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A percepção da realidade associada a uma situação hospitalar e sua influência na comunicação interpessoal

Perception of reality associated to a hospital situation and its influence in the interpersonal communication

Resumos

Este trabalho enfatiza a percepção como parte integrante do processo de comunicação, ressaltando que quando esta ocorre de forma consciente, se transforma em agente facilitador nas interações, pois amplia a probabilidade de entendimento nas relações interpessoais.

Percepção; Comunicação interpessoal; Enfermagem


The present study focuses on perception as na integral part of the communication process and emphasizes, when consciously accomplished, its occurence as an interactive facilitator agent likely to widen the understanding of interpersonal relationships.

Perception; Interpersonal communication; Nursing


ARTIGOS ORIGINAIS

A percepção da realidade associada a uma situação hospitalar e sua influência na comunicação interpessoal* * Trabalho apresentado na disciplina de comunicação na Saúde do Adulto: A interação da linguagem verbal e do não verbal nas relações interpessoais, sob orientação da Prof. Dr. Maria Júlia Paes da Silva - Programa de Pós-graduação da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP).

Perception of reality associated to a hospital situation and its influence in the interpersonal communication

Eliseth Ribeiro Leão DobbroI; Janaina Meirelles SousaII; Selma Montosa da FonsecaII

IEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Professora Assistente do curso de Graduação em Enfermagem da Universidade cruzeiro do Sul

IIEnfermeira. Mestranda da EEUSP

RESUMO

Este trabalho enfatiza a percepção como parte integrante do processo de comunicação, ressaltando que quando esta ocorre de forma consciente, se transforma em agente facilitador nas interações, pois amplia a probabilidade de entendimento nas relações interpessoais.

Unitermos: Percepção. Comunicação interpessoal. Enfermagem.

ABSTRACT

The present study focuses on perception as na integral part of the communication process and emphasizes, when consciously accomplished, its occurence as an interactive facilitator agent likely to widen the understanding of interpersonal relationships.

Uniterms: Perception. Interpersonal communication. Nursing.

1 INTRODUÇÃO

Somos rodeados de energia, que se encontra sob diversas formas: luz, som, pressões mecânicas, calor, movimentos do corpo. Pressupomos como ponto de partida para o estudo da percepção, a energia, que parte tanto do meio ambiente para as áreas sensoriais, como a que se origina internamente no corpo. Essa energia é , posteriormente transformada em impulsos elétricos pelos receptores e estruturas associadas sendo então transmitidas aos centros superiores do sistema nervoso. Estes centros superiores são, ocasionalmente, comparados com terminais computadorizados onde a informação, codificada sob a forma de impulsos nervosos elétricos é classificada, formando de alguma maneira, a base para a experiência consciente provocada pelos vários estímulos.2

Os órgãos dos sentidos são as entradas através das quais a informação sensorial penetra no organismo. Segundo LOWESTEIN,7 o que experimentamos não são pulsações elétricas, mas luz, forma, barulho, o som de uma voz, a dureza da pedra, a maciez da pele de um bebê, que esse autor ilustra como “a frescura deliciosa de uma fruta madura apanhada numa árvore pela ação agilmente coordenada do olho, braço, e mão”. O cérebro é surdo, mudo, cego e nada sente, o corpo é que é nosso transformador, que toma a energia mecânica e a converte em energia elétrica.1

Grande parte das experiências que buscamos na vida consiste basicamente em sensações e emoções delas derivadas. Por sensações entendemos reações mentais frente a determinados eventos sensoriais captados pelos sentidos, assim como frente a determinados eventos meramente psicológicos.11

O ser humano é essencialmente psicosensorial pois, a maioria dos processos psicológicos que ocupam a mente têm como ponto inicial de entrada os órgãos dos sentidos e os demais componentes do sistema sensorial.

Dentre as primeiras sensações básicas captadas pelo nosso sistema sensorial, temos as visuais1 (as imagens visuais são um dos mais fortes estímulos, e seus efeitos sobre a consciência podem ser tão intensos a ponto de reduzir ou perturbar a percepção simultânea de sensações provenientes de estímulos diferentes), auditivas, táteis e térmicas, olfativas e gustativas, proprioceptivas (provenientes das diversas partes do sistema muscular e esquelético, assim como das articulações; são sensações profundas que nos informam sobre as posições das diversas partes do corpo), viscerais (advém dos órgãos internos, chegando à consciência aquelas ligadas às funções fisiológicas do aparelho digestivo, urinário e dos órgãos sexuais; em relação a estes últimos, chegam a consciência de homens e mulheres aquelas sensações ligadas ao ciclo de excitação e resposta sexual, sendo que nas mulheres também são percebidas as sensações decorrentes das diversas fases do ciclo ovariano e menstrual).11

Quanto aos demais órgãos internos, em condições normais, apenas uma pequena parte das sensações produzidas se tornam conscientes.11

A cada momento somos “bombardeados” por uma infinidade de estímulos, cuja percepção implica em um processo ativo da mente resultando nas sensações escolhidas por meio da atenção consciente.11 A função perceptiva está ligada à atenção consciente para determinados tipos de estímulos externos e internos, sensações e eventos, como para áreas específicas de interesse. Por isto podemos dizer que a percepção é seletiva no seu caráter, e de um modo geral dirigida para áreas bem definidas.2,5

A percepção é apenas um dos elementos da consciência humana e essa percepção do universo imediato se faz mediante inferência e probabilidade, ou seja, não há como conhecer verdadeiramente o mundo e a consciência de outros.4

É necessário lembrar a existência de fatores que interferem na percepção do verbal e do não verbal10, principalmente:

• nossas expectativas e emoções: quando alegres, interessados, ficamos mais susceptíveis à leitura do não verbal. Tristeza, contrariedade, raiva, nos dificultam essa tarefa;

• estereótipos e experiências anteriores diminuem a visão do contexto do indivíduo e acionam os nossos mecanismos de projeção;

• a dificuldade de reconhecer os sinais que expressam o não verbal;

• pouco conhecimento do indivíduo que está emitindo seus significados;

• pouco tempo utilizado para o reconhecimento do estímulo que acaba por empobrecer nossa percepção;

• limitações físicas relacionadas aos órgãos dos sentidos e alterações metabólicas como dor, cansaço, que limitam a identificação do não verbal;

• os ruídos funcionam como interferência quando se tenta estabelecer uma interação; e,

• a não motivação nos impede de desenvolvermos habilidades para lidarmos com o não verbal.

Vemos e ouvimos aquilo que nos convém. Essa forma individual de vermos e de ouvirmos denominada de bloqueio e filtragem9 é capaz de levar o receptor a não ser receptivo a uma determinada comunicação, pois a percepção seletiva, permite somente a captação de mensagens com as quais se está emocionalmente sintonizado. Este comportamento muitas vezes constitui uma forma de defesa frente às relações interpessoais estabelecidas, no campo profissional dos trabalhadores de saúde e dificulta a comunicação entre os membros da equipe e destes com o paciente, diminuindo a possibilidade de compreensão dos indivíduos.

Quando percebemos o mundo, estamos usando todos os nossos sentidos, porém uns mais do que outros, o que é denominado de sistemas representacionais. Há pessoas que criam imagens mentais claras e pensam em termos visuais; outras são predominantemente verbais e auditivas enquanto as demais são basicamente cinestésicas.9

Quando pensamos na comunicação hospitalar, ou indo além, na comunicação interpessoal, torna-se de fundamental importância que reconheçamos a forma pela qual percebemos a realidade e o quanto essa é semelhante à percepção dos outros. É nesse ponto que residem os principais conflitos das relações no cotidiano.

O conhecimento dos mecanismos de comunicação pelos profissionais de saúde pode promover o melhor desempenho de suas funções em relação ao paciente, bem como, pode melhorar o relacionamento entre os próprios membros da equipe.10

Embora a comunicação verbal seja a base a nossa comunicação diária, é essencial que a partir de um exercício consciente aprendamos e, ou aprimoremos a nossa capacidade de abstrair o significado daquilo que não é dito explicitamente, enriquecendo dessa forma a compreensão do que nos cerca.

Acreditamos que o desenvolvimento da percepção para o profissional de saúde é fundamental, pois melhora a interação com o paciente facilitando sua avaliação por meio de identificações mais fidedignas de suas necessidades; e, que esta habilidade é passível de aprendizagem por parte dos profissionais uma vez que a comunicação interpessoal permeia toda e qualquer atividade humana. Nos hospitais existe uma gama de informações e as experiências entre um ser e outro ocorrem a todo momento, portanto, se houver o domínio da comunicação, enquanto instrumento facilitador na assistência, as necessidades prioritárias dos pacientes serão mais facilmente observadas, compreendidas e atendidas pelos profissionais de saúde.

Entre as muitas maneiras de compreensão do não verbal, temos a proposta de Ekman; Friesen, apud SILVA10 que classifica os gestos humanos em cinco categorias:

• emblemáticos: são gestos culturais aprendidos e admitem transposição oral direta. São gestos simbólicos de largo uso social.

• reguladores: são os gestos que regulam e auxiliam na manutenção da comunicação entre duas ou mais pessoas, Sugerem ao emissor que continue, repita, elabore, dando oportunidade ao outro de falar.

• ilustradores: são gestos aprendidos por imitações, acompanham a fala, enfatizando a palavra ou a frase, como se desenhassem a ação descrita.

• adaptadores: funcionam como "muletas", isto é, são partes o nosso corpo que usamos para compensar sentimentos como insegurança, ansiedade e tensão. Isto acontece, principalmente, quando não conseguimos expressar o que sentimos diante de alguém ou mesmo quando estamos sozinhos.

• manifestações afetivas: são configurações faciais que assinalam estados afetivos. Podem ser conscientes ou não, Todas as pessoas são capazes de expressar várias emoções facilmente identificáveis pelos outros, o que acontece sem a necessidade de um aprendizado consciente.

Na busca então, de explorarmos um pouco mais esse tema, nos propusemos a identificar a percepção visual de uma determinada situação hospitalar, representada por uma montagem fotográfica, obtendo o relato verbal oral dos profissionais de saúde (enfermeira, médica, psicólogo), paciente, acompanhante e um indivíduo leigo, sem experiência prévia ligada à hospitalização, discutindo suas implicações na comunicação interpessoal.

2 OBJETIVOS

2.1 Identificar a percepção visual de profissionais de saúde, paciente, familiar de paciente e um indivíduo leigo sem experiência prévia ligada à hospitalização sobre uma situação hospitalar expressada em uma montagem fotográfica.

2.2 Verificar a existência de aspectos semelhantes e diferentes na percepção apresentada pelos pesquisados e discutir suas implicações na comunicação interpessoal.

3 MATERIAL E MÉTODO

3.1 População, local e período

Participaram da realização desse estudo 6 voluntários, 2 homens e 4 mulheres, sendo eles: 1 enfermeira, 1 médica, 1 psicólogo, 1 paciente, 1 familiar de paciente e 1 analista de computação (leigo).

As entrevistas com os profissionais de saúde (exceto o psicólogo), paciente e familiar do paciente foram realizadas em um hospital-escola, de grande porte, da rede pública, na cidade de São Paulo. O psicólogo foi entrevistado em seu consultório particular e o analista de computação foi entrevistado em sua residência, ambos na cidade de São Paulo. Todas as entrevistas foram efetuadas em 10/setembro/1996.

3.2 Coleta de dados

Para que pudessem ser atendidos os objetivos propostos, escolhemos inicialmente uma fotografia (montagem fotográfica) que apresentasse alguma situação hospitalar, sendo obtido então, junto ao Departamento de Documentação da Editora Abril, uma fotocópia colorida da capa a Revista Veja (Anexo IAnexo I), que simula um indivíduo em uma Unidade e Terapia Intensiva (UTI), veiculada em maio/95, referente à reportagem intitulada "Uma jornada no inferno - a via e a morte dentro das UTIs”, redigida pela jornalista Karina Pastore, 29 anos, meses após uma experiência familiar de hospitalização.

O segundo passo foi determinar que a população deveria ser constituída de profissionais de saúde de diferentes categorias, como 1 enfermeiro, 1 médico, 1 psicólogo, 1 paciente, 1 familiar de paciente e 1 indivíduo leigo sem experiência prévia relativa à hospitalização.

Optamos pela filmagem das entrevistas para posterior transcrição dos relatos verbais orais e para que pudéssemos sumariamente obter alguns aspectos da comunicação não verbal, embora estivéssemos cientes dias dificuldades técnicas que teríamos devido à forma amadora de filmagem por nós realizada.

O procedimento de coleta de dados foi semelhante para todos os entrevistados, obedecendo o seguinte padrão: após a explanação dos objetivos desse estudo e da anuência verbal o entrevistado foi iniciada a filmagem, sendo mostrada, por alguns instantes, uma página em branco, com o intuito de livrar a mente o entrevistado de quaisquer imagens minimizando assim, seus possíveis efeitos cognitivos. Em seguida, foi apresentada ao pesquisado a fotocópia colorida acompanhada da seguinte pergunta: "você poderia descrever o que vê nesta foto?" A partir daí, a entrevista seguiu como uma entrevista não estruturada onde poucas questões foram realizadas no sentido de clarificar expressões que pareciam vagas a nossa compreensão.

As entrevistas variaram de 2 minutos a 7 minutos e 20 segundos e foram sempre encerradas pela vontade o entrevistado.

3.3 Categorização dos dados

Os dados obtidos nas entrevistas foram transcritos pelas próprias autoras.

Os relatos verbais foram categorizados por frequência temática presente no discurso dos entrevistados.

A comunicação não verbal dos entrevistados foi classificada segundo as 5 categorias de gestos humanos proposta por Ekman; Friesen, apud SILVA 10: emblemáticos, reguladores, ilustradores, adaptadores e manifestações afetivas, já descritas anteriormente, Os gestos analisados foram extraídos da gravação em vídeo mediante múltiplas e minuciosas observações realizadas pelas autoras, tanto individualmente quanto em grupo.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise dos dados obtidos permitiu-nos observar o tema gravidade como o mais enfatizado, tendo aparecido no relato verbal de todos os entrevistados: “Todo cheio de fios” (paciente); "Dá a entender que está correndo risco de vida” (leigo); Entubado, com bomba de infusão, monitor, eletrocardiógrafo” (enfermeira); “Vejo o paciente monitorizado, ventilação mecânica, infusão contínua, todo controlado” (médica); "Um paciente em estado grave” (acompanhante).

Os relatos que denotaram sentimentos apareceram no discurso da enfermeira, do paciente e o psicólogo, como por exemplo: “Angústia não só dele, como o sofrimento da família, por ter um paciente nessas condições”; "Ai, a foto é horrível”; “Não tem calor aqui, fria de emoção, sentimento”, respectivamente.

No discurso observamos ainda, somente por parte da enfermeira, a inferência de dor como sintoma físico ( “Uma das mãos está fechada, me dá a sensação de dor”). Interessante notar que apesar de não existir nenhuma evidência clara de dor física na foto, a enfermeira atribuiu ao gesto “mão fechada”

O significado de dor, o que não foi relatado por nenhum dos outros entrevistados,

O leigo foi o que demonstrou maior distanciamento da situação quando disse: "um suposto paciente”, “não tenho muita percepção além disso”, “é o que eu posso ver aqui”.

A morte foi o segundo tema mais citado, aparecendo nos relatos da enfermeira (“Fio entre a vida e a morte”), do paciente (“A impressão é que está morto ou está morrendo”), e psicólogo (“O que mais me chama a atenção é a morte”), sendo este último quem mais se reportou ao tema em um número maior de vezes. Acreditamos que isso se deva ao fato de que a enfermeira e o psicólogo trabalham mais intimamente com situações relacionadas à morte, tendo menor dificuldade aparente em lidar com essa questão, ao passo que o médico tem sua formação voltada para cura e manutenção da vida, o que poderia justificar um maior distanciamento. Já com o paciente, o tema se fez bastante presente, provavelmente, por tratar-se de paciente oncológico, em tratamento quimioterápico, experenciando muitos temores, inerentes a essa situação clínica.

Essa observação permitiu-nos considerar, corroborado por FIORIN,6 que a “linguagem contém uma visão de mundo que determina nossa maneira de perceber e conceber a realidade".

A língua materna determina e diferencia a maneira pela qual o indivíduo recebe, sente, processa, elabora e compreende sons emanados do ambiente, dando-lhes ou não um “colorido” emocional no sentido da linguagem. Essa língua estaria ligada à evolução e estabelecimento dos mecanismos mediados pelo sistema límbico, que é a sede de todas as emoções. Além disso, estaria relacionada a formação de um tipo especifico de cultura e da mentalidade particular de cada grupo étnico.8

Como existem várias modalidades de percepção e de formas de orientação, o modo que os objetos, assuntos e temas para as quais ela pode se dirigir são também muito diversificados. Deste modo, a função perceptiva apresenta inúmeras facetas, e portanto, sempre que dizemos que alguém tem uma percepção muito aguçada, devemos especificar em relação a que ela se refere.

Os processos de manutenção de contato ambiental são determinados em parte, por motivos individuais, juntamente com as características do conjunto de energias que atinge seus receptores. Existem evidências de que pelo menos, em alguns aspectos, o comportamento perceptivo não depende da aprendizagem; mas estariam ligados a estímulos que disparam certas formas de comportamentos padrão, sem aprendizagem prévia.2

A partir do que vemos, ouvimos, sentimos, cheiramos, é necessário interpretarmos para que possamos perceber. No processo de comunicação com o paciente (e não só com ele) precisamos estar atentos ao verbal e ao não verbal para que a percepção e a comunicação sejam eficientes.10

As entrevistas tiveram diferentes intervalos de duração, que variaram de 2 minutos a 7 minutos e 20 segundos, sendo que deste tempo observamos variações na relação do quanto foi necessário olhar a foto antes de iniciar o relato, conforme o quadro nº 1.


Chamou-nos a atenção que os entrevistados demonstraram intervalos de tempo diferenciados para a expressão da percepção visual da situação apresentada em relação ao momento que antecedeu o início do relato, porém, não nos foi possível estabelecer o quanto de tempo foi gasto com a percepção visual em si e a cognição desse processo.

Embora dificuldades técnicas tenham ocorrido com o material observado (filme), comprometendo a análise dos sinais faciais, identificamos algumas categorias gestuais básicas da comunicação não verbal que nos permitiram estabelecer sua relação com as funções dentro da comunicação.

A manifestação do não verbal foi identificada em todos os entrevistados, cumprindo as funções de: complementar, contradizer, substituir e demonstrar sentimentos.10

Os gestos ilustradores predominaram quando em cumprimento da função de complementar o verbal, como por exemplo, quando os entrevistados apontavam a imagem apresentada, os aparelhos que nominavam no discurso ( os tubos , o eletrocardiógrafo). Os gestos adaptadores foram observados cumprindo a função de demonstração de sentimentos, como por exemplo, o morder os lábios enquanto o olhar se debruçava sobre a montagem fotográfica.

Os gestos emblemáticos e adaptadores estiveram presentes na comunicação não verbal do psicólogo, paciente e acompanhante, contradizendo o relato verbal, quando diziam: “É só isso” e balançavam negativamente a cabeça e também, quando sorriam ao dizer: “Este aspecto cadavérico”.

Gestos emblemáticos predominaram em substituição do verbal, pelo psicólogo, leigo, médica, enfermeira, quando por exemplo, utilizaram o meneio positivo da cabeça, em resposta ao agradecimento feito pelas autoras quando era encerrada a entrevista.

A percepção do não verbal, merece uma atenção especial por parte dos profissionais de saúde, já que o seu desenvolvimento aumenta as possibilidades de avaliações mais precisas das mensagens emitidas.

Numa análise geral, nos foi possível identificar que alguns dos entrevistados utilizaram predominantemente a palavra “sinto” (enfermeira, paciente, psicólogo), acompanhados na maioria das vezes, de gestos adaptadores. Os demais entrevistados (a médica, acompanhante, leigo), usaram a palavra “vejo” , acompanhada predominantemente dos gestos emblemáticos.

Conforme, os estudos de programação neurolinguística, 9 inferimos que os indivíduos que usaram a palavra "sentir", podem ser identificados como cinestésicos, do ponto de vista do sistema representacional acionado por eles para o processo de percepção da realidade, sendo que aqueles que usaram a palavra “ver”, são caracterizados como visuais.

A percepção dessas peculiaridades no outro permite compreendermos concretamente o que ele está dizendo e possibilita também uma mescla desses sistemas em nosso discurso, aumentando a possibilidade do outro acompanhar o que dizemos, o que nos parece ser muito útil no nosso exercício profissional.

Importante enfatizarmos que, ainda em relação à percepção, se conhecermos o que percebemos, como percebemos, porque percebemos de uma determinada forma, nos aproximaremos mais intimamente da nossa própria consciência levando, inclusive, a conhecermos como esse processo ocorre com outras pessoas.

A subjetividade é uma das características que determina o conteúdo da consciência, 5 para a qual devemos ter nossa atenção constantemente voltada nas relações interpessoais, Os pensamentos são subjetivos e individuais, ou seja, duas pessoas que estão em um mesmo lugar, em um mesmo tempo, vendo e pensando sobre as mesmas coisas estarão emitindo pensamentos pessoais e que só podem ser conhecidos diretamente pela própria pessoa. Caso ela nos diga o que pensa, poderemos somente abarcar o que ouvimos ela dizer que pensa e nunca o seu pensamento, podemos saber. o que uma pessoa diz que sente, mas isso não é de fato o que ela sente4 A consciência é pessoal, privada e única.3

Uma vez que ninguém tem como apreender a realidade do outro totalmente, a percepção consciente nos processos de comunicação se apresenta como facilitador da relação interpessoal, não sendo capaz de evitar conflitos, mas aumentando, substancialmente, a possibilidade de resoluções.

5 CONCLUSÃO

Neste estudo o ponto comum de percepção da realidade foi a gravidade que a imagem sugeriu, sendo que a forma de construção da linguagem para que se desse a expressão deste tema obedeceu a padrões individuais.

A divergência perceptual dos entrevistados esteve representada por uma gama de expressões relacionadas, além da gravidade, a outros temas como morte, dor e sentimento dos familiares.

Para a compreensão da percepção relatada, a comunicação não verbal desempenhou papel fundamental no processo de análise, e discussão dos dados obtidos.

Concluimos que profissionais de saúde, pacientes, acompanhantes e indivíduos sem experiência relacionada a hospitalização podem apresentar nuances na percepção de uma mesma situação hospitalar a que forem expostos, o que pode gerar conflitos na comunicação.

Termos consciência de que a forma como percebemos uma dada realidade interfere nas relações interpessoais, é primordial para balizarmos a comunicação verbal e não verbal.

Estarmos atentos a como interagimos com outras pessoas, colocando-nos na condição de observadores das reações que desencadeamos nos outros (expressadas verbalmente ou no não verbal), ou por elas desencadeadas em nós; pode constituir um caminho para melhorarmos nossa comunicação, promovendo assim, um salto qualitativo, tanto nas relações profissionais, no âmbito da enfermagem, como nas nossas próprias relações pessoais.

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  • O'CONNOR, J; SEYMOUR, J. Introdução à programação neurolinguística : como entender e influenciar pessoas, São Paulo, Summus, 1995,
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Anexo I

  • *
    Trabalho apresentado na disciplina de comunicação na Saúde do Adulto: A interação da linguagem verbal e do não verbal nas relações interpessoais, sob orientação da Prof. Dr. Maria Júlia Paes da Silva - Programa de Pós-graduação da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Mar 2010
    • Data do Fascículo
      Out 1998
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