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A mortalidade cárdio-cerebrovascular e os problemas da prática no controle da hipertensão arterial

Cardiocerebrovascular mortality and problems of arterial hypertension control

Resumos

Nesta revisão de literatura retoma-se a evolução da mortalidade cárdio-cerebrovascular e sua relação com os problemas da prática no controle da hipertensão arterial. Salienta-se a importância em dar continuidade a investigação das questões de acesso ao sistema de saúde, conhecimento do diagnóstico e adesão ao tratamento da hipertensão arterial.

Mortalidade tardio-cerebrovascular; Hipertensão arterial; Adesão


This article is a literature review of evolution of Cardiocerebrovascular mortality and the practical control of arterial hypertension. The importance of investigation is focalized on access to health system, knowledge of diagnosis and compliance to arterial hypertension treatment.

Cardiocerebrovascular mortality; Hypertension; Compliance


ARTIGOS ORIGINAIS

A mortalidade cárdio-cerebrovascular e os problemas da prática no controle da hipertensão arterial

Cardiocerebrovascular mortality and problems of arterial hypertension control

Marcia Regina Car

Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professor Doutor do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem da USP

RESUMO

Nesta revisão de literatura retoma-se a evolução da mortalidade cárdio-cerebrovascular e sua relação com os problemas da prática no controle da hipertensão arterial. Salienta-se a importância em dar continuidade a investigação das questões de acesso ao sistema de saúde, conhecimento do diagnóstico e adesão ao tratamento da hipertensão arterial.

Unitermos: Mortalidade tardio-cerebrovascular. Hipertensão arterial. Adesão.

ABSTRACT

This article is a literature review of evolution of Cardiocerebrovascular mortality and the practical control of arterial hypertension. The importance of investigation is focalized on access to health system, knowledge of diagnosis and compliance to arterial hypertension treatment.

Uniterms: Cardiocerebrovascular mortality. Hypertension. Compliance.

1 INTRODUÇÃO

Nos países industrializados, exceto naqueles do Leste Europeu, a mortalidade cardiovascular na sua totalidade mantém-se por um lado em declínio constante, principalmente nas duas últimas décadas, e por outro, continua sendo a principal causa mortis (UEMURA; PISA. 1988). Entretanto, os andamentos temporais das patologias cardiovasculares não são uniformes no interior de simples áreas geográficas e também variam muito nos diversos países (TAVANI; LA VECCHIA, 1992).

Nos países da Europa Ocidental a tendência da mortalidade cardiovascular cresceu durante os anos 50 e 60, principalmente pelo aumento da mortalidade por doenças isquêmicas do coração, e decresceu nos anos 70 e 80 (UEMURA; PISA, 1988). Por sua vez, a mortalidade pelas patologias cerebrovasculares decresceu consideravelmente nas últimas décadas nos países industrializados. Porém, essas patologias são ainda uma das causas mais frequentes de morte depois das cardiovasculares e dos tumores (TAVANI; LA VECCHIA, 1992).

Essa redução da mortalidade compreende uma diversidade, e provável interação, de motivos que vão desde a melhoria das condições econômicas da população, o avanço científico-tecnólogico de diagnóstico e tratamento, a expansão dos serviços de assistência primária de saúde e os esforços de controle dos denominados fatores de risco cardiovasculares - hipercolesterolemia, hipertensão arterial e o tabagismo.

Apesar de se conhecer os diversos fatores de risco para as patologias cardiovasculares na sua totalidade, frequentemente as variações na sua incidência e na mortalidade são ainda, pelo menos em parte, inexplicadas (TAVANI; LA VECCHIA, 1992).

Numa revisão de estudos sobre riscos coronáricos (VALAGUSSA, 1991) encontra-se os resultados da análise de Goldman e Cook sobre a Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professor Doutor do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem da USP participação dos determinantes da redução da mortalidade por cardiopatia coronárica nos Estados Unidos: redução da colesterolemia (30%); redução do tabagismo (24%); tratamento da hipertensão arterial (8,5%); intervenções médico-hospitalares (31%) e 6% sem explicação.

Por outro lado, na análise do declínio da mortalidade cardiovascular e coronárica na Lombardia-Itália, entre 1969 e 1987 (CESANA et al. , 1992), é afirmado que os dados explicativos dessa redução permitem apenas estimativas aproximadas da melhoria das intervenções hospitalares (20 a 30%) e do desenvolvimento consensual, na mesma direção, dos determinados fatores de risco tradicionais - colesterol total, pressão arterial e tabagismo - porém, essa contribuição é de difícil avaliação com os dados disponíveis. Os autores afirmam ainda que é possível hipotizar uma conexão positiva desse declínio ao progresso das condições sócio-econômicas e ao peso notável que recai sobre a saúde pública, que pode ser avaliada, nos anos 80 e 90, via Projeto MONICA da Organização Mundial da Saúde.

Segundo TAVANI; LA VECCHIA (1992), os estudos da literatura concordam em sustentar que a hipertensão arterial é o fator de risco mais importante para a patologia cerebrovascular, seja trombótica ou hemorrágica, e em menor medida, para as patologias cardiovasculares.

Em relação a participação específica da hipertensão arterial na morbimortalidade cárdiocerebrovascular, a pesquisa de COLLINS et al. (1990) conclui que a redução de 5-6mmHg da pressão arterial diastólica média, a longo prazo - 5 anos neste estudo - foi associada à 35 - 40% da diminuição dos acidentes cerebrovasculares e 20 a 25% das doenças coronáricas.

Pelos dados acima referidos pode-se por um lado, atribuir uma siginificativa importância às medidas de controle da hipertensão arterial e de outros riscos cárdio-cerebrovasculares no nível da atenção primária de saúde, à população de maneira geral e, por outro, é nesta prática que despontam os principais entraves "controláveis" nas investigações científicas.

2 OS PROBLEMAS DA PRÁTICA NO CONTROLE DA HIPERTENSÃO ARTERIAL

A eficácia do tratamento anti-hipertensivo obtida com a evolução técnico-científica, principalmente a partir dos anos 50, não vem sendo acompanhada da sua necessária eficiência na prática do controle da hipertensão arterial. Essa ineficiência tem s ido atribuída à dificuldades que se interrelacionam, tais como, as de acesso universal aos serviços de saúde e as do seguimento dos indivíduos ao tratamento anti-hipertensivo.

Como por exemplo, na pesquisa realizada por STOCKWELL et al. (1994), com 1394 trabalhadores de saúde da cidade de Nova York, 409 apresentavam hipertensão arterial, 289 (71%) sabiam ser hipertensos e 201 (49%) faziam tratamento mas, somente 51 (12%) tinham a pressão arterial controlada conforme os níveis recomendados (menor que 140 / 90 mmHg). Nesse estudo os trabalhadores tinham pleno acesso aos serviços de saúde, ou seja, mesmo eliminada a barreira financeira o tratamento da hipertensão continuou sendo caracterizado por "pobres" resultados.

Em outras populações tais como as denominadas minorias (FRANCIS, 1991) - hispânicos e negros-americanos - o acesso ao sistema de saúde e o desconhecimento da hipertensão arterial HAFFNER et al ., 1993) - México-americanos - são incluídos como problemas que contribuem para a ineficiência do seguimento dos indivíduos no controle da hipertensão arterial.

As dificuldades de acesso aos serviços de saúde são evidentes nos chamados países subdesenvolvidos onde a demanda supera ainda a oferta de serviços. Assim, salienta-se os problemas para obtenção de consultas médicas; o longo tempo de espera para ser atendido com posterior consultas médicas rápidas e, ainda, a mudança constante do médico. Essas dificuldades associam-se a outras que vêm prejudicar o seguimento da assistência a saúde que incluem problemas na relação médico-paciente, custos do tratamento, efeitos colaterais da medicação, entre outras.

Na questão específica do controle da hipertensão arterial agregam-se ainda a grande ausência de sintomatologia (BRANCHE et al. , 1991) e a cronicidade do problema e do tratamento. A primeira pode, ou não, estar relacionada ao desconhecimento do diagnóstico de hipertensão arterial estimado em cerca de metade dos hipertensos brasileiros. Já, à cronicidade implicam todas as questões de acesso, de seguimento e da denominada adesão ao tratamento por parte do hipertenso.

Adesão deriva de "adherence", "compliance", palavra à qual, ainda hoje, muitos têm dado o significado de "fidelidade", "obediência" do indivíduo a uma determinação farmaco-terapêutica, atribuindo assim, à não-adesão um significado de "culpabilidade" do doente pela ineficiência de seu tratamento.

A atribuição do significado de culpa/ responsabilidade do doente pelo sucesso do tratamento é reducionista pois considera o problema passível de resolução individual.

Esse conceito de adesão é ligeiramente ampliado no sentido da necessidade de percepção do problema por parte dos médicos, além do comportamento do doente em termos da tomada de medicação, seguimento da prescrição dietética e execução das recomendações médicas de mudanças no estilo de vida (HASFORD, 1992).

Considerando a complexidade da questão PORTA (1994) amplia o significado sobre a "compliance" definindo-a como sendo: adesão ao projeto diagnóstico-terapêutico, fruto da compreensão da própria situação de saúde e qualidade da integração médico-paciente que mensura a adaptabilidade das intervenções a fatores subjetivos, históricos e ambientais. Acrescenta ainda que é oportuno recordar que o melhor programa terapêutico em termos de "compliance" seja aquele decidido em plena colaboração entre o médico e o paciente: o qual pressupõe estima e confiança entre os dois interlocutores e, ainda, senso de responsabilidade de ambas as partes.

Julga-se que nesta espécie de "contrato terapêutico" proposto por Porta deve-se ainda incluir as condições objetivas para o seu cumprimento, tanto aquelas estruturais de organização dos serviços de saúde como aquelas sócio-econômicas do doente.

Na revisão de 37 estudos experimentais sobre a "compliance" de pacientes em relação aos tratamentos médicos no terceiro mundo (HOMEDES; UGALDE, 1993), foi encontrada pouca consistência nas diversas definições de "compliance" e uma variedade de métodos utilizados para sua mensuração. A despeito dos problemas metodológicos, muitos pesquisadores encontraram baixos níveis de adesão às recomendações médicas. Nestes níveis apontam-se questões sobre a qualidade da assistência, efeitos iatrogênicos causados por uso inadequado de fármacos modernos e o impacto dos investimentos (em saúde) na economia e na saúde destes países.

HASFORD (1992) revisando na literatura a relação entre a "compliance" e os riscos-benefícios do tratamento anti-hipertensivo, considera a medida de coincidência entre o comportamento dos pacientes e as recomendações médicas ou de saúde. Assim, analisando a relação entre os diversos métodos de mensuração da "compliance/noncompliance", afirma que aqueles indiretos - contagem de comprimidos, entrevista com pacientes, percepção do médico e presença/ausência de resposta clinica - proporcionam somente baixa ou moderada sensibilidade para a detecção da "noncompliance" e geralmente superestimam a verdadeira "compliance".Por outro lado, STEPHENSON et al. (1993) salientam que apesar das mensurações diretas do consumo de medicamentos serem mais acuradas, podem avaliar somente um pequeno número de fármacos. Já, as recomendações não farmacológicas, exceto o peso corporal, exigem a utilização de medidas indiretas de avaliação.

3 O PROBLEMA DO CONTROLE DA HIPERTENSÃO ARTERIAL NO CONTEXTO BRASILEIRO

A necessidade de implantação de ações programáticas para o controle da hipertensão arterial pode ser justificada pelos seguintes dados do Ministério da Saúde (BRASIL, 1993a/b)

- estima-se que 15% (mais ou menos 3%) dos brasileiros adultos com 20 anos ou mais são hipertensos (12 milhões em 1991) e que a hipertensão arterial, associada a outros fatores de risco esta relacionada a cerca de 2/3 dos óbitos causados por doenças circulatórias, doenças isquêmicas do coração e doenças cerebrovasculares;

- a mortalidade por doenças do aparelho circulatório foi de 34% dos óbitos em 1991, entre todas as idades, nas capitais brasileiras;

- a mortalidade cardiovascular representa 40% dos óbitos de indivíduos com idade acima de 45 anos e, 15% na faixa etária de 15 a 44 anos, evidenciando uma mortalidade precoce e perda de anos produtivos de vida;

- a mortalidade por hipertensão arterial e suas complicações tem implicado em custos sociais imensuráveis sobre a produtividade e o crescimento econômico do país. Além destes, o custo direto anual dos hipertensos já detectados é estimado em cerca de 12 milhões de dólares com consultas médicas, internações hospitalares, atendimentos de emergência, auxilio-doença, aposentadorias e medicações anti-hipertensivas;

- os dados brasileiros de mortalidade, quando comparados aos dos países desenvolvidos, sugerem que as diferenças na posição das doenças cerebrovasculares e das isquêmicas do coração, como a principal causa, decorrem da elevada frequência da hipertensão arterial não controlada na população brasileira;

- estima-se que 50% dos hipertensos não foram ainda diagnosticados e, que, somente 40% daqueles já diagnosticados permanecem em tratamento por um período inferior médio inferior a 4 anos e apenas 1/3 destes alcançam níveis de controle da pressão arterial. Portanto, do total de hipertensos, 4 a 12% atingem níveis de controle da pressão arterial, indicando falhas no sistema de atenção e consequentemente baixa eficácia de intervenção;

- no Brasil, a não adesão do hipertenso ao tratamento tem sido atribuída, principalmente, à desestímulos por ocasião da consulta ( longo tempo de espera e dificuldade para marcar), à mudança constante do médico, à impossibilidade de boa relação médico-paciente, à normalização da pressão arterial, à ausência de sintomas, aos custos e aos efeitos colaterais da medicação e à dificuldade para obtenção de consultas;

- a intervenção multiprofissional tem sido uma das estratégias, com resultados positivos em relação tanto à eficácia e eficiência quanto aos custos globais do tratamento do hipertenso; e,

- frente a perspectiva de mudança na composição etária da população brasileira até o ano 2000 e do atual panorama de morbimortalidade por hipertensão arterial, a não intervenção organizada significa admitir sua tendência epidêmica, sem possibilidade de reversão espontânea (BRASIL, 1993 a,b).

As estimativas sobre o desconhecimento do diagnóstico da hipertensão arterial (HA), os problemas de organização e de acesso ao sistema público de saúde e as questões individuais relativas à não adesão dos hipertensos ao tratamento merecem ser investigadas para subsidiar as intervenções que visem o controle da HA. Esse controle é, portanto, aqui entendido como sendo a avaliação da acessibilidade ao sistema de saúde, do conhecimento do diagnóstico da HA e a participação do hipertenso no tratamento anti-hipertensivo.

Assim, considera-se necessário avaliar essas questões relativas ao controle da HA, tendo por finalidade o estabelecimento de uma rede de representações que possa subsidiar a elaboração de ações programáticas específicas que visem a prevenção da morbimortalidade por doenças cárdiocerebrovasculares.

Entre os limites da busca de soluções "ideais" da investigação científica e os problemas da realidade da prática de saúde, devemos encontrar no caminho dos pontos de intersecção a desejada práxis assistencial e investigativa.

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  • BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Coordenação de Doenças Cárdio-Vasculares.Sistema Unico de Saúde. Doenças cardiovasculares no Brasil-SUS : dados epidemiológicos,assistencia médica. Brasília,1993 (b).
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2010
  • Data do Fascículo
    Ago 1998
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