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O direito à informação e a manifestação da autonomia de idosos hospitalizados

The right to information and the autonomy of the hospitalized elderly

Resumos

Partindo-se do pressuposto que a avaliação da qualidade para a organização e o funcionamento dos serviços de saúde não deva estar restrita a variáveis tecnicistas e financeiras, mas que contemple o respeito dos direitos do paciente, procurou-se conhecer e analisar a manifestação da autonomia de idosos hospitalizados, baseada nas informações que possuem sobre seu estado de saúde, através da pesquisa de suas expectativas, compreensão sobre o direito à informação e a utilização deste para a deliberação e o consentimento esclarecido às propostas diagnósticas e terapêuticas envolvidas na assistência à sua saúde. Os resultados evidenciaram carência da informação fornecida ao idoso, manifestação de insatisfação quanto ao padrão de informação revelada, o papel da família como intermediária da informação na relação do idoso com a equipe de saúde e o comprometimento do processo decisório autonômico do paciente bem como comprometimento da manifestação do consentimento esclarecido.

Idoso; Direitos dos pacientes


It was carried out a study with the aim to analyse the autonomy of hospitalised elderly, based on the comprehension about their rights of information and the informed consent on proposals of diagnosis and terapheutics. The results showed patient's lack of information, dissatisfaction on the degree of information. It was also verified that the patient's family frequently acts as information intermediary between the health team and the patient. Therefore, autonomy process of decision making was compromissed, as well as the informed consent of the elderly.

Aged; Handicapped advocacy


ARTIGO ORIGINAL

O direito à informação e a manifestação da autonomia de idosos hospitalizados

The right to information and the autonomy of the hospitalized elderly

Ana Claudia de OliveiraI; Paulo Antonio de Carvalho FortesII

IEnfermeira. Bolsista FAPESP

IIProfessor Doutor. Faculdade de Saúde Pública

RESUMO

Partindo-se do pressuposto que a avaliação da qualidade para a organização e o funcionamento dos serviços de saúde não deva estar restrita a variáveis tecnicistas e financeiras, mas que contemple o respeito dos direitos do paciente, procurou-se conhecer e analisar a manifestação da autonomia de idosos hospitalizados, baseada nas informações que possuem sobre seu estado de saúde, através da pesquisa de suas expectativas, compreensão sobre o direito à informação e a utilização deste para a deliberação e o consentimento esclarecido às propostas diagnósticas e terapêuticas envolvidas na assistência à sua saúde. Os resultados evidenciaram carência da informação fornecida ao idoso, manifestação de insatisfação quanto ao padrão de informação revelada, o papel da família como intermediária da informação na relação do idoso com a equipe de saúde e o comprometimento do processo decisório autonômico do paciente bem como comprometimento da manifestação do consentimento esclarecido.

Unitermos: Idoso. Direitos dos pacientes.

ABSTRACT

It was carried out a study with the aim to analyse the autonomy of hospitalised elderly, based on the comprehension about their rights of information and the informed consent on proposals of diagnosis and terapheutics. The results showed patient's lack of information, dissatisfaction on the degree of information. It was also verified that the patient's family frequently acts as information intermediary between the health team and the patient. Therefore, autonomy process of decision making was compromissed, as well as the informed consent of the elderly.

Uniterms: Aged. Handicapped advocacy.

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho faz parte da pesquisa "Informação em Saúde: expressão da autonomia dos pacientes" e objetivou aprofundar o conhecimento e a reflexão ética no cotidiano das ações e dos serviços de saúde em relação à garantia da manifestação da vontade autônoma de pessoas idosas quando hospitalizadas.

A pessoa autônoma é a que la que, independentemente da faixa etária, toma decisões livremente, escolhe entre as alternativas a ela apresentadas de acordo com valores, crenças, aspirações e objetivos próprios de vida e é capaz de agir baseada nessas deliberações. Na ação dos profissionais de saúde, respeitar a autonomia da pessoa é reconhecer que cabe a ela possuir pontos de vista, valores e objetivos de vida que podem divergir dos dominantes na sociedade ou daqueles aceitos pelos profissionais6.

Em nosso país, nos últimos anos, desenvolvese ampla reflexão teórica sobre a autonomia das pessoas nas relações com instituições e profissionais de saúde, disto derivando a elaboração de normas deontológicas encontradas em Códigos de Regulação Ética, como o dos profissionais de Enfermagem que afirma o dever de prestar informações ao cliente e à família a respeito da assistência de enfermagem, dos possíveis benefícios, riscos e conseqüências dos atos a serem realizados (art.26). Devem solicitar o consentimento do cliente ou de seu representante legal para a assistência de enfermagem, afora as situações onde se configure iminente risco de vida(art.49). Quanto à categoria médica, as normas de seu código impedem a realização de qualquer procedimento, através de práticas diagnosticas ou te rapêuticas, sem que existam os devidos esclarecimento e consentimento prévios do paciente ou de seu representante legal, excetuando-se noscasos da existência de iminente perigo de vida (arts.46 e 56). As normas deontológicas vedam aos médicos deixarem de informar ao paciente sobre o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos dos procedimentos propostos, a menos que julgarem que as informações, se reveladas, possam provocar danos emocionais aos pacientes.

Derivado do princípio ético da autonomia da pessoa humana apresenta-se o respeito a seu consentimento esclarecido. Este deve ser emitido e recolhido pelo profissional de saúde nos atos que afetem a integridade físico - psíquica do paciente; ato de decisão voluntária, realizado por uma pessoa competente, fundamentada em adequada informação e que seja capaz de deliberar tendo compreendido a informação revelada, aceitando ou recusando propostas de ação que lhe afetem ou poderão lhe afetar.

Deve ser livre, voluntário, consciente, não podendo ser obtido por restrições físicas, psíquicas ou morais ou manipulação que impeça a livre manifestação da vontade pessoal. Além da liberdade de opção, para que o indivíduo, voluntariamente e conscientemente, possa emitir seu consentimento, aceitando ou recusando aquilo que lhe é proposto, é necessário que o paciente seja informado e que a informação revelada seja por ele compreendida7.

Filósofos, eticistas e profissionais de saúde propugnam que o respeito as decisões autônomas dos idosos seja ampliado no cotidiano dos serviços de saúde, pois do ponto de vista ético, os parâmetros legais referentes à idade não devem significar ausência ou presença de competência individual em decidir. Advogam que qua lquer pessoa , independente de sua idade, tendo condições intelectuais e psicológicas para apreciar a naturezae as conseqüências de um ato ou proposta de assistência a sua saúde, deva ter oportunidade de tomar decisões sobre questões relacionadas à sua saúde3,12,16,21

Partindo-se do pressuposto que a avaliação da qualidade para a organização e o funcionamento dos serviços de saúde não deva estar restrita a variáveis tecnicistas e financeiras, mas que contemple o respeito dos direitos do paciente, não apenas observado enquanto mero consumidor de produtos ou serviços, mas como cidadão, que em determinado(s) momento(s) de sua vida necessita da prestação de serviços de saúde. O trabalho apresentado visou conhecer as expectativas, compreensões e valores dos idosos hospitalizados sobre seu direito à informação e a utilização deste para deliberar e consentir às proposições diagnósticas e terapêuticas envolvidas na assistência à sua saúde, ou seja, a manifestação de sua vontade autônoma.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa utilizou metodologia de cunho analítico-descritivo. O referencial teórico referente aos procedimentos para o desenvolvimento da pesquisa foi fundamentado nos trabalhos de (BARDIN2; GIL15; MINAMO19; TRIVINOS25).

O critério estabelecido como marco cronológico para identificar o indivíduo idoso foi o definido pela Organização Mundial da Saúde - idade de sessenta anos ou mais16.

Foram pesquisados idosos internados por motivos clínicos ou cirúrgicos. Entrevistados 40 pacientes, 21(52,5%) mulheres e 19(47,5%) homens, escolhidos segundo os critérios: Internação por período superior a quarenta e oito horas na unidade; não ter como diagnóstico doença oncológica; possuir capacidade de compreensão e verbalização adequadas para a entrevista; não apresentar sinais de comprometimento do processo decisório.

Os idosos encontravam-se internados em enfermarias de clínica médica e cirúrgica de um hospital público, caracterizado como hospital geral, localizado na cidade de São Paulo e administrado pela Secretaria de Estado da Saúde.

Quanto a escolaridade, encontram-se 23 idosos (57,5%) com primeiro grau incompleto, 16 (40%) analfabetos, e 01 (2,5%) com primeiro grau completo. Distribuição etária dos entrevistados: 60-69 anos : 17 (42,5%); 70-79 anos : 19 (47,5%); 80-89 anos : 04 (10,0%). A idade mínima foi de 60 anos e a máximade 84 anos.

Antes do início da pesquisa obteve-se a autorização da Direção do estabelecimento e a concordância da Chefia de enfermagem. No período de dezembro de 1995 a janeiro de 1996 foi realizado pré-teste com 12 pacientes. A coleta foi efetivada no período de fevereiro a junho de 1996, duas vezes por semana, devido a prolongada permanência do paciente na instituição. Os dados como nome, idade, data e diagnóstico de internação foram obtidos através do prontuário.

Após identificação por parte do pesquisador ao entrevistado, lhe era esclarecido o objetivo e a natureza da pesquisa, a necessidade da gravação e lhe era ressaltada e garantida a manutenção do sigilo dos dados e o total anonimato. Seu consentimento foi obtido verbalmente, tendo ocorrido duas recusas. O protocolo de pesquisa não foi submetido à Comissão de Ética para pesquisas em seres humanos por sua inexistência, no período da coleta de dados, nas instituições envolvidas.

As entrevistas foram abertas, utilizando-se roteiro tematizado previamente elaborado, sendo os conteúdos transcritos e analisados. O roteiro dirigiu as perguntas do entrevistador para o conhecimento da pessoa sobre seu estado de saúde, a aceitação ou recusa de ser informado, a satisfação quanto às informações recebidas, a opinião sobre o direito à veracidade das informações a lhe serem fornecidas e a tornada de decisão baseada na informação sobre a assistência à saúde e o consentimento esclarecido.

Após realização das entrevistas, as mesmas foram transcritas e analisadas. Para o tratamento dos dados, foram utilizados os procedimentos de análise de conteúdo. Utilizou-se técnica de "análise de enunciação", escolhida pela possibilidade de adequação às diversas condições (locus) de produção da palavra ocorrentes na pesquisa. A categorização empregada refere-se aos itens constantes do roteiro tematizado, acima descrito. As unidades de registro foram proposições, afirmativas, frases/sentenças, atinentes à temática.

Após várias leituras dos dados coletados, agruparam-se os conteúdos expressos em conhecimento sobre diagnóstico, medicação e procedimentos diagnósticos e/ou terapêuticos; a quem estavam sendo repassadas as informações; quem estava fornecendo as informações; o que estava sendo informado; qual o nome do(s) médico(s) tratante(s); a opinião sobre receber o diagnóstico; recusa/ aceitação de informação; presença do familiar como intermediário da relação médico paciente e satisfação / insatisfação quanto àsinformações recebidas.

Alguns dados são apresentados em números absolutos e percentuais.

ANÁLISE DOS RESULTADOS

1 A busca da informação

Ao serem questionados sobre a quem os profissionais de saúde deveriam informar o diagnóstico, dos 40 pacientes entrevistados, 26 (65%) af irmaram que a informação deveria ser primeiramente comunicada ao próprio doente e não a seus familiares. Assim se manifestaram:

"- Acho que deve falar logo para a pessoa mesmo. Não adianta, eu sou doente, ele está me tratando, ele vai falar o que eu tenho vamos supor, para um amigo meu? O que ele deve falar, deve falar para a pessoa; se eu tenho uma doença, eu tenho que saber. Os médicos devem falar para mim mesmo". (63 anos, sexo masculino, hepatopatia)

"- O médico deve contar para o paciente para que ele possa se recuperar melhor e possa fazer o tratamento. Ajuda no tratamento ". (70 anos, sexo masculino, DPOC)

"- O médico deve contar para o doente e chega! Só o doente saber, então o doente é o dono da doença, ele é o doente, ele contaria para quem ele achar que deve. Se fosse comigo, eu gostaria que contassem para mim e eu contaria para quem eu achar que deve saber. " (67 anos, sexo masculino, tuberculose e DPOC)

Pôde-se identificar a expectativa da maioria dos entrevistados a ter informações, sendo menor a parcela dos que optam pela recusa à informação e/ ou preferem utilizar-se dos familiares enquanto elos da comunicação com os profissionais de saúde. Esta prática dificulta a garantia da vontade autônoma do paciente, que para se realizar precisa que as informações transmitidas se refiram à natureza dos procedimentos, aos objetivos diagnósticos ou terapêuticos, às alternativas existentes para os procedimentos propostos, às possibilidades de êxito. Devem se pautar no balanço entre os benefícios a serem obtidos e os riscos e inconvenientes possíveis de ocorrerem, e ainda, sobre as probabilidades de alteração das condições de dor, sofrimento e de suas condições patológicas1.

Apesar da prevalência da opção por serem informados, fica bastante evidenciada a falta de informação no trato com os pacientes, ao verificarse que a maior parcela dos entrevistados 31 (77,5%) não possuía nenhuma informação sobre a medicação que recebia no hospital. Somente três pacientes sabiam se referir às medicações que recebiam, não por terem sido informados pelos profissionais de saúde, mas em virtude da participação dos familiares omo fonte de informação. São muito significativas as manifestações:

"- Já vem os comprimidinhos e eles não dão o vidro nem a receita". (63 anos, sexo masculino, ICC)

" - Eles dão remédios aqui. Põe na boca, eu engulo e pronto". (68 anos, sexo mascul ino , hérn ia abdominal, desidratação, choque hipovolêmico e prostatismo)

" - Tomo bastante. Eu não sei nada de remédios, vem um monte, tô devorando." (74 anos, sexo feminino, crise hipertensiva e acidente vascular cerebral)

Os resultados também mostraram que, dos 40 pacientes hospitalizados, somente 14 (35%) tinham recebido informações sobre o motivo da internação diretamente do corpo médico da instituição, que se caracterizou como a única fonte de informação. Destes, 07 (17,5%) tinham informações somente em relação ao diagnóstico, 05 (12,5%) sobre diagnóstico, exames e procedimentos e 02 (5%) sobre diagnóstico e medicação.

E, quando indagados a respeito, os que referiram não saber sobre seu diagnóstico, medicação utilizada e/ou exames realizados, se expressaram:

" - Eu não sei lhe dizer o que é que eu tenho." (67 anos, sexo masculino, diagnóstico tuberculose, DPOC)

" - Eles não falaram nada para mim até agora." (76 anos, sexo masculino, pielonefrite e prostatismo)

" - Eles não me falaram o que 6." (73 anos, sexo masculino, angina pectoris)

Quando inquiridos sobre exames subsidiários, laboratoriais e/ou radiológicos, realizados durante a permanência no hospital, a desinformação também predominou. Dezessete (42,5%) disseram não haver sido revelado o motivo dos exames a que foram submetidos. Outros 15 (37%) relacionavam a realização de exames com seu quadro clínico e diagnóstico, nominando-os.

" - Não sei os exames que eles fizeram, só sei que fizeram muitos exames. Eles não falam nada". (75 anos, sexo feminino, pé diabético)

" - Sobre os exames não falaram nada. Médico s não fa lam. Ele s ficam trabalhando entre eles". (75 anos, sexo masculino, icterícia)

" - Agora veja bem, o que tem a ver reumatismo com ultra-som? Eu não entendo mas acho que não tem nada ha ver." (72 anos, sexo masculino, artrite gotosa)

O expressivo desconhecimento da natureza e dos objetivos dos exames subsidiários realizados reforça CLOTET5, para quem "o consentimento esclarecido dificilmente é solicitado na prescrição de uma medicação usual ou para a realização de exames bem como para outras práticas que podem ocorrer no período de internação".

A maior parte dos pacientes entrevistados (57,5%) referiu que durante o período em que estava internado não questionara os profissionais da unidade sobre seu estado de saúde, diagnóstico, exames subsidiários e possibilidade de alta. Quando perguntados sobre a causa deste tipo de atitude, assim se expressaram:

" - Não pergunto; também ficar perguntando talvez não podem ou não querem explicar. Para o médico não se pergunta nada. Eles não gostam de responder. A pessoa que olha a temperatura, se perguntarmos sempre fala que está normal, nunca fala quanto está". (75 anos, sexo masculino, icterícia obstrutiva e angina pectoris)

" - Não pergunto. Eu acho que se ficar perguntando eles pegam suspeita da gente. Imaginam assim: - A pessoa já precisa do estudante e vem perguntar coisas. Além disso, eles vem atender a gente naquela aflição e a gente ainda fica perguntando. Aí eu não pergunto". (75 anos, sexo feminino, pé diabético)

Somente 11 (27,5%) pacientes afirmaram fazer perguntas aos profissionais médicos sobre a razão de sua estadia hospitalar, sendo que apenas 03 (7,5%) disseram procurar obter informações também do corpo de enfermagem, apesar de nem sempre conseguirem seu intento.

"- Pergunto mas as enfermeiras não dão informações". (70 anos, sexo masculino, doença pulmonar obstrutiva crônica)

"- As enfermeiras não conversam com a gente". (67 anos, sexo feminino, icterícia)

A leitura das falas mostra a existência de pessoas que não possuem consciência de seu direito à informação. Não questionam, mantêm-se em posição passiva, sendo possível dizer que não agem como pessoas autônomas. No momento em que os pacientes esperam do médico e dos demais elementos da equipe de saúde a decisão em relação ao que eles devam ou não saber, estão sendo meros receptáculos passivos. São ignorados seus desejos, expectativas e valores.

Parece haver, mesmo em estabelecimentos de bom nível técnico, como o estudado, uma indesejável distância entre os profissionais de saúde com o paciente. Os resultados encontrados são compatíveis com dados da pesquisa realizada com pacientes hipertensos por STRULL; CHARLES23, na cidade de São Francisco, USA, indicando que os pacientes recebem poucas informações a respeito de seu estado de saúde, diagnósticos e medicamentos ministrados.

2 O relacionamento com os profissionais de saúde

Verificou-se que 19 (47,5%) entrevistados não sabiam referir o nome do(s) médico(s) que lhe prestavam assistência durante a internação hospitalar.

" - Eu não sei o nome do meu médico porque eles trabalham em equipe e eu não sei." (64 anos, sexo feminino, ICC e diabetes mellitus)

" - Tem tantos médicos! Não sei." (71 anos, sexo feminino, ICC)

" - Para te falar a verdade, são tantos que eu nem sei". (79 anos, sexo feminino, asma brônquica e pneumonia)

Consideramos estes achados bastante significativos, pois entre os entrevistados encontravam-se pacientes que estavam internados há mais de 20 dias na instituição. O desconhecimento acerca dos nomes dos médicos responsáveis pela assistência ao hospitalizado possivelmente interferiu na interação profissional/paciente pois para uma adequada comunicação entre o profissional de saúde e seu paciente, a apresentação entre os sujeitos deve iniciar-se pelo nome dos envolvidos. É ela o início de um diálogo. É possível dizer que fica mais difícil para o paciente expressar-se a quem desconhece o nome. Somando e ste comportamento dos profissionais ao ambiente hospitalar opressivo, pode-se pensar que se reforça a posição de passividade na qual se encontram os pacientes. Essa posição é uma constante na prática médica e advém da tradição hipocrática, que privilegia as condutas beneficentes do médico, mesmo paternalistas, seu dever de "fazer o bem" ao paciente, sobrepujando o princípio da autonomia individual17,22

As entrevistas também revelaram insatisfação quanto ao padrão de informação obtida através dos médicos e do corpo de enfermagem, apesar do cuidado que os pacientes mantiveram em evitar críticas aos profissionais e à instituição.

" - A doutora explicava as coisas, mas sabe o que é, a gente não entende as palavras dos médicos, são umas palavras tão diferentes, só eles que entendem ou alguém que é estudado." (60 anos, sexo feminino, f ibrose pulmonar)

"- Para o paciente fica bem ficar sabendo mais ou menos o que ele está se submetendo, mas pensando bem, para a gente, eles explicam mas a gente não entende de medicina, então a gente não entende nada. Mas, não deixa de ser uma comunicação demonstrando boa vontade para com o paciente." (72 anos, sexo masculino, enxerto fêmur poplíteo de membro inferior direito)

" - Elas (o corpo de enfermagem) não falam, só vão dando remédios. Eu pergunto, mas não dão informações. Gostaria de saber melhor sobre meu estado." (70 anos, sexo masculino, DPOC)

" - Eles (o corpo de enfermagem) não dão informações, só dão remédios, tiram chapa, pulso temperatura. Gostaria de saber se eu estou boa de saúde, se vou sarar ou se vou continuar nessa aflição." (66 anos, sexo feminino, ICC)

A situação demonstrada contraria as normas deontológicas que regem o trabalho dos médicos e enfermeiros, assim como o proposto pela Cartilha dos Direitos do Paciente, emitida pelo Conselho Estadual de Saúde de São Paulo, em 1995. Esta afirma ter o paciente direito a conhecer seu diagnóstico e tratamento, identificar o nome do profissional de saúde e seu registro no respectivo Conselho Profissional, de forma clara e legível; o direito de solicitar e receber explicações claras sobre o exame a que irá ser submetido e para qual finalidade irá ser coletado o material para exame de laboratório.

Os resultados também comprovam TAKAHASHI24, ao afirmar que "as dificuldades na comunicação e a falta de informações, constituemse nas queixas mais comuns de pacientes hospitalizados". A comunicação não significa apenas falar com o paciente, mas também ouvi-lo e levar em conta seus conhecimentos, receios e expectativas em relação ao tratamento. As informações devem ser adaptadas às circunstâncias do caso e às condições sociais, psicológicas e culturais. Acrescenta ainda que não há, eticamente, necessidade de que as informações prestadas sejam detalhadas. É suficiente que sejam leais, compreensíveis, aproximativas e inteligíveis, para que a manifestação autônoma do indivíduo seja garantida 11,13.

Cabe destacar os dizeres de BUCHANAN4 que considera ser papel do enfermeiro participar das consultas médicas a fim de esclarecer as dúvidas do paciente principalmente no que diz respeito ao linguajar difícil do médico. Outros autores entendem que é papel do enfermeiro o esclarecimento aos pacientes quanto às opções apresentadas pelo médico, utilizando para tanto linguajar de fácil compreensão. O profissional, ao utilizar um linguajar que fuja à compreensão do doente, está desrespeitando-o como ser social e, consequentemente, dificultando a manifestação de sua autonomia10,20

3 A família como intermediária

Constatou-se ser significativo o papel desempenhado pelos familiares como intermediários da informação fornecida pelos profissionais de saúde, fato que não só afasta o paciente dos profissionais, como potencializa o desrespeito à sua vontade. Em 10 casos (25%), os familiares foram informados antes dos idosos.

"- Eles não falam para mim, a gente vem a saber. O médico informa tudo direitinho para o meu neto e ele fala para mim". (79 anos, sexo feminino, asma brônquica e pneumonia)

" - Eles contam para o meu neto quando ele vem aí, por que ele é moço né." (78 anos, sexo feminino, infecção pulmonar e diabetes mellitus)

- Quem sempre conversa com os médicos é minha filha. Minha filha que sabe de tudo pois é ela que me acompanha desde o dia que entrei aqui." (71 anos, sexo feminino, hiponatremia)

4 Recusa a ser informado

Houve porém pacientes que manifestaram desejo de recusa a ser informados sobre seu diagnóstico. Estes assim se pronunciaram:

" - O doente gosta de saber mas eu acho que não deve contar". Eu gostaria que ninguém me falasse nada." (67 anos, sexo feminino, arritmia cardíaca)"

"- Conforme o problema, deve contar para outro. Por que as vezes, contar para o paciente, o paciente já não está muito bom de cabeça porque está sofrendo, fica decepcionado. E se fala para outra pessoa, a gente está sofrendo mas não está sabendo." (75 anos, sexo feminino, pé diabético)

A esse respeito pode-se citar o comentário de SEGRE22 "Exercer a autonomia implica assumir a responsabilidade pela própria saúde; não é raro entretanto, que pacientes queiram abdicar dessa autonomia, deixando para o médico a decisão de todos os seus problemas de saúde. Essa conduta, freqüentemente, está na tradição paternalista e às vezes, em razões de comodismo" . Outros acrescentam que muitas pessoas preferem colocar-se nas mãos dos médicos pelo fato de ser a autonomia para elas, mais uma fonte de frustração e ansiedade do que de satisfação18.

O respeito ao princípio da autonomia consiste em aceitar a decisão do paciente quando este é competente. Sendo sua vontade pessoal não querer receber informações ou não querer decidir, sua posição deve ser respeitada, mas deve compreender que é dever do profissional de saúde informar sobre os procedimentos propostos, e que tem direito de tomar decisões sobre seu próprio tratamento. Deve ainda compreender que os profissionais não podem iniciar um procedimento sem sua autorização, exceto nos casos de iminente perigo de vida13.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados mostram que os idosos tiveram fortes restrições a seu direito à informação, podendo-se inferir que isto tenha comprometido sua autonomia em decidir. Confirmam BUCHANAN4 que aponta para a perda, durante o período de internação, da possibilidade de manifestação da capacidade decisória autonômica do paciente, que é tratado como ser dependente da instituição hospitalar. Muitas vezes, por meio de suas rotinas, o ambiente hospitalar chega a descaracterizar a individualidade da pessoa, colocando-a em situação de passividade e impotência. O paciente deixa de ser chamado pelo nome, desfaz-se de suas roupas próprias. Não é ele que decide o que comer, o que vestir, quando tomar banho, quando dormir e acordar, quando e como poderá receber visitas. Não raramente, presenciar a discussão de seu caso na condição de ser inanimado, sem direito de questionar ou mover-se14.

Ao deparar-se com a gama de desinformação que cercou a população estudada, surgem perguntas:

- Os idosos exerceram realmente sua autonomia? Conheciam o direito de exercê-la?

As pessoas entrevistadas eram aparentemente competentes, pareciam compreender bem o sentido da pesquisa e as perguntas a elas formuladas. É possível dizer que esses pacientes não haviam tido até o momento da coleta dos dados, a oportunidade de decidirem ou seja, de exercerem a autonomia.

" - Quando eu comecei a sentir o drama aqui eu não quis mais ficar e minha irmã e sobrinha me trancaram e, até hoje, me deixaram aqui. Elas fogem um pouco de virem me visitar porque eu só fico pedindo para ir embora." (72 anos, sexo masculino, broncopneumonia)

Poder-se-ia aventar que a avaliação da autonomia individual muitas vezes se revela complexa, pois qualquer desordem emocional ou mental, e mesmo uma alteração física, pode comprometer a apreciação e a racionalidade das decisões reduzindo a autonomia do paciente, dificultando sobremaneira o estabelecimento de limi entendimento, de deliberação, de escolha racional. Neste caso, passa ser necessária a diferenciação da pessoa autônoma da avaliação da autonomia dos atos praticados. Porém é necessário ser compreendido que mesmo indivíduos considerados incapazes para certas decisões ou campos de atuação, não o são para tomar decisões em outras. O julgamento de competência em decidir deve ser dirigido a cada ação particular e não a todas as decisões que a pessoa, mesmo aquela considerada legalmente como incompetente, deva tomar. Também não se pode imputar reduzida autonomia pelo fato da pessoa ter condições socio-educacionais desfavorecidas8,9

Finalizando, pode-se verificar, através dos resultados obtidos, que os idosos, em sua maioria, apresentavam expectativas de serem diretamente informados e esclarecidos a respeito de suas condições de saúde, manifestando insatisfação com a qualidade e o grau da informação recebida. Assim sendo, é possível inferir a desqualificação da vontade autônoma dos pacientes, impeditiva da manifestação do consentimento esclarecido às propostas diagnósticas e terapêuticas envolvidas em sua assistência à saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2010
  • Data do Fascículo
    Mar 1999
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