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A dimensão subjetiva do profissional na humanização da assistência à saúde: uma reflexão

The professional subjective dimension in health care humanization: a reflection

La dimensión subjetiva del profesional en la humanización de la asistencia a la salud: una reflexion

Resumos

Este artigo faz uma reflexão sobre a humanização da assistência à saúde, que é uma demanda crescente da atualidade. Ela envolve inúmeras dimensões que são complexas e mutuamente influenciáveis. Aspectos relativos à esfera subjetiva do profissional e do relacionamento interpessoal são discutidos e evidenciados como componentes essenciais da humanização do cuidado. São ressaltadas as necessidades de auto-conhecimento dos profissionais e de consciência de suas resistências pois estas são importantes para a efetivação do verdadeiro encontro dos profissionais com seus clientes.

Assistência à Saúde; Papel Profissional; Relações enfermeiro-paciente


This article reflects upon the humanization of health care, the demand for which is growing. It involves several complex and interdependent dimensions. The professional's subjective perspective and the interpersonal relationship are discussed and shown to be important factors in the humanization of health care. The necessity of professional's self-awareness and the awareness of their defenses are emphasized since they are considered to be important for the creation of an real encounter between professionals and patients. These topics are essential for the humanization and promotion of health care.

Health Care; Professional Role; Nurse-patient relations


Este artículo hace una reflexión sobre la humanización de la asistencia a la salud, que es una demanda creciente de la actualidad. Ella involucra innúmeras dimensiones que son complejas y mutuamente influenciables. Aspectos relativos a la esfera subjetiva del profesional y a la relación interpersonal son discutidos y evidenciados como componentes esenciales de la humanización del cuidado. Se resalta las necesidades de autoconocimiento de los profesionales y de toma de conciencia respecto a sus resistencias pues éstas son importantes para la efectividad del verdadero encuentro de los profesionales con sus clientes.

Asistencia a la Salud; Rol Profesional; Relaciones enfermero-paciente


A dimensão subjetiva do profissional na humanização da assistência à saúde: uma reflexão

The professional subjective dimension in health care humanization: a reflection

La dimensión subjetiva del profesional en la humanización de la asistencia a la salud: una reflexion

Luiza Akiko Komura Hoga

Enfermeira Obstétrica e Psicoterapeuta Corporal. Professora Associada do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da USP. kikatuca@usp.br

RESUMO

Este artigo faz uma reflexão sobre a humanização da assistência à saúde, que é uma demanda crescente da atualidade. Ela envolve inúmeras dimensões que são complexas e mutuamente influenciáveis. Aspectos relativos à esfera subjetiva do profissional e do relacionamento interpessoal são discutidos e evidenciados como componentes essenciais da humanização do cuidado. São ressaltadas as necessidades de auto-conhecimento dos profissionais e de consciência de suas resistências pois estas são importantes para a efetivação do verdadeiro encontro dos profissionais com seus clientes.

Palavras-chave: Assistência à Saúde. Papel Profissional. Relações enfermeiro-paciente.

ABSTRACT

This article reflects upon the humanization of health care, the demand for which is growing. It involves several complex and interdependent dimensions. The professional's subjective perspective and the interpersonal relationship are discussed and shown to be important factors in the humanization of health care. The necessity of professional's self-awareness and the awareness of their defenses are emphasized since they are considered to be important for the creation of an real encounter between professionals and patients. These topics are essential for the humanization and promotion of health care.

Keywords: Health Care. Professional Role. Nurse-patient relations

RESUMEN

Este artículo hace una reflexión sobre la humanización de la asistencia a la salud, que es una demanda creciente de la actualidad. Ella involucra innúmeras dimensiones que son complejas y mutuamente influenciables. Aspectos relativos a la esfera subjetiva del profesional y a la relación interpersonal son discutidos y evidenciados como componentes esenciales de la humanización del cuidado. Se resalta las necesidades de autoconocimiento de los profesionales y de toma de conciencia respecto a sus resistencias pues éstas son importantes para la efectividad del verdadero encuentro de los profesionales con sus clientes.

Palabras clave: Asistencia a la Salud. Rol Profesional. Relaciones enfermero-paciente.

INTRODUÇÃO

A humanização da assistência à saúde é uma demanda atual e crescente no contexto brasileiro e emerge em uma realidade em que os usuários dos serviços de saúde se queixam dos maus tratos de que são vítimas, a mídia denuncia aspectos negativos dos atendimentos prestados à população e as publicações científicas comprovam a veracidade de muitos destes fatos.

Com o intuito de minimizar tal problemática no Brasil, o Ministério da Saúde do Brasil (1) fez investimentos e produziu o documento "Parto, Aborto e Puerpério: Assistência Humanizada à Mulher" e lançou o "Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar"(2). Ambas as iniciativas objetivaram enfrentar os desafios do âmbito da humanização e promoção da qualidade do atendimento à saúde. A primeira publicação está voltada à disseminação de conceitos e práticas de assistência ao parto visando a integração da capacitação técnica e a humanização do processo de atenção à mulher durante a gestação e o parto. Ela surgiu em um momento em que as demandas por humanização e promoção da qualidade da assistência obstétrica eram evidentes e se sobressaíam como focos de maior vulnerabilidade, em nível nacional.

As duas publicações abordam a humanização da assistência à saúde sob um prisma multidimensional em que cada faceta possui sua importância e significado. A humanização da assistência à saúde requer, portanto, atenção a inúmeros aspectos. Estes dever ser norteados e alinhados uma filosofia organizacional, cujos princípios devem estar claramente estabelecidos e viáveis de serem concretizados na prática.

Acredito que a dimensão subjetiva do profissional provoca impacto sobre forma como se dá a relação entre profissionais e usuários do setor saúde. O estabelecimento adequado desta relação é, portanto, relevante para a humanização da assistência à saúde.

Face à importância deste tema na atualidade elaborou-se este manuscrito, que tem como objetivo realizar um estudo teórico acerca da dimensão subjetiva do profissional envolvido com a assistência à saúde para propiciar uma reflexão sobre o tema.

AS DIMENSÕES ENVOLVIDAS NA HUMANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA

Várias são as dimensões envolvidas no planejamento e implantação da assistência humanizada à saúde (2-3). Acredita-se que elas sejam interdependentes e mutuamente influenciáveis e são mencionadas e discutidas na seqüência.

Relevar a opinião do conjunto de trabalhadores atuantes na instituição de saúde, independentemente do cargo ou função que ocupam, é importante pois permite a gestão co-participativa e promove uma boa relação entre os profissionais. Esta estratégia administrativa possibilita a expressão das necessidades peculiares das diferentes categorias profissionais que precisam ser consideradas quando se almeja a execução do trabalho conjunto, de forma harmoniosa. O atendimento desses itens depende da dinâmica administrativa da instituição e do gerenciamento dos diversos serviços existentes nela e das possibilidades oferecidas para efetivar os princípios da humanização na prática assistencial. Estas idéias trazem subjacente a noção de que a assistência à saúde demanda participação interdisciplinar, pois nenhuma categoria profissional consegue contemplar, por si só, a totalidade humana na vivência do processo saúde-doença. É desnecessário mencionar que tal proposição não comporta atitudes hegemônicas de uma determinada classe profissional sobre as demais ou em relação ao seu conjunto.

A participação de vários profissionais na assistência à saúde propicia o envolvimento de todos os componentes da equipe com a assistência e favorece melhor disponibilidade dos profissionais diante de seus clientes. Estes, por sua vez, encontrarão maior abertura para expor seus problemas e questio-namentos e isto promoverá a qualidade do acolhimento. A humanização do processo de acolhimento depende também da atuação adequada e da receptividade demonstrada por todos os trabalhadores que entram em contato direto ou indireto com os usuários. Inclui os de nível operacional, como aqueles que compõem o serviço de segurança hospitalar, os recepcionistas, telefonistas, entre outros.

O conhecimento abrangente e profundo dos fatores relacionados e dos problemas que afetam a saúde da população atendida pela instituição, como sua condição socioeco-nômica, necessidades e carências, crenças e valores culturais, entre outros aspectos, contribui para que os profissionais se tornem mais comprometidos com a clientela atendida e com a busca de resultados concretos e coerentes com a realidade de vida das pessoas sob seus cuidados. Estar ciente das características da pessoa a ser atendida aumenta a possibilidade do vínculo profissional/cliente, um aspecto essencial da assistência humanizada. A possibilidade do vínculo torna-se mais concreta se os profissionais tiverem meios adequados para conhecer seus pacientes, de forma sistemática. Esta forma de ver e planejar o cuidado requer o abandono de posiciona-mentos hegemônicos por parte dos profissionais, e sua substituição pela consideração da realidade, perfil e bagagem de conhecimentos sobre práticas de cuidado e cura no processo saúde-doença, na visão dos próprios clientes.

O atendimento à saúde precisa ter resolutilidade pois o efetivo equacionamento ou a solução dos problemas de saúde e de cuidado apresentados pelos clientes é essencial para a humanização da assistência. A ética da assistência merece semelhante atenção e abrange a possibilidade concreta dos pacientes seguirem os tratamentos que lhes são prescritos. A esfera estética é outra faceta a considerar e integra a atenção atribuída às condições ambientais, à higiene e limpeza, à identificação nominal dos pacientes e seus acompanhantes, entre outros.

A contemplação das dimensões citadas contribui para a satisfação dos profissionais em relação ao trabalho que desenvolvem e esta é uma condição que também importa pois ajuda a manter o encantamento deles em relação à própria profissão e ao trabalho que desenvolvem. Este estado emocional contribui para o resgate da subjetividade no serviço de saúde e, para tanto, é imprescindível que haja um modelo de gestão nas instituições de saúde que viabilize o alcance das metas pretendidas (3).

Sobre a qualidade da relação entre profissionais e clientes parte-se da premissa de que ela depende da competência do profissional e de sua capacidade para estabelecer relacionamentos interpessoais adequados. Experiências descritas demonstram que várias demandas não atendidas e queixas originárias dos usuários dos serviços poderiam ter sido evitadas, ou ao menos minimizadas, se eles tivessem sido ouvidos, compreendidos, acolhidos, considerados e respeitados (2) .

A importância representada pelo relacionamento interpessoal na assistência à saúde e a consideração de que a dimensão subjetiva do profissional seja componente vital do processo justificam a reflexão mais profunda dessas temáticas. Tal como os membros da equipe do Ministério da Saúde que participaram da elaboração das duas publicações anteriormente mencionadas, entende-se que a humanização do atendimento ao público está na dependência direta das condições de trabalho do profissional de saúde e de seu adequado preparo no âmbito das relações humanas, além do conhecimento teórico e dos aspectos técnicos. Existe, portanto, a necessidade de dirigir mais cuidado e atenção para a dimensão subjetiva dos profissionais quando se busca a humanização da assistência à saúde. Esta depende da qualidade do fator humano que, por sua vez, determinará o tipo de relacionamento que os profissionais estabelecem com os usuários dos serviços de saúde (2).

A IMPORTÂNCIA DO AUTOCONHECIMENTO PARA UM RELACIONAMENTO INTERPESSOAL ADEQUADO

O autoconhecimento do profissional de saúde é vital para o estabelecimento de relacionamento interpessoal adequado com os clientes no processo de cuidar. Conhecer-se a si mesma possibilita à pessoa tomar ciência das próprias limitações, fragilidades e também descobrir e permitir melhor usufruto de suas potencialidades. Sobretudo, é de suma importância que o profissional de saúde tenha ciência de que as diferentes características individuais das pessoas fazem parte da natureza humana.

Esta consciência faz com que os profissionais tenham facilidade para adotar atitudes de maior tolerância quanto aos próprios limites, à possibilidade de errar, de não conseguir, de não suportar certas circunstâncias de vida e de trabalho difíceis, e a mesma lógica permeará suas ações face às pessoas cuidadas. É importante que os profissionais tenham em mente estas idéias no decorrer do cuidado prestado às pessoas que vivenciam o processo saúde-doença. Sobretudo quando cuidam de doentes que se encontram em situação fragilizada, dependente e, muitas vezes, em estado psicológico regredido, é desejável que os profissionais estejam dotados de maior grau de sensibilidade. Esta condição pessoal dos profissionais favorece melhor captação das necessidades subjetivas dos doentes e, consequentemente, um atendimento mais integral dessas pessoas, que se encontram naturalmente mais susceptíveis em muitos aspectos.

O verdadeiro encontro do profissional de saúde, que inclui a consideração às próprias couraças ou resistências(4), com o cliente que, por sua vez, também possui peculiaridades enquanto pessoa e está vivenciando alguma enfermidade, constitui-se num dos elementos centrais do relacionamento terapêutico entre profissionais e clientes de saúde. Para que esta relação ocorra de forma adequada é imprescindível que os profissionais estejam capacitados a identificar e atender às próprias necessidades, pois este é um requisito básico para a percepção e respectivo atendimento das demandas por cuidados que emergem dos clientes. O autoconhecimento é, portanto, fundamental no sentido de que, no processo de assistência à saúde, a relação terapêutica assume um papel vital para a prática assistencial humanizada.

Importa também que os profissionais tenham consciência das ocorrências que os incomodam ou os afetaram em alguma fase de suas vidas, que ficaram contidas dentro de si e provocaram algum reflexo negativo em seu corpo e psiquismo. Nas psicoterapias corporais estas formas de respostas humanas são denominadas couraças (4). Estas dificultam ou não permitem o afloramento dos sentimentos e impulsos espontâneos dos seres vivos. Pessoas encouraçadas tendem a permanecer aprisionadas aos próprios pensamentos e modos de reagir diante dos fatos e a viver constantemente protegidas contra algo que nem sempre conhecem. Agem desta forma, muitas vezes, inconscientemente.

Tendem também a agir de forma limitada em campos de atuação restritos porque sua sensibilidade encontra-se constantemente cerceada. Por meio desta forma de encarar e viver a própria vida, protegem-se veementemente de tudo que lhes aparenta ser ameaçador para afastar a possibilidade do sofrimento mas, ao mesmo tempo, não chegam a vivenciar plenamente suas alegrias ou visualizar oportunidades para sentir novas emoções. Orgulham-se de suas realizações e costumam considerar o choro como uma fraqueza humana e, baseadas na própria visão, costumam julgar as pessoas que deixam aflorar seus sentimentos de forma espontânea. Pessoas rígidas apresentam dificuldades de relacionamento com outras pois suas idéias são, em geral, muito fixas e esta condição as torna inflexíveis em suas idéias e, consequen-temente, em suas ações. Prezam a disciplina e a perseverança e agem desse modo porque encaram este comportamento como uma forma de eficiência e, consequentemente, demonstram pouca tolerância em relação às pessoas que não agem de forma semelhante (4).

A natureza humana, entretanto, é dotada de uma potencialidade intrínseca de expressão, expansão e alcance de metas assim como de um contínuo processo de auto-superação e abertura para o novo. Se esta capacidade inata não encontra espaço para manifestação, o ser humano tende a formar couraça crônica (4), que resulta numa fachada aparente de si. Porém, esta não corresponde à original e, como conseqüência, há a formação de uma personalidade secundária neurótica. São pessoas que não conseguem manifestar a sua essência enquanto ser humano único, que é dotado de peculiaridades. A predominância desta personalidade causa a diminuição ou supressão dos impulsos expansivos naturais do organismo humano e este padrão acaba encobrindo e oprimindo a verdadeira natureza de sua personalidade primária e, consequentemente, suas potencialidades.

Para a humanização plena da própria vida há que se redescobrir o verdadeiro eu. Isto demanda abertura para o auto-conhecimento e o contato com a próprias dores, muitas delas escondidas em seu íntimo. Esta consciência de si contribui para promover recursos para remover ou tornar mais suaves as próprias máscaras. É possível eliminar as pressões e diminuir as contrações que envolvem o corpo e o psiquismo mas para que isso ocorre é essencial que as pessoas estejam disponíveis para tal. É importante o alerta de que muitas necessitam receber ajuda profissional para a concretização deste processo.

O auto-conhecimento por parte do profissional é importante também no processo de cuidar para que ele não caia na armadilha da relação contra-transferencial, entendida como um conjunto de reações inconscientes do profissional em relação à pessoa cuidada (5). Um processo de contra-transferência pode estar ocorrendo no cotidiano do cuidado sem que o profissional tenha ciência disso. Por exemplo, um profissional cuja estrutura psíquica esteja extremamente rígida pode "não gostar" de doentes que choram com facilidade e ou que manifestam suas emoções de forma espontânea e estar expressando tal rejeição em suas atitudes, de forma inconsciente.

SOBRE A NECESSIDADE DE CONHECER E CONVIVER MELHOR COM AS PRÓPRIAS COURAÇAS E RESISTÊNCIAS

As ocorrências do cotidiano que afetam as pessoas, aparentemente inofensivas, porém freqüentes, prejudicam profundamente e de forma mais significativa que as grandes tragédias a que elas estão sujeitas na vida. Assim, o conhecimento, o enfrentamento e a possibilidade de auto-regulação após o processo de confronto dos problemas do dia-a-dia são importantes para o bem-estar, a saúde mental e para um viver mais pleno dos seres humanos.

Cabe ressaltar que as pessoas não conseguem conviver com tensões emocionais ou suportar as agressões cotidianas durante muito tempo, de forma consciente. Como resposta vital o organismo reage transferindo as tensões emocionais para o nível inconsciente e, como conseqüência, permanece em seu corpo a tensão muscular crônica. Este padrão de resposta corporal pode prejudicar a qualidade de vida das pessoas ao longo da vida. A reversão deste quadro é possível por meio da aquisição de um profundo autoconhecimento que, muitas vezes, requer ajuda profissional.

As pessoas aprendem a lidar com a repressão de duas formas (4): formam couraça muscular e/ou sintoma(s) neurótico(s). O fato é que as pessoas possuem muitos conteúdos reprimidos e, como uma forma de resistir a eles e sobreviver, desenvolvem mecanismos de defesa diante de conteúdos emocionais reprimidos, sejam eles passados ou atuais. Os seres humanos caracterizam-se pela capacidade de aprender a lidar e conviver com as circunstâncias que os cercam e que podem ser adversas. Assim sendo, passam a constituir formas de resistência e, cada qual ao seu modo, se estrutura, forma padrões corpóreos, comportamentais e atitudinais diante dos eventos que as afetam. Os conteúdos que os seres humanos carregam em seu interior e a respectiva resistência a eles são forças opostas, intermediadas pelas experiências de vida.

As pessoas tendem a desenvolver padrões corpóreos como uma forma de se posicionarem diante da vida. Aquelas que possuem características do padrão hipertônico têm como hábito contrair seus músculos e restringir seu ciclo vasomotor, impedindo o fluxo harmônico da energia. Ao reagirem dessa forma ficam constantemente susceptíveis às explosões repentinas de raiva, que podem ser conseqüência de retenções contínuas de conteúdos inconscientes. Ao serem surpreendidos por emoções que as afetam e que ultrapassam os limites de sua capacidade de retenção, reagem manifestando comportamentos intempestivos.

No outro extremo estão as pessoas com padrão hipotônico, aquelas que não deixam reter seus conteúdos pois se encontram em contínuo processo de acúmulo e vazamento. Este é um tipo de defesa mais efetivo para o ser humano e predomina naquelas que necessitaram se defender desde uma fase muito precoce da vida. Em geral as pessoas que aprenderam a reagir dessa forma se aparentam resignadas e "aceitam" os ataques alheios. A hipertonia e a hipotonia representam os extremos dos modos de dar resolutividade à organização neurótica e ajudam a promover a auto-regulação (4). O fato é que as pessoas, em geral, carregam consigo um pouco dos dois padrões.

Em um mundo ideal não precisamos de couraças, porém, a realidade da vida cotidiana é muito diferente, exigindo do ser humano um certo nível de encouraçamento. O trabalho desenvolvido pelos terapeutas corporais é no sentido de ajudar as pessoas a diminuírem ou suavizarem gradativamente suas couraças e resistências ou ensiná-las a conviver melhor com elas, para que aprendam a "fazer amizade com as próprias resistências" (4).

Seria muito valioso se profissionais da área de saúde pudessem ter esse tipo de respaldo pois, com esse suporte, estariam mais aptos a fazer movimentos expansivos, mais espontâneos, ter mais vitalidade e autenticidade para viver mais plenamente e reencontrar sua própria originalidade. Ao profissional de saúde cabe aprender a balancear seu grau de encouraçamento de modo a dissolver ou amenizar os padrões de resposta que se encontram demasiadamente enrijecidos e que estejam bloqueando o fluxo adequado de energia. Aqueles que conseguem atingir este estado físico e emocional tornam-se mais disponíveis para os outros e, nem por isso, ficam desprotegidos em relação aos obstáculos que devem enfrentar no seu dia-a-dia.

O VERDADEIRO ENCONTRO ENTRE O PROFISSIONAL DE SAÚDE COM SEU CLIENTE: FATOR PREPONDERANTE PARA A HUMANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA

Para a humanização da assistência considera-se importante atribuir semelhante relevância aos vários aspectos discutidos no texto. As dimensões subjetivas do profissional constituem facetas importantes e o conjunto delas determina a forma como os profissionais de saúde estabelecem o relacionamento interpessoal com os clientes. Importa ressaltar que o encontro genuíno entre o profissional de saúde e seu cliente, essencial para a humanização da assistência, só vai se efetivar quando os profissionais estiverem preparados e disponíveis para tal ocorrência. Este requer também um estado físico e psíquico que permita o fluxo adequado da energia, necessário ao processo de cuidar.

Percebe-se que muitos profissionais vizualizam o cuidar como um processo de uma só via - a dedicação oferecida e que demanda uma energia que se esvai e que não proporciona retorno. Considera-se, entretanto, que este imaginário está equivocado, pois o processo de cuidar, no sentido da relação entre dois seres humanos, constitui-se de duas vias - o de um ser humano dotado de preparo técnico-científico e humanístico e disponível para o cuidado efetivo e de outro ser que está necessitando de ajuda de um profissional, que é dotado de tais atributos. Desse modo, o cliente de saúde se sentirá satisfeito com o cuidado e o afeto recebidos e certamente, estará pensando positivamente sobre o fato e emanando um sentimento correspondente, o que certamente refletirá beneficamente sobre o profissional.

É natural que um profissional sinta algum grau de cansaço ao encerrar seu turno de trabalho. No entanto, supõe-se que ele não deva se sentir completamente esvaído em sua condição física e emocional. Se isto ocorrer, pode ser indício de que suas atitudes e comportamentos em relação a si mesmo, ao outro e ao processo de cuidar não estejam adequadas.

As práticas profissionais adquirem ganhos qualitativos quando as ações de cuidado são dotadas de intencionalidade. Sobretudo quando utilizamos recursos de toque corporal, de suporte físico e emocional que deveriam permear a realização dos procedimentos e as intervenções junto aos pacientes, é essencial que a intenção dirigida a um objetivo claro esteja presente. Do contrário, estas práticas tornam-se vazias em sentido e perdem a razão de ser do ponto de vista da subjetividade. Assim, é importante conhecer a razão daquela atitude ou cuidado para ser possível oferecer realmente aquilo que se deseja e que seja significativo do ponto de vista da pessoa cuidada. Um dado prático auxilia no esclarecimento desta idéia. Ao realizar um procedimento, se o profissional estiver preocupado em executá-lo de forma menos dolorosa, sua mente estará concentrada e imbuída desta intenção. Este comando mental fará com que suas mãos se tornem mais relaxadas e, desse modo, conseguirá concluir o procedimento de forma mais suave e menos dolorosa para o paciente. A mesma lógica é aplicável a todas as ações relativas ao cuidado, seja esta da esfera física ou psíquica.

Nas situações em que os pacientes precisam se submeter a algum tratamento incômodo ou doloroso, que provoque medo ou ansiedade, é possível perceber que os profissionais tentam protegê-los. Com esta idéia em mente tentam desviá-los do processo de enfrentamento oferecendo-lhes artifícios de fuga. Embora a intencionalidade do ato aparente ser positiva acredito que, do ponto de vista da relação terapêutica, esta prática não seja adequada. Poderia ser mais apropriado "estar com" os pacientes, oferecendo-lhes suporte e retaguarda para proporcionar as melhores condições possíveis para a superação de situações difíceis. Assim, os pacientes poderão vivenciar o momento de forma amena, com melhor preservação de sua integridade.

Por meio desta medida de cuidado, os profissionais oferecem condições mais apropriadas para que os pacientes completem seu ciclo vasomotor no decorrer do cuidado. A superação de um obstáculo com preservação da integridade física e emocional proporcionada pela realização correta do procedimento e oferecimento do devido suporte fortalece o ser humano. Este sente-se mais preparado para enfrentar os futuros obstáculos que precisarão ser transpostos, durante o processo de cuidado e cura.

Quando um doente necessita submeter-se a qualquer tipo de procedimento que possa lhe causar ansiedade, seria apropriado implementar o seu devido preparo. É aconselhável que os profissionais se abstenham do uso de termos como "não vai doer", "é rapidinho" etc. No âmbito da humanização do cuidado, considera-se pertinente oferecer orientação prévia relativa à necessidade do procedimento, esclarecimento sobre a intensidade da dor ou desconforto, adoção de alguma abordagem verbal ou corporal com a intenção de prepará-lo para o procedimento, objetivando, entre outros aspectos, a diminuição de sua contratura muscular e fragilidade emocional. Em seguida, realizar o procedimento, propriamente dito, e finalizar o processo com alguma forma de harmonização.

A adoção destes cuidados, no decorrer do processo de assistência, favorece o fechamento do ciclo vasomotor do paciente, um aspecto importante na perspectiva da humanização. Do ponto de vista do receptor do cuidado, este fica com a sensação de continência, o que favorece sua auto-regulação. Os clientes sentem-se fortalecidos pois constatam, de forma corporal e psíquica, que puderam vivenciar o processo de forma plena e com a sensação de terem sido cuidados por profissionais competentes, atentos aos aspectos físicos e emocionais. Promove também a sensação de ser compreendido quanto às suas necessidades, ter recebido o devido suporte para o enfrentamento das situações difíceis; e não apenas processado ou coisificado como um paciente desper-sonalizado e emotivamente incólume.

Os pacientes têm um desejo profundo de serem compreendidos em suas necessidades por cuidados e tal compreensão é um passo fundamental que requer o compromisso do profissional em tentar atendê-las. É essencial que haja a devida disponibilidade para que isso ocorra, o que demanda uma certa condição corporal e mental. É importante, notadamente, a partir da perspectiva do profissional, a abertura para a verdadeira efetivação do cuidado em sua plenitude, pois isso certamente contribuirá para a humanização da assistência.

A perspectiva verbal e corporal (ficar ao lado, dar suporte, uso adequado das mãos nas diversas formas de toque) são importantes na humanização do cuidado. Muitas vezes, os pacientes recordam-se de profissionais que cuidaram deles de uma forma surpreendente. Mais que as ferramentas técnicas, a competência, a organização e a atenção aos detalhes, os pacientes valorizam a capacidade de cuidar, de atender às reais necessidades deles, à capacidade de escutar ou a disponibilidade de tempo, por exemplo, para pegar as suas mãos (6).

Um campo emergente da ciência que trata deste tipo de conhecimento, a psiconeuro-imunologia, pode prover resultados importantes das intervenções para promoção da saúde e cura como o toque, a escuta e o atendimento das necessidades na perspectiva dos próprios pacientes. O corpo humano possui uma farmacopéia de neuropeptídeos internos, secreções neuroendócrinas e respostas imunológicas que mantêm a saúde e promovem a cura. O toque, a escuta empática e demais práticas que integram a essência do cuidado de enfermagem podem ser recursos fundamentais do processo de cura (6).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este texto buscou alicerçar teoricamente um aspecto da dimensão subjetiva do profissional e seu impacto na relação que se estabelece com os usuários dos serviços de saúde. Avalio que o conhecimento e a consideração destes âmbitos sejam essenciais para o estabelecimento de relacionamento entre profissional e cliente de forma adequada, um passo fundamental para a humanização da assistência à saúde.

A promoção da auto-regulação dos profissionais, sobretudo daqueles que estão diretamente envolvidos com o processo de cuidar torna-se uma prioridade, tendo em vista os aspectos até então discutidos.

Tanto os responsáveis pelo geren-ciamento dos serviços existentes nas instituições, quanto os próprios profissionais são co-responsáveis pela busca e adoção de medidas que favoreçam a promoção do bem-estar físico e emocional de si mesmos e da equipe de profissionais, assim como do ambiente de trabalho. As reflexões constantes neste texto são importantes para a humanização da assistência à saúde.

Recebido: 06/09/2002

Aprovado: 08/10/2003

  • (1) Ministério da Saúde. Parto, aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher. Brasília (DF); 2001.
  • (2) Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar. Brasília (DF); 2001.
  • (3) Campos GW. Estratégias de gestão para melhoria dos serviços de saúde. In: Programa do curso de humanização do atendimento em saúde; 2002 jan./fev. 28-06; São Paulo, SP; FSP; 2002. p. 7.
  • (4) Boyesen G. Entre psiquê e soma: introdução à psicologia biodinâmica. São Paulo: Summus; 1986.
  • (5) Laplanche J. Vocabulário da psicanálise Laplan-che e Pontalis. 3Ş ed. São Paulo: Martins Fontes; 1998.
  • (6) Groër M. Psychoneuroimmunology. Am J Nurs 1991; 91(8):33.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2008
  • Data do Fascículo
    Mar 2004

Histórico

  • Aceito
    08 Out 2003
  • Recebido
    06 Set 2002
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