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Análise dos registros de enfermagem sobre dor e analgesia em doentes hospitalizados

Analyse nursing records on pain and analgesia of patients hospitalized

Análise del registros de enfermería sobre el dolor y analgesia en pacientes internados

Resumos

Estudo que analisou os registros de enfermagem sobre dor e analgesia em doentes internados em um hospital oncológico, de outubro a novembro de 1999, e os comparou ao relato dos doentes. Entrevistou-se 38 doentes com queixa dolorosa. O registro de enfermagem sobre a presença ou ausência de dor, ocorreu em 94,8% dos prontuários analisados. Ocorreu em 50% dos casos no período da manhã, em 79% à tarde e em 89% à noite. A caracterização da dor restringiu-se à descrição do local (71,1%) e da intensidade (44,7%). Satisfação com analgesia foi relatada por 68,4% dos doentes. Cerca de 33% dos doentes relataram algum grau de insatisfação com analgesia.

Registros de enfermagem; Dor; Oncologia


This study analyzed nursing records on pain and analgesia of patients admitted at a cancer treatment hospital, between October and November of 1999, and compared then to the patients reports. Thirty-eight patients that referred pain were interviewed and had their medical charts analyzed. Presence or lack of pain was documented in 94.8% of the charts. The distribution of this type of record throughout the day was: 50% in the morning, 79% in the afternoon, and 89% at night. Pain assessment was restricted to intensity (44.7%) and location (71.1%). Sixty-eight percent of patients were satisfied with the analgesia provided whereas about 33% mentioned some level of dissatisfaction.

Nursing records; Pain; Oncology


Estudio que analizó los registros de enfermería sobre el dolor y analgesia en pacientes internados en un hospital oncológico, de octubre a noviembre de 1999. Fueron entrevistados 38 pacientes con queja dolorosa. El registro de enfermería sobre la presencia o ausencia de dolor, ocurrió en el 94,8% de las historias clínicas analizadas. Fue identificado el 50% de los casos durante el período de la mañana, el 79% por la tarde y el 89% por la noche. La caracterización del dolor se restringió a la descripción del local (71,1%) y de la intensidad (44,7%). La satisfacción con analgesia fue relatada por 68,4% de los pacientes y cerca de un tercio de los pacientes relataron algún grado de insatisfacción con analgesia.

Registros de enfermería; Dolor; Oncología


Análise dos registros de enfermagem sobre dor e analgesia em doentes hospitalizados* * Dissertação de mestrado apresentada à Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, 2001

Analyse nursing records on pain and analgesia of patients hospitalized

Análise del registros de enfermería sobre el dolor y analgesia en pacientes internados

Yara Boaventura da SilvaI; Cibele Andrucioli de Mattos PimentaII

IEnfermeira. Mestre em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, yaraboaventura@zipmail.com.br

IIEnfermeira. Professora Livre-Docente do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, parpca@usp.br

RESUMO

Estudo que analisou os registros de enfermagem sobre dor e analgesia em doentes internados em um hospital oncológico, de outubro a novembro de 1999, e os comparou ao relato dos doentes. Entrevistou-se 38 doentes com queixa dolorosa. O registro de enfermagem sobre a presença ou ausência de dor, ocorreu em 94,8% dos prontuários analisados. Ocorreu em 50% dos casos no período da manhã, em 79% à tarde e em 89% à noite. A caracterização da dor restringiu-se à descrição do local (71,1%) e da intensidade (44,7%). Satisfação com analgesia foi relatada por 68,4% dos doentes. Cerca de 33% dos doentes relataram algum grau de insatisfação com analgesia.

Palavras-chave: Registros de enfermagem. Dor. Oncologia.

ABSTRACT

This study analyzed nursing records on pain and analgesia of patients admitted at a cancer treatment hospital, between October and November of 1999, and compared then to the patients reports. Thirty-eight patients that referred pain were interviewed and had their medical charts analyzed. Presence or lack of pain was documented in 94.8% of the charts. The distribution of this type of record throughout the day was: 50% in the morning, 79% in the afternoon, and 89% at night. Pain assessment was restricted to intensity (44.7%) and location (71.1%). Sixty-eight percent of patients were satisfied with the analgesia provided whereas about 33% mentioned some level of dissatisfaction.

Keywords: Nursing records. Pain. Oncology.

RESUMEN

Estudio que analizó los registros de enfermería sobre el dolor y analgesia en pacientes internados en un hospital oncológico, de octubre a noviembre de 1999. Fueron entrevistados 38 pacientes con queja dolorosa. El registro de enfermería sobre la presencia o ausencia de dolor, ocurrió en el 94,8% de las historias clínicas analizadas. Fue identificado el 50% de los casos durante el período de la mañana, el 79% por la tarde y el 89% por la noche. La caracterización del dolor se restringió a la descripción del local (71,1%) y de la intensidad (44,7%). La satisfacción con analgesia fue relatada por 68,4% de los pacientes y cerca de un tercio de los pacientes relataron algún grado de insatisfacción con analgesia.

Palabras-clave: Registros de enfermería. Dolor. Oncología.

INTRODUÇÃO

Dor é freqüente em neoplasias malignas em todas as fases e se acentua com a evolução da doença(1). Pode estar presente em 20% a 50% dos doentes no início do tratamento e ocorrer em cerca de 70% - 90% daqueles com doença avançada(2).

Os estudos evidenciam que a dor, quando não aliviada, limita o indivíduo nas atividades de vida diária, altera o apetite, o padrão de sono, a deambulação, a movimentação, o humor, o lazer, as atividades profissionais, sociais e familiares. Nos doentes com câncer a dor pode desencadear frustração, processo depressivo, isolamento social e familiar, exacerbação do medo e da dor. A dor, quando não tratada adequadamente, afeta a qualidade de vida dos doentes e de seus cuidadores em todas as dimensões: física, psicológica, social e espiritual(3-4).

Apesar das evidências do impacto da dor nos doentes, ela é subidentificada e subtratada. As possíveis causas do insuficiente alívio da dor são a inadequação dos modelos de avaliação da dor e as falhas na formação dos profissionais de saúde sobre dor e analgesia, resultando no uso incorreto de terapias analgésicas (5-20).

Dor é freqüente, cotidiana e seu controle deve ser uma preocupação do enfermeiro. A atuação do profissional, de modo independente e colaborativo, compreende a identificação de queixa álgica e a seleção de estratégias para seu controle(2;22). A experiência dolorosa é um fenômeno individual e, para caracterizá-la, devem ser realizadas avaliações sistemáticas(2;21-22). O registro de tais informações permite que os dados sejam compartilhados entre os diversos plantões e a equipe multiprofissional, possibilitando melhor assistência. A comunicação entre o doente e os profissionais que o atendem é de extrema importância para compreensão do quadro álgico e de seu alívio. Esse trabalho visa a analisar os registros sobre dor e analgesia.

OBJETIVOS

• Analisar os registros de enfermagem sobre dor, analgesia e satisfação com a analgesia, em doentes internados com queixa dolorosa em uma instituição especializada em oncologia;

• Comparar os registros de enfermagem com o relato do doente.

METODOLOGIA

Trata-se de estudo transversal do tipo descritivo-exploratório. Os dados foram coletados no período de 25 de outubro a 25 de novembro de 1999, em duas unidades médico-cirúrgicas do Centro de Tratamento e Pesquisa do Hospital do Câncer A. C. Camargo, após a aprovação pelo Comitê de Ética da referida instituição.

Foram elegíveis para o estudo os doentes hospitalizados em duas unidades médico-cirúrgicas do referido hospital com queixa de dor nas últimas 24 horas, com idade superior a 18 anos, com capacidade de compreensão e comunicação adequadas para participar da entrevista, que estavam hospitalizados há pelo menos 24 horas e que concordaram em participar do estudo e assinaram o termo de consentimento pós-informado.

A amostra foi composta por 38 doentes. Os doentes foram entrevistados uma única vez, mesmo aqueles que permaneceram internados por mais de 24 horas. Tal decisão deveu-se à possibilidade de se influir na vivência de dor do doente e de se introduzir viés no estudo.

Utilizou-se instrumento de coleta de dados composto por dados de identificação do doente (nome, registro hospitalar, sexo, idade, escolaridade, profissão e dia analisado) e da doença (tumor primário, metástases, data de internação, motivo da internação). Esses dados foram coletados no prontuário do doente. As avaliações da dor e da satisfação com analgesia, realizadas por meio de entrevista, incluíram dados sobre a caracterização da dor (local, intensidade, qualidade, duração), a identificação das atividades prejudicadas pela dor e a satisfação com a analgesia experimentada.

A análise dos registros de enfermagem no prontuário correspondeu às ultimas vinte e quatro horas, e compreendeu os mesmos itens verificados junto ao doente que referiu dor. Foram analisados os registros nos três turnos de trabalho (manhã, tarde e noite) na evolução, prescrição e anotação de enfermagem. A análise dos registros foi realizada de acordo com critérios previamente estabelecidos.

Foi realizado teste piloto com 6 doentes internados em unidades do hospital, que não as do presente estudo, para verificar a adequação dos instrumentos. Após o teste, foi feita a revisão do instrumento de coleta, refinando sua objetividade e clareza.

Os dados estão apresentados em forma de tabelas. As freqüências foram calculadas em números absolutos e em porcentagem. Foram realizados testes baseados na distribuição normal e de qui-quadrado(23).

RESULTADOS

Os dados sóciodemográficos dos doentes e de características da doença e dos doentes desse estudo estão apresentados na Tabela 1.

A maioria dos doentes (60,5%) pertenceu ao sexo feminino, a média de idade foi de 50,1 anos (DP = 13,9), com mediana de 49,5 anos. A faixa etária predominante foi a de 40 a 59 anos (57,8%). A média de escolaridade dos doentes foi de 9,5 anos (DP = 5,13), com mediana de 11 anos. A maioria (65,8%) estava hospitalizada para realização de cirurgia e 7,8% (n = 3) dos doentes não tinham neoplasia. A neoplasia pélvica foi a mais freqüente (31,5%), seguida das localizações cabeça e pescoço e mama (15,8%).

Considerando-se os 38 prontuários dos doentes, observam-se anotações de presença de dor em 71,1% (n=27) dos registros de enfermagem, ausência de dor em 23,7% (n=9) e não havia registro de presença ou ausência de dor em 5,2% (n=2).

Os registros de enfermagem também foram analisados, considerando-se os plantões da manhã, da tarde e da noite, e totalizaram 114 observações (Tabela 2).

O registro da presença ou ausência de dor ocorreu em 72% das anotações de enfermagem (n = 82) sobre os doentes que compuseram a amostra. O registro sobre dor foi mais freqüente nos plantões tarde e noite (79% e 89,5%, respectivamente) que no plantão manhã (47,4%).

Quando havia registro de dor em alguns dos plantões e, em outro plantão, registro de ausência de dor ou falta de registro, considerou-se o registro de presença de dor. Tal decisão deveu-se ao fato de que não foi investigado com o doente o período em que ele teve dor, o que impossibilitou comparar o período do registro de enfermagem com o período em que a dor ocorreu.

Observou-se no prontuário de 9 doentes (23,7%) registro de enfermagem constando ausência de dor nas últimas vinte e quatro horas. No entanto, todos os doentes relataram dor nas últimas vinte e quatro horas.

Na Tabela 3 são apresentados os dados relativos à caracterização da dor encontrados nos registros de enfermagem e no relato dos doentes.

Pela Tabela 3 nota-se que o registro de enfermagem das características da dor dos doentes que compuseram a amostra consistiu, principalmente, na descrição do local da dor em 71,1% (n = 27) dos casos, e da intensidade em 44,7% (n = 17) das vezes. Os doentes caracterizaram plenamente sua dor, excetuando-se um que não descreveu a qualidade de sua dor e três que não discriminaram os prejuízos dela advindos.

Dor intensa representou 58,8% (n=10) dos registros, dor leve representou 41,2% (n=17) e não houve registro de enfermagem de dor moderada. Os doentes relataram dor intensa em 57,9% (n=22) das vezes, dor leve em 23,7% (n=9) dos casos e 18,4% dos doentes relataram dor moderada.

Havia registro de enfermagem sobre a duração da dor de 5 doentes. Desses, 80% (n=4) referiram dor contínua e 20% (n=1) dor intermitente. Todos os doentes (100%) descreveram a duração da dor. Registro de enfermagem sobre a qualidade da dor dos doentes ocorreu apenas em 3 prontuários.

Os prejuízos advindos da dor observados nos prontuários e os relatados pelos doentes estão apresentados na Tabela 4.

Entre os 38 doentes entrevistados, 35 referiram prejuízos relacionados à dor. Os prejuízos advindos da dor relatados pelos doentes foram os seguintes: dificuldade para movimentar-se no leito (71,4%), alteração do sono (60%), alteração do humor (54,3%), dificuldade na deambulação, alteração no apetite e dificuldade para respirar e tossir foram referidas por parcela entre 30% e 50% dos doentes. A média de prejuízos relatada foi de 3,09 prejuízos por doente.

Só se encontrou 05 registros de enfermagem sobre os prejuízos advindos da dor e, em 4 vezes referiam-se à dificuldade para movimentar-se no leito.

A Tabela 5 apresenta a coincidência entre o registro de enfermagem e o relato do doente quanto a localização, intensidade, duração e qualidade da dor e do prejuízo dela advindo. Foram utilizados, para essa comparação, somente os prontuários em que havia descrição dessas características.

Pela Tabela 5 nota-se pequena coincidência entre o registro de enfermagem e o relato dos doentes quanto ao local, intensidade de dor e os prejuízos advindos da dor.

Os dados relativos à satisfação expressa pelos doentes com analgesia experimentada e à prontidão da equipe no atendimento da queixa dolorosa estão apresentados na Tabela 6.

Analisando-se a Tabela 6 nota-se que 68,4% dos doentes disseram-se satisfeitos com a analgesia obtida e 31,6% (n = 12) consideraram-se parcialmente satisfeitos ou insatisfeitos. A maior parte (65,5%) informou ter sido atendido em menos de dez minutos e todos os doentes que solicitaram medicações para o alívio da dor foram atendidos. Nove doentes não solicitaram alívio para dor.

A Tabela 7 apresenta a comparação entre a satisfação e a intensidade de dor relatada pelos doentes.

Para a análise estatística da Tabela 7 agruparam-se as categorias "insatisfeito" e "parcialmente insatisfeito" da variável satisfação, e as categorias "leve" e "moderada" da variável intensidade de dor. Esses agrupamentos foram realizados para permitir a aplicação do teste qui-quadrado. Observou-se p=0,0501, isto é, a satisfação e a intensidade de dor não estavam associadas. No entanto, esta afirmação deva ser tomada com cautela, uma vez que o nível descritivo observado (p = 0,0501) foi muito próximo do nível de significância adotado (0,05).

DISCUSSÃO

A Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organization (JCAHO)(24-25), entidade norte-americana de avaliação de hospitais incluiu o alívio da dor como item a ser avaliado na acreditação hospitalar, a partir de 2001. Tal decisão resultou no reconhecimento que hoje se tem sobre o direito de o doente ter sua queixa dolorosa adequadamente avaliada, registrada e controlada. A JCAHO estabelece padrões para o manejo da dor em serviços ambulatoriais, domiciliares, de saúde mental, de reabilitação e em hospitais(24-25).

A existência de queixa dolorosa deve ser investigada durante toda a internação. A avaliação da dor inclui a caracterização do local, da intensidade, da freqüência, da duração e da qualidade do sintoma, e deve ser registrada em instrumentos desenvolvidos pela instituição. A JCAHO verifica a implementação desses padrões analisando a existência de registro em prontuário desses itens, entre outras estratégias(25). Ainda segundo a recomendação da JCAHO(25), cabe à organização hospitalar buscar informações sobre seu desempenho no alívio da dor, por meio de indicadores de qualidade, como a verificação das necessidades, das expectativas e da satisfação de doentes, família e profissionais. Tais recomendações vêm ao encontro das premissas deste trabalho.

No presente estudo, construiu-se um instrumento para se analisar o registro de enfermagem sobre dor que se assemelha ao proposto pela JOINT. Assim, esta análise compreendeu a presença de dor, a localização, a intensidade, a qualidade, a duração, os prejuízos para as atividades de vida diária e o alívio obtido.

A existência de registro de enfermagem sobre dor e analgesia foi avaliada de dois modos: considerando-se o prontuário como um todo (relativo às últimas 24 horas) e discriminando-se as anotações por plantão (manhã, tarde e noite).Foram analisados 38 prontuários e 114 registros de enfermagem.

Registros de enfermagem sobre a presença ou ausência de dor foram observados em 94,8% (n = 36) dos casos. A existência de, no mínimo, um registro sobre dor nas últimas vinte e quatro horas, levou-nos a considerar que havia registro sobre dor. No entanto, quando se considerou o registro por plantão (n = 114), observou-se que, em cerca de ¼ dos casos (Tabela 2), não havia qualquer menção à presença ou à ausência de dor. Em quase 30% dos casos, havia registro de ausência de dor, embora todos os doentes (n= 38) tenham sentido dor, nas últimas vinte e quatro horas.

O registro sobre as características da dor foi pobre, pois pouco havia além da descrição da localização (71,1%) e da intensidade (44,7%). No entanto, quando indagados pela pesquisadora, todos os doentes caracterizaram plenamente a sua dor. Nessa caracterização a dor não foi desprezível e deveria ter sido cuidada. Para aproximadamente 60% dos doentes, a dor foi descrita como intensa; para quase 20% deles, a dor foi moderada e para mais de 50%, a dor foi contínua.

A dor trouxe vários prejuízos para a maioria dos doentes (n=35), com média de 3,09 prejuízos por doente.

Os achados do presente estudo assemelham-se aos de outros trabalhos(14; 26-28). Em estudo que analisou o registro de enfermagem e o relato de 65 doentes em pós-operatório também se verificou que a documentação sobre dor era escassa e que a experiência dolorosa relatada pelo doente não coincidiu com os registros(26). Em estudo que envolveu 84 doentes no pós-operatório, observou-se que registro sobre a dor ocorreu em menos de 50% das vezes, quando comparados ao relato do doente(27). Num estudo com 34 doentes cirúrgicos, encontraram-se, em 73,5% das vezes, registros sobre dor no pós-operatório imediato. No entanto, pouco havia de sua caracterização além de local (50%) e intensidade (17,6%), o que também se assemelha aos resultados do presente estudo(14). Quando se analisaram os prontuários de 136 doentes cirúrgicos, verificou-se ausência de registro sobre dor em 77% deles. Considerou-se documentação existente quando havia registro do local, da duração ou da intensidade de dor. Em 10% deles, havia registro de intensidade, em 12% de local e intensidade e, em 0,07%, da duração da dor(28). A análise dos registros de enfermagem sobre dor, realizada no presente estudo, mostrou índices superiores ao descrito anteriormente.

Na presente pesquisa, a coincidência entre o registro de enfermagem e o relato do doente foi pequena. Houve coincidência quanto ao local e a intensidade em 7 casos; a duração, em 5 vezes; a qualidade, em 3 casos e, em 1 oportunidade, quanto aos prejuízos da dor. Cabe destacar que, em 30% das vezes, havia registro de que o doente não teve dor nas últimas vinte e quatro horas do período avaliado, o que contradiz o relato dos doentes.

Comparando-se os resultados do presente estudo com os observados por Pinheiro(29), encontram-se semelhanças e diferenças. Pinheiro(29) analisou a coincidência entre o relato do doente e a percepção dos profissionais sobre o local e a intensidade da dor resultante de 263 procedimentos dolorosos. O estudo foi realizado com 50 doentes em pós-operatório de revascularização do miocárdio. Ao se comparar a opinião dos doentes com a dos profissionais sobre a intensidade da dor, observou-se por parte dos profissionais, subestimação da dor oriunda da aspiração endotraqueal, da retirada do dreno pleural e do dreno de mediastino, e superestimação da dor advinda do exercício respiratório34. No presente estudo, a coincidência de local e intensidade foi inferior à observada por Pinheiro. Possivelmente, isso esteja relacionado com o fato de que, no estudo sobre procedimentos dolorosos, o local da dor fica mais facilmente evidenciado.

A investigação da satisfação com a analgesia é parte dos protocolos de dor e analgesia e é considerada como um indicador de qualidade pela American Pain Society(30-33). Estudos evidenciam que o doente hospitalizado com dor não aliviada tende a avaliar negativamente todos os demais serviços durante sua internação(31). Os aspectos que devem ser investigados são a satisfação do doente com a informação recebida na internação, a expectativa de dor anterior ao tratamento, a experiência dolorosa posterior, comparando-a com a expectativa, a satisfação pelo modo como enfermeiros e médicos trataram sua queixa dolorosa, o alívio obtido após intervenções analgésicas e o tempo decorrido para a realização destas(31-34).

No presente estudo, 68,4% dos doentes disseram-se satisfeitos com a analgesia. Embora a maioria dos doentes (68,4%) considerou-se satisfeita com a analgesia obtida, 76,3% deles referiram dor de moderada à intensa. Na presente pesquisa, aproximadamente metade dos doentes definiu satisfação com analgesia como "total ausência de dor", outros definiram como "saber que há medicação analgésica prescrita", "perceber que a equipe está preocupada em aliviar a dor, mesmo que não tenham obtido alívio completo". Essas opiniões coincidem com as observadas em outros estudos(31;33). Na presente pesquisa, cerca de 1/3 dos doentes relatou algum grau de insatisfação com analgesia. Esse número é significativo, considerando-se que os doentes estavam internados, a pesquisadora era profissional da instituição, usando uniforme e crachá, o que pode ter inibido a expressão mais livre de opiniões pelos doentes. A maior parte desses doentes tinha dor intensa. Contrapõe-se aos resultados anteriores o estudo de Martins(35) com 110 doentes cirúrgicos. Observou-se significativa parcela de insatisfação com analgesia, que variou de acordo com o porte da cirurgia. Encontrou-se 67,4% de insatisfação com a analgesia nas cirurgias de grande porte, 30% nas cirurgias de médio porte e 15,4% nas cirurgias de pequeno porte(35) .

Não houve relação estatisticamente significante entre a satisfação e a intensidade de dor, embora o p observado tenha sido limítrofe (p = 0,0501). Em estudo(36) realizado em 1998, na mesma instituição, os doentes mostraram-se satisfeitos com analgesia em 74,4% dos casos. Também nesse estudo, a freqüência e intensidade da queixa dolorosa foram significativas e contrariamente os doentes mostraram-se satisfeitos.

Em estudo sobre a percepção dos doentes sobre o alívio da dor, após cirurgias de histerectomia (n=51) e colicistectomia (n= 50), verificou-se que a expectativa de alívio da dor era baixa e que cerca de 70% dos doentes tiveram dor de intensidade moderada a intensa. Em somente 50% das vezes, os profissionais investigaram o alívio da dor(11).

No presente estudo, para 65,5% dos doentes (n = 19), o tempo estimado de atendimento, para o alívio da dor, foi menor do que dez minutos. Em estudo(33) em que se avaliou o tempo para a administração de analgésico, o intervalo de até quinze minutos para ser medicado ocorreu em 60% dos doentes (n = 217) adultos e em 22% de crianças (n = 31), o que se assemelha aos dados da presente pesquisa.

No que diz respeito ao registro, enfoque dessa pesquisa, os trabalhos apontam que esse aspecto é problemático(37-39), mesmo quando da utilização de instrumentos de avaliação padronizados(40-41). No entanto, registros são forma de comunicação entre as equipes e entre os turnos, além de fonte de pesquisa e base para a auditoria. Sua inadequação compromete a assistência ao doente e seu aperfeiçoamento é meta a ser perseguida.

Na análise da evolução e prescrição de enfermagem, atividades realizadas privativamente pelo enfermeiro, percebeu-se que havia pouca referência sobre dor e sua caracterização nas evoluções diárias, mesmo para os doentes hospitalizados unicamente para o controle álgico. Em geral, a prescrição de enfermagem foi vaga no aspecto controle álgico, constando apenas de "observar e comunicar queixas álgicas", o que provavelmente deve repercutir na anotação da equipe de enfermagem e na assistência ao doente com dor.

CONCLUSÕES

Registro sobre presença ou ausência de dor nas últimas vinte e quatro horas ocorreu em 94,8% dos prontuários. Registros de enfermagem sobre as características da dor restringiram-se à descrição do local (71,1 %) e da intensidade (44,7%). Em pequeno número de casos houve registro da duração (13,2%) e qualidade (7,9%) da dor. Encontrou-se que 68,4% dos doentes (n=26) consideraram-se satisfeitos com a analgesia, contrariamente à intensidade, à duração e aos prejuízos advindos da dor relatada. Cerca de 1/3 dos doentes relatou algum grau de insatisfação com a analgesia.

Na comparação dos registros de enfermagem sobre dor e analgesia com o relato dos doentes observou-se pequena coincidência. O registro sobre as características da dor foi pobre, embora todos os doentes, quando indagados, tenham descrito seu quadro álgico quanto ao local, intensidade, duração, qualidade e prejuízos advindos da dor. Coincidência entre o registro e o relato ocorreu em 7 casos, quanto ao local e intensidade; em 5 vezes, quanto à duração e aos prejuízos dela advindos e, em 3 oportunidades, sobre a qualidade da dor.

Acredita-se que a adoção de um padrão de avaliação diária do doente, especificamente sobre dor, possa contribuir para o aperfeiçoamento da assistência de enfermagem.

Recebido: 02/04/2002

Aprovado: 20/05/2003

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    Dissertação de mestrado apresentada à Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, 2001
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2003

    Histórico

    • Aceito
      20 Maio 2003
    • Recebido
      02 Abr 2002
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