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Perfil de mulheres portadoras do HIV de uma maternidade no Rio de Janeiro

Profile of women HIV+ hospitalized in a public maternity of Rio de Janeiro

Resumos

A AIDS/SIDA tem atemorizado a população mundial nas últimas décadas. Preocupadas com a alta incidência de portadoras do HIV admitidas numa maternidade pública do Município do Rio de Janeiro, as autoras interessaramse em investigar o fenômeno traçando o perfil das gestantes no período de 1987-1996. Através de um estudo retrospectivo, em abordagem quantitativa, foram analisados os registros de 102 prontuários. Os resultados evidenciaram que a população estudada era composta, em sua maioria, por solteiras com idades entre 19 e 33 anos, com baixa escolaridade e ocupação principal de "prendas do lar"; tendo sido contaminadas através de contato sexual. Verificou-se a falta de conhecimento do grupo afetado quanto às formas de exposição ao vírus e a importância da adoção de medidas voltadas para prevenção da contaminação e educação para a saúde.

Mulheres; Síndrome da Imunodeficiência Adquirida; Gravidez


AIDS has been scaring the world population for the last decades. The writers of this article decided to investigate and research into the high incidente of women HIV+ hospitalized in a public maternity in the district of Rio de Janeiro, showing the profile of pregnant women from 1987 to 1996. After a thorough analysis of a total of 102 cases this number was eventually broken down showing that the majority of the female population are single, between the ages of 19 and 33 years, have low schooling, mainly housewives and were sexually contaminated. The results show that the affected groups lack the knowledge as to how they could protect themselves against contamination. It is, therefore, of vital importance to take the necessary measures to help prevent contamination and to focus on health education.

Women; Adquired Immunodeficiency Syndrome; Pregnancy


ARTIGO ORIGINAL

Perfil de mulheres portadoras do HIV de uma maternidade no Rio de Janeiro

Profile of women HIV+ hospitalized in a public maternity of Rio de Janeiro

Thelma SpíndolaI; Carmem Fernandes AlvesII

IEnfermeira, Mestre em Enfermagem, Professor Assistente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Coordenadora de Atividades de Ensino de Enfermagem e Treinamento em Serviço - Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG) - Universidade do Rio de Janeiro (UNI-RIO)

IIEnfermeira responsável pelo Serviço de Obstetrícia do HUGG - UNI-RIO, Enfermeira da Maternidade Municipal Carela Dutra

RESUMO

A AIDS/SIDA tem atemorizado a população mundial nas últimas décadas. Preocupadas com a alta incidência de portadoras do HIV admitidas numa maternidade pública do Município do Rio de Janeiro, as autoras interessaramse em investigar o fenômeno traçando o perfil das gestantes no período de 1987-1996. Através de um estudo retrospectivo, em abordagem quantitativa, foram analisados os registros de 102 prontuários. Os resultados evidenciaram que a população estudada era composta, em sua maioria, por solteiras com idades entre 19 e 33 anos, com baixa escolaridade e ocupação principal de “prendas do lar”; tendo sido contaminadas através de contato sexual. Verificou-se a falta de conhecimento do grupo afetado quanto às formas de exposição ao vírus e a importância da adoção de medidas voltadas para prevenção da contaminação e educação para a saúde.

Unitermos: Mulheres. Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. Gravidez.

ABSTRACT

AIDS has been scaring the world population for the last decades. The writers of this article decided to investigate and research into the high incidente of women HIV+ hospitalized in a public maternity in the district of Rio de Janeiro, showing the profile of pregnant women from 1987 to 1996. After a thorough analysis of a total of 102 cases this number was eventually broken down showing that the majority of the female population are single, between the ages of 19 and 33 years, have low schooling, mainly housewives and were sexually contaminated. The results show that the affected groups lack the knowledge as to how they could protect themselves against contamination. It is, therefore, of vital importance to take the necessary measures to help prevent contamination and to focus on health education.

Uniterms: Women. Adquired Immunodeficiency Syndrome. Pregnancy.

BREVE RETROSPECTIVA DA DOENÇA

A AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) foi identificada na América do Norte em 1981 pelos Centers for Disease Control (CDC). Na ocasião, atingia prevalentemente adultos homossexuais do sexo masculino. Desde a sua caracterização, o número de portadores da doença aumentou assustadoramente, chegando a mais de 40.000 no final de 1987 nos EUA, atingindo quase todos os países da Europa, Américas e Africa. Inicialmente, ficou restrita aos homossexuais masculinos, entretanto logo foi evidenciada a susceptibilidade de outros grupos à doença, como os usuários de drogas endovenosas, hemofílicos e indivíduos politransfundidos, além dos contatos heterossexuais de pessoas infectadas36,38

Os mecanismos principais de transmissão da doença são: (1) sexual bidirecional; (2) através de sangue e derivados; (3) verticalmente de mãe para filho. A Organização Mundial de Saúde (OMS) acredita que em nível mundial mais de 80% das infecções por HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) foram transmitidas através de relações heterossexuais. No Brasil, a doença manifesta-se principalmente em indivíduos mais vulneráveis (homo e bissexuais masculinos, especialmente aqueles com múltiplos parceiros sexuais e usuários de drogas endovenosas), os receptores de sangue ou hemoderivados (como os hemofílicos), os parceiros sexuais de indivíduos infectados pelo HIV, filhos de mães portadoras do vírus e heterossexuais com múltiplos parceiros sexuais, compreendidos na faixa etária dos 20 aos 40 anos (adulto jovem36)

A AIDS tem sido registrada na população feminina a partir de 1983. A incidência em mulheres cada vez é mais alta, especialmente entre as usuárias ou parceiras de usuários de drogas endovenosas, com conseqüente aumento das transmissões vertical e heterossexual38.

Segundo COTTON13, a AIDS é a sexta principal causa de morte de mulheres em idade fértil nos EUA. Acredita-se que mais de 80.000 norteamericanas sejam portadoras do vírus HIV, em sua maioria jovens pobres e apresentando problemas sociais. Estima-se que até o ano 2.000, no mundo inteiro, 20 a 50 milhões de mulheres poderão estar infectadas.

Esta elevada incidência da doença no sexo feminino, em nível mundial, pode ser decorrente da posição social desvantajosa da mulher em relação ao homem, considerando que em algumas culturas não lhes é facultada a escolha de suas experiências sexuais ou parceiros, o que as leva a vivenciar, sem saber, verdadeiras "relações de risco".

ENTÃO, OS DADOS INDICAM QUE ALGO MUDOU ...

O crescimento dos casos de AIDS/SIDA entre mulheres no Brasil tem mudado o perfil epidemiológico da doença. Em 1985 foram feitas 18 (0,2%) notificações de AIDS/SIDA no sexo feminino, chegando a 2.203 (26,8%) em 1993. Destes, 506 (23%) correspondiam a mulheres usuárias de drogas endovenosas, 613 (27,8%) estavam associados ao contato heterossexual com usuários de drogas endovenosas e 603 (27,4%) ocorreram em mulheres com múltiplos parceiros8. De 1980 até novembro de 1997 o MS totalizava 1.937 casos no sexo feminino, em menores de 13 anos, 21.738 na faixa etária de 13 a 49 anos e 1.762 em maiores de 50 anos10. A faixa etária de maior prevalência localizava-se entre os 25 e os 29 anos, com 5.517 (21,6%) casos notificados, seguidos de 4.976 (19,5%) casos entre os 30 e os 34 anos.

No período de 1983-1988, os casos de AIDS/ SIDA em pessoas do sexo feminino com idade acima de 13 anos evidenciava que a forma de contágio mais evidente era a sangüínea, com 456 (61,1%) otificações, incluídas nesta classificação as usuárias de drogas endovenosas e as receptoras de sangue e derivados. A exposição não definida compreendia 165 (22,l%) dos casos, enquanto que a heterossexual abrangia apenas 125 (16,8%). Este quadro modificou-se com o passar dos anos e em novembro de 1997 contabilizavam-se 3.713 (59,6%) notificações de exposição heterossexual, seguidas de 1.337 (21,5%) de forma ignorada e 1.177 (18,9%) por contaminação sangüínea; dentre essas últimas 866 (13,9%) de usuárias de drogas endovenosas e 311 (5,0%) de receptoras de sangue e derivados9,10.

Estes números evidenciam que a transmissão sexual é a forma predominante como as mulheres vêm contraindo o vírus, muitas vezes contaminadas pelo próprio companheiro infectado. Estudiosos verificaram que 75% das mulheres com AIDS/SIDA no Rio de Janeiro foram infectadas pelos maridos que, por sua vez, contraíram a doença em relações extraconjugais, homo ou heterossexuais, sem a devida proteção ou por partilharem seringas durante o consumo de drogas injetáveis14.

De acordo com a Divisão de Controle DST / AIDS2. da Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro, o aumento do número de casos da doença na população feminina pode ser atribuído ao fato de que no início muitos descuidaram-se da prevenção por acreditarem que a AIDS/SIDA estava limitada a certos "grupos de risco" e que não pertencendo aos mesmos estariam livres do contágio. Passou então a ser percebida como uma doença do "outro", não sua, de sua família ou das pessoas de seu convívio (SANTOS34). Por outro lado, VILLELA42 acrescenta que "culpar a vítima é um mecanismo bastante freqüente de desresponsabilização social frente aos problemas humanos" (p.69). SANTOS34 ressaltaainda que houve falhas da comunidade científica e da população em geral na avaliação das possíveis formas de transmissão da doença, o que permitiu sua rápida disseminação entre outros segmentos da sociedade. Assim, embora tenham sido descritos casos em mulheres desde o começo da epidemia, em função do maior número de casos em homens, foi entendida inicialmente como uma síndrome típica da população masculina, sendo-lhe direcionados todos os estudos e trabalhos preventivos. Atualmente, destacam AYRES, JÚNIOR; CALAZANS6, estas conotações sofreram mudanças significativas e os estudiosos estão preocupados com a maior ou menor vulnerabilidade de indivíduos e coletividades à infecção e ao adoecimento pelo HIV, traduzida pelo comportamento pessoal (vulnerabilidade individual), pelo contexto social (vulnerabilidade social) e por políticas sociais e de saúde no combate à AIDS (vulnerabilidade programática).

Das doenças sexualmente transmissíveis (DST) conhecidas, a infecção pelo HIV, por suas características e evolução, é a de maior importância em termos de morbidade, mortalidade, custos assistenciais e conseqüências sociais. Entretanto, outras DST associadas, como as úlceras genitais, podem aumentar o risco de transmissão e aquisição do vírus em até 18 vezes. Estima-se que nas regiões das Américas cerca de 40 a 50 milhões de homens e mulheres adquirem DST anualmente. Estudos evidenciam que as úlceras genitais estão associadas a um aumento de risco por infecção pelo HIV variando de 3,3 até 18,2 vezes. Doenças que causam ulcerações incluem a sífilis, o cancro mole e o herpes genital. As DST não ulcerativas (gonorréia, clamydia e trichomoniasis) também aumentam em 2,7 a 8,9 vezes a possibilidade da transmissão do HIV. E importante ressaltar que a maioria das mulheres com DST são assintomáticas e não buscam tratamento, aumentando assim sua susceptibilidade ao vírus26.

Segundo a OMS, das 7,5 mil pessoas infectadas diariamente pelo HIV, metade são mulheres, sendo que 09 em cada 10 vivem em países em desenvolvimento. Na França, 20% dos doentes são do sexo feminino. Na África, para cada 05 homens existem 06 mulheres contaminadas. No Brasil, a infecção entre mulheres progrediu muito, representando atualmente 25% de todos os casos notificados, quando em 1981 atingia apenas 1% do total1,2.

O crescimento progressivo de casos novos de AIDS em mulheres em idade fértil assusta os profissionais de saúde uma vez que, em última análise, pode resultar em um número cada vez maior de crianças nascidas portadoras do HIV. A proporção de homens infectados para mulheres na faixa etária dos 13 aos 49 anos que em 1985 era da ordem de 33/1, em 1996 caiu para 3/1. Em São Paulo, 45% das mulheres com AIDS têm parceiros fixos e únicos e, na faixa etária dos 20 aos 34 anos, a principal causa mortis entre as mulheres é a AIDS1,10.

O QUE MUDOU, ENTÃO ...

A problemática do HIV para a mulher em idade fértil tem como agravante o fato de ela poder gerar uma criança, especialmente se ignora ser portadora do vírus. Quando assintomáticas, geralmente desconhecem sua situação e o comportamento de risco do parceiro, o que torna a situação ainda mais crítica, merecendo atenção especial dos profissionais de saúde através de intervenções que possam contribuir para a diminuição da transmissão vertical78. A identificação precoce da gestante portadora do HIV possibilita o seu acompanhamento apropriado, beneficiando a mãe e o bebê através da adoção de medidas preventivas, entre elas a proibição do aleitamento materno e o emprego da profilaxia para pneumocistose, causa de morte mais freqüente em crianças com AIDS menores de um ano28.

Em 1994, o AIDS Clinical Trial Group (ACTG) 76 nos EUA verificou que, quando administrada em mulheres grávidas infectadas pelo HIV, a zidovudina (AZT) reduzia a taxa de transmissão vertical em aproximadamente 2/3 e que a adoção de terapêuticas profiláticas para a infecção por Pneumocystis carinii (PCP) aumentava a sobrevida de pessoas portadoras do vírus4. Após a instituição do protocolo 76, a taxa de transmissão vertical em alguns estados norteamericanos, passou a ser de 8 a 10%. Entretanto, convém salientar que, infelizmente, nem toda gestante portadora do vírus faz uso da medicação por falta de condições físicas ou por falhas na detecção precoce da presença do vírus. Como conseqüência, a pandemia de AIDS pediátrica continua a crescer20,28. No Brasil, apesar do Ministério da Saúde distribuir gratuitamente a medicação, ainda existem mulheres que não realizam os exames pré-natais e, conseqüentemente, ficam excluídas deste acompanhamento. A propósito, cabe mencionar que muitas vezes, os profissionais também não estão devidamente esclarecidos quanto ao oferecimento do teste anti-HIV no pré-natal e nos serviços de ginecologia e obstetrícia, o que agrava a situação inviabilizando a divulgação, junto àquelas mulheres, de orientações adequadas sobre o assunto.

Segundo NAUD et al.27 a disseminação do HIV em mulheres na idade reprodutiva tem aumentado o número de gestantes soropositivas, assim como o risco de transmissão vertical. Em estudo realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre-RS, os referidos autores entrevistaram 200 puérperas, verificando uma prevalência de infecção pelo HIV de 0,5% e que a maioria das mulheres tem o primeiro contato com serviços de saúde durante o pré-natal. Deste modo, a gestação torna-se a única oportunidade de diagnóstico precoce da infecção pelo HIV.

Em 1996 surgiu no cenário mundial mais uma esperança para os portadores do vírus, quando um grupo de pesquisadores nos EUA propôs uma terapêutica combinada de drogas capaz de conter o crescimento do HIV no organismo. As experiências têm apresentado resultados animadores em acientes terminais, que têm conseguido ganhar peso e controlar as infecções oportunistas. Entretanto, o custo com o tratamento é alto, oscilando entre 800 e 1.500 reais mensais. Das drogas utilizadas, o AZT (zidovudina) encontra-se disponível nos serviços públicos e os inibidores da protease, que são muito caros, nem sempre são encontrados o que, em última análise, acaba por decidir entre a vida e a morte dos pacientes com AIDS, de acordo com a respectiva situação sócioeconômica14,32. Ultimamente, a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SES/RJ) tem fornecido regularmente a terapêutica combinada aos pacientes cadastrados em seus programas, atendidos em serviços públicos.

Pesquisadores são incansáveis na procura de uma alternativa para vencer a invasão do organismo pelo HIV, o qual, lenta e silenciosamente avança, sofre mutações para enfrentar as novas drogas... enfim, resiste. Entretanto, as pesquisas não param. Descobrem-se os subtipos e variações do vírus a fim de identificar a melhor forma de combatê-lo, surge a "pílula do dia seguinte" , na verdade 15 comprimidos para serem utilizados por aqueles que temem terem sido contaminados e ... a cada dia há uma esperança neste cenário de dor5,15. Por outro lado, algumas dessas descobertas são questionáveis, como a terapêutica pós-contaminação, já que o fundamental para a população, em se tratando de infecção pelo HIV, é a adoção de medidas preventivas de exposição ao vírus.

Os estudos tornam evidente, entretanto, que a desinformação sobre o vírus e suas formas de contaminação, a ausência de medidas preventivas associadas às dificuldades de acesso aos testes para detecção do HIV e mesmo a vontade ou a coragem para fazê-los são as principais causas da disseminação desordenada da AIDS/SIDA, em especial na população feminina14,31. Por outro lado, a realidade vivenciada pelas mulheres contaminadas é ímpar, convivendo com o medo, a violência, os preconceitos, as crenças, a revolta, a preocupação com os filhos e , em muitas situações, a rejeição de parentes e amigos, o que acaba por fazê-las sentir a dor do abandono e da solidão. Esta triste constatação de pesquisadores do assunto24,31,37,39 evidencia as implicações econômicas, sociais e emocionais geradas pela doença demonstrando que a problemática da AIDS/SIDA em mulheres carece de ações voltadas para a educação em saúde, na perspectiva da cidadania.

A evolução da epidemia de HIV / AIDS entre as mulheres na sociedade brasileira deve ser entendida no contexto global de sua situação nesse meio, ressalta GRINZSTEJN18. Afirma também que as mulheres representam um total de 50,6% de uma população de 151.523.449 habitantes e, destas, apenas 23 milhões estão formalmente inseridas no mercado de trabalho. Em relação à estrutura familiar, uma em cada cinco mulheres é chefe de família e 13% sustentam sozinhas suas famílias. Lembra ainda que o impacto social e psicológico que a doença provoca é agravado por questões como pobreza, discriminação, abandono e principalmente, a prioridade dada pela mulher infectada ao cuidado de outros membros da família que também estejam doentes com AIDS/SIDA, o que freqüentemente faz com que procurem tardiamente os serviços de saúde. Enquanto isso, torna-se necessário a conscientização das formas de contaminação a fim de impedir a ropagação da doença.

LAMBERT21 afirma que as mensagens preventivas orientadas para as mulheres devem considerar suas realidades, muitas delas cercadas da violência e medo do abandono. A decisão da mulher de auto-proteger-se depende do conhecimento sobre seus parceiros e suas práticas sexuais; e seu papel nesta decisão está condicionado ao seu valor diante do parceiro e do seu relacionamento, seu valor diante da família, sua cultura e sua comunidade, entre outros aspectos complexos.

Há de ser considerada a própria condição da mulher na sociedade e sua relação frente a sexualidade e a AIDS/SIDA. Em muitas regiões onde impera o machismo, independe da mulher a opção pela atividade sexual ou mesmo a escolha do parceiro. Em sociedades menos desenvolvidas a comunicação entre homens e mulheres é praticamente inexistente; é considerada "boa" a mulher ignorante a respeito do sexo e passiva nas interações sexuais sendo, portanto, muitó difícil que estas pessoas previnam-se da AIDS/SIDA através do uso do condom (ou camisinha) já que, pelas razões explicitadas, ficam impossibilitadas de negociar seu uso com seus parceiros19.

No Brasil existem muitas comunidades carentes e distantes dos grandes centros onde a relação de submissão e passividade está presente. Segundo Barbosa; Villela7, quando é conjugado pela mulher o verbo amar adquire um sentido de abnegação e negação de si mesma em função do outro. Quando se pensa na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, implica em interpor um objeto ou uma racionalidade ao desejo podendo se configurar, para muitas mulheres, como a antítese do amor. O condom, apesar de difundido pelos meios de comunicação de massa como uma das maneiras de prevenir a AIDS/SIDA, é citado por alguns estudiosos como a prática mais empregada para prevenir a gravidez. Para aquelas cujos parceiros não têm o hábito de usá-lo, torna-se mais uma barreira no relacionamento convencê-los a usar o preservativo,o que segundo Eisfeld; Casara14 tem uma conotação machista de poder de um parceiro sobre o outro, sendo geralmente determinado pelo homem se a "camisinha" será utilizada na relação.

Assim, no entender de Correa12, a AIDS pode ser percebida como "uma doença em que estão implicados aspectos íntimos da vida individual como o prazer e as escolhas no âmbito da sexualidade, e cujo controle (no tocante a transmissão por via sexual) incide sobre o comportamento individual, surge quando a idéia de intimidade e o subjetivismo na "escolha" dos modos de vida dominam o imaginário social". (p. 117)

Na qualidade de enfermeiras atuantes em hospital geral público no Município do Rio de Janeiro, percebíamos a crescente incidência, desde a década de 80, de casos de AIDS entre os pacientes admitidos, a princípio atingindo homossexuais, hemofílicos ou politransfundidos e, progressivamente, mulheres e crianças. A partir de 1987, quando da identificação da primeira gestante portadora do HIV, tem sido cada vez maior o índice de mulheres contaminadas, segundo SHECHTER36 especialmente entre as usuárias ou parceiras de usuários de drogas endovenosas, com aumento das transmissões vertical e heterossexual. Tomando por base estas informações, surgiu o interesse em investigar o fenômeno traçando o perfil das gestantes admitidas no período de 1987 a 1996 no hospital onde desenvolvemos nossas atividades assistenciais. Para tanto, são nossos objetivos:

1) Identificar o número de admissões de mulheres portadoras do HIV no Serviço de Obstetrícia.

2) Traçar o perfil das mulheres portadoras do HIV admitidas no Serviço de Obstetrícia.

METODOLOGIA

Este estudo descritivo utilizou uma abordagem quantitativa, com o emprego da técnica de observação indireta através da análise retrospectiva de prontuários de mulheres portadoras do HIV admitidas no Serviço de Obstetrícia de um Hospital Geral Público no Município do Rio de Janeiro, de setembro de 1987 a junho de 1996.

A referida instituição é um hospital geral com capacidade de 320 leitos (150 dos quais ativados) que presta atendimento ambulatorial em 100 consultórios para as diversas especialidades e conta também com unidades de internação abrangendo clínicas médica e cirúrgica, DIP, Pediatria, Ortopedia, CTI Adulto, CTI Pediátrico e Obstetrícia.

O Serviço de Obstetrícia conta com 27 leitos, sendo 11 para gestantes e 16 para puérperas; destes, 02 são para isolamento de doenças transmissíveis. O Serviço funciona com sistema de alojamento conjunto. A planta física do setor favorece a separação das mulheres alocando, gestantes de um lado, próximas ao Centro Obstétrico (composto por 2 salas de cirurgia e dois leitos para o pré-parto) e puérperas do lado oposto, próximas ao Berçário. Para as puérperas portadoras de doenças infectocontagiosas existe uma enfermaria com 02 leitos e banheiro privativo.

Desde a admissão da primeira gestante portadora do HIV em 1987, sentimos a necessidade de estabelecer rotinas para a prestação de assistência a esta clientela, preservando sua integridade e respeitando sua cidadania. Com o passar dos anos aumentava o número de gestantes portadoras do vírus, algumas já em estágio adiantado da doença, que vinham a falecer logo após o parto. Ao final de 1996 somavam-se 102 admissões ao longo desses 09 anos. Esses números preocupavam-nos na medida em que acreditávamos que as medidas de prevenção não estavam sendo efetivas para a população feminina. Assim, optamos pe la realização de um levantamento que caracterizasse essas mulheres, traçando seu perfil a fim de conhecê-las melhor.

Para dar conta deste levantamento tivemos de buscar anotações nos Livros de Registros de Admissão de Pacientes da Unidade e nos Livros de Registros do Centro Obstétrico. Após relacionarmos os nomes e número de registro do Hospital fomos para o Arquivo avaliar os prontuários (Anamnese/Evolução). Cabe esclarecer que a partir de 1993 foi instituído no Serviço de Obstetrícia o uso de duas fichas para anamnese que sintetizavam todas as questões relevantes para avaliação do Obstetra e do Pediatra, além dos registros pertinentes ao ato de admissão; entretanto, antes desse período constavam do prontuário apenas os dados relativos à anamnese e à história da paciente. Como os prontuários eram manuseados pelo staff médico e de enfermagem e respectivos residentes, as informações neles contidas em alguns casos eram incompletas ou distorcidas, o que dificultou a coleta de dados, obrigando-nos a recorrer às declarações de nascimento, mesmo cientes de que em função da fonte utilizada, tal levantamento poderia apresentar uma margem de erro.

Os dados foram colhidos no período de outubro de 1996 a janeiro de 1997, tendo sido analisados 102 prontuários de mulheres com diagnóstico ou suspeita de serem portadoras do vírus HIV admitidas no Serviço de setembro de 1987 a junho de 1996. As datas referem-se à primeira e última admissão, antes que o Serviço fosse desativado por motivo de obras para reformas, até janeiro de 1997, quando as internações foram reativadas.

Foi selecionada como variável independente ser gestante/puérpera portadora do HIV e como variável dependente as características individuais - faixa etária, nível de escolaridade, profissão/ocupação, estado civil. A problemática focalizou a forma de contaminação e o acompanhamento posterior.

Através de levantamento em formulário próprio, os dados obtidos foram tabulados e analisados à luz da estatística descritiva em freqüências absoluta e percentual.

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

Foram admitidas no período 102 mulheres portadoras do HIV. Dessas, 04 não tiveram o diagnóstico confirmado; 03 não levaram a gestação a termo e 02 faleceram ainda grávidas. Até junho de 1996, quando o Serviço foi fechado para reformas, internaram-se 98 gestantes portadoras do HIV e 05 delas foram admitidas por duas vezes, sendo que 01 teve parto gemelar na segunda internação (Tabela 1, em anexo).

Este número cada vez mais crescente de mulheres portadoras do HIV está em consonância com a literatura36,38 que desde 1983 menciona a progressão da doença na população feminina. Abordando esta questão, VILLELA40 refere que a propagação da epidemia entre mulheres levou a VIII Conferência Internacional de AIDS (Amsterdam, 1992) a indicar a necessidade urgente de incluir as mulheres como parcela, da população mais exposta ao risco da infeção pelo HIV. A autora lembra ainda que os casos of icialmente notificados e diagnosticados como AIDS/SIDA representam uma parcela menor do que a efetivamente existente, nãoexpressando o número de mulheres portadoras do vírus, estimado pela OMS até 100 vezes superior aos casos diagnosticados.

Segundo o MS8,10, em 1985 haviam sido feitas 18 (02,%) notificações de AIDS/SIDA em mulheres; em 1993 chega-se a 2.203 (26,8%). Até novembro de 1997 (1996-97) contabilizavam-se 6.709 notificações na população feminina, totalizando 25.437 casos desde o começo da epidemia (1980-97). Esses números confirmam que as mulheres infectadas já atingem 25% do total de casosregistrados. Sendo assim, reforça LAMBERT21, se esta tendência continuar em torno do ano 2.000 o número de casos de AIDS em mulheres, em nível mundial, começará a igualar ao dos homens.

A faixa etária de maior incidência localizou-se entre os 19 e os 33 anos, com um total de 26,5% dos 19 aos 23 anos e 24 aos 28 anos; e dos 29 aos 33 anos (23,4%) com menor incidência (7,2%) dos 14 aos 18 anos e dos 39 aos 43 anos (Tabela 2, em anexo).

Esses dados estão em consonância com a literatura8,25,32. O crescimento de casos de AIDS/SIDA entre mulheres tem mudado o perfil epidemiológico da doença. Segundo o MS9, a faixa etária de maior prevalência localiza-se entre os 25 e os 29 anos, seguida dos 30 aos 34 anos. A proporção de homens infectados para mulheres na faixa etária de 13 a 49 anos que em 1985 era de 33/1, em 1996 caiu para 3/1. Estudiosos verificaram que em São Paulo, no sexo feminino, a faixa etária cuja principal causa mortis é a AIDS/SIDA situa-se entre 20 e 34 anos25.

Por outro lado, considerando que o período de incubação da AIDS/SIDA referido na literatura35 é de aproximadamente 7 a 10 anos, acredita-se que provave lmente as mulhe res estudadas contaminaram-se na adolescência.

VILLELA40 lembra ainda que do total de mulheres brasileiras com AIDS/SIDA, 90% tem mais de 15 anos, portanto, estão em idade fértil. Considerando a ilegalidade do aborto em nosso país, o acesso restrito aos meios contraceptivos, a desinformação em relação à contracepção e à epidemia, a relutância masculina ao uso do preservativo e as dificuldades das mulheres de exigi-lo de seus parceiros certamente potencializam o risco de contaminação para crianças pela transmissão vertical.

Em relação ao nível de escolaridade, a maioria (32,2%) apresentava o primeiro grau incompleto, seguida de 23,6% com primeiro grau; 16,2% cujos prontuários não continham esta informação, 10,7% com segundo grau e apenas 5,4% com o terceiro grau (Tabela 3, em anexo).

Conforme podemos perceber, o nível de escolaridade das mulheres é baixo, como também o percentual (5,4%) das portadoras do HIV com nível superior admitidas no hospital que – vale ressaltar – por ser público é mais procurado pela população de baixas renda e escolaridade, ratificando a literatura13 que faz menção à questão social da AIDS/ SIDA acometendo mulheres jovens, pobres e com problemas sociais.

Em seus estudos sobre mulheres com AIDS/ SIDA em São Paulo, SANTOS34 verificou que a grande maioria das pesquisadas apresentavam o primeiro grau incompleto ou completo. A escolaridade superior representava apenas 3,5% da população. Constatou também que mulheres com baixa escolaridade e ocupações não qualificadas apresentavam como fator importante de disseminação da infecção o uso de drogas endovenosas como usuárias ou parceiras de usuários, enquanto em mulheres com escolaridade mais alta e ocupação diferenciada a transmissão sexualera o fator mais importante. Discutindo a epidemia na população feminina no Brasil, GRINZSTEJN18 verificou que ocorreu um aumento progressivo do número de casos entre mulheres analfabetas e com rimeirograu incompleto, demonstrando uma progressão da doença nas pessoas com menor poder aquisitivo e menor acesso à informação.

A análise do registro do estado civil das mulheres revelou que 62,3% eram solteiras e 32,2%, casadas (Tabela 4, em anexo). Ressaltamos que, muitas vezes, esse dado foi extraído das declarações de nascimento dos respectivos bebês. E bem verdade que em se tratando de mulher grávida não importa o estado civil, a não ser no aspecto social para verificar a presença de um companheiro para apoiála. Em muitas situações estas mulheres vivem verdadeiras relações de risco com seus parceiros, embora consensuais, segundo LOYOLA23 comuns entre as diversas camadas da sociedade. Das casadas (32,2%), quase todas têm histórias de mais de um parceiro, o que corrobora a hipótese de contaminação sexual.

Em seus achados, SANTOS34 certificou-se de que o e stado mari tal e ra um dado que freqüentemente estava incompleto nas fichas de investigação epidemiológica (FIE) utilizadas em sua pesquisa, levando-a a buscar estas informações em outras fontes, como o atestado de óbito. Assim, constatou uma prevalência de mulheres solteiras (39,7%) e casadas (26,7%) existindo um percentual significativo de 20,2% com estado marital ignorado.

A forma de exposição ao vírus mais encontrada foi a sexual (68), seguida por hemotransfusão (17) e por uso de drogas EV (15) (Tabela 5, em anexo). Estes dados estão em consonância com a literatura, sendo relatada por PARKER30 a feminização da epidemia através da transmissão heterossexual.

SANTOS33 indica que os estudos recentes analisando a geografia da AIDS/SIDA no Brasil referem modificações nas formas de participação havendo progressão das categorias heterossexual e usuários de drogas endovenosas na transmissão da doença na última década. Assim, lembra VILLELA42, a rogressão da doença na população heterossexual indica uma dificuldade na formulação das mensagens anti-AIDS/SIDA efetivas para este grupo.

Para GUIMARÃES17, a chegada da AIDS/SIDA nas relações heterossexuais estáveis é mais um agravante da epidemia, considerando a diferença existente nas concepções culturais que envolvem os papéis desempenhados pelo homem e pela mulher na sociedade. Compreende que é complicado para a mulher buscar um e spaço que viabilize questionamentos em relação à infidelidade de seus companheiros, prática esta legitimada pela sociedade como um comportamento natural à sexualidade masculina. Assim, afirma que em nossacultura ser homem significa dispor de uma sexualidade em evidência, com uma relação de intensa intimidade com o prazer e a liberdade do seu exercício, enquanto que a sexualidade feminina, contrapondo-se a esta postura, “caracteriza-se por um exercício constante do desconhecer, do silenciar, do conformar-se inclusive diante dos processos biológicos específicos percorridos para o desenvolvimento de seu próprio amadurecimento" (p.93).

Quanto à profissão ou à ocupação das mulheres estudadas, a maior incidência (51,6%) foi a de "prendas do lar", seguida de domésticas (7,5%), secretárias e vendedoras (5,3%). Existiam também, 1% de assistente social, médica, professora, contadora, historiadora, fisioterapeuta e outras. Podemos observar, então, que a maioria não exerce atividades fora de casa, limitando-se às tarefas domésticas (Tabela 6, em anexo). Estes resultados estão em consonância com a escolaridade apresentada pela população, sendo revelado que a maioria (32,2%) possui o primeiro grau completo ou incompleto o que, de certo modo, poderia dificultar sua inserção no mercado de trabalho. Na história destas mulheres, muitas revelavam ser "donas de casa", mães de outros filhos, espantando-se com a presença do vírus em suas vidas, fatos confirmados pela literatura14.

Por outro lado, vale considerar que muitas vezes estas mulheres podem não estar inseridas formalmente no mercado de trabalho e também que esta é uma informação questionável registrada nos prontuários. Assim, se a mulher não informar uma profissão definida, poderá ser caracterizada como "prendas do lar" ou "doméstica", de acordo com a visão do entrevistador.

Nos seus estudos SANTOS34 refere que de 2.759 mulheres pesquisadas, 1.025 (37,2%) tinham como ocupação "do lar" e 533 (19,3%) trabalhos de serventia sendo que de 345 (12,5%) não se obteve esta informação. A autora acredita que, em se tratando de mulheres de baixa renda e em decorrência da crise econômica que o país atravessa, é pouco provável que esta população esteja restrita ao lar sem qualquer atividade remunerada, ainda que não esteja inserida formalmente no mercado de trabalho. Lembra ainda a possibilidade de confusão nos termos "prendas domésticas" e "doméstica" no preenchimento das fichas de investigação epidemiológica (FIE), e a baixa escolaridade do grupo pesquisado, parecendo influir na inserção no mercado de trabalho.

GRINZSTEJN18 verificou que as donas de casa e empregadas domésticas são as mais acometidas pela infecção do HIV no Rio de Janeiro, destacando a baixa percepção da população feminina quanto ao risco de contaminar-se, principalmente aquelas envolvidas em relacionamentos estáveis, atualmente grupo mais vulnerável à doença.

Quanto ao acompanhamento posterior, os dados indicam que a maioria (57) não havia sido acompanhada naquele Hospital. Das que o foram, 21 faziam tratamento ambulatorial na instituição, 09 já haviam sofrido internações em clínica especializada e 09 haviam falecido (Tabela 7, em anexo).

Como muitas eram assintomáticas, ou seja, não estavam desenvolvendo manifestações clínicas de AIDS/SIDA, provavelmente abandonaram o tratamento, podendo ter retornado anos mais tarde, sintomáticas, sendo então admitidas em clínicas especializadas. Por outro lado, é importante salientar como agravante para o não acompanhamento o fato de que a baixa escolaridade interfere diretamente na adesão às recomendações dos profissionais de saúde em relação ao bem-estar da mãe e bebê, através da adoção de medidas preventivas como a não utilização do aleitamento materno e o emprego de profilaxia para pneumocistose28, assim como a própria manutenção do tratamento e acompanhamento posterior. É bem verdade também que não devemos tratar do assunto culpabilizando apenas a mulher pela não adesão às recomendações ou o abandono do tratamento, já que uma série de fatores interferem nesta decisão, dentre eles a priorização do atendimento aos demais membros da família, a falta de um serviço de saúde que atenda suas necessidades e o fato de que o serviço público, por apresentar dificuldades de funcionamento e ter os ambulatórios sempre superlotados, exige dos usuários uma certa dose de paciência para suportar a espera pelo atendimento, podendo levar ao abandono do tratamento.

Em se tratando de um Hospital geral, atende as mais variadas especialidades, causou-nos certo estranhamento a ausência, no prontuário, de referências ao pós-parto. Vale ressaltar que o hospital apresenta algumas deficiências que prejudicam o levantamento de informações, entre elas o fato de não possuir um arquivo informatizado, o que dificulta a localização dos prontuários; e a iniciativa de algumas especialidades (como a Imunologia, algumas clínicas médicas e outros) de terem arquivos próprios no ambulatório, o que pode causar desencontros nas informações contidas nos prontuários dos pacientes, considerando a descentralização das fontes.

Outro ponto importante que deve ser destacado é o fato de tratar-se de um Hospital de Ensino, voltado para a pesquisa, e que atua como referência para o tratamento da AIDS/SIDA, sendo assim, procurado por gestantes procedentes das mais diversas regiões do país ou até mesmo do exterior. Ressaltamos que, logo no começo da epidemia, foi também procurado por mulheres que se encontravam confinadas em Casas de Detenção pois o Sistema Penitenciário estadual não tinha um hospital próprio para atender ao seu grupo.

O Hospital conta atualmente com atendimento diferenciado para esta clientela e apoio dos mais diversos profissionais da área de saúde, dispondo de ambulatórios especializados na patologia para pré-natal, ginecologia, clínica médica, pneumologia, imunologia, pediatria e outros.

Já os recém-natos, filhos de mães portadoras do HIV, apesar do contato íntimo e prolongado, apresentaram as seguintes características: nasceram a termo, em boas condições de vitalidade (80,6%), com peso oscilando entre 3.000g e 3.499g (37,1%), 2.500g a 2.999g (27%) ou mesmo acima 3.500 g (19%). O Apgar no 1º e 5º minutos foi 9-9 (31,5%) e 8-9 (30,4%), respectivamente (Tabela 8, em anexo). Geralmente as crianças filhas de mães portadoras do HIV nascem bem, sendo pequena a incidência de prematuridade e de baixo peso. No caso específico da instituição em estudo, apenas 7,2% de casos. A partir de 1994, com a implementação do protocolo 76, reduziu-se a taxa de transmissão vertical em 2/3, sendo encontrado um percentual de 8 a 10% nos estados norte-americanos28. É necessário, entretanto, que as crianças tenham acompanhamento clínico e laboratorial para uma melhor evolução e que sejam preservadas as medidas de profilaxia recomendadas, tais como evitar a exposição a secreções e ao sangue maternos, administrar AZT ao bebê e evitar o aleitamento materno, o que contribui para a prevenção da transmissão vertical do HIV28.

Não podemos afirmar com certeza os percentuais de positividade das crianças filhas de mães portadoras do HIV nascidas na referida Instituição em decorrência de falhas na monitoração das mesmas. O manual para acompanhamento da criança infectada pelo HIV22 indica que atualmente a proporção de AIDS/SIDA pediátrica devido a transmissão vertical é de 90%. A taxa de transmissão do HIV varia de 15 a 40%. Revela também que no Rio de Janeiro em estudo realizado no Hospital Universitário Gaffrée e Guinle esta taxa foi de 38,8%. As admissões no Serviço de Pediatria de crianças portadoras de AIDS/SIDA no período de 1989 a 1994 na referida Instituição somam 47 casos novos e destes, 36 (76,6%) cuja forma de contágio foi perinatal. Após este período diminuíram as internações (havendo 13 admissões até março de 1998), provavelmente após a instituição do protocolo 76; assim perfazendo cerca de 60 admissões de 1989-1998.

NOGUEIRA29 indica que a transmissão vertical do HIV pode ocorrer durante a gestação (30 a 50%), durante o parto (50 a 70%) e no pós-parto, pelo aleitamento materno (3 a 16%). Ressalta que, quanto mais avançada for a doença materna, menores serão os níveis de imunidade caracterizados por baixos níveis de CD4 e, conseqüentemente, maior será o risco de transmissão perinatal do HIV. Vale considerar também que essas crianças, em sua maioria, são filhos de portadoras do vírus que ainda não manifestaram sintomas da AIDS/SIDA, o que nos leva a acreditar que o atendimento às recomendações no pré-natal, relativas ao controle do HIV (controle clínico, laboratorial e utilização do protocolo 76), podem levar a uma gestação a termo, diminuindo a incidência de transmissão vertical do HIV.

É interessante salientar, entretanto, que apesar de nascerem em boas condições, como são excluídos do aleitamento materno para prevenção de contaminação, tais neonatos ficam expostos a outros problemas inerentes a essa faixa etária, como infecções generalizadas decorrentes da baixa imunidade. Assim, tornam-se importantes o acompanhamento clínico e as orientações para a saúde relativas à higiene e alimentação da criança, visando a prevenção de complicações, como também o controle específico instituído pelo MS para filhos de portadoras do HIV.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A epidemia da AIDS/SIDA, neste final de século, tem atemorizado o cenário mundial evidenciando a fragilidade do Ser humano nos diversos contextos sócio-culturais. Envolvendo relações interpessoais, atravessa a fronteira do desconhecido e torna público o que sempre foi tratado como "íntimo e pessoal". Em razão desta projeção, salientam XAVIER et al.43, não deve apenas ser percebida como um problema de saúde mas, sobretudo, como um objeto de estudo complexo envolvendo aspectos biológicos, sociais, psicológicos, éticos e legais. Cercada de mitos e crenças, tal como afirma MENEGHIN25, muitas vezes esbarra em preconceitos que impedem a compreensão das formas de contaminação e a conseqüente adoção de medidas preventivas para coibir sua disseminação.

A progressiva feminização da epidemia tem preocupado estudiosos, temerosos de um avanço incontrolável da doença, daí a necessidade imperiosa de estratégias eficazes para o seu controle. O número de mulheres soropositivas e com AIDS / SIDA no Brasil e países da América Latina e Caribe tem aumentado significativamente, afirma GOLDSTEIN16, indicando dois fatores como responsáveis pelo fato no caso específico do Brasil: "a existência de uma classe urbana e pobre de usuárias (ou parceiras de usuários) de drogas injetáveis e a uma lógica cultural de sexualidade construída de forma altamente complexa, incluindo enormes diferenças internas e grandes cortes em discursos de subgrupos divididos por gênero, sexo, sexualidade, classe e raça" (p.138).

O estudo que ora apresentamos retrata apenas uma parcela do contingente de mulheres que vivenciam esta triste realidade, convivendo com sentimentos e expectativas de um futuro incerto. Para que este quadro possa ser revertido ou pelo menos controlado, é importante a conscientização da população feminina para a problemática da AIDS/SIDA, percebendo-a como uma doença que também pode atingi-las, desmistificando a idéia de que está circunscrita a certos grupos e evidenciando sua vulnerabilidade (GOLDSTEIN)16.

A exposição da mulher à AIDS/SIDA, de certa forma, torna evidente aspectos complexos das relações humanas relativos à compreensão da sexualidade e do comportamento sexual, bem como, em muitas situações, da própria submissão feminina. Por outro lado, para que as medidas de controle ou preventivas alcancem seus objetivos, terão necessariamente de considerar estes aspectos23. VILLELA41 também acrescenta fatores relacionados à diversidade de situações em que as mulheres vivenciam sua sexualidade (relações estáveis e prolongadas, relações fugazes, início de relação) além das características próprias de cada uma, com diferenças etárias, econômicas, sociais e individuais que lhes conferem graus distintos de vulnerabilidade.

As ações preventivas, reforça SANTOS33, devem atentar para estes aspectos, sendo imprescindível o desenvolvimento de programas que abranjam todos os níveis de atenção (domiciliar, ambulatorial e hospitalar), incluindo programas permanentes de prevenção e vigilância para portadoras assintomáticas do HIV. Assim, acrescenta a autora, definir políticas de prevenção e controle implica em soluções flexíveis e múltiplas adequadas à realidade da população feminina no Brasil.

Torna-se, portanto, importante compreender a inserção da mulher nesta epidemia à partir da ótica de GÊNERO para a implementação de ações particularizadas, compreendendo que para criar possibilidades de mudanças de hábitos, atitudes e comportamentos é necessário um trabalho contínuo de educação e comunicação. Os profissionais de saúde têm um importante papel neste processo como multiplicadores de informações, necessitando todavia, conforme enfatizam AYRES, JÚNIOR; CALAZANS6, de se despojar da racionalidade de suas práticas, refletindo criticamente sobre os "saberes" da saúde, da epidemiologia e das estratégias de prevenção objetivando reconstruir as práticas de saúde "como um encontro de sujeitos".

_____________________________ , v. 9, n. 1, 1996.

_____________________________ , v. 9, n. 6, 1997.

_____________________________ , v. 10, n.4, 1997.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2010
  • Data do Fascículo
    Mar 1999
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