Acessibilidade / Reportar erro

Análise dos fatores de risco relacionados à incidência de infecção do sítio cirúrgico em gastrocirurgias

Análisis de los factores de riesgo relacionados a la incidencia de infección del sitio quirúrgico en gastrocirugías

Analysis of risk factors related to the incidence of site infections in gastrosurgeries

Resumos

A infecção hospitalar é considerada um problema grave, crescendo tanto em incidência quanto em complexidade, gerando diversos tipos de implicações sociais e econômicas. A presente investigação teve como objetivo identificar a incidência de infecção do sítio cirúrgico (ISC) e os fatores de risco de pacientes submetidos a cirurgias eletivas, na especialidade de Gastroenterologia, realizadas em um hospital público do interior paulista. Os dados foram coletados por meio de estudo retrospectivo de prontuários médicos, no período compreendido entre janeiro a dezembro de 1999. Em 134 casos estudados, detectamos a ocorrência de infecção do sítio cirúrgico em 18 situações (13,4%), ocorrendo 9 casos (50%) do tipo considerado infecção incisional superficial, 8 (44.4%) infecção incisional profunda e 1 (5.5%) infecção de órgão/espaço. Em relação aos fatores de risco presentes nos casos de ISC detectados, os que atingiram porcentagem maior ou igual a 50% foram: idade acima de 50 anos, presença de neoplasias, duração da cirurgia maior que duas horas e tricotomia inadequada.

Infecção hospitalar; Fatores de risco; Cirurgia


La infección hospitalaria es considerada un problema grave, creciendo tanto en incidencia como en complejidad, generando diversos tipos de implicaciones sociales y económicas. La presente investigación tuvo como objetivo identificar la incidencia de infección del sitio quirúrgico en pacientes sometidos a cirugias electivas, en la especialidad de Gastroenterología, realizadas en un hospital público del interior del estado de São Paulo. Los datos fueron recoleccionados por medio de un estudio retrospectivo de los archivos medicos, en el periodo entre enero y diciembre de 1999. En 134 casos estudiados, detectamos la ocurrencia de infección del sitio quirúrgico en 18 situaciones (13.4%), ocurriendo 9 casos (50%) del tipo considerado infección incisional superficial, 8 (44.4%) infección incisional profunda y 1 (5.5%) infección de órgano/espacio. Con relación a los factores de riesgo presentes en los casos de ISC detectados, los que alcanzaron percentaje mayor or igual a 50% fueron: edad acima de 50 años, presencia de neoplasias, duración de la cirugía mayor que dos horas y tricotomía inadecuada.

Infección hospitalaria; Factores de riesgo; Cirugía


Nosocomial infection is regarded as a serious problem whose incidence and complexity has been increasing, thus generating various types of social and economic implications. This investigation aimed at assessing the incidence of surgical site infection and risk factors in patients submitted to elective surgeries in the specialty of gastroenterology performed in a public hospital in the interior of São Paulo State. Data were collected by means of a retrospective study of medical records from January to December 1999. Of the 134 cases under study, the occurrence of surgery site infection was detected in 18 situations (13.4%). Nine cases (50%) were considered to be superficial incisional infections, 8 (44.4%) were deep incisional infections and 1 (5.5%) was an organ/space infection. With respect to the risk factors, the ones with percentage higher or equal to 50% were: age above 50 years, the presence of neoplasia, surgeries that last more than two hours and inadequate trichotomy.

Cross infection; Risk factors; Surgery


Análise dos fatores de risco relacionados à incidência de infecção do sítio cirúrgico em gastrocirurgias

Analysis of risk factors related to the incidence of site infections in gastrosurgeries

Análisis de los factores de riesgo relacionados a la incidencia de infección del sitio quirúrgico en gastrocirugías

Vanessa de Brito PovedaI; Cristina Maria GalvãoII; Miyeko HayashidaIII

IEnfermeira. Aluna do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da EERP-USP; bolsista do Programa Especial de Treinamento da Secretaria de Educação Superior (1999-2001)

IIProfessora Doutora do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da EERP-USP crisgal@eerp.usp.br

IIIEnfermeira. Doutora em Enfermagem Fundamental. Especialista em Laboratório da EERP-USP

RESUMO

A infecção hospitalar é considerada um problema grave, crescendo tanto em incidência quanto em complexidade, gerando diversos tipos de implicações sociais e econômicas. A presente investigação teve como objetivo identificar a incidência de infecção do sítio cirúrgico (ISC) e os fatores de risco de pacientes submetidos a cirurgias eletivas, na especialidade de Gastroenterologia, realizadas em um hospital público do interior paulista. Os dados foram coletados por meio de estudo retrospectivo de prontuários médicos, no período compreendido entre janeiro a dezembro de 1999. Em 134 casos estudados, detectamos a ocorrência de infecção do sítio cirúrgico em 18 situações (13,4%), ocorrendo 9 casos (50%) do tipo considerado infecção incisional superficial, 8 (44.4%) infecção incisional profunda e 1 (5.5%) infecção de órgão/espaço. Em relação aos fatores de risco presentes nos casos de ISC detectados, os que atingiram porcentagem maior ou igual a 50% foram: idade acima de 50 anos, presença de neoplasias, duração da cirurgia maior que duas horas e tricotomia inadequada.

Palavras-chave: Infecção hospitalar. Fatores de risco. Cirurgia.

SUMMARY

Nosocomial infection is regarded as a serious problem whose incidence and complexity has been increasing, thus generating various types of social and economic implications. This investigation aimed at assessing the incidence of surgical site infection and risk factors in patients submitted to elective surgeries in the specialty of gastroenterology performed in a public hospital in the interior of São Paulo State. Data were collected by means of a retrospective study of medical records from January to December 1999. Of the 134 cases under study, the occurrence of surgery site infection was detected in 18 situations (13.4%). Nine cases (50%) were considered to be superficial incisional infections, 8 (44.4%) were deep incisional infections and 1 (5.5%) was an organ/space infection. With respect to the risk factors, the ones with percentage higher or equal to 50% were: age above 50 years, the presence of neoplasia, surgeries that last more than two hours and inadequate trichotomy.

Keywords: Cross infection. Risk factors. Surgery.

RESUMEN

La infección hospitalaria es considerada un problema grave, creciendo tanto en incidencia como en complejidad, generando diversos tipos de implicaciones sociales y económicas. La presente investigación tuvo como objetivo identificar la incidencia de infección del sitio quirúrgico en pacientes sometidos a cirugias electivas, en la especialidad de Gastroenterología, realizadas en un hospital público del interior del estado de São Paulo. Los datos fueron recoleccionados por medio de un estudio retrospectivo de los archivos medicos, en el periodo entre enero y diciembre de 1999. En 134 casos estudiados, detectamos la ocurrencia de infección del sitio quirúrgico en 18 situaciones (13.4%), ocurriendo 9 casos (50%) del tipo considerado infección incisional superficial, 8 (44.4%) infección incisional profunda y 1 (5.5%) infección de órgano/espacio. Con relación a los factores de riesgo presentes en los casos de ISC detectados, los que alcanzaron percentaje mayor or igual a 50% fueron: edad acima de 50 años, presencia de neoplasias, duración de la cirugía mayor que dos horas y tricotomía inadecuada.

Palabras-clave: Infección hospitalaria. Factores de riesgo.Cirugía.

INTRODUÇÃO

O Ministério da Saúde, em consonância com outros órgãos oficiais internacionais, conceitua infecção hospitalar como "aquela adquirida após a admissão do paciente, e que se manifesta durante a internação ou após a alta, quando puder ser relacionada com a internação ou procedimentos hospitalares".(1)

Atualmente no Brasil e no mundo a infecção hospitalar (IH) é considerada um problema grave, crescendo tanto em incidência quanto em complexidade, gerando diversos tipos de implicações sociais e econômicas. Em 23 milhões de procedimentos anuais, nos Estados Unidos da América (EUA), cerca de 920 mil pacientes acabam por desenvolver infecção do sítio cirúrgico (ISC) o que economicamente significa cerca de 10 dias a mais de hospitalização, o que somaria aproximadamente US$ 7.500 de custo extra.(2-3)

O Centers for Disease Control and Prevention (CDC) dos EUA recomenda que devemos utilizar o termo infecção do sítio cirúrgico em substituição ao infecção da ferida cirúrgica, visto que "nem toda infecção relacionada a manipulação cirúrgica ocorre na ferida propriamente dita, mas também em órgãos ou espaços abordados durante a operação", e pode desenvolver-se até 30 dias após a realização do procedimento cirúrgico e até um ano após, em caso de implante de prótese ou a retirada da mesma.(4)

Sabe-se hoje que a ISC é a segunda em termos de incidência, sendo superada apenas pela infecção do trato urinário A ISC pode ser dividida em infecção incisional superficial quando acomete apenas pele ou tecido celular subcutâneo do local da incisão; infecção incisional profunda ao envolver estruturas profundas da parede, a fáscia e a camada muscular; infecção do órgão/espaço, que "envolve qualquer parte da anatomia aberta ou manipulada durante o procedimento cirúrgico com exceção da incisão de parede".(3)

Diversos fatores têm sido relacionados à incidência de ISC, como aqueles referentes ao microrganismo, tais como o tamanho do inóculo, reconhece que quanto maior o inóculo maior a chance de ocorrer infecção; fatores relacionados ao paciente como a idade, doenças pré-existentes (diabetes mellitus, obesidade), período longo de hospitalização pré-operatória, desnutrição e fatores relacionados ao procedimento cirúrgico como por exemplo a tricotomia, a presença de drenos e a técnica cirúrgica.(3)

A Associação Paulista de Estudos e Controle de Infecção Hospitalar, fundamentada no projeto SENIC (Study on the Efficacy of Nosocomial Infection Control), desenvolvido pelo CDC, enfatiza que o estudo dos aspectos relacionados à incidência, morbiletalidade e custos da ISC, poderiam auxiliar na prevenção em até 20% através da vigilância epidemiológica associada a implementação de programas de controle.(4)

Frente ao exposto, entendemos ser de extrema relevância que os profissionais de saúde compreendam os fatores que influenciam a incidência de ISC para implementarem ações que possibilitem minimizar os riscos de infecções, contribuindo para a melhoria da qualidade da assistência prestada ao paciente cirúrgico e aos profissionais do controle de IH(vinculados a Comissão de Controle de IH) o acesso a estudos que ofereçam subsídios que possibilitem reflexões sobre a atuação destes frente as medidas de prevenção e controle de IH.Assim, o presente estudo tem como objetivo identificar a incidência de ISC e os fatores de risco de pacientes submetidos a cirurgias eletivas de gastrectomia, colecistectomia e esofagectomia, na especialidade de Gastroenterologia, de um hospital público do interior paulista.

PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

Após aprovação pelo órgão de documentação médica do hospital investigado, obtivemos uma listagem de todas as cirurgias realizadas durante o ano de 1999, na especialidade de Gastroenterologia, estes dados iniciais foram refinados até chegarmos aos pacientes submetidos a cirurgias eletivas de gastrectomia, colecistectomia e esofagectomia. Os dados foram coletados por meio de levantamento e estudo retrospectivo dos prontuários médicos, no período compreendido entre janeiro a dezembro do ano de 1999, o que totalizou 134 sujeitos.

Para a coleta dos dados utilizamos um instrumento (ANEXOANEXO 1), no qual foi realizada a validação aparente e de conteúdo por três especialistas (dois docentes de universidade pública e um profissional de saúde atuante na área de infecção hospitalar), em seguida realizou-se um teste piloto com 16 prontuários médicos para a adequação do instrumento frente ao objetivo proposto. A coleta de dados foi realizada durante o transcorrer de 2000.

Os autores da presente investigação, tendo como eixo norteador a definição de ISC, buscaram nos prontuários médicos as informações relacionadas ao procedimento cirúrgico até 30 dias após a sua realização.Constatamos que a detecção dos casos de infecções ocorreu durante o período de internação ou no retorno do paciente no ambulatório(previsto de sete a dez dias após o procedimento cirúrgico.No hospital investigado não é realizado o acompanhamento do paciente após a alta hospitalar.Assim, entendemos que os dados disponíveis acarretaram limitações no presente estudo com possibilidade de subnotificação de casos de infecção do sítio cirúrgico.

Ressaltamos que na fase de coleta de dados enfrentamos problemas relativos às informações contidas nos prontuários médicos, como a falta ou escassez de dados. Assim, no instrumento utilizado existem informações que não foram possíveis de serem coletadas acarretando limitações para a análise realizada no presente estudo.

Os resultados foram analisados de forma descritiva e matemático-estatística, utilizando-se freqüência absoluta e porcentagem.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Fatores relacionados ao paciente

Na Tabela 1, observamos que a amostra é composta por 79 mulheres (59%) e 55 homens (41%). A faixa etária de 51 a 60 anos é a que mais se destaca (21,6%) seguida pela de 41 a 50 anos (19,4%). Assim, percebemos a predominância de adultos na amostra estudada, embora atualmente a idade não deva ser considerada como fator de risco isolado e sim dentro de todo o contexto como um fator de risco moderado.(3)

A ocupação que mais se destaca é aquela ligada a serviços domésticos (42%); aqui vale lembrar que a amostra é predominantemente feminina. Em seguida, encontramos os aposentados, inativos ou desempregados (16%) o que também reforça os dados da Tabela 1, já que 32,8% dos pacientes cirúrgicos têm mais de 60 anos.

O diagnóstico médico principal mais freqüente foi o de colecistite crônica calculosa, que ocorreu em 71 dos casos; isto corresponde a 52,9% da amostra em estudo, em segundo lugar as neoplasias, considerando as gástricas, pâncreas e vesícula, com 36 casos (26,8%). Em um estudo sobre pacientes portadores de neoplasias, os autores não conseguiram obter dados estatisticamente relevantes indicando a quimioterapia e a radioterapia como fator de risco para o surgimento de ISC, demostraram, porém, que o risco para estes indivíduos está mais ligado a fatores individuais, como a obesidade por exemplo.(5)

Em relação a presença de outras doenças crônicas concomitantes 68 pacientes não apresentaram nenhum tipo de doença (50,7%). A doença crônica mais freqüente foi a hipertensão arterial sistêmica em 27 pacientes (25,1%), seguida pelo diabetes mellitus com 11 pacientes (8,2%), a combinação destas duas patologias ocorreu em 11 casos, representando 8,2%. Estudiosos demonstraram que a manutenção dos níveis de glicose sanguínea menor que 200 mg/dl no pós-operatório imediato reduz a incidência de ISC, uma vez que a função fagocitária das células brancas fica prejudicada em presença de elevados níveis de glicose sangüínea, ou seja, a capacidade de defesa nestes indivíduos está prejudicada expondo-os a uma maior freqüência de infecções agudas (6).

Detectamos que a maioria dos sujeitos não era etilista (69,4%), e um número elevado de tabagistas (33,6%). Em relação aos etilistas atuais, a maioria refere a ingestão de álcool entre 10 e 20 anos, combinações de bebidas fermentadas e destiladas; os tabagistas fumam de 14 a 20 anos, cerca de 20 cigarros por dia.

O álcool é um importante fator de risco para a ISC e deve ser levado em consideração ao se determinar a susceptibilidade individual do paciente,(7) o tabagismo é realmente um fator de risco para ISC em cirurgias que envolvam o esterno e o mediastino, embora estudos existentes a este respeito utilizem como unidade de medida as categorias de "fumantes ativos" ou "correntes", não obtendo desta forma a determinação da quantidade em números absolutos do tabaco como risco para ISC(8). Estudiosos observaram a maior incidência de infecção nos casos de fumantes submetidos a cirurgias bucomaxilares(9); não encontramos estudos decisivos sobre a contribuição do tabaco em cirurgias de outras especialidades.

O tempo de hospitalização pré-operatória variou entre 1 e 33 dias, sendo que 92 pacientes (68,6%) aguardaram até 5 dias hospitalizados a cirurgia proposta (Tabela 2). De acordo com a literatura, o período de hospitalização pré-operatória é freqüentemente associado ao aumento do risco do paciente desenvolver ISC, devido a colonização da pele pela característica microbiota hospitalar. Em pacientes com 7 dias de hospitalização prévia, os índices de ISC se tornam até duas vezes superiores aos com apenas 1 dia de internação.(4;8)

Fatores relacionados ao procedimento cirúrgico

A Tabela 3 mostra que 91 pacientes foram submetidos a colecistectomia (67,9%), a gastrectomia foi a segunda cirurgia mais freqüente com 20 casos (15%).

Em relação à duração do procedimento cirúrgico, observamos que 49 pacientes (36,6%), tiveram tempo cirúrgico entre 15 e 120 minutos; 47 pacientes (35,1%), com 121 a 240 minutos; seguido por 31 casos (23,1%), com duração de 241 a 360 minutos (Tabela 4). Existe acréscimo no risco de ISC em cada hora a mais de cirurgia, embora este mesmo risco não possa ser muito bem esclarecido por facilmente ser confundido ou estar acompanhado por outros.(10)

Em 36 situações (26,9%) drenos foram utilizados e independente do tipo representam fator de risco, predispondo o paciente à infecção; sendo que os indivíduos portadores apresentam risco de desenvolver infecção por 15 dias, enquanto na ausência destes o risco é de 9 dias; se o sistema de drenagem for aberto os índices de ISC podem chegar até a 15,7%, comparados a 10,1% entre aqueles que possuem sistema de drenagem fechado. Cirurgiões mesmo cientes do perigo, partilham de uma opinião prevalente que a coleção de fluidos no local da incisão predispõe os pacientes a infecções maiores e mais extensas do que a que poderia causar o dreno, vale ressaltar também a combinação dos fatores de risco, pois drenos são freqüentemente mais utilizados em cirurgias longas e indivíduos submetidos a estas, possuem doenças de base mais avançadas.(11)

O dreno representa uma porta de entrada para microrganismos e a sua colocação deve ser realizada após uma avaliação criteriosa, considerando a relação risco x benefício. Recomenda-se o uso deste com sistema fechado de drenagem, cuidados rigorosos na sua manipulação e a permanência a mais curta possível (3-4).

A tricotomia foi realizada em 51 situações, sendo predominantemente abdominal (43 casos), em 10 casos foi realizada até 12 horas antes da cirurgia, em 30 casos de 12 a 24 horas antes do procedimento, com mais de 24 horas, foram 11 casos. A tricotomia vem sendo há muitos anos discutida e é sabido por meio de estudos, que a remoção do pêlo com lâmina da região a ser operada, na noite anterior à cirurgia é associada com um significativo aumento do risco de ISC, do que o uso de agentes depilatórios ou a não remoção do pêlo; quanto menor o tempo entre a tricotomia com lâmina e a cirurgia decresce a taxa de ISC (8). Atualmente, recomenda-se a realização de tricotomia imediatamente antes da cirurgia (prazo máximo de duas horas) e se estritamente necessária, com a utilização preferencialmente de tricotomizador elétrico. No presente estudo, o procedimento em questão foi realizado com lâmina e na maioria dos casos (40) dentro das 24 horas que antecederam a cirurgia, ou seja, de forma inadequada do preconizado pela literatura.

A anti-sepsia foi realizada com polivinilpirrolidona iodo alcoólica (PVPI) em 116 situações (86,6%), com tintura de merthiolate em 15 situações (11,1%), e 3 com PVPI aquoso (2,2%). A preparação da pele com anti-sépticos visa minimizar que microrganismos existentes na microbiota da pele sejam levados para dentro da ferida operatória durante a incisão e manipulação dos tecidos. Embora o uso de clorexidina a 4% elimine mais bactérias gram negativas do que outros produtos e tenha uma maior ação residual (8, 12), neste estudo o uso foi predominantemente do PVPI alcoólico, apesar de existirem estudos que demonstram a resistência de microrganismos, como o Stafilococcus aureus meticilino resistente, (13) e que este pode ser inativado pelo sangue ou proteínas séricas, mas exerce um efeito bacteriostático tão longo quanto esteja presente na pele. (8)

No presente estudo, verificamos que em 60 situações (44,7%), os pacientes foram submetidos a sondagem vesical de demora e nasogástrica, 27 situações (20,1%) submetidos a sondagem vesical de demora, 11 situações (8,2%) submetidos a sondagem nasogástrica e 10 situações (7,4%) submetidos a sondagem vesical e nasoenteral. Ressaltamos que a pele e mucosas são barreiras naturais de defesa do organismo humano, juntamente com os processos de remoção mecânica de microrganismos, tais como a sudorese, peristaltismo, salivação, dentre outros; a introdução de cateteres acarreta quebra destas barreiras propiciando o desenvolvimento de infecção (14).

A antibioticoprofilaxia (ATBP) foi realizada em todos os casos, na indução anestésica. Estudiosos ressaltam que existem 4 princípios básicos para maximizar os benefícios desta conduta:

- usar ATBP quando comprovadamente mostre redução dos índices de ISC;

- usar um antibiótico que seja seguro, barato e com espectro bactericida in vitro que cubra os mais prováveis contaminantes intra-operatórios;

- tempo de infusão da dose inicial do antibiótico de maneira que a concentração bactericida da droga seja estabilizada no sangue e nos tecidos ao mesmo tempo em que a pele é incisionada;

- manutenção dos níveis terapêuticos de agentes antimicrobianos no sangue e tecidos durante a cirurgia e até poucas horas após a incisão ser fechada na sala operatória.(8)

Fatores relacionados à incisão cirúrgica

Em 134 casos estudados, detectamos a ocorrência de infecção do sítio cirúrgico em 18 situações (13,4%); esta porcentagem está próxima da faixa aceitável para cirurgias potencialmente contaminadas que é de 3 a 11%; a partir desta taxa as contaminações exógenas são o principal fator para o desenvolvimento das infecções cirúrgicas.(3)

A distribuição dos casos de infecção foi classificada, segundo o tipo, de acordo com os critérios definidos pelo National Nosocomial Infections Surveillance (NNIS) do CDC (8). Considerando-se o total de casos com presença de ISC (n=18) observamos que 9 casos (50%) correspondem a infecção considerada incisional superficial, seguida pela infecção incisional profunda com 8 situações (44,4%) e apenas 1 (5,5%) considerada de órgão e/ou espaço.

Em um estudo detectou-se também maior incidência de infecção considerada incisional superficial, os autores da investigação ressaltaram a importância da vigilância pós-alta, pois 32,5% dos casos de infecção detectados foram identificados no ambulatório durante o retorno do paciente; entretanto, não constava no artigo qual o período de acompanhamento do paciente após a realização do procedimento cirúrgico.(15)

Na Tabela 5 demonstramos os fatores de risco de infecção do sítio cirúrgico encontrados nos 18 casos de infecção detectados neste estudo.

A Tabela 5 aponta que para a maioria dos pacientes que manifestaram ISC, houve a presença de fatores de risco como: a idade acima de 50 anos (66,7%), neoplasias (55,6%), tricotomia inadequada (55,6%) e a duração da cirurgia por mais de 120 minutos (83,3%).

Na presente investigação, do total de casos que apresentaram infecção, 10 (55,6%) são do sexo masculino e 8 (44,4%) do feminino. Entretanto, não foi possível estabelecer uma ligação entre sexo e a maior probabilidade de desenvolver ISC, como em um estudo, no qual houve moderada prevalência de ISC em mulheres submetidas a cirurgias cardíacas. (16)

Sabemos, de acordo com o exposto anteriormente, que a realização de tricotomia inadequada é um fator que aumenta o risco de ISC, assim como o uso indiscriminado de drenos. Já em relação as neoplasias, a literatura é controversa e não elucidativa, sugerindo a necessidade de mais estudos a este respeito.

Ressaltamos que o uso de merthiolate para anti-sepsia da pele do paciente na instituição investigada consiste em prática da equipe médica; entretanto esta solução não é recomendada pela literatura (4). A partir desta análise, entendemos que houve quebra da assepsia cirúrgica e consideramos como fator que poderia relacionar-se com a ISC detectada.

CONCLUSÕES

O presente estudo possibilitou as seguintes conclusões:

- a taxa de incidência de ISC encontrada no estudo foi de 13,4% (18/134), taxa próxima da aceitável para cirurgias potencialmente contaminadas;

- em relação ao tipo de ISC, detectou-se 9 casos (50%) categorizados como infecção considerada incisional superficial, 8 casos (44,4%) considerados infecção incisional profunda e apenas 1 (5,5%) considerado infecção de órgão e/ou espaço;

- dentre os fatores de risco presentes nos casos de ISC detectados, os que atingiram porcentagem ³ 50% foram: idade acima de 50 anos, presença de neoplasias, duração da cirurgia maior que 2 horas e tricotomia inadequada.

Os gastos da previdência social com o paciente que desenvolve ISC e que este se hospitaliza novamente para tratamento das seqüelas é acentuado, gerando custos elevados para a instituição hospitalar. (17)

Os profissionais de saúde devem ter em mente a magnitude das implicações sociais, econômicas e pessoais devido a IH, implicações que atingem tanto o paciente, afastado de sua família e trabalho produtivo por mais tempo, como para a instituição hospitalar e para o país.

Ao nosso ver, fica claro a importância de medidas para a prevenção e controle da ISC e salientamos aqui o papel fundamental da enfermagem no período perioperatório. Assim, acreditamos que este estudo oferece subsídios para novas pesquisas nacionais que elucidem melhor a contribuição dos fatores predisponentes para ISC, pois compete ao enfermeiro perioperatório promover uma assistência de enfermagem direcionada ao atendimento das reais necessidades do paciente, minimizando os riscos e complicações inerentes ao procedimento anestésico cirúrgico.

Recebido: 19/03/2002

Aprovado: 10/03/2003

INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS

  • (1) Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nş 2616, de 12 de maio de 1998. Aprova programa de controle de infecção hospitalar e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 13 maio 1998. Seção 1, p.133-5.
  • (2) Wenzel RP. Preoperative antibiotic prophylaxis. N Engl J Méd 1992; 5: 337-9.
  • (3) Rabhae GN, Ribeiro-Filho N, Fernandes AT. Infecção do sítio cirúrgico. In: Fernandes AT, Fernandes MOV, Ribeiro-Filho, N. Infecção hospitalar e suas interfaces na área da saúde. São Paulo: Atheneu; 2000, p. 479-505.
  • (4) Associação Paulista de Estudos e Controle de Infecção Hospitalar. Prevenção da infecção de sítio cirúrgico. São Paulo (SP); 2001.
  • (5) Barber GR, Miransky J, Brown AE, Coit DG, Lewis FM, Thaler HT et al. Direct observations of surgical wound infections at a comprehensive cancer center. Arch Surg 1995; 130:1042-7.
  • (6) Zerr KJ, Furnary AP, Grunkemeier GL, Bookin S, Kanhere V, Starr A. Glucose control lowers the risk of wound infection in diabetics after open heart operations. Ann Thorac Surg 1997; 63:356-61.
  • (7) Rantala A, Lehtonen OP, Niinikoski J. Alcohol abuse: a risk factor for surgical wound infections? Am J Infect Control 1997; 25:381-6.
  • (8) Mangram AJ, Horan TC, Pearson ML, Silver LC, Jarvis WR. Guideline for prevention of surgical site infection, 1999. Am J Infect Control 1999; 27:97-132.
  • (9) Jones JK, Triplett RG. The relationship of a cigarette smoking to impaired intraoral wound healing: a review of evidence and implications for patient care. J Oral Maxillofac Surg 1992; 50: 237-9.
  • (10) Vilar-Compte D, Mohar A, Sandoval S, Rosa M, Gordillo P, Volkon P. Surgical site infections at the National Cancer Institute in Mexico: a case control study. Am J Infect Control 2000; 28:14-20.
  • (11) Simchen E, Rozin R, Wax Y. The Israeli study of surgical infection of drains and the risk of wound infection in operations for hernia. Surg Gynecol Obstet 1990; 170:331-7.
  • (12) Faoagali JL, George N, Fong J, Davy J, Dowser M. Comparison of the antibacterial efficacy of 4% clhorhexidine gluconate and 1% triclosan handwash products in a acute clinical ward. Am J Infect Control 1999; 27:320-6.
  • (13) Jones RD. Bacterial resistance and topical antimicrobial wash products. Am J Infect Control 1999; 27:351-63.
  • (14) Lacerda RA, editor. Buscando compreender a infecção hospitalar no paciente cirúrgico. São Paulo: Atheneu; 1992.
  • (15) Lemos FN, Oliveira AV, Sousa MG. Infecção de sítio cirúrgico: estudo prosprectivo de 2149 pacientes operados. Rev Col Bras Cirurgiões 1999; 26:109-13.
  • (16) Lilienfield DE, Vlahov D, Tenney, JH, McLaughlin JS. Obesity and diabetes as risk factors for postoperative wound infections after cardiac surgery. Am J Infect Control 1998; 16:3-6.
  • (17) Poulsen KB, Bremmelgaard A, Sorensen AI, Raahave D, Petersem IV. Estimated costs of postoperative wound infections: a case-control study of marginal hospital and social security costs. Epidemiol Infect 1994; 113: 283-295.

ANEXO

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2008
  • Data do Fascículo
    Mar 2003

Histórico

  • Aceito
    10 Mar 2003
  • Recebido
    19 Mar 2002
Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: reeusp@usp.br