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Brincar no hospital: subsídios para o cuidado de enfermagem

Playing in hospital: subsidy to the nursing care

Resumos

Brincar é uma das atividades essenciais para o desenvolvimento físico, emocional e social da criança. Apesar da reconhecida importância desta atividade, durante o processo de hospitalização ela é pouco valorizada, conseqüentemente não se encontra entre as ações terapêuticas previstas. O objetivo deste trabalho é discutir princípios teóricos e práticos para subsidiar a utilização do brincar/brinquedo na assistência às crianças hospitalizadas. A coleta de dados empíricos foi realizada através da observação participante de 11 crianças internadas numa unidade pediátrica de um hospital de ensino do interior do Estado de São Paulo. Identificamos que o ato de brincar tem repercussões na criança, enfermeira e hospital. Para a criança não bloqueia o desenvolvimento; ajuda-a na compreensão do que ocorre consigo e a liberar temores, tensões, ansiedade e frustração; promove satisfação, diversão e espontaneidade e possibilita que converta experiências que deveria suportar passivamente em desempenho ativo. Para a enfermeira é um instrumento de intervenção e uma forma de comunicação, possibilitando detectar a singularidade de cada criança. Quanto ao hospital, altera a visão corrente de que é apenas espaço de dor e sofrimento.

Jogo e brinquedos; Criança hospitalizada; Enfermagem pediátrica


Playing is one of the essencial activities for the fisical, emocional and social development to the child. Although the recognized importance of this activity, during the hospitalization process it is little value, so it is not find out between the foreseen therapeutic actions that are preview. The goal of this paper is discuss the theoric and pratic principles to subsidize the utilization of play in the aid to the hospitalization children. The empiric data collection was realized through the participant observation of 11 children who were intern in a pediatric unit of a teaching hospital of State of Seto Paulo upcountry. We identifie that the act to play has repercussions in the child, nurse and hospital. To the child it is not obstruct the development; help it in the understanding about what is occurring with itself and discharge fear, tension, ansiety and frustration; promote satisfaction, funny and spontaneity and allows it transforms experiences that should support inactive in active discharge. To the nurse it is a tool of intervention and a way of comunication, that allows detect the uniqueness of each child. Related to the hospital, change the current view that is only a pain and suffering place.

Play and play things; Child; Hospitalized; Pediatric nursing


ARTIGOS ORIGINAIS

Brincar no hospital: subsídios para o cuidado de enfermagem

Playing in hospital: subsidy to the nursing care

Maria Cândida de Carvalho FurtadoI; Regina Aparecida Garcia LimaII

IEnfermeira da Clínica Pediátrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e bolsista de aperfeiçoamento do CNPQ (Processo nº524507/96-1)

IIDocente da Disciplina Enfermagem Pediátrica e Neonatal da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e pesquisadora do CNPQ (processo nº524507/96-1)

RESUMO

Brincar é uma das atividades essenciais para o desenvolvimento físico, emocional e social da criança. Apesar da reconhecida importância desta atividade, durante o processo de hospitalização ela é pouco valorizada, conseqüentemente não se encontra entre as ações terapêuticas previstas. O objetivo deste trabalho é discutir princípios teóricos e práticos para subsidiar a utilização do brincar/brinquedo na assistência às crianças hospitalizadas. A coleta de dados empíricos foi realizada através da observação participante de 11 crianças internadas numa unidade pediátrica de um hospital de ensino do interior do Estado de São Paulo. Identificamos que o ato de brincar tem repercussões na criança, enfermeira e hospital. Para a criança não bloqueia o desenvolvimento; ajuda-a na compreensão do que ocorre consigo e a liberar temores, tensões, ansiedade e frustração; promove satisfação, diversão e espontaneidade e possibilita que converta experiências que deveria suportar passivamente em desempenho ativo. Para a enfermeira é um instrumento de intervenção e uma forma de comunicação, possibilitando detectar a singularidade de cada criança. Quanto ao hospital, altera a visão corrente de que é apenas espaço de dor e sofrimento.

Unitermos: Jogo e brinquedos. Criança hospitalizada. Enfermagem pediátrica.

ABSTRACT

Playing is one of the essencial activities for the fisical, emocional and social development to the child. Although the recognized importance of this activity, during the hospitalization process it is little value, so it is not find out between the foreseen therapeutic actions that are preview. The goal of this paper is discuss the theoric and pratic principles to subsidize the utilization of play in the aid to the hospitalization children. The empiric data collection was realized through the participant observation of 11 children who were intern in a pediatric unit of a teaching hospital of State of Seto Paulo upcountry. We identifie that the act to play has repercussions in the child, nurse and hospital. To the child it is not obstruct the development; help it in the understanding about what is occurring with itself and discharge fear, tension, ansiety and frustration; promote satisfaction, funny and spontaneity and allows it transforms experiences that should support inactive in active discharge. To the nurse it is a tool of intervention and a way of comunication, that allows detect the uniqueness of each child. Related to the hospital, change the current view that is only a pain and suffering place.

Uniterms: Play and play things. Child.Hospitalized. Pediatric nursing.

1 INTRODUÇÃO

O conjunto de explicações encontrado na literatura nacional é, ainda, insuficiente para a compreensão da assistência à criança hospitalizada que ora vem se delineando com, por exemplo, a permanência dos pais durante o processo de hospitalização, a participação deles no cuidado, a necessidade de recursos humanos especializados para a assistência e a introdução sistemática das atividades recreacionais nas enfermarias de pediatria.

A literatura tem trazido trabalhos que discutem a importância do brincar para o desenvolvimento sensório-motor e intelectual das crianças, assim como sua importância no processo de socialização, no desenvolvimento e aperfeiçoamento da criatividade e auto-consciência. Tem, ainda, um importante papel na formulação de valores morais.

Assim, o brincar/brinquedo como objeto de estudo é instrumento de diferentes disciplinas como Psicologia, Terapia Ocupacional, Fisioterapia, Pedagogia, Enfermagem, entre outras.

Para a Enfermagem no início da fase conhecida como Moderna, Florence Nightingale já preconizava para a criança cuidados de higiene física, alimentar e do meio ambiente, bem como recreação e ar puro (NIGHTINGALE, 1989). WHALEY; WONG (1989) afirmam que brincar é um dos aspectos mais importantes na vida de uma criança e um dos instrumentos mais eficazes para diminuir o estresse.

Ao brincar a criança libera sua capacidade de criar e reinventa o mundo, libera afetividade e através do mundo mágico do "faz-de-conta" explora seus próprios limites e parte para uma aventura que poderá levá-la ao encontro de si mesma (CUNHA,1994). Assim, através do brincar/brinquedo as crianças exploram, perguntam e refletem sobre o cotidiano e a realidade circundante, desenvolvendo-se psicológica e socialmente.

O reconhecimento da importância do brincar também encontra-se registrado no Estatuto da Criança e do Adolescente que no artigo 16 traz: "O direito à liberdade compreende: (...) IV- brincar, praticar esportes e divertir-se" (BRASIL, 1991).

Tratando-se de crianças hospitalizadas, o brinquedo tem também importante valor terapêutico, influenciando no restabelecimento físico e emocional pois pode tornar o processo de hospitalização menos traumatizante e mais alegre, fornecendo melhores condições para a recuperação.

2. O ESTUDO

A hospitalização é uma experiência estressante que envolve profunda adaptação da criança às várias mudanças que acontecem no seu dia-dia. Contudo, pode ser amenizada pelo fornecimento de certas condições como: presença dos familiares, disponibilidade afetiva dos trabalhadores de saúde, informação, atividades recreacionais, entre outras. O objetivo desta investigação é discutir alguns princípios teóricos e práticos para subsidiar a utilização do brincar/ brinquedo na assistência à criança hospitalizada.

Salientamos que este trabalho é parte de um estudo mais amplo sobre assistência integral à criança hospitalizada (LIMA,1996) que tem como objetivo específico identificar quais são as necessidades das crianças hospitalizadas, enquanto seres em crescimento e desenvolvimento.

2.1 Campo de Investigação

O trabalho foi realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo-HCRP, situado na cidade de Ribeirão Preto, localizada a Nordeste do Estado de São Paulo, distante 320 km da capital.

O HCRP é um hospital de ensino, de referência terciária e sua área de abrangência ultrapassa as fronteiras do Estado de São Paulo. Oferece assistência médica de emergência, ambulatorial e internação programada além de propiciar atividades de capacitação de recursos humanos e pesquisa. É um hospital público estatal com sofisticados recursos tecnológicos para diagnóstico e terapêutica. Atende uma clientela heterogênea do ponto de vista sócio-econômico, prevalecendo o atendimento gratuito, com fins acadêmicos e de pesquisa. Em 1997 contava com 665 leitos sendo que 35 eram infantis, alocados especificamente na Clínica Pediátrica. Nesta unidade são hospitalizadas, preferencialmente, crianças com patologias crônicas e mais complexas que necessitam de reinternações freqüentes.

2.2 Participantes

Participaram do estudo 11 crianças, a maioria acompanhada de suas mães ou responsáveis, internadas na Clínica Pediátrica do HCRP. A seleção das crianças foi intencional, tendo por base critérios previamente formulados em relação aos quais eles seriam os mais representativos.

Quanto ao perfil destas crianças, a idade variou de nove meses a doze anos; sete eram do sexo feminino e quatro do masculino. Oito crianças já haviam passado por outras internações (casos crônicos) e três vivenciaram a primeira, com mais de trinta dias de hospitalização.

2.3 Coleta de Dados

A observação participante foi o instrumento selecionado para a coleta de dados, que se estendeu de 09.01 a 12.04.95. A observação foi centrada na criança (unidade de observação) e nas pessoas (mães e trabalhadores de saúde) que com ela se relacionavam. Observamos uma criança de cada vez, por cinco dias consecutivos, de segunda a sexta-feira, nos plantões da manhã, tarde e vespertino.

Antes de iniciarmos a observação, apresentávamo-nos às mães, explicávamos nossos propósitos de pesquisa e solicitávamos seu consentimento para a realização da investigação; todas concordaram. Os dados foram registrados em diário de campo.

O projeto de pesquisa obteve aprovação da Comissão de Normas Éticas do HCRP.

2.4 Análise

Iniciamos esta etapa digitando o conjunto das observações para posteriormente procedermos a ordenação dos dados a partir de alguns agrupamentos. Construímos assim, diversos títulos para aglutinar os dados brutos, elaborando-se uma primeira visão do conjunto.

A leitura flutuante deste conjunto de títulos, conduzida pela literatura disponível sobre a temática e o objetivo colocado para o desenvolvimento deste estudo, possibilitou-nos apreender as estruturas de relevância, que segundo MINAYO (1989) caracterizam-se pela incidência de ênfase em determinados aspectos da realidade, indicando a base de confronto do material empírico com as teorias existentes sobre o assunto.

Uma das estruturas de relevância foi brincar no hospital, tema desta investigação, lembrando mais uma vez que esta pesquisa é parte de um estudo mais amplo sobre assistência integral à criança hospitalizada.

3. RESULTADOS EM DISCUSSÃO

Quando uma criança é hospitalizada, não traz consigo apenas um corpo doente. Ela traz também as experiências que já vivenciou, o convívio com a família, amigos, escola e as atividades cotidianas como por exemplo o brincar.

O adulto, usualmente vê o hospital como espaço onde o lúdico não está presente. Já a criança tira proveito das situações mais inusitadas para brincar como D. que se encontra com tala para imobilização em membro superior esquerdo em decorrência de uma punção venosa para soroterapia. Criança no leito, brinca com extensão do soro. Atendente de enfermagem procura desviar sua atenção oferecendo-lhe uma boneca, D. recusa e continua a brincar com a extensão; tem fácies alegre e emite alguns sons (Obs.4). Em outra situação D. encontra-se sentada no leito, não tem nenhum brinquedo ao seu alcance. A atendente de enfermagem escalada na enfermaria está envolvida com os banhos matinais. Criança chora observando o ambiente. Ao notar o colchão colorido através de um pequeno furo no lençol, com movimentos circulares dos dedos vai aumentando-o até rasgar completamente o lençol. Ao dispor de um espaço maior do colchão a descoberto, passa as mãos, parece verificar a textura, rola de um lado para o outro e sorri. Permanece envolvida nesta atividade por vinte minutos (Obs.4).

Constatamos a grande versatilidade e criatividade das crianças na transformação de instrumentos hospitalares em brinquedos, quando a balança, o fluxômetro, o suporte de soro, a tala, entre outros, são vistos com outros olhos, não apenas como objetos de desconforto ou dor, mas também de prazer. C. e outra garota, aparentemente da mesma idade, brincam com uma boneca que parece estar doente pois tem eletrodos; as crianças tem várias seringas nas proximidades. A brincadeira gira em torno de 'cuidados; elas pouco conversam mas agem muito, aplicam injeções, mudam os eletrodos quando soa o bip, também simulado por elas (Obs.3). O manuseio torna os objetos conhecidos e o conhecido traz segurança e a segurança diminui o medo, a ansiedade e a dor.

Esta dualidade entre o real e o imaginário possibilita às crianças converterem experiências que deveriam suportar passivamente em desempenho ativo, com isso ela pode controlar imaginariamente o novo ambiente. Embora aparentemente insignificante, esta atividade de brincar é um momento privilegiado para a elaboração de ansiedades decorrentes do desconforto e estranheza frente à hospitalização.

Os dados, em outra situação, demonstram que (...) após a auxiliar de enfermagem heparinizar a veia de C., esta pede a seringa. Funcionária quer saber o que fará com ela, responde 'vou aplicar injeção nas bonecas' (Obs.3). A criança capta, a partir de sua lógica, a finalidade, organização e a rotina do hospital.

A sala de recreação é, aparentemente, o local mais procurado pelas crianças e suas mães, no entanto, pela escassez de funcionárias de enfermagem permanece fechada por longos períodos. De acordo com o regulamento, ela só pode ser utilizada na presença de uma funcionária escalada para supervisionar as atividades. Observamos, em mais uma situação, que quando A. é retirada do berço, segue diretamente para a sala de recreação, ao perceber a porta fechada, bate várias vezes, como não obtém resposta volta para a enfermaria e diz para a mãe 'não tem!' (Obs.1). C. e a mãe vão até a sala de recreação que no momento encontra-se aberta, geralmente isso ocorre quando a atendente de enfermagem W. está no plantão; embora ela não seja escalada para a recreação é quem 'cuida' da sala (Obs.3). Se os trabalhadores de saúde estão instrumentalizados teoricamente para reconhecerem a importância e o objetivo da sala de recreação, mantê-la fechada pode ser uma posição reversível.

As atividades recreacionais desenvolvidas pelas crianças vão desde desenho, pintura, recorte e colagem, passando por jogos, bonecas, brincadeiras livres, leitura teatro. Em geral, a brincadeira é solitária ou em conjunto com as mães, independente da idade da criança (Obs.3 e Obs.5). Parece que o apego à mãe, por ser a pessoa mais conhecida e também a grande dependência decorrente da situação de doença, impedem que as crianças relacionem-se entre si e participem de brincadeiras coletivas, esperadas em determinadas fases do seu desenvolvimento. Parece-nos que a limitação das relações entre mãe e filho não é conduzida apenas pela criança pois a mãe também manifesta sentimentos de não identidade grupal.

A participação da mãe no brincar do filho além de reforçar o relacionamento entre ambos também é fonte de lazer para a mãe já que ela tem poucas oportunidades de diversão na enfermaria. A televisão, em geral, é o entretenimento mais utilizado pela mãe, no entanto, parece não despertar o mesmo interesse nas crianças, como (...) na enfermaria 721 tem uma televisão, algumas mães assistem novela, já as crianças estão nos seus leitos e prestam pouca atenção no vídeo (Obs.9).

Em geral, nas enfermarias só ficam os brinquedos de propriedade das crianças pois a enfermagem, preferentemente, concentra aqueles do hospital na sala de recreação, uma vez que, além de desorganizar o ambiente corre-se o risco de perdê-los e sua aquisição é difícil pois, geralmente, são doações levantadas através de campanhas organizadas pelas próprias funcionárias da enfermagem.

Assim, brincar não é apenas distração, é muito mais importante para o desenvolvimento físico, mental, emocional e social do que poderia parecer a primeira vista. Para a criança é a atividade mais espontânea, natural e prazerosa, por isso até o seu próprio corpo pode se objeto lúdico como L. que tem predileção por brincar com partes de seu próprio corpo, mãos e pés; com freqüência movimenta-os, procura levar o pé até a boca, insiste mas não consegue, sorri...; olha fixamente para o movimento das mãos, sorri... (Obs.12).

Dada a importância do brinquedo na vida da criança é preciso considerar que suas capacidades lúdicas estão diretamente relacionadas à fase de desenvolvimento em que se encontra, portanto, é necessário incorporar saberes, principalmente da Psicologia, para direcionar esta atividade. Contudo este conhecimento necessita ser retrabalhado para a enfermagem objetivando conhecer o ciclo evolutivo da criança, particularizá-la e então propor alternativas de acordo com seu momento de desenvolvimento. Na nossa opinião, o brinquedo pode ser trazido sistematicamente para as enfermarias e ser incorporado na prática clínica sem causar transtornos para a assistência. Mais uma vez, o trabalho realizado através de uma equipe multiprofissional está em cena pois a orientação para o conjunto dos trabalhadores em saúde sobre a atividade recreacional é de competência da psicopedagoga e terapeuta ocupacional.

Como já apontamos, a criança não se restringe apenas à sala de recreação para atividades lúdicas. São vários espaços de brincar como enfermaria, refeitório e corredores, da mesma forma são diversas as atividades pois crianças de idades diferentes buscam brinquedos diferentes, e estes parecem atendê-las nas necessidades específicas de cada idade. Para exemplificar as lactentes D. e L. raramente são levadas à sala de recreação mas têm brinquedos (bonecas) à disposição, no entanto, D. está com tala imobilizando o membro inferior em decorrência de butterfly heparinizado instalado em veia periférica e brinca com ele; demonstra predileção por brinquedos não convencionais (Obs.4). Observamos, ainda, L. puxando uma linha em sua blusa tentando levá-la à boca, permanece envolvida nesta atividade por instantes, apresenta fáceis tranquila e sorri com freqüência (Obs. 12).

Outra questão importante na nossa opinião, é que a criança submetida a hospitalizações freqüentes e repetidas recebe estímulos que outras provavelmente não receberão, se não vivenciarem este processo. Aquela que convive com a doença crônica e freqüenta o ambiente hospitalar e entra em contato, por exemplo, com outras formas de alimentação, equipamentos que estão ao seu redor, intervenção em seu próprio corpo, dor, enfim procedimentos e sensações que enriquecem suas experiências, mesmo que nem todas sejam alegres e tranquilas, mas são estímulos que contribuirão para seu processo de crescimento e desenvolvimento.

Assim, parece-nos importante relativizar a idéia corrente de que o hospital é um ambiente pobre em estímulos. A diversidade de procedimentos que ocorre durante o período de hospitalização é uma fonte variada de estímulos, embora possam não ser os mais agradáveis e recomendáveis para a criança. Eles não podem ser ignorados ou negados, a ponto de afirmar-se que no hospital a criança não é estimulada. É necessário, sim, que os trabalhadores estejam atentos a eles, procurem observar os efeitos que estão causando no desenvolvimento da criança e conduzam o processo de forma a torná-lo menos traumático e mais saudável.

Algumas mães procuram incorporar ao ambiente hospitalar outros estímulos como a mãe de C., sempre que possível, alegra o ambiente com música, através de um gravador (Obs.3).

A perspectiva da utilização do brinquedo em Enfermagem Pediátrica é a de servir como meio de comunicação entre os profissionais e a criança e detectar a singularidade de cada uma. Do ponto de vista da criança ele promove o desenvolvimento físico, psicológico, social e moral; ajuda a criança a perceber o que ocorre consigo; libera temores, raiva, frustração e ansiedade; ajuda a revelar seus pensamentos e sentimentos; promove satisfação, diversão e espontaneidade. Assim, brincando ela exercita suas potencialidades.

A organização das unidades pediátricas segundo os padrões da medicina flexneriana considera científico o que pode ser mensurável, objetivo e controlado através de experimentos e relega, porque não dizer, refuta as emoções e a subjetividade. Alguns serviços têm incorporado à medicina clínica projetos que ampliam a assistência à criança para além do corpo biológico. Como exemplo, citamos o projeto Doutores da Alegria* * Para melhores esclarecimentos ver: http://www.doutoresdaalegria.org.br . Este trabalho, iniciado em 1991, é realizado por catorze atores com formação em teatro Clown (misto de técnicas circenses e teatrais). Eles caracterizam-se de médicos-palhaços e com muita sensibilidade e bom humor, tentam amenizar a tristeza e a dor dos pequenos pacientes internados e seus familiares. Desenvolvem esse trabalho em seis hospitais da cidade de São Paulo.

Nos dizeres de Wellington Nogueira, idealizador e diretor artístico do grupo, a experiência da alegria motiva a criança doente a recuperar-se mais rapidamente, abrir-se para a terapêutica e relacionar-se de forma mais saudável com o espaço hospitalar e a equipe de saúde (NOGUEIRA, 1998). Através deste projeto de trabalho é possível estabelecer-se canais de comunicação que possibilitem à criança e ao adolescente um novo relacionamento com a realidade hospitalar.

Outra experiência criativa é o trabalho desenvolvido por alunos do Curso de Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP). Com base no projeto "Doutores da Alegria" e associando os conhecimentos teóricos das disciplinas Psicologia e Enfermagem Pediátrica e Neonatal, criaram em 1996 a Companhia do Riso - Cia do Riso – cujo objetivo é resgatar o riso da criança/família hospitalizada. Para a escolha do nome, o grupo procurou ter como palavra-chave o riso, pois ele se constitui em um evidente sintoma de saúde física e mental, individual e coletiva (FRANÇANI et al., 1998).

Este trabalho está sendo desenvolvido no 7º andar do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Unidade Campus, local reservado à Clínica Pediátrica. Segundo FRANÇANI et al.(1998), a presença da Cia do Riso no ambiente hospitalar abre espaço para a fantasia, o riso, a alegria.

Concluem que a partir desta experiência pode-se observar algumas transformações no dia-dia: o espaço hospitalar tornou-se mais informal e descontraído, o riso pode ser ouvido com maior frequência e objetos, sons, movimentos, cores, espaços e personagens podem se tornar brinquedo. Finalizam afirmando que esta é uma intervenção concreta que valoriza o processo de desenvolvimento infantil.

Outra possibilidade utilizada em unidades pediátricas é o brinquedo terapêutico que tem basicamente, dois objetivos: o primeiro relaciona-se à criança e é estruturado para que ela possa aliviar a ansiedade gerada por experiências atípicas, ameaçadoras e que requerem mais do que o brinquedo recreacional para minimizar suas preocupações e temores. O segundo objetivo refere-se à enfermeira e ajuda-a na compreensão das necessidades e sentimentos da criança em relação às questões que envolvem a hospitalização infantil. O material utilizado para o desenvolvimento desta técnica é variado o suficiente para permitir que a criança possa dramatizar situações hospitalares e domésticas, exteriorizar sentimentos de raiva e hostilidade, manifestar fases regressivas e ter oportunidade de expressar-se livremente (SABATES et al., 1995).

HUERTA (1990), ao discutir a técnica do brinquedo terapêutico afirma que ela pode ser utilizada pela enfermeira como forma de comunicação com a criança hospitalizada, objetivando permitir ao profissional apreender as necessidades e sentimentos da criança hospitalizada.

Em geral, na visão da criança, o hospital é um local de proibições. Para superar esta característica deixemos que também brinque, corra, ande pelos corredores, converse livremente, explore o espaço, tome sol... Nos dizeres de OLIVEIRA (1993, p.340) "(...) brincar é uma forma de viver" e espantar a solidão.

3. CONSIDERAÇÕES GERAIS

Na assistência à criança hospitalizada predomina o atendimento clínico, individual e curativo, com tecnologia sofisticada e altamente intervencionista. Este modelo tem se mostrado insuficiente e vem sofrendo transformações e, numa perspectiva mais atual, a assistência visa a integralidade da criança, atendendo às necessidades de diagnóstico e terapêutica com os resultados advindos desta como o choro, o mau humor, o negativismo, a dor, o medo, a agressão ou a passividade.

Nesta perspectiva, somam-se às atividades técnicas, centradas no anátomo-fisiológico, outras de caráter mais amplo, com enfoque na manutenção do crescimento e desenvolvimento e na melhor qualidade de vida. Assim, além das ações básicas como medicação, alimentação e higiene, somam-se outras como recreação e implementação do relacionamento mãe-filho.

No que se refere à recreação, como já foi dito, as crianças quando brincam, se exercitam em sua criatividade e liberdade, transformam o real em imaginário e esta capacidade sempre estará presente em cada criança, independente de sua condição sócioeconômica e também de seu estado físico, emocional e de saúde.

Quando instrumentalizados, os profissionais de saúde adquirem habilidades que facilitarão a assistência, ajudando no processo saúde-doença, por reconhecerem que o ato de brincar no hospital é um fator que motiva uma maior interação na relação profissional de saúde-paciente, subsidiando uma assistência requalificada, de natureza global e integral.

Quando brincar faz parte da assistência à criança hospitalizada, o hospital também se beneficia pois a visão corrente de que nele só existe dor, solidão, medo e choro, ou seja, apenas aspectos negativos, é relativizada. A busca pela "humanização" do espaço hospitalar prevê o respeito, o estímulo e o resgate da dimensão saudável da criança, que muitas vezes pode ser traduzida pelo brincar.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • BRASIL. Ministério da Saúde. Estatuto da criança e do adolescente Brasília, 1991.
  • CUNHA, N. H. S. Brinquedoteca: um mergulho no brincar. São Paulo, Maltese, 1994.
  • FRANÇANI, G. M. et al. Prescrição do dia: infusão de alegria. Utilizando a arte como instrumento na assistência à criança hospitalizada. Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, 1998./ Mimeografado/.
  • HUERTA, E. del P. Brinquedo no hospital. Rev. Esc. Enf. USP, v. 24, n. 3, p. 319-27, 1990.
  • LIMA, R. A. G. Criança hospitalizada: a construção da assistência integral. Ribeirão Preto, 1996. 258 p. Tese (Doutorado). Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.
  • MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: metodologia de pesquisa social (Qualitativa em Saúde). Rio de Janeiro, 1989. 366 p. Tese (Doutorado). Escola Nacional de Saúde Pública, FIOCRUZ.
  • NIGHTINGALE, F. Notas sobre a enfermagem: o que é e o que não é. Trad. Amália Corrêa de Carvalho. São Paulo, Cortez/ Brasília, ABEn/ CEPEn, 1989.
  • NOGUEIRA, W. Doutores da alegria. Sinop. Pediatr., v. 1, n. 1, p. 12-13, 1998.
  • OLIVEIRA, H. A enfermidade sob o olhar da criança hospitalizada. Cad. Saúde Públ., v. 9, n. 3, p. 326-32, 1993.
  • SABATES, A. L. et al. O brinquedo como instrumento na assistência de enfermagem à criança hospitalizada/ Trabalho apresentado no 1 Congresso Paulista de Enfermagem Pediátrica, São Paulo, 1995/.
  • WHALEY, L. F.; WONG, D. L. Enfermagem pediátrica: elementos essenciais à intervenção efetiva. 2 ed. Rio de Janeiro,: Guanabara, 1989.
  • *
    Para melhores esclarecimentos ver:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Mar 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 1999
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