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Possibilidades e limites do trabalho de vigilância epidemiológica no nível local em direção à vigilância à saúde

Possibilities and limits of epidemiological surveillance at the local level towards health surveillance

Possibilidades y límites del trabajo de vigilanica epidemiologica en los servicios sanitarios hacia la vigilancia de la salud

Resumos

O estudo tem como marco referencial o processo de trabalho em saúde e em enfermagem, e como objetivos descrever e analisar as ações de Vigilância Epidemiológica (VE) desenvolvidas em uma unidade de saúde, buscando identificar o quanto se aproximam da estratégia de Vigilância à Saúde (VS). Utilizou-secomo referência um check-list elaborado com base nas ações de VE preconizadas pelo Ministério da Saúde. Os dados obtidos demonstraram que na unidade de saúde estudada, as ações de VE restringiam-se à notificação e ao controle das doenças transmissíveis e que o trabalho da enfermeira na VE caracteriza-sepor atividades burocráticas. Conclui-sepela necessidade de se ampliarem as discussões sobre as formas de operacionalização da VS nos serviços de saúde.

Vigilância epidemiológica; Saúde pública; Enfermagem em saúde comunitária


The aim of this study is to describe and analyze Epidemiological Surveillance activities (ES) developed in a Health Care Unit and to identify their adherence to recommended Health Surveillance (HS) strategies. A checklist with the activities recommended by the Ministry of Health was used to conduct interviews with health professionals involved in ES activities. The data obtained from these interviews showed that Epidemiological Surveillance activities are limited to the notification and control of infectious diseases, and the nurses' labor is characterized by bureaucratic tasks. This shows that further discussion about Health Surveillance strategies is necessary to find ways to better implement them in health services.

Epidemiological surveillance; Public health; Community health nursing


La investigación tuvo los objetivos de describir las acciones de Vigilancia Epidemiologica desarolladas en un servicio sanitário de atención primaria y analisarias desde concepciones del processo salud-enfermidad y del proceso de trabajo en salud y en enfernmeira a fin de identificar en que medida las acciones se acercam de la estrategia de Vigilancia de la salud. Como referencia se uso un listado de chequeo com las acciones de la Vigilancia Epidemiologica que son preconizadas por el Ministerio de salud de Brazil. Los dados han demuenstrado que en el servicio investigado las acciones de Vigilancia Epidemiológica se limitam a la notificación y al control de las enfermedades transmissibles. Los resultados también muestraron que el trabajo de la enfermeria em la Vigilancia Epidemiologica se caracteriza por ias actividades burocráticas . La conclusón es que la necesidad de se extender las discusiones acerca de las formas de operar la Vigilancia de la salud en los servicios sanitarios.

Vigilancia epidemiologica; Salud publica; Enfermeria en salud comunitaria


Possibilidades e limites do trabalho de vigilância epidemiológica no nível local em direção à vigilância à saúde

Possibilities and limits of epidemiological surveillance at the local level towards health surveillance

Possibilidades y límites del trabajo de vigilanica epidemiologica en los servicios sanitarios hacia la vigilancia de la salud

Verônica Maria RodriguesI; Lislaine Aparecida FracolliII; Maria Amélia Campos de OliveiraIII

IAluna do Curso de Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da USP

IIProfessor Assistente Doutor do Depto de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da USP-SP Professor

IIIDoutor do Depto de Enfermagem em Saúde Coletiva a Escola de Enfermagem da USP-SP

RESUMO

O estudo tem como marco referencial o processo de trabalho em saúde e em enfermagem, e como objetivos descrever e analisar as ações de Vigilância Epidemiológica (VE) desenvolvidas em uma unidade de saúde, buscando identificar o quanto se aproximam da estratégia de Vigilância à Saúde (VS). Utilizou-secomo referência um check-list elaborado com base nas ações de VE preconizadas pelo Ministério da Saúde. Os dados obtidos demonstraram que na unidade de saúde estudada, as ações de VE restringiam-se à notificação e ao controle das doenças transmissíveis e que o trabalho da enfermeira na VE caracteriza-sepor atividades burocráticas. Conclui-sepela necessidade de se ampliarem as discussões sobre as formas de operacionalização da VS nos serviços de saúde.

Palavras-chave: Vigilância epidemiológica. Saúde pública. Enfermagem em saúde comunitária.

ABSTRACT

The aim of this study is to describe and analyze Epidemiological Surveillance activities (ES) developed in a Health Care Unit and to identify their adherence to recommended Health Surveillance (HS) strategies. A checklist with the activities recommended by the Ministry of Health was used to conduct interviews with health professionals involved in ES activities. The data obtained from these interviews showed that Epidemiological Surveillance activities are limited to the notification and control of infectious diseases, and the nurses' labor is characterized by bureaucratic tasks. This shows that further discussion about Health Surveillance strategies is necessary to find ways to better implement them in health services.

Keywords: Epidemiological surveillance. Public health. Community health nursing .

RESUMEN

La investigación tuvo los objetivos de describir las acciones de Vigilancia Epidemiologica desarolladas en un servicio sanitário de atención primaria y analisarias desde concepciones del processo salud-enfermidad y del proceso de trabajo en salud y en enfernmeira a fin de identificar en que medida las acciones se acercam de la estrategia de Vigilancia de la salud. Como referencia se uso un listado de chequeo com las acciones de la Vigilancia Epidemiologica que son preconizadas por el Ministerio de salud de Brazil. Los dados han demuenstrado que en el servicio investigado las acciones de Vigilancia Epidemiológica se limitam a la notificación y al control de las enfermedades transmissibles. Los resultados también muestraron que el trabajo de la enfermeria em la Vigilancia Epidemiologica se caracteriza por ias actividades burocráticas . La conclusón es que la necesidad de se extender las discusiones acerca de las formas de operar la Vigilancia de la salud en los servicios sanitarios.

Palabras-clave: Vigilancia epidemiologica. Salud publica. Enfermeria en salud comunitaria.

INTRODUÇÃO

Este trabalho buscou identificar as ações de Vigilância Epidemiológica (VE) desenvolvidas em uma Unidade Saúde (US) de um Núcleo Regional de Saúde do Estado de São Paulo e caracterizar a prática das enfermeiras nesse contexto operacional. Resultou de uma investigação desenvolvida em 1998 durante a disciplina de Estágio Curricular em Enfermagem em Saúde Coletiva do Curso de Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da USP.

Como uma prática social e historicamente constituída, a Enfermagem articula-se sempre a um dado processo de produção em saúde, tomando para si muitas das características desse processo. Por essa razão, adotou-se a concepção de VE expressa na Lei 8080/90, entendendo que a mesma serve de diretriz operacional para a construção da prática de enfermagem no âmbito das ações de vigilância.

A Lei 8080/90, capítulo I, título II, em seu art. 6° , inciso 1.b), que trata da execução de ações de VE, menciona no parágrafo 2°: "entende-se por Vigilância Epidemiológica um conjunto de ações que proporcionam a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos" (1)

Originalmente, o termo VE foi cunhado para designar "a observação sistemática e ativa de casos suspeitos ou confirmados de doenças transmissíveis e seus contatos" .(2) Referia-se, portanto, à vigilância de pessoas através de medidas de isolamento ou de quarentena aplicadas individualmente. No processo da Reforma Sanitária, o conceito de VE sofreu modificações, sobretudo em decorrência da VIII Conferência Nacional de Saúde, da qual derivaram a Constituição Federal de 1988 e as Leis Orgânicas da Saúde 8080/90 e 8082/92. Com a mudança da concepção de VE proposta pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a estrutura organizacional da VE também precisou ser revista.

O Sistema de Vigilância Epidemiológica (SVE) instituído pelo SUS é definido como "o conjunto de atividades que proporcionam a informação necessária para conhecer, detectar ou prever qualquer mudança que possa ocorrer nos fatores condicionantes do processo saúde-doença, com a finalidade de recomendar, oportunamente, as medidas indicadas que levem à prevenção e ao controle das doenças" (2)

O SVE organiza-se através de diferentes esferas de competências para cada nível administrativo, competências essas definidas pela Constituição Federal e que prevêem a descentralização das atividades de VE, em consonância com os princípios do SUS (Quadro I).No nível local, tais atividades incluem o diagnóstico e tratamento, notificação de casos e resultados de exames, ações de controle das doenças, principalmente as de notificação compulsória, orientação à comunidade e educação em saúde.


REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

A vigilância epidemiológica e sua articulação à vigilância à saúde

A Vigilância à Saúde propõe a superação da dicotomia entre as práticas voltadas ao coletivo e a assistência individual. Assim sendo, as atividades de Vigilância Epidemiológica comporiam o conjunto articulado de ações da Vigilância à Saúde. A Vigilância à Saúde integraria o conjunto das práticas realizadas pelos serviços de saúde no nível local, com o objetivo de garantir a qualidade de vida para o coletivo sob sua responsabilidade. (3)

Assim, a Vigilância à Saúde é uma prática sanitária informada pelo modelo epidemiológico, que articula, sob a forma de operações, um conjunto de processos de trabalho, relativos a situações de saúde a preservar, riscos, danos e seqüelas, incidentes sobre indivíduos, famílias, ambientes coletivos (creches, escolas, fábricas), grupos sociais e meio ambiente, normalmente dispersos em atividades setorializadas em programas de saúde pública, na vigilância nutricional e alimentar, no controle de vetores, na educação para a saúde, nas ações sobre o meio ambiente, com ações extra-setoriais, para enfrentar problemas contínuos num território determinado, especialmente nas microáreas (3).

A Vigilância à Saúde (VS) busca intervir no momento da produção social (formas de trabalhar), no momento da reprodução social (formas de viver) e nos resultados do processo saúde-doença (os potenciais de desgaste e de fortalecimento que se expressam em diferentes manifestações de saúde-doença, de acordo com a forma de inserção social das pessoas e traduzidos, por sua vez, em diferentes formas de adoecer e morrer). Para tanto, é preciso conhecer a estrutura social, a estrutura econômica e a dinâmica social de uma comunidade, a fim de detectar os potenciais de desgaste e de fortalecimento presentes no coletivo (4).

A estratégia da Vigilância à Saúde apoia-se na Teoria da Determinação Social do Processo Saúde-Doença, segundo a qual o processo saúde-doença manifesta-se em indicadores sociais e nos modos específicos de adoecer e morrer (perfis epidemiológicos) dos diferentes grupos sociais. O processo saúde-doença é socialmente determinado, ou seja, articula-se às condições materiais de existência, de tal modo que os eventos biológicos por si só não são capazes de explicá-lo. A história social condiciona os modos de adoecer e morrer dos grupos sociais, pois o biológico e o social são momentos de um mesmo processo (5).

Essa concepção entende que qualquer intervenção da área de saúde deve superar os indicadores apenas biológicos e partir para a "construção" de outros indicadores que possam explicitar a relação biológico/social, incorporando dados e infofmações capazes de contemplar as formas de produção e reprodução do coletivo.

O processo de trabalho em saúde e o trabalho de enfermagem

Desde suas origens, a Enfermagem profissional brasileira foi tutelada pelo Estado e pela Medicina, atendendo às necessidades de implantação do capitalismo. Tal fato imprimiu na Enfermagem uma ideologia de subserviência ao Estado e aos médicos. Tanto assim que o ensino ministrado pela Escola de Enfermagem Anna Nery dava ênfase à sistematização das técnicas de enfermagem, em detrimento das disciplinas teóricas, reproduzindo os princípios tayloristas e do positivismo científico no trabalho de enfermagem (6) .

Atualmente, no âmbito específico da Saúde Coletiva, a Enfermagem vem sendo considerada como um dos instrumentos a serviço das necessidades sociais de saúde dos grupos populacionais, utilizando-se para isso da produção teórico-prática de outras áreas do conhecimento, bem como a sua própria produção(7).

Desta forma, na construção de um novo modelo assistencial voltado para a Vigilância à Saúde, o trabalho de enfermagem deve ser reorientado para recompor o conjunto das práticas em saúde de forma articulada às demais práticas, integrando o processo de produção de serviços de saúde. Seu objeto e finalidade são os mesmos do processo de produção em saúde, quais sejam, os perfis epidemiológicos e a transformação desses mesmos perfis. Meios e/ou instrumentos próprios é que lhe conferirão especificidade como prática social e devem estar subordinados às necessidades do coletivo na sua totalidade, nos seus grupos sociais homogêneos e na sua singularidade. (8)

A REALIDADE INVESTIGADA

No ano de 1998, a Secretaria do Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP) tinha sob sua gestão 210 Unidades de Saúde (USs) vinculadas a cinco Núcleos Regionais de Saúde (NRSs), subordinados à Direção Regional I da Capital (DIR I-Capital). A DIR I-Capital, aos seus NRSs e às USs da SES-SP competia o controle da saúde no município de São Paulo, em ações coordenadas com a Secretaria Municipal de Saúde. Do ponto de vista do Estado, aos NRSs e às USs cabia executar, entre outras ações, as de VE. (2)

Elegeu-se como local para o desenvolvimento do estudo uma das US sob a supervisão do NRS-1. A US em questão caracterizava-se por ser um Centro de Saúde e um Ambulatório de Especialidades, localizada na região oeste da cidade de São Paulo, no bairro de Pinheiros. Tinha por finalidade servir como porta de entrada do Sistema de Saúde e atuar como referência de segunda linha para as especialidades médicas de clinica geral, cardiologia, dermatologia, endocri-nologia, neurologia, oftalmologia, otorrinolaringologia, ortopedia, pneumologia, proctologia, psiquiatria, tisiologia e urologia.

O trabalho nessa unidade, assim como em toda a rede pública estadual naquela ocasião, estava organizado de acordo com o modelo clínico de atenção à demanda espontânea, predominando o pronto atendimento e a consultação individual, com alguma ênfase na Programação em Saúde, embora não houvesse nenhum programa plenamente estruturado. Os programas de atenção ao idoso e ao diabético adotavam a abordagem grupal, mas funcionavam de acordo com o empenho de alguns médicos que se interessavam pelo tema. Existia ainda um Centro de Orientação e Assistência à Saúde (COAS), que tinha como objetivo realizar o diagnóstico precoce e a orientação a indivíduos portadores do HIV/AIDS .

Nesse mesmo ano, um estudo desenvolvido no transcorrer da disciplina Enfermagem em Saúde Coletiva: fundamentação e prática* * Disciplina obrigatória da grade curricular do Curso de Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da USP, vinculada ao Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva. havia evidenciado que "as ações de vigilância à saúde desenvolvidas pelos Núcleos Regionais de Saúde da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo estavam centradas nos resultados ou nos determinantes localizados no momento da reprodução social, ou seja, formas de viver e consumir, uma vez que eles se articu-lam com outros órgãos para intervir, sobretudo no meio ambiente, moradia, creches, escolas e esporte/lazer. Com relação às ações de Vigilância Epidemiológica, todos os NRS desenvolvem atividades relativas ao sistema de informação; em quatro dos NRS realizam-se ações de busca ativa, exceção feita ao NRS-4 que não as realiza, cujas atividades têm como objetivo principal a detecção de casos de Doenças de Notificação Compulsória (DNC) não notificadas e de seus comunicantes, já que as ações de Vigilância Epidemiológica devem ser direcionadas a qualquer caso suspeito e assim alcançar o máximo de efetividade com as intervenções propostas" (4).

Na US em questão, a VE era desenvolvida por uma equipe composta por duas médicas sanitaristas e uma atendente de enfermagem, sendo que esta última desempenhava a função de visitadora sanitária. Os únicos sub-programas aos quais a VE articulava-se eram os de Hanseníase e Tuberculose, sendo que a maior parte dos pacientes atendidos não pertenciam à área de abrangência da US. Problemas de alta incidência como depressão, hipertensão, doenças sexualmente transmissíveis, por exemplo, não tinham uma articulação específica com a VE, evidenciando uma estrutura conservadora.

Embora não integrassem o quadro de pessoal encarregado da VE, verificou-se que as enfermeiras tinham um papel ativo nessa atividade, sobretudo nos horários em que as médicas sanitaristas não estavam presentes, já que ambas tinham jornada matutina. Observou-se que nessa US, as enfermeiras acumulavam funções administrativas (de controle de material e de pessoal de enfermagem) e de assistência (relativas à vacinação e ao treinamento de pessoal).

PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS

A coleta de dados foi realizada mediante o uso de um roteiro do tipo check-list (Anexo I Anexo I ), elaborado a partir das ações preconizadas pelo Guia de Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde (2) , com a finalidade de identificar as ações de VE realizadas pela US. O instrumento foi aplicado individualmente a todos os profissionais da equipe de VE, inclusive as cinco enfermeiras, perfazendo um total de oito pessoas. Os dados do check-list foram tabulados e descritos segundo a freqüência de ocorrência dos mesmos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados apresentados no Gráfico I relacionam-se às informações obtidas, agrupadas segundo a ordem de freqüência com que apareceram no check-list .


Do modo como está estruturada a VE na US em estudo , pôde-se observar que as ações mais freqüen-temente realizadas são:

  • Dispor de recursos materiais e humanos para realizar tratamento dos casos confirmados (ação 21);

  • Notificar suspeita de Doença de Notificação Compulsória (ação 11);

  • Notificar de maneira sigilosa (ação 12);

  • Disponibilizar regularmente os instrumentos de notificação; (ação 13)

  • Preencher todos os campos da ficha de notificação (ação 22);

  • Identificar formas de prevenir o contágio de outras pessoas (ação 29);

  • Conhecer e seguir o fluxo de informações do Sistema de Informação em Saúde (ação 37);

  • Utilizar outras fontes de dados que não a

    notificação (ação 10);

  • Notificar surtos e/ou epidemias (ação 8);

  • Identificar os comunicantes (ação 25)

    Os dados evidenciam que as atividades mais realizadas pelos profissionais envolvidos com a VE no serviço são aquelas relacionadas à notificação, tratamento e prevenção do contágio das Doenças de Notificação Compulsória. Evidencia-se assim o enfoque circunscrito que norteia o trabalho da VE nesse serviço de saúde, pois o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SNVE) sugere maior heterogeneidade do rol de doenças e agravos sob vigilância no nível local. Uma outra proposição do SNVE refere-se à previsão de fluxos de informações, baseada no atendimento às necessidades do sistema local de saúde, sem prejuízo da transferência em tempo hábil de informações para outros níveis do sistema, e a construção de programas de controle localmente diferenciados, respeitadas as bases técnico-científicas de referência nacional (2).

    Assim orientada, a VE ampliaria suas possibilidades de se constituir num instrumento para organizar, planejar e operacionalizar os serviços de saúde e também normatizar as atividades técnicas correlatas, ampliando seu raio de ação no nível local. Contudo, essa prática ampliada de VE ainda não se encontra incorporada ao trabalho de VE da US em estudo.

    Aparentemente, as ações relacionadas à coleta de dados e à detecção de surtos e epidemias; à notificação; à disponibilidade de recursos para realização de diagnóstico e as ações voltadas para um modelo de assistência configurado com a estratégia de Vigilância à Saúde não são realizadas ou, quando o são, rido chegam a causar impacto no controle de saúde do coletivo da área de abrangência dessa US, pelo seu caráter episódico e circunscrito.

    As ações 1( coletar dados demográficos e ambientais), 3 (coletar dados de morbidade) e 5 (coletar dados de mortalidade) não são realizadas. Tampouco se realizam as ações 16 (pesquisar mortalidade nas declarações de óbito) ou 19 (desenvolver um trabalho articulado junto à imprensa e à população para coleta de dados e divulgação de informações).

    Da mesma forma, não se realizam as ações 31(buscar pistas), 32 (estabelecer critérios para definir as doenças que serão investigadas) e 36 (elaborar normas sobre as doenças e/ou agravos de interesse epidemiológico), denotando que o serviço não tem uma participação ativa na definição de quais doenças ou agravos deveriam ser monitorados na sua área de abrangência.

    No que diz respeito especificamente ao trabalho das enfermeiras na VE, observa-se através do Gráfico II que as ações 11 (notificar suspeita de doença de notificação compulsória), 13 (disponibilizar regularmente os instrumentos de notificação) e 21 (dispor de recursos materiais e humanos adequados para realizar tratamento dos casos confirmados) foram as que obtiveram maiores freqüências. Essas atividades relacionam-se basicamente à provisão de recursos para o desenvolvimento da notificação de casos. Não foram mencionadas pelas enfermeiras justamente as atividades que mais se aproximam da Vigilância à Saúde, caracterizadas pelas ações 1 (realizar coleta de dados demográficos e ambientais), 3 (realizar coleta de dados de morbidade ), 5 (realizar coleta de dados de mortalidade), 16 ( pesquisar informações de mortalidade nas declarações de óbito), 19 (desenvolver trabalho articulado junto à imprensa e população para coleta de dados e divulgação de informações), 23 (identificar a fonte de infecção da patologia), 31 (realizar busca de pistas), 32 (estabelecer critérios de definição de doenças a serem investigadas), 33 (realizar processamento de dados), 34 (realizar análise dos dados ), 35 (definir medidas de prevenção e controle) e 36 (elaborar normas sobre as doenças e/ou agravos de interesse epidemiológico)

    As ações 33 (realizar processamento dos dados), 34 (realizar análise dos dados) e 35 (definir medidas de prevenção e controle das doenças) são realizadas exclusivamente pelos médicos. Assim, pôde-se observar que cabe às enfermeiras um trabalho parcelar, não integrado às ações de caráter mais analítico, de diagnóstico e, por conseguinte, de maior impacto na intervenção nos perfis de saúde-doença do coletivo.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Nesse estudo, objetivou-se focalizar a VE como uma forma de intervenção em Saúde Coletiva com capacidade de redirecionar o modelo de assistência em direção à Vigilância à Saúde. Buscou-se assim, qualificar o trabalho da enfermeira no intuito de verificar sua potência instituinte de novas práticas em saúde.

    Na US estudada, verificou-se que a VE tem sua estrutura montada sobre os pilares da medicina científica (flexneriana e taylorista), explicando o processo saúde-doença através da Teoria da Multicausalidade. A VE não é visualizada como uma estratégia rumo à Vigilância à Saúde, fato que pôde ser evidenciado no desenho das atividades da VE executadas na unidade, em que aparecem práticas que não se encaminham em direção à Vigilância à Saúde.

    Quanto à atuação das enfermeiras na VE, é preciso levar em conta a construção histórica de institucionalização da sua prática social, o contexto no qual essa construção erigiu-se e a sua inserção informal na equipe de VE. Torna-se necessária uma reflexão sobre a autonomia profissional, capaz de romper o imobilismo e a subalternidade, gerando um movimento que lhes possibilite voltar-se para o objeto e as finalidades do processo de trabalho em Saúde Coletiva (o controle dos perfis de produção e reprodução dos grupos sociais homogêneos), cuja apropriação não compete a nenhum profissional de saúde em particular, mas a todos em geral. (9)

    Na realidade investigada, o trabalho das enfermeiras apresentou-se diluído e aparentemente em concordância com o modelo clínico hegemônico, o que foi evidenciado pelas ações listadas e pela freqüência com que eram realizadas.

    Saindo do universo das limitações e vislumbrando o horizonte das possibilidades, perceberam-se pontos de vulnerabilidade a serem explorados. Um desses pontos pode ser vislumbrado no reposicionamento da própria enfermagem, ao identificar seu potencial para assumir um papel de "complementariedade" dentro dessas práticas, buscando uma participação mais ativa na construção de um projeto de saúde articulado a um projeto de uma nova sociedade.

    Uma outra possibilidade expressa-se na redefinição da assistência à saúde, entendendo que a mesma vai além do atendimento da demanda e do imediato, abrindo canais permeáveis ao diálogo e valendo-se de tecnologias necessárias à implementação da Vigilância à Saúde. Ainda nesse horizonte de possibilidades, inscrevem-se a percepção sobre as mudanças ocorridas no mundo do trabalho e os impactos dessas mesmas mudanças na prática de enfermagem, podendo resultar em redefinição do objeto, dos meios e instrumentos e da finalidade do trabalho de enfermagem nas US. Com isso, retomar-se-á que, com muita propriedade, afirma: "a partir de um ambiente de trabalho que favorece o conformismo, o corporativismo, o apoliticismo (...) há de serem criadas as bases para uma profunda reforma do sistema de saúde, da consciência sanitária dos profissionais e da maioria do povo" (10)

    As discussões relativas às concepções de trabalho em saúde, trabalho de enfermagem e processo saúde-doença podem se constituir em instrumentos potentes para subsidiar as transformações do trabalho da enfermeira na Vigilância Epidemiológica rumo à Vigilância à Saúde.

    Artigo recebido em 18/05/99

    Artigo aprovado em 06/06/02

    Check-list aplicado aos profissionais envolvidos na Vigilância Epidemiológica da US, como parte das atividades da disciplina de Estágio Curricular em Enfermagem em Saúde Coletiva. São Paulo,1998 Enfermeira Médico Visitadora Sanitária

    1.Realiza coleta de dados demográficos e ambientais ( )

    2.Realiza coleta de dados de produção de serviços ambulatoriais ( )

    3.Realiza coleta de dados de morbidade ( )

    4.Realiza coleta de dados de morbidade de doenças de notificação compulsória ( )

    5.Realiza coleta de dados de mortalidade ( )

    6.Realiza coleta de dados de mortalidade por doenças de notificação compulsória ( )

    7.Detecta surtos e/ou epidemias ( )

    8.Notifica surtos e/ou epidemias ( )

    9.Notifica agravos inusitados ( )

    10.A fonte de dados é a notificação ( )

    11.Notifica suspeita de doenças de notificação compulsória ( )

    12.Notifica de maneira sigilosa ( )

    13.Disponibiliza regularmente os instrumentos de notificação ( )

    14.Realiza notificação negativa ( )

    15.Desenvolve trabalho articulado junto aos laboratórios da região ( )

    16.Pesquisa informaçãoes de mortalidade junto ás declarações de óbito ( )

    17.Realiza inquérito epidemiológico ( )

    18.Realiza levantamento epidemiológico ( )

    19.Desenvolve trabalho articulado junto á imprensa e população para coleta de dados e divulgação de

    informações ( )

    20.Dispõe de recursos adequados (materiais e humanos) para realizar diagnóstico dos casos suspeitos ( )

    21.Dispõe de recursos adequados ( materiais e humanos) para realizar tratamento dos casos confirmados ( )

    22.Preenche todos os campos da ficha de notificação ( )

    23.Identifica a fonte de infecção da patologia ( )

    24.Identifica a via de disseminação da infecção (da fonte ao doente) ( )

    25.Identifica os comunicantes ( )

    26.Identifica outras pessoas que tiveram contato com a fonte de infecção ( )

    27.Identifica pessoas ou grupos a quem o caso ainda pode transmitira doença ( )

    28.Realiza anmnese e exame físico completono doente ou caso suspeito ( )

    29.Identifica formas de prevenir o contágio de outras pessoas ( )

    30.Realiza busca ativa de casos ( )

    31.Realiza busca de pistas (período de incubação, presença de outros casos na localidade, existência ou não de

    vetores ligados à doença, grupo etário mais atingido, fonte de transmissão, época do ano em que ocorre) ( )

    32.Estabelece critérios para definir as doenças que serão investigadas ( )

    33.Realiza processamento de dados ( )

    34.Realiza análise de dados ( )

    35.Define medidas de prevenção e controle das doenças ( )

    36.Elabora normas sobre as doenças e/ou agravos de interesse epidemiológico ( )

    37.Conhece e segue o fluxo de informações do Sistema de Informação em Saúde ( )

    • (1) Brasil. Lei n.8.080 de 19 de setembro de 1990 e Lei 8082 de 1992. Dispõem sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasilia, 1990. Seção1, p.18055 - 18059.
    • (2) Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Centro Nacional de Epidemiologia. Guia de vigilância epidemiológica. Brasília, 1998.
    • (3) Mendes EV. Distrito Sanitário: o processo social de mudanças das práticas sanitárias do Sistema Único de Saúde. 3 ed. Săo Paulo: Hucitec; 1995.
    • (4) Salum MJL. A operacionalizaçăo do Sistema Único de Saúde no Estado de Săo Paulo. [relatório final de pesquisa]. Săo Paulo: Escola de Enfermagem da USP; 1998.
    • (5) Laurell AC. A saúde-doença como processo social. In: Nunes ED, organizador. Medicina social: aspectos históricos e teóricos. Săo Paulo: Global; 1983. P133-158.
    • (6) Pires D. Hegemonia médica na saúde e a enfermagem. Săo Paulo: Cortez; 1989.
    • (7) Almeida MCP, Rocha SMM. Consideraçőes sobre a enfermagem enquanto trabalho. In: Almeida MCP, editora. O trabalho de enfermagem. Săo. Paulo: Cortez; 1997. p.15- 26.
    • (8) Queiroz VM, Salum MJL. Reconstruindo a intervençăo de enfermagem em saúde coletiva face a vigilância ŕ saúde. In: Livro Programa - Livro Resumo do 48 ş Congresso Brasileiro de Enfermagem;1996; out. 6-11; Săo Paulo. Săo Paulo: ABEn- Seçăo SP; 1997. P361.
    • (9) Queiroz VM, Salum MJL.Globalizaçăo econômica e a apartaçăo da saúde: reflexăo crítica para o pensar/fazer na enfermagem. In: Anais do 48° Congresso Brasileiro de Enfermagem; 1996; out.6-11; Săo Paulo. Săo Paulo: ABEn-Seçăo SP; 1997. p.190-207.
    • (10) Campos GWS. A saúde pública e a defesa da vida. 2Şed. Săo Paulo: Hucitec; 1994.

    Anexo I 

  • *
    Disciplina obrigatória da grade curricular do Curso de Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da USP, vinculada ao Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2001

    Histórico

    • Recebido
      18 Maio 1999
    • Aceito
      06 Jun 2002
    Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
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