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A qualidade de vida na concepção de um grupo de professoras de enfermagem: elementos para reflexão

The quality of life conception of a group nursing teachers: elements of reflection

Resumos

Trata-se de um estudo qualitativo realizado a partir do conceito de qualidade de vida adotado por MEEBERG (1993) relacionado com a opinião de um grupo de professoras de enfermagem. Observou-se que este conceito está presente na fala das entrevistadas de forma bem clara, especialmente nos atributos relacionados a satisfação com a própria vida em geral e com o estado aceitável de saúde física, mental, social e emocional.

Qualidade de Vida; Docente de enfermagem


It is a qualitative study, which was realized from the concept of quality of life, adopted by Meeberg (1993) and it is related to the opinion of a group of nursing teachers. It was observed that this concept is current in the speech of the people who were interviewed in a very clear way, especially in the attributes which are related to life itself and to na acceptable physical, mental, social and emotional state.

Quality of life; Faculty


ARTIGOS ORIGINAIS

A qualidade de vida na concepção de um grupo de professoras de enfermagem - elementos para reflexão1 1 Trabalho apresentado à Disciplina Processo de Viver Humano, Ser Saudável e Adoecer, Cuidar e Curar, do Curso de Doutorado em Filosofia da Enfermagem- UFSC, ministrada pela profª Drª Lúcia Hisako Tagashi Gonçalves.

The quality of life conception of a group nursing teachers - elements of reflection

Carmem Lúcia Colomé BeckI; Maria de Lourdes Denardin BudóII; Rosa Maria Bracini GonzalesI

IEnfermeira, Docente do Departamento de Enfermagem - UFSM, aluna do Curso de Doutorado em Filosofia da Enfermagem - UFSC; membro do grupo de pesquisa PRAXIS- UFSC

IIEnfermeira, Docente do Curso de Enfermagem do Instituto Educacional Luterano de Santa Catarina- (IELUSC), aluna do Curso de Doutorado em Filosofia da Enfermagem- UFSC

RESUMO

Trata-se de um estudo qualitativo realizado a partir do conceito de qualidade de vida adotado por MEEBERG (1993) relacionado com a opinião de um grupo de professoras de enfermagem. Observou-se que este conceito está presente na fala das entrevistadas de forma bem clara, especialmente nos atributos relacionados a satisfação com a própria vida em geral e com o estado aceitável de saúde física, mental, social e emocional.

Unitermos: Qualidade de Vida. Docente de enfermagem.

ABSTRACT

It is a qualitative study, which was realized from the concept of quality of life, adopted by Meeberg (1993) and it is related to the opinion of a group of nursing teachers. It was observed that this concept is current in the speech of the people who were interviewed in a very clear way, especially in the attributes which are related to life itself and to na acceptable physical, mental, social and emotional state.

Uniterms: Quality of life. Faculty, nursing.

INTRODUÇÃO

Atualmente fala-se em qualidade de vida com muita frequência, tendo em vista a expectativa de vida mais prolongada, o que traz à tona questões relacionadas ao aumento do número de anos vividos, mas também e principalmente, a qualidade de vida neste período. Este termo tem suscitado muitas reflexões e tem sido objeto de muitas discussões, uma vez que incorpora elementos de várias áreas como a sociologia, antropologia, filosofia, saúde, economia, psicologia e muitas outras, reafirmando o que foi dito por Tartar et al, Dalkey; Rourke, Young; Longman citados por MEEBERG (1993) que conceituam qualidade de vida como um construto multifacetado que envolve capacidades comportamentais e cognitivas do indivíduo, bem-estar emocional e habilidades que requerem o desempenho de papéis domésticos, vocacionais e sociais. Todos estes autores enfatizam a natureza subjetiva e individualizada do conceito qualidade de vida.

Hörnquist apud MEEBERG (1993) também considera estes aspectos, mas conceitua qualidade de vida especificamente em termos de satisfação de necessidades nos planos físico, psicológico, social, material e estrutural. Campbell et al apud MEEBERG (1993) também vêem a qualidade de vida em termos de vários domínios de satisfação.

Um dos elementos fundamentais na qualidade de vida e que tem sido apontado dentre os fatores que a constituem é o ser e estar saudável. A satisfação com a vida está relacionada com o processo de ser saudável e ter qualidade de vida, pois de acordo com MELEIS (1992) ser saudável

é um modo de vida, uma atitude, uma concepção, uma história, um contexto com normas sócio-culturais, uma crença, uma tradição. Ser saudável é controlar, negociar, realizar, crescer, tornar-se e ajudar outros a crescerem e a se tornarem. Ser e tornar-se saudável pode constituir partes de uma percepção global de saúde. Tornar-se saudável é ter esperança, transcendendo preocupações, realizando opções, advogando e avaliando recursos. Ser e tornar-se saudável incorpora conscientização, recursos, oportunidade, desenvolvimento, acesso, capacitação, desenvolvimento de poder e advocacia.

Esta conceituação feita por MELEIS (1992) é ampla, complexa e abarca, com propriedade, as relações e responsabilidades do sujeito consigo mesmo e com as demais pessoas com que convive, possibilitando que ser e estar saudável estejam vinculadas às percepções e decisões dos indivíduos.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE QUALIDADE DE VIDA

O termo Qualidade de Vida surgiu antes de Aristóteles associado a palavras como "felicidade e virtude", as quais quando alcançadas, proporcionariam ao indivíduo "boa vida". Vinculavase também a termos como bem-estar, necessidade, aspiração e satisfação. É referenciado em 1947 pela Organização Mundial de Saúde (OMS) ligado a definição de saúde, abrangendo também padrões de vida, de moradia, condições de trabalho, acesso médico, dentre outros.

Para KLEINPELL (1991), é um conceito ambíguo, abstrato e indefinido e que apareceu na literatura médica por volta de 1976 (Index Médico). Campbell et al apud MEEBERG (1993) refere que o uso deste termo na América ocorreu logo após a Segunda Guerra Mundial, no sentido de assegurar que para se ter boa vida era necessário algo além de se estar financeiramente seguro. São reforçados aqui , aspectos subjetivos vinculados a qualidade de vida.

A reflexão que trazemos é fruto, principalmente da leitura de artigos de MEEBERG (1993), KATZ (1987), ROMANO (1993) e ALLARDT (1993). Para estes autores a qualidade de vida aparece como um grau de excelência, como um atributo especial ou como uma posição social boa ou elevada. Observa-se que eles não exploram o conceito completamente, certamente porque qualidade de vida é difícil de ser interpretada. Falar em qualidade de vida, é basicamente, falar da própria vida. ROMANO (1993), diz que a vida é composta por duas dimensões: a dimensão quantitativa e a qualitativa. A quantitativa é resultante dos avanços científicos e tecnológicos e se expressa através de taxas de morbi-mortalidade, média de expectativa de vida, indicadores epidemiológicos diversos, rendimento da família, avaliação de crescimento e desenvolvimento das crianças, dentre outros. Já a dimensão qualitativa está associada a critérios muito mais amplos que acompanham a dinâmica da humanidade e que estão vinculados a valores, crenças e filosofia de vida. Para WARE (1987), podem estar englobados aqui fatores como satisfação no trabalho, relações com a vizinhança e educação.

A natureza abstrata dos termos, talvez explique porque qualidade de vida tem diferentes significados para diferentes pessoas em diferentes locais e épocas, sendo então um conceito sujeito a múltiplos pontos de vista. Sem consenso em torno do conceito, qualidade de vida é difícil de ser mensurada.

A maioria dos conceitos estão centrados em vários aspectos, uma vez que qualidade de vida pode ser vista como objetiva, subjetiva ou ambas e é conceitualizada como unidimensional e multidimensional. Reconhecendo a multidimensionalidade, os pesquisadores continuam a busca por instrumentos que combinem duas ou mais dimensões ao longo de um eixo subjetivo-objetivo. Procuram desenvolver medidas de funcionamento físico, psicológico e social, bem como medidas subjetivas de bem-estar. Os diferentes estudos envolvendo qualidade de vida evidenciam uma considerável variação em suas finalidades. Cada um deles busca compreender o conceito na sua área de atuação e tenta resolver questões metodológicas para sua mensuração.

Há escalas que medem qualidade de vida como um construto unidimensional, enquanto que outras são multidimensionais e incluem fatores como satisfação no trabalho, satisfação conjugal e condições de vida entre muitas outras possibilidades. O que torna difícil juntar todas estas dimensões para avaliar a qualidade de vida de uma pessoa, reside no fato de que cada pessoa coloca um valor diferente na importância dessas várias dimensões; o que reafirma a singularidade do sujeito.

Campbell et al apud MEEBERG (1993) afirmam que a satisfação de vida, muitas vezes usada como sinônimo de qualidade de vida, é uma das condições gerais para a sua existência, sendo então um indicador da qualidade de vida que é um termo mais amplo, mais extenso.

MEEBERG (1993) diz que:

da revisão de literatura quatro atributos críticos de qualidade de vida são evidentes: 1- Um sentimento de satisfação com a própria vida em geral; 2- Capacidade mental de avaliar sua própria vida como satisfatória ou otherwise; 3- Um estado aceitável de saúde física, mental, social e emocional, como determinada pelo próprio indivíduo e 4- Uma avaliação objetiva, feita por outro, que as condições de vida da pessoa são adequadas e não são ameaçadoras à vida (p. 34).

Pensando na complexidade que cada um destes atributos encerra, não é difícil perceber a relevância que estes aspectos têm para a enfermagem e para as pessoas de um modo geral e para que o exercício da enfermagem atenda às necessidades das pessoas, é fundamental que os enfermeiros tenham conhecimento e compreensão do que seja qualidade de vida e a importância que a mesma tem para os sujeitos com as quais interagem no seu cotidiano.

A QUALIDADE DE VIDA NA VISÃO DE ALGUMAS PROFESSORAS DE ENFERMAGEM

Com o objetivo de aprofundar o nosso entendimento do que seja qualidade de vida e suas relações com o ser saudável, procuramos aliar as referências teóricas com a experiência vivenciada por algumas pessoas. Para isto, buscamos conversar com um grupo de professoras de enfermagem, o que entendemos nos daria uma visão de como as colegas percebem a sua qualidade de vida bem como verificar a aplicabilidade ou não dos atributos da qualidade de vida referidos por MEEBERG (1993).

O conceito de MEEBERG (1993) foi escolhido, tendo em vista que o consideramos amplo, aplicável e passível de ser analisado nas entrevistas das professoras de enfermagem. Ele também contempla vários conceitos de outros autores, não contradizendo a nenhum deles e tem sido um dos mais utilizados quando se estuda e discute qualidade de vida.

Neste estudo, as entrevistadas foram quatro enfermeiras, docentes do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Num total de 24 docentes do departamento, optou-se por realizar a entrevista com 15% do total destas. A ampliação da amostra aleatória não foi necessária, uma vez que houve saturação dos dados na 4ª entrevista. Todas elas pertencem ao quadro permanente desta instituição, tendo no mínimo três anos de experiência na função. São todas mulheres, casadas, sendo que, destas, apenas uma não possui filhos. Duas têm título de mestres e duas são mestrandas.

Para compreender como estas docentes percebem a qualidade de vida em seu cotidiano, elaboramos uma entrevista semi-estruturada, com três questões básicas, quais sejam: Como você considera a qualidade de sua vida hoje? Quais os critérios que você usou para dar esta resposta? O que precisaria acontecer para melhorar a qualidade de sua vida?

As entrevistas foram individuais e agendadas conforme a disponibilidade das entrevistadas, sendo gravadas em fita cassete com a devida permissão das mesmas. A conversa fluiu de forma agradável e todas apresentaram boa vontade em falar, respondendo sem exitar as questões propostas, com clareza e objetividade.

Nos encontros que tivemos com as docentes enfermeiras procuramos entender o significado da qualidade de vida neste momento por elas vivenciado. A seguir, relacionamos alguns achados e algumas das respectivas falas que enfocam a qualidade de vida a partir do seu viver e que agora vêm ilustrar este estudo.

Em relação à questão "Como você considera a qualidade de sua vida hoje?", todas responderam estar muito boa ou boa. Aquelas que responderam muito boa (duas entrevistadas) citaram os aspectos que elencamos a seguir: a segurança, o estado de espírito no dia-a-dia, o convívio com a família, condições dignas para viver, ter emprego, uma casa, buscar ser, estar e viver melhor mais do que ter (qualidade antes de quantidade). As outras entrevistadas que referiram ter boa qualidade de vida pontuaram aspectos como a saúde pessoal e os encontros com a família e algumas dificuldades relacionadas a condições precárias de trabalho, baixos salários e pouca valorização da profissão.

MEEBERG (1993), refere que muitos termos têm sido usados como sinônimos de qualidade de vida, sendo que a satisfação de vida é a mais frequente. Diz ainda que a satisfação de vida é puramente subjetiva e refere-se aos próprios sentimentos de felicidade e contentamento relacionados à própria vida. Embora o termo qualidade de vida seja mais abrangente, percebe-se que ao nível da abordagem feita pelas entrevistadas, há uma afirmação de satisfação com as condições gerais da existência, quando comparadas com os seus objetivos de vida. Nesta ótica, percebe-se uma gama de valores subjetivos que, na visão dos sujeitos pesquisados referem a sua própria existência dentro de padrões desejáveis.

Ao serem perguntadas sobre que critérios foram usados para dar esta qualificação, responderam, de modo geral, que a família é a base, a fonte de equilíbrio para a qualidade de vida, como pode ser visto na seguinte fala:

"Eu acho que a família é o primeiro ponto, o básico, que para mim interfere no resto. Se eu não estou bem em casa, eu não fico legal... Quando a família está bem, então eu estou bem, consigo até produzir melhor, trabalhar melhor, resolver as questões do trabalho com mais facilidade. Em primeiro lugar a família, não só o marido e filhos, mas também os meus pais que são a família com quem mais convivo."

Esta fala se repete, de forma diversificada, nas demais entrevistas, o que dá para perceber o núcleo familiar como fundamental para a qualidade de vida. SELIGMANN- SILVA (1994) reforça a idéia de que a interface trabalho-família é uma via de mão dupla em que de um lado há o fluxo em que a subjetividade desloca experiências familiares para o mundo do trabalho; de outro, a corrente que transporta para a vida familiar determinações emanadas do trabalho. Refere ainda que a família aparece como um componente do mundo exterior mais presente na qualidade de vida das pessoas, salientando que as interfaces do mundo do trabalho e do cotidiano extralaboral tem sempre que ser consideradas quando se trata deste tema.

Esta importância dada à família é estudada por vários autores, dentre eles os que constituem o GAPEFAM (Grupo de Assistência, Pesquisa e Educação em Saúde da Família). Do conceito de família saudável deste grupo, destacamos que "é uma unidade que se auto-estima positivamente, onde os membros convivem e se percebem mutuamente como família..." (ELSEN, 1994).

O ser saudável como elemento da qualidade de vida está presente em todas as falas, não só em relação a si mesmas, mas em relação também aos familiares, incluindo-se aí, pai e mãe, como vemos a seguir:

"Em relação a vida cotidiana... acho que tá jóia, a família, irmãos, agora mais ainda de férias, a gente encontra todo pessoal e uma das coisas que eu dou mais valor é a saúde que, no momento, eu consigo equilibrar. E a minha qualidade de vida é boa porque estou com saúde..."

O ser e estar saudável no mundo tem permeado as mais diversas conceituações de qualidade de vida. É um elemento fundamental e decisivo, quando se quer referir à aspiração de ser feliz. SILVA; BORENSTEIN (1992) em estudo sobre o ser e viver saudável no mundo dizem que desde a antiga Grécia o conceito de felicidade inclui a boa saúde, o feliz êxito na vida e o sucesso na formação individual. PATRÍCIO (1996) também refere que "a felicidade e o prazer representam a satisfação de necessidades individuais e coletivas de bem-viver do ser humano" e que a " qualidade do processo saúde-doença depende da qualidade de vida do ser humano."

Possuir um emprego e ter um ambiente bom de trabalho, considerando-se aí as relações interpessoais, é também um dos critérios enfatizados pelas professoras pesquisadas. É importante dizer que, das quatro entrevistadas, três delas referem as relações no trabalho como elemento determinante na qualidade de vida. No momento, estas relações são fonte de preocupação pari elas, como pode-se perceber nestas falas:

"No sentido profissional acho que poderia estar melhor... Uma das coisas que considero como qualidade é o momento que eu tenho liberdade de fazer algumas coisas e, no momento, não estou conseguindo ter prazer em certas coisas no meu trabalho... Então tem coisas que no meu trabalho me frustram. Acho que poderia estar melhor, estou lutando para estar melhor..."

"No momento, em situação de transição no trabalho, conciliar situações novas, é o que me traz mais angústia..."

Isto é reforçado por SELIGMANN-SILVA (1994) quando refere que o bem-estar do trabalhador está associado a escolha do seu local da trabalho que por conseguinte se vincula às características de personalidade do mesmo. Quando ocorre a adaptação do trabalhador ao ambiente de trabalho, pode-se dizer que o mesmo pode "promover saúde". Diz ainda que a perda do significado, do interesse e do prazer pelo trabalho atingem a identidade do trabalhador, fazendo com que o trabalho e a vida passem a fluir em ritmo mecânico.

Identificar sua qualidade de vida como boa ou muito boa, fundamentou-se também pelo fato destas pessoas valorizarem mais o ser do que o ter, o que pode ser visto como um reflexo da maturidade em que se encontram, sendo que todas reconhecem a necessidade de ter mais sensibilidade para perceber as coisas simples da vida, para compartilhar os bons momentos, necessidade de conhecer-se melhor e ter mais harmonia, buscando a espiritualidade. As duas próximas falas demonstram isto:

"O que me dá mais qualidade de vida hoje é o fato de ser mais, de estar melhor, viver melhor. A gente fala sempre em ter. É preciso falar também em ser. Neste sentido acho que tenho conseguido ser mais, eu consigo enxergar melhor a parte qualitativa..."

" Eu não sei se este ano vou conseguir ir à praia. Mas eu já consegui entender e, se eu estiver bem, vou conseguir curtir minha casa, me distrair, fazer passeios, ser criativa, tem tantas formas de ser criativa... A gente vai cultivando outros valores, faz metas daquilo que quer atingir e aí a frustração é menor."

Outro elemento que chama a atenção é o fato do fator econômico não estar entre as prioridades mencionadas pelas entrevistadas, até porque referiram possuir condições materiais de vida que lhes possibilita uma vida digna, embora todas elas almejem melhorias nesta área, uma vez que admitem ter o seu poder aquisitivo diminuído e estarem procurando se adaptar à nova condição econômica. Talvez esta vivência tenha contribuído para direcioná-las na busca de outros valores. A fala seguinte representa este pensamento:

"Eu acho a qualidade da minha vida muito boa e considero assim por gostar do que faço, pela satisfação da vivência familiar. Isto é a pilha que me dá energia. A parte ligada a espiritualidade eu acho super importante. Eu até não me preocupo tanto com as coisas materiais porque estas que eu tenho me dão o conforto e a praticidade necessária..."

Quando perguntadas sobre o que precisaria acontecer para melhorar a qualidade de suas vidas, as professoras pesquisadas, em sua maioria, referiram duas grandes preocupações: uma relacionada com o seu desenvolvimento enquanto pessoa, com o autoconhecimento e a melhoria das relações com os outros; a outra, refere-se com a melhoria da qualidade das relações no trabalho.

Em relação a primeira situação, no que tange ao desenvolvimento da própria pessoa, uma das entrevistadas disse:

"Para melhorar a qualidade de minha vida... Sem dúvida o autoconhe-cimento. Realmente, onde eu tenho mais dificuldade é na falta de autoconheci-mento, pois se eu consigo me compreender melhor, eu consigo resolver melhor todos os conflitos que eu tenho no dia-a-dia... A gente vai deixando isto de lado, não prioriza. Agora esta é a meta que eu tenho..."

"Tem coisas que eu almejo sejam melhores... descobrir alternativas no trabalho, de melhorar a vida com as pessoas, a minha vida...O que depende de mim eu estou galgando, estou indo devagarinho. Mas tem as limitações... tem muita coisa da prática social que me incomoda, no trabalho e no dia-a-dia também..."

Segundo DACQUINO (1992), a ausência de uma identidade pessoal diminui a possibilidade de afirmação por parte do Eu e, por conseguinte, produz uma frequente condição de confusão, de incerteza e de fragilidade angustiante. A identidade do indivíduo baseia-se em sua história e, conseqüentemente, em sua realidade interna e externa. Nossa identidade sofre a influência da cultura e das normas sociais, sobretudo quando se assume um papel definido, como enfermeiras ou professoras, por exemplo; o que pode determinar, na maioria das vezes, que vivamos o nosso relacionamento social através de modelos que, não raro, nos são impostos pela própria função que desempenhamos. A conquista da própria individualidade e identidade é condição fundamental para conseguir sair de nós mesmos, superar os limites entre sujeito e objeto, a fim de identificar-nos com os outros.

Acreditamos que o prazer de viver, só seja possível a partir da construção da própria identidade enquanto ser. LEOPARDI (1994) diz que "... a maior perda estética foi a perda da individualidade" e que esta perda não significou, contudo, acréscimo da consciência coletiva. Ainda para esta autora,

Se a violência cotidiana não fosse tão intensa e não nos esgotasse tanto, buscaríamos nas relações com os outros ou nos momentos de silêncio o sentimento de harmonia e de integridade de nosso eu. A perda da identidade, a ausência de limites sensoriais, a impossibilidade de fugir das rotinas e do enquadramento, gera uma necessidade de encontrar um antídoto (LEOPARDI, 1994).

A autora acredita que tudo pode ser recuperado pela retomada da nossa identidade e "pela retomada da vida como fonte de alegria, criatividade, prazer" (LEOPARDI, 1994).

Entendemos que no trabalho também se pode exercitar uma relação prazeirosa, acreditamos que podemos melhorar também com a busca e a fruição do prazer, não querendo uma felicidade já identificada com a utopia, mas buscando, através da vivência diária, uma serena cultura do prazer que recupere ou integre todas as fontes de harmonia.

No segundo caso, que se refere a qualidade das relações no trabalho, ficou muito claro que é necessário melhorá-las, favorecendo um ambiente mais saudável, mais estimulante, possibilitando o exercício da criatividade e permitindo uma vivência mais tranqüila. Estes fatores são importantes não só para a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos como do próprio trabalho, o que certamente teria repercussão positiva na produção em todos os níveis. Sobre estes aspectos, duas das enfermeiras assim se expressaram:

"Eu acho que poderia melhorar algumas coisas, especialmente as relações. O que me incomoda é ver estas coisas no trabalho, as relações (difíceis). Eu acho sinceramente que um ambiente melhor, mais saudável, com mais pique, mais vontade, diferente... Com vontade de chegar lá e trabalhar... Eu acho que isto traria mais qualidade de vida que o próprio dinheiro. Com a falta de dinheiro a gente se acostuma, corta aqui, corta ali, não corta na essência, mas consegue conter. Agora, nas relações no trabalho, não tem como fazer... Eu acho que poderia ser um ambiente de trabalho mais estimulante..."

"Com o amadurecimento, não tenho medo das palavras e nem das relações com as pessoas, isto me ajudou muito. A gente vai aprendendo e mesmo o erro faz parte do aprendizado..."

Ao pensarmos a qualidade de vida não podemos desvincular a satisfação no trabalho, tendo presente o que nos dizem CODO; SAMPAIO (1995), pois:

partindo-se da premissa de que alguém trabalha oito horas por dia, o trabalho ocuparia diretamente metade do nosso tempo de vigília, um terço de nossas vidas, servindo de equivalente universal para nos identificarmos uns perante os outros (-Quem é você? -Ah, sou mecânico). Mas o trabalho é mais, é força, tempo e habilidade que se vende para obter condições de morar, vestir, comer. Como se isso não bastasse, o trabalho nos situa na hierarquia social de valores, visível no prestigio social de algumas profissões frente a outra...

Dentro desta mesma perspectiva, DEJOURS (1992), diz que os estudos da psicopatologia do trabalho chegaram a conclusão de que o trabalho é um elemento fundamental para a saúde das pessoas. A organização do trabalho tem um papel muito importante em relação a saúde mental dos indivíduos e ela engloba duas coisas: a divisão de tarefas e a divisão dos homens. Assim, a organização do trabalho atinge o conteúdo das tarefas e as relações humanas. As organizações perigosas são aquelas que atacam o funcionamento mental do trabalhador, ou seja, o seu desejo. Quando isto acontece é terrível porque além das perturbações, provoca-se também sofrimento e, eventualmente, doenças físicas e mentais. Por outro lado, há organizações de trabalho que levam a tarefas cujo conteúdo é justamente um meio de equilíbrio. Essa situação é benéfica à saúde das pessoas pois não reprime o funcionamento mental, mas oferece um campo de ação para que o trabalhador concretize suas aspirações, suas idéias, seus desejos.

Uma das professoras ressalta um dos seus desejos na seguinte fala:

"A ascensão profissional, dar uma reativada nos estudos, fazer um doutorado, é uma outra fase da minha vida que certamente vai concorrer para uma melhor qualidade de vida..."

Esta fala caracteriza bem a qualidade de vida sustentada também em aspectos extremamente subjetivos, como ter mais conhecimento, crescer profissionalmente e ser mais valorizado dentro da instituição em que trabalha. Entendemos, como já dissemos antes, que no trabalho também se pode exercitar uma relação prazeirosa, no entanto para sentir prazer em viver é preciso ter maturidade e sensibilidade para tomar consciência da própria individualidade e identidade. Acreditamos que este caminho seja indispensável para um dia alcançar a autonomia individual, superar os limites entre sujeito e objeto, a fim de identificar-nos com os outros.

Diante do exposto, precisamos ter consciência de que antes de sermos profissionais, somos homens e mulheres, embora muitas vezes já tenhamos perdido a nossa identidade enquanto pessoas. LEOPARDI (1994) diz que: "a insuspeita certeza de que algo anda errado conosco, indivíduos que trabalham a terça parte de seus dias, precisa vir junto com a esperança da possibilidade da reconstrução do trabalho, para a emergência do trabalhador-homem vivo".

A partir das falas das entrevistadas, pode-se depreender que o conceito de MEEBERG (1993) escolhido para análise, esteve bem presente no discurso das professoras de enfermagem, uma vez que um dos aspectos relevantes foi a relação entre qualidade de vida e satisfação com a vida que levam, algumas já identificando com mais clareza os itens que precisam ser trabalhados, surgindo aí a necessidade de autoconhecimento.

Outra associação feita com a qualidade de vida foi o item saúde que envolveu a saúde física, mental (paz, harmonia), social (bom relacionamento no trabalho) e emocional (equilíbrio interior, sensibilidade).

CONCLUSÃO

O termo qualidade de vida tem sido muito utilizado na atualidade, servindo, inclusive a muitos interesses e, pela sua banalização pode ser caracterizado como simplório, pouco complexo e limitado. O estudo realizado demonstrou que qualidade de vida tem conotações muito importantes para serem exploradas e aprofundadas, especialmente pelos profissionais da saúde.

As professoras de enfermagem entrevistadas identificaram que a sua qualidade de vida é boa ou muito boa e que a mesma sofre interferência de fatores internos e externos a elas.

Os fatores internos estão relacionados especialmente a valorização de "ser mais do que o ter", o convívio harmonioso consigo mesma e com a família, a sensibilidade para perceber as coisas simples da vida (como o sol e a chuva, por exemplo), o gostar do que faz, o cultivo da espiritualidade, dentre outros aspectos. O autoconhecimento foi citado como possibilidade para conviver melhor consigo e com os outros, mantendo relações interpessoais mais fecundas no trabalho e na vida como um todo.

Dentre os fatores externos elencados por elas, o que ganhou destaque como aquele que está trazendo maior dificuldade no cotidiano e interferindo diretamente na qualidade de vida foi o trabalho, o qual tem elementos estruturais que necessitam ser modificados.

O conceito de MEEBERG (1993) mostrou-se muito presente nas falas das professoras de enfermagem e foi relacionado a aspectos tanto quantitativos quanto qualitativos de suas vidas.

Uma questão que necessita ser melhor estudada é: como transformar o trabalho (na sua mais ampla concepção) em um espaço de liberdade, criatividade e satisfação pessoal ?

Concordamos com CORRÊA (199-), quando diz que" a busca do prazer no trabalho de enfermagem pouco se diferenciará de toda a busca humana do prazer, da alegria e da felicidade, uma vez que, será sempre a busca de mais vida, de mais ser, fazendo face à adversidade, à dor e à morte, resignificando-as e reinserindo-as na palavra viva de todo homem que é portador".

A instrumentalização teórica sobre o tema pode ser o ponto de partida para a conscientização de que a qualidade de vida depende do sujeito e também de fatores externos a ele. Entretanto, é preciso salientar que todos os indivíduos são autores da sua qualidade de vida bem como do seu processo de trabalho e, portanto, são eles que poderão promover transformações efetivas em suas vidas.

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  • 1
    Trabalho apresentado à Disciplina Processo de Viver Humano, Ser Saudável e Adoecer, Cuidar e Curar, do Curso de Doutorado em Filosofia da Enfermagem- UFSC, ministrada pela profª Drª Lúcia Hisako Tagashi Gonçalves.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Mar 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 1999
    Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
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