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Identificação de alguns problemas psicossociais em portadores de hanseníase utilizando para a análise os recursos da informática

Identification of some psychosocial aspects in patients with leprosy using computerized analyses resources

Resumos

O presente estudo teve como objetivo identificar nos pacientes com hanseníase alguns problemas psicossociais, como preocupações e mudanças ocorridas em relação à família, aos amigos, ao emprego e a si próprio, após terem sido informados do diagnóstico da doença. Na metodologia foram utilizados alguns recursos da informática, como o programa KARDS , gerenciador da base de dados, e o software JARGÃO, que possibilitou a tarefa de analisar em linguagem natural os depoimentos dos pacientes, obtidos por meio de entrevista composta por duas perguntas abertas. Os resultados encontrados evidenciaram que após o diagnóstico da doença a maioria dos pacientes estudados apresentava preocupações e manifestava algum tipo de mudança em relação à família, aos amigos, ao emprego e a si próprios. As preocupações estavam relacionadas principalmente à possibilidade de transmitir a doença, especialmente para os familiares, e à incerteza da cura. As mudanças diziam respeito especialmente ao aparecimento de sintomas que, segundo os pacientes, poderiam provocar reações discriminatórias por parte de outras pessoas. Esses fatos levavam os pacientes a não contar aos amigos sobre sua doença.

hanseníase; assistência de enfermagem; problemas psicossociais


The purpose of this study was to identify leprosy patients' psychosocial problems experienced after they were informed about their diagnosis. We foccused attention upon concerns and behavioral changes related to their families, friends, jobs and to themselves. Data were obtained by a two opened questions interview and they were analysed with the aid of artificial intelligence techniques. These inteligence tools were used to discover the most frequent words, phrases and concepts existing in the interview reports. The results showed that after being informed about their diagnosis, the majority of the patients referred some concerns and behavioral changes related to their families, friends, jobs and to themselves. The main concerns of the population were related to the disease (transmission, the treatment extension, the possibility of hospitalization, the uncertainty about the cure). These facts induced some of the patients to avoid telling people about the disease they have.

leprosy; nursing care; psychosocial problems


ARTIGOS ORIGINAIS

Identificação de alguns problemas psicossociais em portadores de hanseníase utilizando para a análise os recursos da informática* * Este trabalho sintetiza os resultados da pesquisa desenvolvida na Dissertação de Mestrado apresentado à Escola de Enfermagem da USP.

Identification of some psychosocial aspects in patients with leprosy using computerized analyses resources

Lúcia Maria Frazão HeleneI; Marly Theoto RochaII

IProfessora Assistente do Depto de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da USP

IIDoutora do Depto. de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da USP. Orientadora da Dissertação de Mestrado

RESUMO

O presente estudo teve como objetivo identificar nos pacientes com hanseníase alguns problemas psicossociais, como preocupações e mudanças ocorridas em relação à família, aos amigos, ao emprego e a si próprio, após terem sido informados do diagnóstico da doença. Na metodologia foram utilizados alguns recursos da informática, como o programa KARDS , gerenciador da base de dados, e o software JARGÃO, que possibilitou a tarefa de analisar em linguagem natural os depoimentos dos pacientes, obtidos por meio de entrevista composta por duas perguntas abertas. Os resultados encontrados evidenciaram que após o diagnóstico da doença a maioria dos pacientes estudados apresentava preocupações e manifestava algum tipo de mudança em relação à família, aos amigos, ao emprego e a si próprios. As preocupações estavam relacionadas principalmente à possibilidade de transmitir a doença, especialmente para os familiares, e à incerteza da cura. As mudanças diziam respeito especialmente ao aparecimento de sintomas que, segundo os pacientes, poderiam provocar reações discriminatórias por parte de outras pessoas. Esses fatos levavam os pacientes a não contar aos amigos sobre sua doença.

Unitermos: hanseníase, assistência de enfermagem, problemas psicossociais.

ABSTRACT

The purpose of this study was to identify leprosy patients' psychosocial problems experienced after they were informed about their diagnosis. We foccused attention upon concerns and behavioral changes related to their families, friends, jobs and to themselves. Data were obtained by a two opened questions interview and they were analysed with the aid of artificial intelligence techniques. These inteligence tools were used to discover the most frequent words, phrases and concepts existing in the interview reports. The results showed that after being informed about their diagnosis, the majority of the patients referred some concerns and behavioral changes related to their families, friends, jobs and to themselves. The main concerns of the population were related to the disease (transmission, the treatment extension, the possibility of hospitalization, the uncertainty about the cure). These facts induced some of the patients to avoid telling people about the disease they have.

Uniterms: leprosy, nursing care, psychosocial problems.

INTRODUÇÃO

Apesar de pouco letal, a hanseníase considerada altamente incapacitante, não só do ponto de vista físico, pelas seqüelas resultantes de lesões dos nervos sensitivos e motores das mãos, pés e olhos, como também psicológico. Apresenta graves repercussões na vida familiar do doente, creditadas às incertezas que ainda existem na população em relação às formas de prevenção e de tratamento da doença, à sua evolução, e às possibilidades de cura (ROTBERG, 1983).

Atualmente, o tratamento dos pacientes com hanseníase, em todas as suas formas clinicas, vem sendo realizado em regime ambulatorial nas Unidades Básicas de Saúde após a implantação de um novo tratamento terapêutico. Esse tratamento, denominado de poliquimioterapia (PQT/OMS), é constituído por dois esquemas, um para os pacientes classificados clinicamente como multibacilares (MB) e o outro para os paucibacilares (PB). E padronizado pela Divisão Nacional de Dermatologia Sanitária do Ministério da Saúde do Brasil, seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) através da Portaria Ministerial nº 01 de 09/ 01/87, e objetiva a redução do tempo de tratamento para a obtenção da cura (BRASIL, 1990).

A redução do período de tratamento favorece o controle da hanseníase, mas há que atentar para outros componentes importantes do Programa de Controle que são: a prevenção de incapacidades, o diagnóstico e o tratamento das mesmas e a problemática social cujas questões mais graves, tais como a rejeição familiar e social, envolvendo inclusive questões de trabalho, decorrem principalmente da desinformação dos técnicos e da sociedade em geral (NOGUEIRA, s.d. e BRASIL, 1989). Ressalta-se que com o tempo de tratamento encurtado, corre-se o sério risco dos pacientes já terem recebido alta por cura quando esses problemas aflorarem.

Em um estudo sobre "a existência hanseniana" MENDES(1987) mostra depoimentos de pacientes que demonstraram seu medo à moléstia e à rejeição social, a preocupação em não transmitir a doença e a sensação de serem rejeitados pelos familiares. A autora afirma que a existência do ser hanseniano é conflituosa.

De fato, temos observado que a preocupação em relação ao contágio manifesta-se com bastante freqüência entre os pacientes, causando-lhes grande mal-estar pois, ao mesmo tempo que desejam ocultar da família o seu diagnóstico, receiam que possam ter transmitido a doença à mesma. E possível que o isolamento compulsório que era imposto aos pacientes de hanseníase até há pouco tempo, esteja na raiz de tal preocupação.

Devemos ter em mente que o diagnóstico da hanseníase gera problemas que afetam a pessoa em sua totalidade, não se tratando simplesmente do diagnóstico de uma lesão cutânea ou de um nervo paralisado. Assim, conforme atesta GRANDA JUNIOR(1970), deve haver um empenho de toda a equipe de saúde em descobrir todas as possíveis alterações que ocorrem com o paciente, buscando encontrar soluções para as mesmas.

Para MENDES(1987), a preocupação do profissional de saúde não pode concentrar-se apenas no controle da moléstia, onde o dever da ingestão de medicação é sempre lembrado, o comparecimento às consultas de retorno e a coleta de materiais são exigidos.

Em qualquer nível que o enfermeiro esteja exercendo suas funções, é essencial que esteja capacitado a analisar dados básicos para quantificar e qualificar a necessidade de saúde de sua clientela, a fim de poder interpretar a situação existente na população que recebe assistência ambulatorial. Assim, conhecendo os problemas decorrentes da doença, o enfermeiro poderá desenvolver comportamentos de apoio que ajudem o paciente a enfrentar, controlar e resolver situações ou eventos a ela relacionados (BORGES,1980).

Quando lhes é dada a oportunidade de se expressar, é comum os pacientes referirem-se a situações e eventos estressantes, ocorridos dentro e fora da esfera familiar e relacionadas diretamente ao fato de serem portadores de hanseníase. E necessário que a equipe de saúde, e o enfermeiro em particular, tenha conhecimento desses problemas para que possa intervir junto ao cliente de forma abrangente e individualizada. Esse conhecimento pode ser obtido através de entrevistas onde o paciente possa falar livremente acerca de suas preocupações.

Os pesquisadores, entretanto, encontram dificuldades ao analisar dados obtidos através de entrevistas com perguntas abertas, devido à grande quantidade de informações coletadas. Assim, vários sistemas foram desenvolvidos com a finalidade de realizar análise em grandes quantidades de dados, principalmente os da área da saúde. Os sistemas desenvolvidos para o processamento da linguagem natural têm se configurado em árdua tarefa para a informática, estando as dificuldades diretamente relacionadas à complexidade da análise semântica, isto é, à análise dos significados contidos nas palavras ou frases.

ARRUDA(1993), em recente estudo na área da saúde, onde analisou o conhecimento de estudantes sobre Doenças Sexualmente Transmissíveis, utilizou um software denominado JARGÃO, desenvolvido especialmente para análise da linguagem natural e indicado para ser aplicado em textos nos quais se percebe a presença de regularidades. Esse pesquisador demonstrou a eficácia do método e propôs a sua utilização em estudos de informações escritas em linguagem natural na área da Saúde Pública.

Em nossa experiência entrevistando pacientes com hanseníase notamos em seus relatos "problemas comuns" ou a presença de certas "regularidades" na linguagem desses pacientes. Diante da possibilidade de trabalhar com o software JARGÃO, na tentativa de melhor identificar e analisar esses problemas, realizamos este estudo que teve como principal objetivo identificar os problemas psicossociais de um grupo de pacientes com hanseníase, concernentes às suas preocupações e às mudanças ocorridas em relação à família, aos amigos, ao emprego e à si próprios após conhecerem o diagnóstico.

2 METODOLOGIA

2.1 Cenário de estudo:

Os dados foram coletados durante o segundo semestre de 1992 em três Unidades de Saúde pertencentes ao Município de São Paulo, onde estava implantado o Programa de Controle da Hanseníase, fato este que possibilitou encontrar atividades consideradas semelhantes na rotina de atendimento ao paciente, além de possuírem um grande contingente de hansenianos matriculados.

A população deste estudo foi constituída por pacientes inscritos no Programa de Controle da Hanseníase durante o ano de 1992 que compareceram ao atendimento nas Unidades de Saúde selecionadas no período da coleta de dados deste trabalho, e que preencheram os seguintes critérios de seleção: idade igual ou maior que 15 anos; diagnóstico de hanseníase confirmado no mínimo há 6 meses e ter aceito ser entrevistado. Diante desses critérios e das possibilidades do programa utilizado, a amostra estudada constou de 46 pacientes.

2.2 Coleta de dados:

Para a coleta de dados, optamos pela técnica de entrevista com perguntas abertas (Anexo 1), entrevistas estas que foram realizadas pela própria pesquisadora nas Unidades de Saúde selecionadas. Realizamos o pré-teste com sete pacientes não pertencentes à amostra, para fazer os ajustes necessários no formulário e no “rapport”. O formulário de entrevista constou de duas partes. A primeira incluía informações relativas à identificação do paciente, quais sejam: nome, data de nascimento, sexo, estado civil, escolaridade e ocupação, além dos dados como número de matricula no Serviço de Saúde, número da entrevista, data em que a mesma foi realizada, data da confirmação do diagnóstico e forma clinica da doença.

A segunda parte era constituída por duas perguntas abertas, diretamente relacionadas aos objetivos deste estudo. A primeira pergunta procurou identificar a presença de preocupações que passaram a afligir o paciente a partir do momento em que soube do diagnóstico e a segunda dizia respeito à existência de modificações ocorridas em sua vida após conhecer o diagnóstico e iniciar o tratamento. Em ambas questões foi solicitado ao paciente que relatasse os acontecimentos relacionados à família, à sua vida profissional, aos amigos e em relação à si próprio.

Antes de abordar os pacientes que seriam entrevistados, a pesquisadora consultou os prontuários dos que estavam agendados para consulta naquele dia, a fim de selecionar aqueles que atendessem aos critérios preestabelecidos. Após a seleção, registrou no formulário de entrevista os dados de identificação dos pacientes. Os dados que não constavam do prontuário, foram completados no momento da entrevista. Esta foi gravada, com a permissão do paciente.

2.3 Análise dos dados

Após terem sido transcritos, os dados coletados, foram digitados num microcomputador, utilizando-se para a organização e a análise dos mesmos os software KARDS e JARGÃO.

O JARGÃO faz parte de uma geração de programas que possui a capacidade de analisar um conjunto de textos, escritos em linguagem natural, extraindo dos mesmos os "conceitos" ou "idéias" mais freqüentes ali existentes, ou seja, ele evidencia O QUE EXISTE DE COMUM num conjunto de informações, levando em consideração a variabilidade de significados da linguagem utilizada no mesmo (ROCHA, 1992).

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Caracterização da população

A população do presente estudo foi constituído por 46 pacientes, número este estabelecido pelo próprio programa JARGÃO através de cálculos da entropia das palavras. Define-se como entropia a importância dada a uma palavra dentro de um conjunto de palavras presentes em um texto. Este cálculo foi realizado pelo programa após os dados de cada entrevista serem inseridos no microcomputador, chegando-se ao número 46 a partir do momento que nenhuma palavra nova foi acrescida ao conjunto das palavras já existentes (ROCHA,1992).

Dos 46 pacientes, 23 (50,0%) eram do sexo feminino e 23 (50,0%) do sexo masculino. A distribuição entre os dois sexos ficou percentualmente igual nesse estudo, apesar de ter sido utilizada uma amostra casual. A literatura, entretanto, mostra uma incidência maior da hanseníase no grupo masculino (MORAIS; FERRER,1983; KANEKO et al, 1990; LOMBARDI, 1987 e SÃO PAULO, 1992).

Os dados da Tabela 1 evidenciam a distribuição da população estudada em relação à faixa etária.

Observamos pelos dados acima que ao ser informada sobre o diagnóstico, a maioria dos pacientes, situava-se em faixa de idade considerada economicamente produtiva, isto é, numa fase da vida considerada como de pleno desenvolvimento profissional. A idade média da população na época do diagnóstico era de 36 anos de idade. A somatória das freqüências abrangendo a faixa etária de 15 a 45 anos, perfaz um total de 29 pacientes e eqüivale a 63,0% do total dos entrevistados, valor muito próximo aos encontrados pelo Centro de Vigilância Epidemiológica, no Estado de São Paulo, que foram de 65,6% e 64,8% dos casos registrados nesta faixa etária em 1989 e 1990, respectivamente (SÃO PAULO, 1992).

Quanto ao estado civil, verificamos que 30 (65,2%) eram casados ou mantinham uma união conjugal estável. A outra parte da população 16 (34,8%) doentes, distribuiu-se em dois subgrupos: 9 (19,6%) pacientes solteiros e 7 (15,2%) eram separados, divorciados ou viúvos.

Quanto à ocupação, a grande maioria da população estudada, 35 (76,1%), era economicamente ativa, sendo que desses, 16 (45,7%) foram classificados segundo a categorização adotada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 1992) em Prestadores de Serviço, aí incluídos: faxineiros, vigias, domésticas, manicure e costureira. A seguir, foram categorizados no item de Indústria de Transformação e Construção, 9 (25,7%) pacientes que exerciam ocupações tais como pintores, pedreiros e ajudantes de obra. Os 10 pacientes restantes distribuíram-se nos setores de Comércio, Transporte, Administrativo e Técnico. No grupo dos economicamente inativos, 3 (27,2%) eram aposentados e 8 (72,8%) exerciam atividades de prendas domésticas.

Os dados obtidos em relação à idade e à ocupação dos entrevistados estão de acordo com outros estudos nacionais e estrangeiros. BRITO(1989) verificou que a hanseníase em nosso pais atinge principalmente adultos jovens com baixa renda, que vivem em condições precárias de moradia e desenvolvem mais as atividades ocupacionais manuais. Este mesmo autor ressalta que as condições sócio-econômicas deficitárias da população contribuem diretamente para que a hanseníase permaneça como doença endêmica no Brasil, apesar dos avanços científicos relacionados ao controle da doença.

Em uma pesquisa realizada nas Filipinas com pacientes portadores de hanseníase, onde a maior parte dos doentes pertenciam ao nível sócio-econômico baixo, VALENCIA(1988) afirmou: "...as más condições de vida constituem-se em um dos fatores decisivos que afetam as dimensões sociais da doença e que, para o controle desta enfermidade,uma das medidas seria que a sociedade fosse estruturada de tal maneira que a pobreza e a desnutrição fossem eliminadas".

Os dados relacionados à escolaridade, de acordo com a classificação que constava nos prontuários examinados na ocasião da entrevista, encontram-se na Tabela 2.

Notamos que a percentagem de distribuição dos pacientes pelos diferentes níveis de escolaridade não difere significativamente de outras populações com doenças transmissíveis no país, conforme demonstrado por SABROZA et al (1992) em seu estudo sobre as conexões entre desenvolvimento, ambiente e saúde.

Embora não tenham sido as maiores freqüências, é necessário considerar a relevância do número de analfabetos e semi-analfabetos encontrados nesse estudo, tendo em vista a necessidade dos pacientes de realizarem a leitura das prescrições e das orientações em relação ao tratamento, segundo BERTOLOZZI (1991).

Os dados obtidos segundo a forma clínica da doença e a variável sexo encontram-se distribuídos na Tabela a seguir.

Tabela 3

Verificamos que a maioria dos pacientes encontrava-se na forma clínica Virchowiana, seguida pela forma Tuberculóide, com um total de 42 (91,3%) doentes. Esses dados já foram encontrados em outros estudos, como os de OLIVEIRA(1990) e de BELDA(1974). As pessoas acometidas por uma dessas duas formas clínicas freqüentemente apresentam, problemas relativos à limitação de suas atividades diárias devido à presença de deformidades ou de reações próprias da doença (BRASIL, 1990).

Os dados referentes ao tempo (em anos) que os pacientes estão em tratamento encontram-se dispostos a seguir.

A Tabela 4 mostra uma realidade na qual os pacientes permaneciam um longo período de tempo em tratamento, decorrente da sulfonoterapia, terapêutica predominante na época deste estudo (segundo semestre de 1992). Vale destacar que o tratamento designado poliquimioterapia (PQT) encontrava-se nesse período em fase de implantação em algumas Unidades de Saúde em todo o território nacional. Dados semelhantes também encontrados por outros autores CRISTOFOLINI , 1991; OLIVEIRA, 1990 e revelam uma situação freqüentemente encontrada nas Unidades de Saúde antes da implantação da poliquimioterapia, em que de um lado há a resistência e o receio de alguns profissionais médicos em conceder alta aos pacientes e do outro há a relutância dos pacientes em aceitá-la.

3.2 Histograma das principais preocupações e mudanças relatadas pelos pacientes

Por meio do processamento dos dados pelo programa JARGÃO obtivemos como resultado final o histograma das principais preocupações e mudanças relatadas pelos pacientes, apresentado seguir.

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3.2.1 Preocupações relatadas pelos pacientes:

Conforme verificamos no histograma do total dos entrevistados, 36 (78,2%) pacientes referiram algum tipo de preocupação após tomarem conhecimento do diagnóstico de hanseníase, 12 (26,1%) doentes mencionaram não se preocupar e 03 (6,5%) não responderam a essa questão. Referências à presença de preocupações podem estar relacionadas a um ou mais itens ou ainda o paciente pode ter apenas mencionado preocupação de forma geral, sem maiores explicações. Dos 36 pacientes que relataram ter preocupações, 11 (30,5%) referiram que estas relacionavam-se à sua família; 09 (25,0%) a si mesmos; 04 (11,1%) ao emprego e 03 (8,3%) aos amigos.

As respostas dos pacientes sobre as suas preocupações podem ser observadas nó histograma, onde constatamos aqueles que referiram mais de um tipo de preocupação, tais como: preocupações específicas relacionadas à doença , mais especificamente ao contágio e à cura, ao tratamento, à internação e às deformidades físicas. Encontramos ainda aqueles que se preocupavam com o sentimento de revolta que sentiam em relação à própria enfermidade.

Nos depoimentos dos entrevistados que referem que a doença é a maior fonte de suas preocupações, observamos citações como: "..isto me preocupa, passar a doença para as crianças"; "...me preocupa que posso passar esta doença para as outras pessoas"; "...me preocupa que posso passar para a família ou que algum deles já tenha esta doença", as quais evidenciam o receio e a preocupação em transmitir a hanseníase aos familiares e amigos, principalmente para as crianças (filhos e netos), o que conseqüentemente os leva a evitar contatos físicos com os mesmos.

Os 03 (8,3%) pacientes preocupados com o tratamento medicamentoso referiram-se à duração do mesmo. Vale lembrar 24 (52,0 %) pacientes encontravam-se em tratamento entre 1 a 10 anos e que na época deste estudo a implantação do esquema terapêutico da poliquimioterapia em todas as Unidades de Saúde, conforme recomendação da OMS, ainda estava em fase inicial.

Alguns pacientes referiram preocupação quanto à incerteza da cura e outros, com a origem da doença, ao afirmarem: "...não sei como peguei esta doença, se foi pelo ar, não sei"; "...me pergunto como fui pegar isto"; "...me preocupa saber de onde gerou esta doença". A incerteza da cura, o desconhecimento da origem da doença e a preocupação com o tratamento são evidências de que os pacientes desconhecem uma série de informações que já deveriam ter recebido, principalmente levando em consideração o tempo que se encontram em tratamento. CHIDA (1990) afirma que embora o desejo de cura dos pacientes seja forte, muitos querem saber porque adoeceram, pois imaginam que conhecer a causa da sua doença ajuda a curá-los.

Observamos 09 (25,0%) pacientes que relataram preocupação consigo mesmos. Seus depoimentos estão relacionados à presença de sintomas da doença, como manchas no corpo, dormência nas mãos e pés, dor, surgimento de deformidades físicas e, principalmente, com a auto-imagem, conforme podemos observar pela s revelações a seguir: "...me preocupa estas manchas que aparecem no meu corpo"; "... o que me preocupa é ficar aleijado"; "... já caiu toda minha sobrancelha e os cílios e isto me preocupa"; ".... não fiquei com marca da doença, então nada me preocupa" ou "... minha preocupação atual é com as minhas mãos, tenho um dedo diferente, ele é torto".

Verificamos que dos 12 (26,0%) pacientes não relataram preocupações, entre os quais 05 (71,4%) que referiram que nada os preocupava em relação à família, 01 (14,3%) aos amigos e 01 (14,3%) paciente referiu que nada o preocupava em relação a si próprio.

3.2.2 Mudanças relatadas pelos pacientes:

Ainda com base nas informações contidas no histograma, podemos verificar que após saberem do diagnóstico de hanseníase, 24 (52,2%) pacientes referiram ter experimentado mudanças em suas vidas. Outros 31 (67,4%) negaram ter vivenciado mudanças em suas vidas tendo como referência os itens por nós apresentados: quais sejam: família, amigos, trabalho e a si próprio. Foi porém no item de mudanças que encontramos o maior número de respostas entre as quais as mudanças relacionadas a si próprios (com 16 respostas), ao emprego (com 5 respostas) e, por último, à família e aos amigos (com 4 respostas cada uma); além de 2 pacientes que não explicitaram onde tais mudanças ocorreram. Através dos depoimentos dos entrevistados, podemos observar que as mudanças relatadas estavam diretamente relacionadas ou decorreram das preocupações geradas pela doença, conforme mencionado no item anterior.

Essas modificações manifestam-se, por exemplo, na forma de convívio com os membros da família, na medida em que a preocupação com o contágio faz com que o paciente passe a evitar o contato com os filhos, netos e às vezes também com o cônjuge, conforme evidenciam os relatos a seguir: "... evitei ter relação sexual com a esposa e pegar a filha no colo enquanto estava com a baciloscopia positiva"; "... mudou porque a família tem medo de ter pegado também"; "... meu marido evita me beijar e dorme dando as costas para mim".

O modo de ser tratado pela família também sofreu mudanças quando a mesma passa a dar uma maior atenção às queixas do paciente, como por exemplo "... a minha família se preocupa comigo, não posso fazer nada que não deixam porque sou doente"; "... minha família mudou porque agora está me tratando melhor, é chato, me sinto inferior".

As mudanças em relação a si mesmos referem-se ao modo de pensar e de agir, tendo ocorrido alterações de hábitos como, por exemplo, evitar sair, passear e conversar com as outras pessoas, conforme percebemos nos depoimentos "... antes eu saía muito, me divertia com os colegas, agora não, só fico em casa"; "... mudou em relação a mim mesmo, agora fico triste ... penso que as pessoas podem se afastar de mim".

Em um estudo desenvolvido por OLIVEIRA (1990) junto a pacientes com hanseníase, os mesmos relataram sentir-se diferentes e indignos de viver com outras pessoas, preferindo ficar isolados e afastados dos demais. PEDROSA(1991), afirma que "... características como tendência a se isolar, a se tornar agressivo, a experienciar regressão emocional e a sentirem-se desamparados , são comuns em pacientes com hanseníase".

Verificamos no histograma a presença de 21 (45,6%) pacientes relataram não ter contado sobre sua doença a outras pessoas, dentre os quais aos amigos (21 respostas), aos seus familiares (5 respostas) e aos colegas de trabalho (5 respostas). Este fato talvez ajude a explicar o número de pacientes que relataram a ausência de mudanças em suas vidas, conforme os depoimentos: "... não conto e não contei que tenho hanseníase porque tenho receio....", "... continuo o mesmo e não falo para ninguém, que eu tenho esta doença"; "... prefiro que ninguém saiba que tenho esta doença"; ",.. das minhas amizades ninguém sabe que tenho esta doença"; "... sentia medo que as pessoas descobrissem que eu tenho hanseníase e que me recusassem o emprego".

Dos 13 (28,3%) que relataram ter contado sobre a sua doença, quase a totalidade 11 (85,0%) referiu ter contado para a sua família, 01 (7,7%) deles contou aos amigos e o outro contou a alguém do seu local de trabalho.

Da população estudada, 31 (67,4%) relataram que não ocorreram mudanças em suas vidas em relação a alguns itens abordados no formulário, entre as quais estavam 09 citações de que não ocorreram mudanças em relação à família; 08 em relação aos amigos; 05 em relação a si próprios e 02 em relação ao emprego. Os demais pacientes somente referiram não ter tido mudanças sem especificá-las.

Estes dados chamam a atenção para a amplitude da questão, uma vez que se sabe o quanto a doença altera o modo de viver dos seus portadores. KAMIYAMA (1979) afirma que uma pessoa que tem uma doença passa por uma série de problemas, desde aqueles que são inerentes à própria patologia, como os decorrentes das alterações no seu modo de vida, ocasionados por hospitalização ou por mudança nas suas atividades.

4 CONCLUSÕES

Os resultados obtidos neste estudo indicam a necessidade de que as questões psicossociais sejam incorporadas ao planejamento da assistência a essa clientela, principalmente no tocante à enfermagem. Isto porque evidencia-se que o conhecimento da condição de portador de hanseníase desencadeia nos indivíduos preocupações e mudanças significativas na sua vida pessoal e profissional, destacando-se que:

• As preocupações relacionam-se principalmente com a família e ao próprio doente.

• O foco das preocupações centra-se na doença, especialmente na possibilidade de contágio dos familiares e na incerteza da cura.

• Os pacientes percebem mudanças principalmente em relação a si próprios e, em menor proporção, em relação à família, aos amigos e ao trabalho.

• As mudanças estão ligadas ao aparecimento de sintomas os quais, segundo os pacientes, podem provocar reações discriminatórias por parte de outras pessoas. Esse fato leva os pacientes a não revelar o seu diagnóstico aos amigos, preferindo compartilhá-lo apenas com os familiares.

• A metodologia adotada neste estudo, utilizando os programas KARDS e JARGÃO, possibilitou realizar a análise dos depoimentos da população estudada e a esquematização dos resultados sob a forma de um histograma de fácil visualização.

• O programa JARGÃO viabilizou a análise dos dados em linguagem natural coletados através de entrevistas, mostrando novas formas de análise de textos com auxílio de ferramentas da informática.

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    Este trabalho sintetiza os resultados da pesquisa desenvolvida na Dissertação de Mestrado apresentado à Escola de Enfermagem da USP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Mar 2010
    • Data do Fascículo
      Out 1998
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