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O cuidar do adulto institucionalizado: os sistemas de conceitos que conformem a ação

Hospitalized adult care: conceptual systems as the basis of the action

Resumos

O estudo tem como foco a caracterização de representações socialmente constituídas enquanto atributos do cuidar. Utilizamos esquemas de interpretação pautados na análise do conteúdo de depoimentos de mestrandas na Área de Saúde do Adulto. Como resultado, obtivemos a conformação de um corpo conceitual elaborado, lógico, com relações taxionômicas peculiares.

Cuidar do adulto; Representações sociais


The study analyze the social representation of the care atributes. Interpretation schemes were utilized to analyse the spheeches of graduate course students of Adult Health Care Area. The results show a conceptual framework logical, with peculiar taxonomic relations.

Social representation; Adult care


ARTIGO ORIGINAL

O cuidar do adulto institucionalizado: os sistemas de conceitos que conformem a ação

Hospitalized adult care: conceptual systems as the basis of the action

Cilene Aparecida Costardi Ide

Profª. Titular do Departamento de Enfermagem Médico – Cirúrgica da EEUSP- E–mail: cacide@usp.br

RESUMO

O estudo tem como foco a caracterização de representações socialmente constituídas enquanto atributos do cuidar. Utilizamos esquemas de interpretação pautados na análise do conteúdo de depoimentos de mestrandas na Área de Saúde do Adulto. Como resultado, obtivemos a conformação de um corpo conceitual elaborado, lógico, com relações taxionômicas peculiares.

Unitermos: Cuidar do adulto. Representações sociais.

ABSTRACT

The study analyze the social representation of the care atributes. Interpretation schemes were utilized to analyse the spheeches of graduate course students of Adult Health Care Area. The results show a conceptual framework logical, with peculiar taxonomic relations.

Uniterms: Social representation. Adult care.

1 INTRODUÇÃO

O desenvolvimento de um processo de formação no âmbito da pós - graduação em Enfermagem pressupõe a caracterização de sistemas referenciais no sentido de identificar a natureza conceitual de suas questões, bem como os atributos constitutivos de sua identidade no cenário das práticas em saúde.

Nesse contexto, um marcador significante para o tema relaciona - se à maneira como profissionais definem os contornos e as formas de pensar e agir na relação cuidar do adulto institucionalizado, refletindo a consciência de sua existência profissional enquanto processo definido no interjogo dessa atuação. Manifestações emblemáticas, inclusive, de uma postura profissional a ser aprimorada na perspectiva da auto consciência e de um novo patamar de enfrentamento das graves complexas situações que conformam a prática desse cuidar.

Esse investimento no processo de formação de mestres, no intuito de identificar esquemas mentais interpretativos enquanto manifestações de um corpo conceitual a expressar representações dessa prática, conformando a cultura desse cuidar, pressupõe explicitar o quadro teórico que sustenta o estudo, salientando os seguintes argumentos:

• pelo processo de formação e de atuação, o pensamento lógico reelabora - se no sentido de superar os elementos subjetivos e pessoais que ainda conserva suas origens, passando a ter, como baliza, as atitudes ( processos) e os conceitos socialmente constituídos, aplicados a determinados fins e ações profissionais;3.

• esse processo de interiorização dos princípios do arbitrário cultural da formação e da atuação tem o poder de produzir um " habitus durável", capaz de perpetuar - se após a cessação da ação educativa. Produziria e reproduziria a integração intelectual e moral do enfermeiro ao seu grupo profissional. Um habitus enquanto "sistemas de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a, cada momento com uma matriz de percepções, de apreciações e de ações.2

• essa internalização dos valores, dos conceitos e dos princípios de ação inerentes ao cuidar do adulto caracterizam ritmos e formas peculiares de desenvolvimento profissional. Essa evolução singular decorre de mecanismos seletivos de adesão, valoração, assimilação e transformação dos conteúdos teórico - operacionais peculiares;5

• em síntese, esse processo pessoal e intransferível de reconstrução da realidade se manifesta, inclusive, pela elaboração de novos sistemas de conceitos, de valores e de ações que teriam na percepção e na conceptualização do cuidar do adulto institucionalizado sua expressão essencial.

Frente a esse quadro teórico e tendo o processo de formação de sistemas de conceitos como questão empírica, estabelecemos o seguinte objetivo para esse estudo:

• caracterizar os esquemas de representações relativos ao cuidar do adulto institucionalizado.

2 A TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

Referencial Teórico-metodológico

O estudo teve como foco a caraterização de representações socialmente constituídas enquanto atributos dos conceitos "ser adulto", "processo de institucionalização" e "processo de cuidar do adulto institucionalizado". Uma matriz representacional compreendida, ao mesmo tempo, como elemento e produto da interação entre os profissionais e os diferentes contextos de prática, a partir da mediação de sistemas simbólicos, tendo a linguagem um papel peculiar nessa produção. Nesse contexto, consideraremos representações enquanto “formas de conhecimento socialmente elaborados e partilhados, tendo uma visão prática e concorrendo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”,º nesse estudo, constituído por enfermeiros que atuando junto ao adulto institucionalizado, encontravam – se em 1995 cursando essa Área no Mestrado.

Como referencial complementar, articulamos ao conceito supracitado as contribuições de VYGOTSKY7 relacionadas à formação de sistemas de conceitos. Para o autor elaborações teóricas submetem–se à consciência ao controle deliberado quando começam a fazer parte de um sistema. "Se consciência significa generalização, então por sua vez, significa a formação de um conceito supraordenado que inclui o conceito dado como um caso especifico"7.

Em síntese a partir desses referenciais, buscamos acessar a dinâmica desses processos cognitivos enquanto representações da cultura que vem sustentando o cuidar do adulto institucionalizado.

Assim sendo a fragilidade ou ausência dessa construção teórica induziria uma prática não sintonizada com a complexidade do cuidar qualificado, perpetuando ações ainda pautadas no senso comum. Por outro lado conteúdos processados superficialmente, dissociados de um significado, também não sustentariam novos sistemas de ação.

Local e População:

O estudo foi desenvolvido junto a 23 mestrandas que, em 1995 encontravam - se matriculadas na Área de saúde do adulto da EEUSP.

Coleta de Dados:

Os esquemas mentais interpretativos foram configurados a partir de respostas às seguintes questões:

• para você, o que é ser adulto?

• no que implica a institucionalização do adulto?

• como cuidar do adulto institucionalizado?

Análise dos Dados:

Utilizamos esquemas de interpretação pautados na análise de conteúdo l , agregando o recorte e a escolha das unidades de registro, o inventário e a configuração das categorias resultantes da classificação analógica e progressiva dos elementos constituintes dos conceitos emitidos.

3 RESULTADOS

Tornar-se enfermeiro assistencial pressupõe uma trajetória de adesão a hábitos de pensar e de fazer o cuidar, refletindo uma gradativa e peculiar sintonia a um contexto de trabalho inerente a uma cultura institucional específica.

Essa conscientização intelectual e sensível, convidando a uma nova maneira de vivenciar o processo de cuidar, tem como fulcro a tomada de posição voluntária dentro de um sistema de atuação peculiar. Na Enfermagem, nossa maneira de existir em relação à dinâmica assistencial pressupõe:

• reconhecer o caráter coercitivo inerente a um processo de institucionalização calcado na fragilização, na fragmentação e na infantilização de adultos enquanto estratégias utilizadas no sentido de controlar e de moldar desejos e ações;

• articular a esse cenário uma prática de cuidar “taylorizada”, biologizada, exercida pela reiteração de ações esvaziadas de significado e de sustentação teórica. “Nesse contexto, cabe à Enfermagem especificamente uma atuação híbrida, onde a submissão ao poder institucional convive com a intermediação de decisões e de controle sobre tempo, o espaço, as ações, os direitos e os registros inerentes à existência pessoal no interior das instituições de saúde.”4

• valorizar projetos de transformação aptos a produzir um novo envolvimento consigo e com os demais sujeitos que cohabitam o cenário institucional. Esse novo existir pressupõe preliminarmente, reconhecer os estilos peculiares de ser enfermeiro, potencializando o processo de tomada de consciência e de proposição de hábitos de pensar e de agir no sentido de aprimorar o cuidado do adulto.

Frente a essas considerações, cabe agora explicitar os sistemas de conceitos relativos ao cuidar do adulto institucionalizado, expressando os núcleos conformadores das representações.

O conceito que emerge pode ser caracterizado enquanto elaboração coerente, complexa, abrangente, extrapolando limites que vinculam essa condição a uma única determinação. O adulto síntese se fez reconhecido enquanto ser com características biológicas próprias, com um capital biopsicosocial transformado pela cultura e educação, com funções e atributos que o vinculam ao trabalho e à família, tendo como marcadores de identidade a autoconsciência e o caráter produtivo.

esquemas de estar no mundo das doenças e dos limites, vivenciando e expressando sentimentos e emoções transformadas, assim como a necessidade de projetar "um depois sem ter elaborado e assinalado a experiência limite em todas as suas implicações.

Essa representação identifica, relaciona e qualifica a complexidade dessa vivência na medida em que se agrega: a ruptura com o pregresso em suas diferentes manifestações; o ensimesmamento de um "novo ser" que se reelabora a partir do confinamento, da pertinência e da adesão a novos esquemas de estar no mundo das doenças e dos limites, vivenciando e expressando sentimentos e emoções transformadas, assim como a necessidade de projetar "um depois sem ter elaborado e assinalado a experiência limite em todas as suas implicações.

O projeto teórico do cuidar emerge pleno de significados, conformando uma rede de intenções fundamentadas, coerentes, compatíveis com a complexidade dos conceitos anteriores, avançando na perspectiva de identificar os marcadores de vulnerabilidade inerentes à dinâmica do cuidar.

Assim, como síntese, obtivemos a conformação de um corpo conceitual elaborado, lógico, com relações taxiônomicas internas, configurando, porém, uma descompasso entre uma conceptualização generalizante e um projeto de operacionalização esvaziado de funcionalidade frente a um contexto de cuidar pouco reconhecido enquanto princípio de realidade a nortear projetos de ação que teriam, na percepção e na conceptualização, seus elementos conformadores.

Houve a construção de uma representação aderida a um código de cuidar pautado no dever - ser tendo como interdicto, um contexto de prática reconhecido enquanto poder determinante e determinístico, frente ao qual o profissional emergiu como ser desprovido de poder na perspectiva de viabilizar seu projeto de ação no cenário supraordenado. Nesse cenário, prazer e dor passam a ser atributos constantes de uma ação em descompasso com a intenção consciente.

Nos diagramas referidos tentamos caracterizar, tanto a síntese dos conceitos expressos, como também os vazios teórico-operacionais enquanto pontos de fragilização a retratarem a ausência de investimento analítico enquanto atributo da consciência e da transcendência. Nesse sentido, a distância entre a conceptualização e a realidade de uma prática conflitante, que vem se desenvolvendo na contramão dos conceitos emitidos sugerem uma construção idealizada, tendo como essência uma elaboração fantasiosa da realidade. Esse seria, portanto, a matriz de comportamento de profissionais que, fragilizados, superestimariam a complexidade do próprio contexto de prática a ponto de reelaborá-lo num patamar de negação e de velamento, desfigurando não apenas o reconhecimento como, primordialmente, o investimento em projetos transformadores. Aqui delinea–se portanto, o espaço para o desenvolvimento da consciência intelectual e sensível enquanto elementos capazes de potencializar o processamento de novos hábitos de pensar e de fazer o cuidado do adulto institucionalizado.

  • BARDIN, L. Análise de conteúdo Lisboa. Edições 70, 1977.
  • BORDIEU, P.; PASSERON, J. C. A Reprodução: elementos para um teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1980.
  • GOOD SON.I.F. Currículo teoria e prática Rio de Janeiro, Vozes, 1995.
  • IDE, C. A. C.; CHAVES E. C. A singularidade dos sujeitos na vivência da hospitalização. Rev. Esc. Enf. USP., v. 29., n. 2, p. 173-9, 1995.
  • IDE, C. A. C.; NODA, K. O processamento do conceito Enfermagem: a especificidade profissional em construção / Apresentado na 2. Jornada Nacional de Iniciação Científica da 47. Reunião Anual da SBPC. São Luís. 1995/.
  • SPINK, M. J. P. Desvendando as teorias implícitas: uma metodologia de análise de representações sociais s. d. / Mimeografado/.
  • VYGOTSKY, L. S . A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo, Martins Fontes, 1991.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Mar 2010
  • Data do Fascículo
    Dez 1998
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