevendo-as. Nesse momento, pudermos perceber a ênfase dada pelo entrevistado a cada questão e, tentamos identificar possíveis pistas para o estabelecimento de categorias. BOGDAN; BIKLEN (1982) denominam de "categorias de código" às palavras ou frases que aparecem com certa regularidade ou padrão.

Após a transcrição de todo o material, passamos a utilizar o software "The Ethnograph" que proporcionou rapidez e eficiência o manejo dos dados. Esse programa tem sido utilizado por pesquisadores da área da enfermagem como um valioso recurso. CASSIANI (1993); ZAGO (1994); MEDEIROS (1995) discorrem sobre seu uso no processo de organização de dados para a análise, suas vantagens e formas de proceder.

Para o estabelecimento das categorias empregamos os princípios sugeridos por BOGDAN; BIKLEN (1982) os quais conduzem à análise e ao desenvolvimento de categorias codificadoras. A imersão nos dados levou-nos à análise que se segue.

3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

O caminho metodológico mostrou-se adequado, permitindo-nos um olhar cuidadoso para questões que nos inquietavam, mostrando que estudar um recorte da vivência dos enfermeiros na coordenação de grupos para assistir pessoas sob a perspectiva deles próprios é uma possibilidade para entendermos sua prática.

Os sujeitos deste estudo foram enfermeiros, vinculados a Instituições Públicas de Saúde nas áreas hospitalar e ambulatorial, no município de Ribeirão Preto- SP.

A imersão nos dados e as tentativas de identificação dos códigos, seguindo as sugestões de BOGDAN; BIKLEN ( 1982) para a realização dessa etapa da pesquisa, levou-nos ao reconhecimento de uma categoria central que denominamos de GRUPOS ENQUANTO UMA OPÇÃO NA ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM.

A inclusão dos 9 grupos e a análise dos dados teve como suporte a descrição de Grupo Terapêutico de LOOMIS (1979), conforme apresentado a seguir.

A leitura dos dados codificados feita sob um constante exercício em relacioná-los com os aspectos teóricos que esboçamos como suporte para esse estudo e somados aos objetivos que estabelecemos para a investigação levou-nos a vislumbrar o aparecimento de duas categorias mais específicas partindo da categoria central, ou seja, ENFERMEIROS COORDENADORES DE GRUPOS NA ASSISTÊNCIA e O TRABALHO GRUPAL NA VIVÊNCIA DO ENFERMEIRO .

As categorias foram estudadas e desdobradas em subcategorias por contextualizarem aspectos relevantes para análise. No presente artigo focalizamos apenas os mais importantes.

3.1 ENFERMEIROS COORDENADORES DE GRUPOS NA ASSISTÊNCIA

Nesta categoria buscamos caracterizar os grupos coordenados por enfermeiros do ponto de vista da sua motivação para o trabalho e das fontes de aprendizagem de que dispõem.

O modo como os enfermeiros aproximaram-se do trabalho grupal revelou-nos que alguns atendem às necessidades que emergem nos serviços onde trabalham, conforme expressam as seguintes falas:

"Na verdade esse trabalho já existia bem antes de eu entrar no ambulatório. O Farmacêutico me convidou para coordenar com ele porque ele estava sozinho e eu aceitei." (E-07)

"O grupo de obesidade já estava formado, estava pronto, eu já o conhecia desde a graduação quando trabalhei com a coordenadora. Quando eu cheguei como funcionária do Centro de Saúde, a pessoa que coordenava saiu e eu assumi o grupo; ele não surgiu da minha iniciativa." (E-08)

Um outro modo de aproximação se deu na busca de uma abordagem do ser humano pressupondo sua integralidade, mostrando que os enfermeiros, sujeitos desta investigação, estão atentos para adquirirem uma postura em direção à modernidade, ressaltando a qualidade de vida como um importante, senão o primeiro, indicador de saúde. Os trechos à seguir ilustram esse fato:

A minha motivação é estar tentando mostrar para essas mulheres que por pior que seja a situação delas, o importante é o momento que ela está vivendo. (...) para mim está claro, hoje, que não pretendemos a cura, e sim melhorar a qualidade de vida delas..." (E-02)

"A forma como estamos trabalhando nos leva a acreditar que as pessoas vão ficar menos doentes, mais saudáveis, viver na sua casa e, isso é qualidade de vida."(E-05)

"(...) os problemas dos laringectomizados depois que eles saiam do hospital eram muito piores do que quando eles estavam lá. Então nós percebemos que esse era o momento que a gente precisava dar mais apoio para o paciente, pelo menos ouví-lo para que ele pudesse ter alguém pra conversar que entendesse e que pudesse ajudar de alguma forma(...)" (E- 06)

Nossa experiência corrobora de certa forma esses achados, uma vez que compreendemos a importância da existência desses trabalhos para atender ao ser humano numa dimensão total. Do ponto de vista de MELLO FILHO (1986), "hoje, a possibilidade de atender em grupos doentes somáticos portadores de doenças crônicas configura, ao nosso ver, uma das direções revolucionárias de nossas práticas de saúde e do atendimento em massa de nossas populações. É um trabalho que apenas engatinha, diante de enormes possibilidades que se abrem ao seu futuro."

Quanto às fontes de aprendizagem percebemos que a realização dos grupos é baseada quase que exclusivamente em experiências e vivências, evidenciadas pelos entrevistados como recurso para a execução da atividade.

"A gente tira muita coisa é do próprio paciente, com cada grupo a gente aprende alguma coisa" (E-04)

"Acho que só na fala das pacientes, das dificuldades delas que eu encontrei durante a condução dos grupos, eu acho que aprendi com o grupo." (E-08)

As fontes de aprendizagem referidas pelos enfermeiros são basicamente oriundas das experiências e vivências com o grupo. Nesse sentido, o profissional parte do empírico buscando acertar e demonstra, no seu discurso, muita tranqüilidade em expor a sua real situação.

Acreditamos que não é possível negar a contribuição da formação do profissional que trabalha com grupos, porém contar apenas com esse recurso para lidar com a emergência de sentimentos e emoções, pode trazer dificuldades ao coordenador, que estaria mais resguardado se tivesse algum conhecimento da dinâmica humana e dos grupos. Além disso, teria mais segurança quanto ao planejamento, à condução do grupo, aos problemas apresentados pelos elementos que o compõem e quanto à própria avaliação do trabalho executado, podendo utilizar melhor o potencial terapêutico de cada grupo.

A questão da formação do enfermeiro para o manejo de grupos é analisada pelos próprios entrevistados que identificam seus limites e alguns revelam a necessidade de maior embasamento nos cursos de graduação. LOPES (1992) faz considerações semelhantes acerca da formação do enfermeiro para atividade dessa natureza dizendo que "não saímos do curso de graduação, nem de especialização ou ainda da pós-graduação com know how para dirigirmos grupos". Isso nos indica a real importância de buscarmos embasamento para o desenvolvimento da função de coordenador de grupo que se inicia, ao nosso ver, com a percepção do enfermeiro sobre sí mesmo (autoconhecimento) e sobre o modo como ele se relaciona grupalmente. A fala seguinte relata a percepção de um dos enfermeiros sobre essa questão.

"Acho que a gente está aprendendo a modificar nossa postura de poder chorar junto das pacientes porque a gente acaba criando um vínculo que não é só profissional, não é amizade é complexo (...). É importante o profissional ir buscar essa capacitação para trabalhar com grupo porque nós não temos isso na nossa formação e quando a gente começa a fazer o grupo é que vê a dificuldade." (E-02)

Nossa experiência atual no Curso de Graduação em Enfermagem, ministrando disciplina introdutória sobre a Dinâmica de Grupos, permitiu-nos perceber que a maioria dos alunos se surpreende com sua complexidade e com as possibilidades de utilização desses conhecimentos na profissão. Ressaltam a importância e a necessidade da disciplina ser oferecida nos primeiros semestres do curso para que possam testar sua aplicação nos estágios.

Acreditamos que despertando o aluno para essas questões e reforçando a necessidade do autoconhecimento e de suporte teórico, planejamento adequado e, principalmente, a importância da supervisão, contribuimos para a expansão da utilização de grupos na assistência, ou em outras intervenções de enfermagem. Esperamos, também estar sensibilizando futuros enfermeiros para uma atuação mais consciente, fundamentada e capaz de aproveitar suas potencialidades.

3.2 O TRABALHO GRUPAL NA VIVÊNCIA DO ENFERMEIRO

Com o intuito de identificar, junto aos enfermeiros coordenadores de grupos na assistência, os pontos relevantes no desenvolvimento de grupos partindo da sua experiência concreta, tentamos fazer uma leitura dos dados coletados nas entrevistas que privilegiassem o que BOGDAN; BIKLEN (1982) chamaram de códigos de estratégias que se referem às táticas, métodos, caminhos, técnicas que os sujeitos utilizam na realização de suas tarefas.

Utilizamos também como guia o referencial de LOOMIS (1979) considerando que o mesmo nos oferece suporte para a compreensão teórica do processo pelo qual o enfermeiro desempenha a função de coordenador de grupo.

Notamos, à medida que os enfermeiros vão descrevendo a realização dos grupos, que existe uma certa semelhança com as etapas do trabalho grupal definidas por LOOMIS (1979), especialmente no que diz respeito ao planejamento de condições estruturais do trabalho.

Quanto aos objetivos, observamos através das entrevistas que todos os grupos se constituem em espaço para que a clientela, consideradas as suas diferenças, tivesse oportunidade de ventilar suas dificuldades beneficiando-se do que YALOM (1975) denominou de "fatores curativos" do grupo.

"O grupo é um espaço para que as mulheres coloquem tudo pra fora, a gente vê que são pessoas que não têm quem lhes dê atenção. Elas entram tímidas e de repente começam a se colocar de maneira até forte demais, colocando suas particularidades e a gente vê que isso é necessário e que é importante pra elas." (E01)

O local e horário dos grupos assim como o número de coordenadores/terapeutas, de clientes que fazem parte do grupo e da extensão dos encontros são considerados importantes variáveis físicas que fazem parte da estrutura de um grupo (LOOMIS, 1979).

Para a maioria dos enfermeiros, estes itens são considerados no manejo dos grupos, demonstrando a responsabilidade do coordenador em prover espaço adequado e com conforto, em estabelecer compromisso com os horários sendo estas as características que oferecem segurança aos participantes (LOOMIS, 1979; HEINEY; WELLS, 1989). O exemplo seguinte demonstra a preocupação do enfermeiro com o grupo que coordena:

"A gente faz o grupo no retorno mensal dos pacientes. Procuramos adaptar o horário dentro do interesse deles. Procuramos manter as cadeiras em círculo, aliás todas as atividades que temos feito, temos procurado usar essa disposição das cadeiras para dar a abertura para as pessoas falarem (...). Nós procuramos começar as reuniões no horário e nunca ultrapassar uma hora e meia, duas horas no máximo." (E-04)

A maneira como os enfermeiros demonstram compreender e trabalhar as nuances do grupo indica que problemas comuns no cotidiano dos grupos são vivenciados com dificuldades. Possivelmente isso ocorre por desconhecimento do manejo adequado dessas situações que seriam bastante simplificadas com um embasamento teórico e supervisão ou com outros recursos do próprio enfermeiro. Nas falas que se seguem notamos esses aspectos:

"Para mim, a maior dificuldade era saber se o que eu fazia estava certo ou errado. Eu me via numas encruzilhadas muito grandes, não sabia como lidar com a questão do relacionamento." (E-08)

"Eu acho que a gente poderia ter uma formação melhor com relação ao trabalho em grupo, não sei se é a gente ir buscar ou se dentro da própria escola, dentro da formação do enfermeiro já ter alguma coisa para as pessoas despertarem." (E-04)

A busca de uma formação adequada que não se encerra, no nosso ponto de vista, com recursos teóricos, poderia tranquilizar os coordenadores. Os enfermeiros poderiam estar mais seguros da utilização dos "fatores curativos", descritos por YALON (1975) e, possivelmente teriam mais claros para si mesmos os fundamentos do manejo terapêutico do grupo com todas as suas possibilidades.

Fica evidente nos relatos dos enfermeiros, a luta que precisa ser travada para a manutenção dessas atividades, uma vez que o enfermeiro precisa demonstrar e exercitar sua competência no manejo do grupo e ao mesmo tempo convencer outros enfermeiros e a própria instituição onde trabalha de que essa é uma atividade necessária.

O interesse para que o grupo aconteça é do enfermeiro com a aquiescência relativa da instituição em que ele trabalha, (cuja contrapartida na maioria das vezes é insignificante), muitas vezes colocando obstáculos, não permitindo a utilização de espaço físico adequado, de material permanente e/ou de consumo ou ainda dificultando a participação do enfermeiro

O que encontramos na literatura nacional, específica de enfermagem sobre a utilização de grupos na assistência, tem na sua maioria, semelhança com os resultados obtidos nesse trabalho. Grande parte das publicações relata experiências da utilização desse recurso (grupos), sem no entanto, discutir sua fundamentação.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho possibilitou compreender a importância de pesquisarmos essa temática como forma de oferecer embasamento aos enfermeiros que trabalham com grupos na assistência.

É importante ressaltar que durante a trajetória da investigação e o nosso envolvimento com os enfermeiros, observamos o compromisso e a dedicação com que esses profissionais realizam os grupos, junto aos pacientes.

Pudemos perceber que os enfermeiros reconhecem o valor terapêutico da atividade grupal como um recurso importante procurando, dentro do que lhes é possível, prover de forma adequada as condições para a sua efetivação.

No entanto, o esforço em realizar o que de melhor podem fazer tem esbarrado em seus próprios limites e dificuldades concretas de manejar a situação grupal. Tais obstáculos são provenientes muitas vezes da falta de preparo específico para trabalhar situações dessa natureza, como os próprios entrevistados nos revelaram.

Essa questão não é a única causa das dificuldades, pois como observamos, o enfermeiro identifica que os recursos teóricos são fundamentais para a condução do grupo, mas ao longo de suas experiências foi preciso, sobretudo, repensar a sua postura profissional como um todo, frente aos problemas relatados pelos pacientes.

A reflexão sobre a formação do enfermeiro é questão também trazida pelos entrevistados que revelaram a necessidade de se buscar uma postura mais adequada frente ao relacionamento do enfermeiro com os pacientes, colegas e outros profissionais que se contraponha àquela que determina que o enfermeiro seja um profissional imparcial e onipotente frente a "dor" das pessoas. Esse novo posicionamento deve estar presente no modo como ensinamos os alunos a começar pelos Cursos de Graduação.

Segundo os enfermeiros, suas experiências e dificuldades com as pessoas nos grupos mostraram que é preciso e possível desmistificar essa figura do profissional rígido, cujo relacionamento é extremamente distante , para uma postura de um personagem crítico e flexível, capaz de orientar a trajetória da sua história.

ROTEIRO DE ENTREVISTA

1. O que motivou você para a realização desse trabalho com grupo?

2. Para que você desenvolva essa tarefa, quais foram ou têm sido suas fontes de aprendizagem? Onde busca elementos para seu aperfeiçoamento?

3. Na realização dos encontros considere o seguinte:

Quando você faz uma reunião:

A) o que você considera serem condições favoráveis?

B) o que você considera serem fatores que dificultam?

C) como você avalia os resultados do grupo?

D) você sente falta de alguma coisa para realizá-lo?

4. Você vê alguma perspectiva para o futuro desse trabalho?

5. Você pensa em realizar alguma mudança?

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anexo

  • *
    Resumo de Tese apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-Universidade de São Paulo para a obtenção do grau de Doutor
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Mar 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 1997
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