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Orientação aos familiares em UTI: dificuldades ou falta de sistematização?

Guiding de relatives of patients in ICU: difficultes of lack of systematization?

Resumos

Este estudo teve por objetivo analisar a problemática vivenciada pelos enfermeiros, por ocasião da orientação aos pacientes e familiares, em uma UTI de Clínica Médica. Assim, foram entrevistadas 7 (sete) enfermeiras dessa Unidade, pertencente a um hospital geral, público e de ensino do município de São Paulo. A análise dos resultados evidenciou que o momento de orientação é gerador de tensão e ansiedade para as enfermeiras, tanto pelo estado crítico do paciente, como pela falta de conduta e de sistematização dessa atividade na Unidade. Com base nos resultados, foi proposta a criação de um plano de assistência que inclua a orientação do paciente e família e a elaboração de um instrumento de orientação escrito.

Família; Enfermagem do trabalho; Ansiedade


The purpose of this study was to analyse the problematic situation experienced by nurses at the moment of guiding the relatives of patients in an ICU. Therefore, seven (7) nurses who worked in this unit, which belonged to a general, public and Craning hospital in the city of São Paulo, were interviewed. The results have shown that the period of guiding brings anxiety and stress to the nurses, originated by the critical patient's condition, as well by' the deficiency of conduts and in the systematization of this activity in the unit. Based on the results it was proposed the creation of na assistance plan. That includes the guiding to the family and the elaboration of a written instrument of orientation.

Family; Industrial nursing; Anxiety


ARTIGO ORIGINAL

Orientação aos familiares em UTI: dificuldades ou falta de sistematização?

Guiding de relatives of patients in ICU: difficultes of lack of systematization?

Carmem Isabel DominguesI; Luciana SantiniI; Vanda Elisa Felli da SilvaII

IAlunas da disciplina Administração aplicada à Enfermagem da Escola de Enfermagem da USP

IIOrientadora do trabalho. Professora Doutora do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da USP

RESUMO

Este estudo teve por objetivo analisar a problemática vivenciada pelos enfermeiros, por ocasião da orientação aos pacientes e familiares, em uma UTI de Clínica Médica. Assim, foram entrevistadas 7 (sete) enfermeiras dessa Unidade, pertencente a um hospital geral, público e de ensino do município de São Paulo. A análise dos resultados evidenciou que o momento de orientação é gerador de tensão e ansiedade para as enfermeiras, tanto pelo estado crítico do paciente, como pela falta de conduta e de sistematização dessa atividade na Unidade. Com base nos resultados, foi proposta a criação de um plano de assistência que inclua a orientação do paciente e família e a elaboração de um instrumento de orientação escrito.

Unitermos: Família. Enfermagem do trabalho. Ansiedade.

ABSTRACT

The purpose of this study was to analyse the problematic situation experienced by nurses at the moment of guiding the relatives of patients in an ICU. Therefore, seven (7) nurses who worked in this unit, which belonged to a general, public and Craning hospital in the city of São Paulo, were interviewed. The results have shown that the period of guiding brings anxiety and stress to the nurses, originated by the critical patient's condition, as well by' the deficiency of conduts and in the systematization of this activity in the unit. Based on the results it was proposed the creation of na assistance plan. That includes the guiding to the family and the elaboration of a written instrument of orientation.

Uniterms: Family. Industrial nursing. Anxiety.

1 INTRODUÇÃO

A Unidade de Terapia Intensiva - UTI centraliza os doentes em estado crítico, na tentativa de melhorar a assistência a eles prestada. Para tanto, nestas Unidades, os recursos humanos e materiais devem ser articulados de forma a estarem adequados ao tratamento desses pacientes (TAKAHASHI, 1985). Com isso, estas unidades proporcionam maiores possibilidades de recuperação de vidas humanas, constituindo-se porém em ambientes estressantes, tanto para os pacientes quanto para os trabalhadores que atuam nessa unidade (LIMA, 1993; GOMES, 1988).

Os fatores estressantes presentes na UTI, como por exemplo, o confinamento a que o paciente se vê submetido, a distância de casa, a ausência de familiares, a presença de pessoas estranhas, os equipamentos complexos e a presença de ruídos contínuos e monótonos que foram citados por GOMES (1988), provocam frequentemente reações psicológicas como o medo, a ansiedade, a insegurança e a depressão (KOIZUMI; KAMIYAMA; FREITAS, 1979).

O enfermeiro que trabalha dentro de uma UTI também sofre reflexos desse contexto e pode experimentar uma variedade de situações estressantes relacionadas ao estado crítico dos pacientes, às mudanças abruptas de seu estado geral e à responsabilidade de estar interpretando-as, ao constante contato com a morte, às condições de trabalho inadequadas, ao relacionamento dificultado com os demais elementos da equipe de saúde, às reações emocionais da família e ao seu desempenho profissional junto a esta, entre outros fatores (LIMA, 1993; GOMES, 1988; TAKAHASHI, 1985).

Em geral, além do paciente, os familiares também estão tensos, inseguros e com medo do desconhecido relacionado ao ambiente, aos aparelhos, à condição do outros pacientes, de como chegar até ele (KURCGANT, 1991). Neste momento, é de extrema importância a atuação do enfermeiro com a função de orientação, além do papel que assume como intermediador entre o paciente e sua família, num ambiente e condição estressantes para ambos.

A orientação e a informação, em geral, tranquilizam o indivíduo, pois quando este tem suas dúvidas esclarecidas, ele sente-se mais seguro e confiante (KURCGANT, 1991). Porém, um dos maiores desafios para a enfermeira, de acordo com STILLWELL (1984) , é atender a todas as necessidades que cada membro da família demanda, pois elas variam de um indivíduo para outro e a enfermeira possui um tempo escasso por estar em constante vigilância ao paciente crítico.

Assim, durante o estágio da disciplina de Administração do curso de Graduação em Enfermagem, realizado na UTI de um hospital público de ensino, pudemos observar que, no período destinado à visita, vários familiares abordavam os funcionários da unidade para conseguir informações a respeito dos pacientes e que havia pouca interação entre as enfermeiras e estes familiares, uma vez que estas só interagiam quando eram solicitadas. A orientação ficava, portanto, excluída do plano de assistência de enfermagem.

KURCGANT (1991) traz que as orientações sobre o estado do paciente, diagnóstico, condições e necessidades devem ser feitas pelos diferentes profissionais que atuam na unidade. "O médico esclarece sobre o diagnóstico médico, mas o familiar tem necessidade de falar sobre ele e de pedir maiores esclarecimentos sobre tudo aquilo que diz respeito ao paciente". Afirma, ainda, que a explicação sobre o que é melhor para o paciente, sobre o ambiente e equipamentos, deve ser feita tantas vezes quantas forem necessárias e que, nesses momentos, a enfermeira não deve se restringir a responder perguntas dos familiares mas deve ficar atenta para detectar indícios de insegurança e medo.

Devido às indagações que surgiram a respeito do tema e à escassez de publicações específicas sobre o assunto, julgamos necessário explorar as dificuldades sentidas pelas enfermeiras e que permeiam o momento de orientação dos familiares e visitantes dos pacientes na UTI, em relação a todas as necessidades por eles evidenciadas.

Com isso, espera-se subsidiar a prática dessas enfermeiras da UTI Medica desse Hospital.

2 OBJETIVOS

-Identificar quem faz orientações aos familiares na UTI médica no Hospital.

-Verificar o que as enfermeiras identificam como necessidade de orientação aos familiares e visitantes dos pacientes.

-Pontuar as dificuldades sentidas pelas enfermeiras na orientação do familiar ou visitante em relação ao paciente dessa UTI Médica, considerando todas as necessidades por eles evidenciadas.

-Captar os sentimentos do enfermeiro no momento de orientação do familiar ou visitante.

-Propor alternativas viáveis para a orientação realizada pelos enfermeiros na UTI Médica.

3 METODOLOGIA

O estudo caracteriza-se como uma pesquisa exploratória descritiva, pois visa proporcionar maior familiaridade com o problema, tornando-o mais explícito e descrevendo-o para a população especifica de enfermeiros de uma unidade. Assume, assim a forma de estudo de caso.

Esse estudo foi realizado em uma Unidade de Terapia Intensiva de Clínica Médica de um hospital geral, público e de ensino do município de São Paulo.

A população do estudo foi composta pela totalidade das enfermeiras dessa Unidade, no período estudado, somando 7 enfermeiras. Destas, 6 eram enfermeiras assistenciais e 1 era a chefe da unidade mas que exercia também o cuidado aos pacientes. Todas concordaram em participar do estudo.

A coleta de dados foi realizada no mês de setembro de 1996. Os dados foram coletados através de entrevista individual realizada pelas estagiárias. Para tanto, foi elaborado um instrumento com seis questões, que se encontra em anexo (ANEXOANEXO).

Para facilitar a visualização e análise, os dados foram tabulados e apresentados em tabelas, segundo a freqüência absoluta.

4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Os dados serão apresentados em seis tabelas, seguidos da discussão, como segue:

Verifica-se na TABELA 1, que as respostas mais freqüentes sobre quem deve responder às solicitações de orientação dos familiares, foram a enfermeira juntamente com o médico e a equipe de enfermagem. É importante observar que em todas as respostas a enfermeira está incluida.

SENNA (1981) descreve que a equipe de saúde de uma UTI deve ser composta por médico, enfermeira, técnico, auxiliar e atendente de enfermagem (atualmente, pela Lei n 7498, não mais compõe a equipe de enfermagem), fisioterapeuta, nutricionista, líder espiritual (optativo à crença do paciente) e psicólogo. A mesma autora ainda diz que o médico, a enfermeira e outros elementos da equipe de saúde devem ser capacitados para orientar o paciente e sua família.

Assim, como refere a autora acima citada, também as enfermeiras do estudo concordam que as orientações aos familiares devem ser feitas por aqueles que estão prestando cuidado ao paciente.

Uma equipe multiprofissional deve estar capacitada para esta orientação, onde cada elemento deverá estar consciente sobre o desenvolvimento de seu papel no momento de orientar. Porém, é necessário que ocorra uma troca de informações dentro desta equipe para que este grupo se complemente, e, assim, ocorra um melhor relacionamento família-equipe. É importante salientar que o enfermeiro, tendo como uma de suas funções a orientação, torna-se fundamental que este elemento tenha todas as informações necessárias sobre determinado paciente, para que seja capaz de esclarecer as dúvidas do familiar e fornecer uma orientação eficaz, uma vez que este tem um contato maior com o paciente do que os outros elementos da equipe.

Na questão "O que você orienta ao familiar?", foi possível identificar uma diversidade de respostas, sendo que as mais freqüentes foram "Normas e Rotinas". Nesse assunto os enfermeiros referem orientar sobre o horário de visita; o que o familiar deveria levar ou não para o paciente, incluindo problemas de família externos e normas e rotinas propriamente ditas. Estas foram seguidas de respostas diversas, como demostra-se na TABELA 2.

Pode-se verificar uma freqüência de respostas variadas nos diversos itens, o que nos permite deduzir que não há uma sistematização na orientação ao familiar. Com isso, uns recebem orientações mais completas e outros apenas recebem informações sobre normas e rotinas propriamente ditas, de acordo com a solicitação.

Sabe-se que, atualmente, a enfermagem busca uma assistência holística ao paciente, família e comunidade. Entretanto, observa-se que na prática têm-se dado pouca atenção às necessidades psicossociais, principalmente no que diz respeito à família, que também adoece e fica tensa quando um de seus membros adoece, pois segundo NOGUEIRA(1977) a família constitui o grupo social mais importante do indivíduo.

Pode-se verificar que "normas e rotinas" são orientações comuns feitas por quase todas as enfermeiras. Acredita-se que essa orientação, geralmente realizada na admissão do paciente na UTI, já diminui a ansiedade da família e permite aí o primeiro contato para uma maior interação, porém o que preocupa é que, pela diversidade das respostas, não se consegue enxergar uma conduta omum a todos em relação a outras orientações.

A orientação sobre normas e rotinas é importante mas questiona-se se a repetição dessa orientação específica não está indicando a presença de mecanismos de defesa contra a ansiedade, articulados diante de situações estressantes.

DEJOURS (1988) considera que , no trabalho de caráter coletivo são realizadas tarefas complexas, o que torna possível a articulação de defesas coletivas. Refere que no caso do trabalho taylorizado, a maioria dos trabalhadores ignora o sentido do trabalho e o destino de sua tarefa, sendo que a falta de sentido da tarefa individual e o desconhecimento do sentido da tarefa coletiva só tomam a sua verdadeira dimensão psicológica na divisão e na separação dos trabalhadores. Salienta que, todavia, em certos momentos, pode-se ver ressurgir traços de defesa coletiva para burlar o ritmo imposto pelo trabalho, mesmo que não haja condições de considerar que estes mecanismos sejam suficientes na luta contra a angústia e a dor mental. É preciso admitir que é sobretudo individualmente que cada trabalhador deve defender-se dos efeitos penosos da organização do trabalho (DEJOURS, 1988)

PITTA (1994) também refere que os membros da organização desenvolvem mecanismos de defesa estruturados socialmente, onde um deles seria a tentativa de eliminar decisões pelo ritual de desempenho das tarefas, em que a eterna procura de rotinas e padronizações de conduta não tem justificativa apenas na economia objetiva de gestose procedimentos.

Acredita-se que as orientações dadas na UTI são uma necessidade para o familiar e para o paciente e cabe a equipe da UTI, especialmente ao enfermeiro e ao médico a tarefa de fornecê-las. O que falta, porém, é a sistematização dessasorientações pelas equipes, possibilitando a transmissão das informações que não sejam estanques ou somente voltadas para o funcionamento da unidade.

Observa-se na TABELA 3 que a Enfermagem identifica uma necessidade de orientação global ao familiar, sendo necessário trabalhar com as questões emocionais destes familiares e, também, com a visão de como o paciente se encontrará na comunidade quando sair da UTI ou hospital e como inseri-lo novamente no contexto social. Porém, ressalta-se que essas orientações estão, ainda, muito centradas na referência individual de cada enfermeira e não do consenso do grupo. Volta-se, novamente, às informações estanques onde alguns familiares são priveligiados e outros não recebem as orientações básicas sobre rotinas fornecidas na admissão.

SCARELLI (1993) em seu estudo, verifica o conteúdo das orientações dadas às famílias. Quando perguntado ao familiar se recebeu alguma orientação a respeito do estado de saúde do paciente, todos foram unânimes ao dizer que sim e 100% dos familiares referiram ter entendido todas as orientações dadas pelos médicos e enfermeiros sobre patologias. Gardner; Stewart appud SCARELLI (1993) relatam que a equipe de enfermagem observou que o fornecimento de informações diminui muito a ansiedade da família. Quando perguntado ao familiar se ainda existia alguma dúvida, 62,9% responderam que sim e estas relacionavam-se não à patologia, mas dúvidas sobre os aparelhos, o tempo que irá ficar no mesmo, risco de vida, dúvidas a respeito da visita, questões que não se vê necessidade de estar falando, porém o familiar tem interesse em saber o que está ocorrendo.

CHAVEZ; FABER (1987) acreditam que os familiares necessitam estar informados a respeito da doença e do tratamento, além de estarem familiarizados com a caracterização física da unidade, equipamentos e aparelhos utilizados. SENNA (1981) ainda aborda a necessidade de se fazer explicações sobre o tipo de assistência, o risco terapêutico, o prognóstico e informações sobre a evolução do doente.

Portanto, acredita-se que uma orientação prévia dos familiares antes de entrarem na UTI é necessária, pois podem sanar dúvidas, diminuir tensões e ansiedades, além de permitir que o familiar ao visitar o paciente, fique mais atento ao mesmo, transmitindo segurança e não expressões de dúvidas.

Cabe, ainda, salientar que quando analisa-se o que as enfermeiras orientam e o que elas identificam como necessidade de orientação, verifica-se que aparecem respostas contraditórias: "Normas e rotinas" é o que se orienta, contudo elas identificam outros pontos como necessidade de orientação. Pergunta-se porque isto ocorre e no que isto implica. De acordo com OLIVEIRA (1991), esta contradição pode representar uma forma inconsciente de acomodar-se à situação, sendo que o relacionamento com familiares de pacientes pode fazer emergir sentimentos e situações que estas profissionais talvez preferissem não experimentar ou fazer com que continuassem adormecidos em suas consciências.

Na questão "Você encontra dificuldades em orientar os familiares/Quais", 5 entrevistadas afirmaram encontrar dificuldades neste momento; uma referiu ter dificuldades às vezes e outra não sentiu este problema. As dificuldades citadas pelas enfermeiras foram: estado emocional alterado do familiar, comunicação, falta de informação a respeito do paciente, tempo escasso, desencontro com familiares e incerteza de poder ou não transmitir questões clínicas do paciente.

DALEY (1984) menciona que freqüentemente as necessidades dos familiares são ignoradas ou esquecidas devido ao fator tempo, à falta de conhecimento em como lidar com os membros da família e à falta de compreensão de suas reais necessidades. Ainda afirma que, geralmente, o contato da equipe com as famílias é breve e quando isto ocorre os assuntos discutidos são muitas vezes os problemas vistos pela enfermeira e não pelo familiar. Além disto, a autora também diz que os regulamentos que permitem a visita de apenas uma pessoa, freqüentemente, reduz o número de vezes que os membros da família vão ver a mesma nfermeira em um dia.

Em seu estudo, a mesma autora verificou que a maioria dos familiares encontrava suas necessidades satisfeitas pelos médicos e não pelos enfermeiros. Ela diz que isto pode ter ocorrido devido a imagem pública dos enfermeiros de não serem autorizados a responder questões de diagnóstico, prognóstico, tratamento, mudanças na condição do paciente e coisas semelhantes.

Tinkham; Voorhies apud NOGUEIRA (1977) referem que a enfermagem, em contraste com outras profissões como a jurídica ou a médica, não possui ainda um consenso geral sobre o tipo de informações que as enfermeiras precisam ter sobre seus pacientes, de forma a executarem suas responsabilidades. A habilidade de analisar e interpretar os dados, varia de um advogado para outro ou de um médico para outro mas a informação básica que cada profissão elaborou permanece relativamente constante. Esta linha de informações seria necessária para a enfermeira proporcionar cuidados adequados e, principalmente, entrar em consenso sobre o que pode e deve ser orientado, tanto ao paciente quanto ao seu visitante. Estas e as questões acima descritas, também, parecem ser um problema na análise dessa situação específica, uma vez que aparecem como sendo as dificuldades encontradas pelas enfermeiras no momento de orientar o visitante da UTI. Talvez isto ocorra devido a falta de planejamento das enfermeiras sobre o que lhes cabe ou não orientar.

As propostas de solução das dificuldades foram muito diversificadas, como pode-se observar na TABELA 5.

DALEY (1984) diz que os enfermeiros poderiam fazer várias coisas para eliminar os problemas existentes entre a equipe e a família e muitas delas coincidem com as propostas de soluções itadas pela enfermeiras entrevistadas: a enfermeira deveria estar com o médico quando ele estivesse discutindo o caso com a família, pois assim ele teria conhecimento atual a respeito do que e quanto a família sabe sobre determinado problema e, além disto, ela seria capaz de repetir a informação aos familiares o tanto quanto fosse necessário; as enfermeiras também poderiam dar uma orientação prévia ao familiar para que este não tivesse a necessidade de vir a perguntar, além de mantê-lo constantemente informado, a fim de que um relacionamento mais confiável pudesse se desenvolver entre a equipe e a família.

SCARELLI (1993) concorda com a idéia de que a orientação deve ser efetuada antes do familiar fazer a visita, em uma sala apropriada dentro da UTI. Refere também que as enfermeiras deveriam ser mais cautelosas quanto a terminologia usada por elas e saber o número de vezes que determinada orientação deve ser repetida. Deveriam, ainda, conhecer as diferenças étnico-culturais e educar o familiar, pois isto também pode engrandecer o relacionamento enfermeira-família.

Em relação à existência de um melhor planejamento para se fazer a orientação e à conscientização da enfermeira quanto à importância da família, NOGUEIRA (1977) discorre sobre a necessidade de existir uma assistência de enfermagem à famíla e sobre a metodologia que deveria ser utilizada para se prestar esse tipo de assistência. Segundo a autora, a família constitui o grupo social mais importante de um indivíduo e como uma de suas funções mais importantes está a estabilidade econômica e a emocional. A este respeito, SENNA (1981) diz que quando se pensa na recuperação de um paciente, deve-se também pensar na família deste, pois esta exerce grande influência, que é benéfica quando bem orientada por um elemento da equipe de saúde qualificado o bastante para tal função e maléfica quando mal ou não orientada.

NOGUEIRA (1977) enfatiza, ainda, que o plano de assistência à família nem sempre é possivel de ser formulado logo no primeiro contato que a enfermeira tem com ela mas, dentro do possível, deve ser uma preocupação da enfermeira a fim de que se possa prestar uma assistência objetiva e racional e para que haja continuidade e possibilidade de avaliação desta assistência. DALEY (1984) menciona que esta avaliação é completa somente se estiver abrangendo tanto as percepções dos problemas e das necessidades dos familiares quanto as percepções da equipe envolvida.

Na questão "Como você se sente no momento de orientar o familiar", aparecem em maior número de respostas o "sentir-se bem", seguido de "é natural". Porém, outros sentimentos foram respondidos, tais como: "Sinto-me com a necessidade de aliviar as dúvidas do familiar"; "Sinto-me apreensiva por não saber se o paciente terá melhora ou piora"; "Sinto constrangimento quando o paciente é terminal" ; "Tenho prazer e satisfação em orientar" ; "Sinto-me à vontade dentro do meu papel, é uma coisa boa"; "Sinto que só há bloqueio na questão clínica, em até que ponto posso avançar" ; "Sintome gratificada, leal por atender, orientar"

Como se pode verificar na TABELA 6, foram verbalizados pelas enfermeiras mais frequentemente sentimentos positivos. De acordo com FERREIRA (1986) "natural" refere-se à algo que segue a ordem regular das coisas, é algo lógico, próprio do instinto, é espontâneo. Segundo JAPIASSU; MARCONDES (1993) "bem" é tudo aquilo que possui um valor moral e físico positivo, e segundo Aristóteles, o bem é aquilo a que todos os seres aspiram.

Para a enfermeira, que tem como uma de suas funções a educação, na qual a orientação está inserida, p "sentir-se bem", "o ser natural", "o prazer", "a satisfação" e "a gratificação" tornam-se respostas esperadas nesta si tuação, pela possibilidade de exercê-la. Entretanto, a referência à "apreensão", "constrangimento" e "bloqueio" permitem questionar se as enfermeiras não estão mascarando sentimentos contraditórios, gerados pela tensão e ansiedade, dada a situação instável em que se encontra o paciente.

PITTA (1994) menciona que o lidar cotidiano com doenças e morte provoca e transforma impulsos primitivos dos trabalhadores de hospitais. A situação de trabalho suscita sentimentos muito fortes e contraditórios na enfermeira ( Menzies apud PITTA, 1994). Os pacientes e parentes nutrem sentimentos complicados em relação ao hospital, que são expressos particularmente e mais diretamente às enfermeiras e que frequentemente as confundem e angustiam (Aries apud PITTA, 1994). Para isto, de acordo com PITTA (1994) elas se utilizam do distanciamento e da negação de sentimentos onde estes têm de ser controlados, o envolvimento refreado e as identificações perturbardoras evitadas.

Assim observa-se que, mesmo sendo citados em menor número, os sentimentos "negativos" trazem uma carga emocional grande ao trabalhador e deveriam ser discutidos no grupo para ser trabalhado o sofrimento psíquico. Isto porque, um fator psicossocial estressor tem efeito patogênico igual à agentes químicos, físicos ou biológicos e daí a importância dele ser superado (PITTA 1994).

5 CONCLUSÃO

A análise dos dados re fe ridos pelas enfermeiras, permitiu tecer algumas conclusões.

As enfermeiras consideram que as orientações devem ser realizadas pela enfermeira, juntamente com o médico e a equipe de enfermagem.

As orientações mais freqüentemente realizadas pela enfermeira, referem-se às "Normas e Rotinas" da Unidade, parecendo buscar um melhor funcionamento para a Unidade, em detrimento do atendimento às necessidades evidenciadas pelos pacientes e seus familiares. Ao mesmo tempo, isso pode significar um mecanismo de defesa articulado pelos enfermeiros, diante de situações estressantes. A diversidade de conteúdos abordados, permite evidenciar as diferentes condutas em relação às orientações e a falta de sistematização dessa atividade.

Identificam como necessidade de orientação prioritária a "Alta" do paciente da unidade, demonstrando a preocupação com a reinserção desse no seu contexto social. Contudo, esse dado explicita uma contradição entre o que a enfermeira refere que orienta e o que identifica como necessidade de orientação a ser atendida.

A dificuldade mais citada, relativa ao momento de orientação é o estado emocional alterado do familiar. Essa dificuldade referida reforça a tesesobre a articulação de mecanismos de defesa, relativos às orientações sobre normas e rotinas.

Em referência ao momento de orientação, os sentimentos mais verbalizado 'foram os positivos como sentir-se "bem" e "é natural". No entanto, as referências à apreensão, constrangimento e bloqueio podem referir-se à ansiedade e tensão.

As soluções mais freqüentemente propostas pelas enfermeiras, diante das dificuldades encontradas para orientar, foram a sua presença no momento da visita e a autonomia na definição do horário de visita. Essas propostas evidenciam a necessidade de sistematização dessa atividade.

A partir dessa análise, sugere-se a criação de um plano de assistência de enfermagem à família e a criação de um instrumento escrito que subsidie as orientações comuns aos pacientes e familiares efacilite a interação num primeiro contato.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos dados obtidos neste estudo, podese verificar que há uma falta de sistematização da orientação ao visitante da UTI, realizada pela enfermagem.

Vislumbra-se como propostas de solução, a partir das informações obtidas neste trabalho:

1. Criação de um plano de assistência de enfermagem à família que facilite o agrupamento das informações de forma sistematizada, a partir das próprias soluções que as entrevistadas propõem e do que elas identificam como necessidade de orientação.

Para fazer com que isso aconteça propõe-se a realização de reuniões com as enfermeiras da unidade para:

*Sitematizar as informações que devam e possam ser dadas;

*Discutir a formulação do plano de assistência à família.

*Criar um instrumento de informação escrito e ilustrativo, como por exemplo um folheto, caderno ou folder, que reuna as informações comuns para um primeiro contato com a família. O conteúdo desse instrumento poderia abranger a localização da UTI, a definição do que é UTI, as características dos pacientes da Unidade (UTI/SEMI), a composição da equipe, os profissionais com quem os familiares podem conversar na admissão e nas visitas, os horários de visita, os aparelhos e equipamentos que são encontrados na unidade e a importância dos visitantes não osmanipularem e algumas informações a, respeito de transferência e alta do paciente.

2.Programação de momentos de discussões em grupo com as enfermeiras da unidade, para que possam ser expostas as cargas emocionais provocadas pelo próprio trabalho, com a orientação de um psicólogo, da educação continuada ou de algum profissional capacitado a realizar este trabalho.

Com isso, espera-se que assistência de enfermagem possa vir de encontro às expectativas dos pacientes e familiares.

INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS

NOME: FUNÇÃO:

TURNO: DATA:

1) Quem deve responder às solicitações de orientação dos familiares?

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2) O que você orienta ao familiar?

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3) O que você identifica como necessidade de orientação?

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4) Você encontra dificuldades em orientar os familiares do paciente? Quais?

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5) Como você acredita que possam ser solucionadas essas dificuldades?

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6) Como você se sente no momento de orientar o familiar?

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  • CHAVEZ, C.W. ; FABER, L. Effect of an educationorientation program on family members who visit their significant other in the intensive care unit. Heart Lung, v.16, n.1, p. 92-9, 1987.
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ANEXO

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Mar 2010
  • Data do Fascículo
    Mar 1999
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