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Inspeção dos Programas de Controle de Infecção Hospitalar dos Serviços de Saúde pela Vigilância Sanitária: diagnóstico de situação

Inspección de los Programas de Control de Infección Hospitalaria de los Servicios de Salud por la Vigilancia Sanitaria: diagnóstico situacional

Inspection of the Hospital Infection Control Programs of Health Services by the Health Surveillance: a diagnosis of the situation

Resumos

Estudo de diagnóstico de situação, que buscou reconhecer e comparar as condições de inspeção sanitária de Programas de Controle de Infecção Hospitalar (PCIH), junto a agentes de dois Grupos Técnicos de Vigilância Sanitária, em 2002, por meio de questionários. Os resultados mostraram que os agentes possuíam algum conhecimento sobre IH, mas a maioria não inspecionava PCIH, não realizou treinamento, não utilizava roteiro específico e outros recursos. A estrutura física foi o tipo de inspeção mais citado, seguindo-se atas e estatísticas do PCIH. Concluiu-se que as principais dificuldades para a inspeção de PCIH concentram-se na insuficiência de pessoal, recursos, motivação e capacitação técnica. Observou-se, também, heterogeneidade, nesses resultados, entre os Grupos.

Infecção hospitalar; Vigilância sanitária; Hospitais


Se trata de un estudio de diagnóstico situacional, que buscó reconocer y comparar las condiciones de inspección sanitaria de Programas de Control de Infección Hospitalaria (PCIH), junto a agentes de dos Grupos Técnicos de Vigilancia Sanitaria, en el 2002, por medio de cuestionarios. Los resultados mostraron que los agentes poseían algún conocimiento sobre IH, no obstante la mayoría no inspeccionaba los PCIH, no realizó entrenamiento, no utilizaba una guía específica y otros recursos. La estructura física fue el tipo de inspección más citado, siguién-dose de actas de reunión y estadísticas del PCIH. Se concluyó que las principales dificultades para la inspección de PCIH se concentran en la insuficiencia de personal, recursos, motivación y capacitación técnica. Se observó, también, heterogeneidad, en esos resultados, entre los Grupos.

Infección hospitalaria; Vigilancia sanitaria; Hospitales


This study was aimed at recognizing and comparing the inspection conditions of the Hospital Infection Control Programs (HICP) through agents of two Technical Groups of Health Surveillance, in 2002, with the use of questionnaires. The results show that the agents have some knowledge about HI, but most of them did not inspect HICPs, were not trained to do so and did not follow specific guidelines nor used other resources. The most mentioned type of inspection was the inspection of physical structure, followed by HICP meeting records and statistics. It was concluded that the main difficulties in HICP inspection are concentrated on the lack of personnel, resources, motivation and technical capacity. It was also observed in the results a heterogeneity between the groups.

Hospital infection; Health surveillance; Hospitals


RELATO DE PESQUISA

Inspeção dos Programas de Controle de Infecção Hospitalar dos serviços de saúde pela Vigilância Sanitária: diagnóstico de situação

Inspection of the Hospital Infection Control Programs of health services by the Health Surveillance: a diagnosis of the situation

Inspección de los Programas de Control de Infección Hospitalaria de los servicios de salud por la Vigilancia Sanitaria: diagnóstico situacional

Adriana do Patrocinio Nunes GiuntaI; Rubia Aparecida LacerdaII

IEnfermeira. Docente da Escola de Enfermagem da Universidade de Taubaté. Mestre em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP)

IIEnfermeira. Professor Associado da EEUSP. rlacerda@usp.br

Correspondência Correspondência: Adriana do Patrocinio Nunes Giunta Rua Pe. Timóteo Correa de Toledo, 171 - Vl. São José CEP 12070-500 - Taubaté -SP

RESUMO

Estudo de diagnóstico de situação, que buscou reconhecer e comparar as condições de inspeção sanitária de Programas de Controle de Infecção Hospitalar (PCIH), junto a agentes de dois Grupos Técnicos de Vigilância Sanitária, em 2002, por meio de questionários. Os resultados mostraram que os agentes possuíam algum conhecimento sobre IH, mas a maioria não inspecionava PCIH, não realizou treinamento, não utilizava roteiro específico e outros recursos. A estrutura física foi o tipo de inspeção mais citado, seguindo-se atas e estatísticas do PCIH. Concluiu-se que as principais dificuldades para a inspeção de PCIH concentram-se na insuficiência de pessoal, recursos, motivação e capacitação técnica. Observou-se, também, heterogeneidade, nesses resultados, entre os Grupos.

Descritores: Infecção hospitalar. Vigilância sanitária. Hospitais. Salud de las mujeres.

ABSTRACT

This study was aimed at recognizing and comparing the inspection conditions of the Hospital Infection Control Programs (HICP) through agents of two Technical Groups of Health Surveillance, in 2002, with the use of questionnaires. The results show that the agents have some knowledge about HI, but most of them did not inspect HICPs, were not trained to do so and did not follow specific guidelines nor used other resources. The most mentioned type of inspection was the inspection of physical structure, followed by HICP meeting records and statistics. It was concluded that the main difficulties in HICP inspection are concentrated on the lack of personnel, resources, motivation and technical capacity. It was also observed in the results a heterogeneity between the groups.

Key words: Hospital infection. Health surveillance. Hospitals.

RESUMEN

Se trata de un estudio de diagnóstico situacional, que buscó reconocer y comparar las condiciones de inspección sanitaria de Programas de Control de Infección Hospitalaria (PCIH), junto a agentes de dos Grupos Técnicos de Vigilancia Sanitaria, en el 2002, por medio de cuestionarios. Los resultados mostraron que los agentes poseían algún conocimiento sobre IH, no obstante la mayoría no inspeccionaba los PCIH, no realizó entrenamiento, no utilizaba una guía específica y otros recursos. La estructura física fue el tipo de inspección más citado, siguién-dose de actas de reunión y estadísticas del PCIH. Se concluyó que las principales dificultades para la inspección de PCIH se concentran en la insuficiencia de personal, recursos, motivación y capacitación técnica. Se observó, también, heterogeneidad, en esos resultados, entre los Grupos.

Descriptores: Infección hospitalaria. Vigilancia sanitaria. Hospitales.

INTRODUÇÃO

Pela Portaria nº. 2.616/98 do Ministério da Saúde, infecção hospitalar (IH) é conceituada como

...aquela adquirida após a admissão do paciente e que se manifeste durante a internação ou após a alta, quando puder ser relacionada com a internação ou procedimentos hospitalares(1).

As IH são eventos adversos decorrentes da hospitalização do paciente e que se tornaram importante foco de atenção nas últimas décadas, embora desde a Antiguidade existiam relatos sobre a disseminação de doença epidêmica dentro do hospital(2).

A evolução da IH está relacionada com o desenvolvimento social e o seu modo próprio de compreensão do processo saúde-doença, assim como a geração de modelos tecno-assistenciais para sua assistência(3). Atualmente, a IH é potencialmente determinada pela evolução tecnológica dos procedimentos diagnósticos e terapêuticos invasivos, demandados pelo modelo clínico de assistência. Acrescente-se a isto, os medicamentos imunossupressivos, principalmente os antibióticos, a maior expectativa de vida e o aumento de demanda por assistência a pacientes imunodeprimidos e com doenças crônicos-degenerativas, que aumentam o risco das IH resistentes.

A problemática das IH, portanto, deve ampliar-se à perspectiva de sua determinação social, ou seja, suas práticas de prevenção e controle não dependem apenas de ações focais, no âmbito restrito de um Programa de Controle de IH (PCIH). Dependem também e, fundamentalmente, de ações ampliadas e relacionadas às formas com que as políticas de saúde são introduzidas e distribuídas, à qualidade da assistência em geral, à reformulação ou inovação de modelos tecno-assistenciais e à elaboração de estratégias de avaliação(3).

O controle de IH no Brasil é regido por ações governamentais desde 1983(4), mas somente em 1997 a existência de um PCIH em todos os hospitais do país passou a ser obrigatória pela Lei nº. 9.431/97(5). Em 1998 foi editada a Portaria vigente, nº. 2.616(1), que recomenda o processo de trabalho a ser realizado pelo PCIH, devendo o hospital constituir Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), órgão deliberativo de ações de controle e prevenção de IH e o Serviço de Controle de IH (SCIH), órgão executivo, ou seja, encarregado de realizar as ações deliberadas pelo primeiro.

É reconhecido, no entanto, que muitos hospitais têm dificuldades ou não operacionalizam o PCIH conforme as recomendações governamentais(6-7). Legislações instituídas, portanto, não são garantias de sua execução e, principalmente, com qualidade e resolução. Há que se considerar uma realidade legal a ser institucionalizada em uma realidade social composta de diferentes tipos de hospitais e suas características de assistência e de recursos disponíveis.

A responsabilidade de acompanhamento dos PCIH nos hospitais é da Vigilância Sanitária (VS), a qual não somente inspeciona como também deve prestar cooperação técnica aos hospitais, orientando para o exato cumprimento e aplicação das diretrizes estabelecidas pela legislação sanitária pertinente. Em 2000, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) elaborou a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) nº. 48(8), que é um roteiro de inspeção específico do PCIH.

Este roteiro, no entanto, não oferece subsídios para análise de como os processos são realizados e sua necessidade. Além disto, ele não considera a especificidade das instituições, o preparo dos agentes avaliadores e ainda não se conhece se e como ele está sendo aplicado, assim como não contempla a análise das dificuldades encontradas e a avaliação de sua eficácia.

A avaliação de práticas de CIH exige a atualização dos agentes que a executam de forma que lhes permitam não apenas compilar as situações encontradas, mas também realizar um diagnóstico que subsidie a atuação e a orientação para uma maior qualificação dessas práticas, caso se acredite que seu papel não é apenas o de mera "fiscalização"(3) .

Apesar de ser vantajosa a existência de um roteiro sistematizado de inspeção especificamente direcionado para práticas de CIH, ele, porém, não é suficiente se não puder ser contextualizado ao conhecimento atualizado de sua adequação e necessidade.

Outra questão reside no fato de que a inspeção adequada desses programas depende da realidade local, determinada tanto pelos tipos de hospitais, quanto pelo poder político de sua área de abrangência. Este último pode interferir direta ou indiretamente na organização e na capacitação de seus órgãos competentes, entre eles, a VS, bem como pode confrontar interesses eleitoreiros com a autoridade destes órgãos para impor autuações, regularizações e interdições(6).

Este estudo, portanto, buscou reconhecer se e como a Vigilância Sanitária está inspecionando os PCIH dos hospitais. Para tanto, os objetivos foram: a) caracterizar os serviços de VS quanto a seus agentes, processo de trabalho e áreas de abrangência de atuação; b) identificar os fatores que interferem nas atividades de VS junto aos hospitais; c) reconhecer como são realizadas as inspeções de VS dos PCIH dos hospitais; d) discutir a adequação das inspeções dos PCIH pela VS.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo comparativo de diagnóstico de situação, incluindo as etapas de reconhecimento, descrição, análise e diagnóstico das ações de inspeção de PCIH de hospitais pelos Grupos Técnicos de Vigilância Sanitária de dois Diretórios Regionais de Saúde (DIR) da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, identificados como Grupos Técnicos I e II, sendo que o primeiro abrange 12 municípios e o segundo 27 municípios. O recurso comparativo entre dois Grupos teve o propósito de reconhecer se as ações de vigilância sanitária apresentam ou não características semelhantes, de acordo com o DIR em que se inserem e, deste modo, identificar a possibilidade de interferências locais, como capacitação técnica, infra-estrutura, poder político, entre outras.

A população total de acesso era de 28 agentes de VS, sendo que 16 concordaram em participar do estudo, constituindo a população final. As categorias profissionais dos agentes do Grupo I foram compostas de 02 dentistas, 03 enfermeiros, 02 engenheiros, 01 nutricionista e 01 médico veterinário; e as do Grupo II foram 03 engenheiros, 01 enfermeiro, 01 médico, 01 administrador, 01 executivo público. Os dados foram colhidos por meio de preenchimento individual de questionários, sendo um específico para os dois diretores dos Grupos e outro para todos os agentes.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.

RESULTADOS

Os dados são apresentados por itens temáticos, de forma descritiva ou em tabelas.

1) Dados obtidos junto aos diretores dos Grupos Técnicos

Segundo os diretores dos Grupos, as ações de VS abrangem diversos tipos de estabelecimentos e serviços, cujos produtos ou ações repercutem direta ou indiretamente na saúde humana, e não apenas aqueles que realizam assistência direta à saúde. No que se refere à produção de serviços de saúde, são incluídos: atendimentos hospitalares, atividades de urgência e emergência, consultórios e ambulatórios médicos e odontológicos, serviços de vacinação e imunização humana, laboratórios, serviços de hemodiálise, diálise, remoção, raio-X, radioterapia, banco de leite materno, de sangue, enfermagem, nutrição, psicologia, fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, terapias alternativas, acupuntura. Os serviços e comissões de CIH não foram citados. Todos estes serviços são inspecionados por todos os agentes dos Grupos Técnicos I e II, independente da sua formação profissional.

As causas atribuídas às dificuldades para execução das atividades foram distintas. O diretor do Grupo I referiu problemas de demandas de denúncias, de avaliação em conjunto com o Conselho Regional de Medicina, de ações do poder judiciário e a dinâmica de atuação da Direção Regional de Saúde. O do Grupo II referiu insuficiência de recursos humanos, assunção de ações que seriam do município, insuficiência de equipamentos para desenvolvimento do trabalho, desmotivação por ausência de plano de carreira e salários, insuficiência de investimento em treinamento e capacitação técnica.

Para o diretor do grupo I, as ações de inspeção sanitária ocorrem, principalmente, em decorrência de notificações de irregularidades, solicitações de órgãos oficiais ou, mesmo, dos próprios estabelecimentos ou serviços de saúde. Já, para o do Grupo II predominam as circunstâncias referentes à solicitação, pelos estabelecimentos, para autorização de funcionamento. Ambos os Grupos, apesar de realizarem planejamento de suas ações, não estabelecem periodicidade de inspeção, estando dependente de relatos de inter-corrências ou solicitações. Apenas o Grupo I possui cadastro atualizado dos estabelecimentos e serviços sob seu raio de abrangência.

Sobre a representação das categorias profissionais para compor a VS, o diretor do Grupo I considera a não necessidade de incorporação de outras categorias, mas o do Grupo II julga que seria adequado a inclusão de advogado, digitador e analista de sistemas.

2) Dados obtidos junto aos agentes dos Grupos Técnicos

É relativamente longa a experiência dos participantes deste estudo em ações de VS, uma vez que a maioria deles (68,75%) atua nesta área há mais de 5 anos, tanto os do Grupo I quanto do II. Somente um agente, do Grupo I, atua há menos de 1 ano.

Observa-se, na tabela 1, que os principais aspectos que dificultam a atuação desses agentes concentram-se na insuficiência de pessoal (23,07%), baixa ou falta de motivação (21,53%) e capacitação técnica insuficiente (18,46%). Essa seqüência é a mesma, para ambos os Grupos. Outras dificuldades também foram citadas pela maioria dos agentes do Grupo I: vagas não preenchidas, absenteísmo e alta rotatividade.

Vários foram os instrumentos citados para a inspeção de serviços de saúde (Tabela 2), principalmente roteiros em geral (23,68%), legislações (21,05%) e manuais (15,78%). As RDC, citadas por 05 agentes, também constituem roteiros para setores específicos. A RDC 48 refere-se à Inspeção do Programa de Controle de Infecção Hospitalar e a RDC 35, à inspeção em Serviços de Diálise. Já, a RSS 169 refere-se à Norma Técnica para Funcionamento de Estabelecimentos que realizam procedimentos médico-cirúrgicos. Os agentes que citaram as RDC e a RSS específicas pertencem apenas ao Grupo I, os quais também utilizavam mais instrumentos de uma forma geral, do que os do Grupo II.

A maioria dos agentes realizou treinamento para aplicar instrumentos de inspeção em serviços de saúde (62,50%), principalmente os do Grupo I (77,77%). No entanto, mais da metade (56,25%) respondeu que não realizou treinamento específico para inspecionar os PCIH, sendo a proporção maior entre os do Grupo II (71,42%) do que do Grupo I (55,55%).

Já, quando se buscou reconhecer o conhecimento destes agentes sobre a temática específica de IH, a tabela 3 nos mostra que todos relataram possuir algum conhecimento, sendo que metade deles (50,0%) o considerava suficiente e menor proporção, insuficiente (37,5%). Proporcionalmente, mais agentes do grupo I consideravam esse conhecimento suficiente (55,55%) do que os do grupo II (42,85%). Os do Grupo II, que responderam ao item outros, referiram estar em fase de treinamento.

Entretanto, apesar de todos os agentes terem algum conhecimento sobre IH, constatou-se que a inspeção dos PCIH não era realizada pela maioria deles (56,2%), principalmente os do grupo I (66,6%), em relação ao Grupo II (57,14%). E, ao que parece, a realização desta inspeção não está relacionada diretamente com a formação profissional, ainda que a maioria dos que o inspecionava fosse da área da saúde, principalmente enfermeiros. Destaque-se, porém, na tabela 4, a alta representatividade dos engenheiros.

Observa-se, na tabela 5, que a maior freqüência, entre os agentes, relaciona-se àqueles que não responderam sobre os recursos utilizados para a inspeção de PCIH (38,8%). Em seguida, foram citados a RDC 48 (22,22%), os programas e relatórios da instituição de saúde (16,66%) e a legislação específica (16,66%). Os agentes do Grupo I citaram mais recursos do que os do Grupo II, o qual não citou a RDC 48, apenas referindo-se a legislação específica.

Quando foram questionados sobre as características da inspeção do PCIH, a estrutura física foi o aspecto mais freqüentemente citado (17,85%). Em seguida, empatados, vieram a CCIH, incluindo suas atas e estatísticas (10,71%) e os procedimentos, normas e rotinas (10,71%). Parcela significativa (14,28%) não respondeu. Houve apenas duas menções ao preenchimento da RDC 48, todas do Grupo I. A quantidade e a variedade de aspectos sob inspeção foram significativamente maiores no Grupo I (18) do que no Grupo II (6).

DISCUSSÃO

Segundo a Lei Orgânica de Saúde, n. 8.080/90(9), as ações de VS objetivam

...eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde, com intervenção nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e de prestação de serviços de interesse da saúde, que envolvam o controle de bens de consumo e de prestação de serviços que se relacionem direta e indiretamente com a saúde.

As atividades de VS abrangem, portanto, um amplo campo de atuação e os serviços de saúde constituem parte de seu raio de abrangência. Mesmo assim, não se restringem aos hospitais, incluindo clínicas, consultórios, ambulatórios, dentre outros, o que dificulta a capacitação técnica de seus agentes para inúmeras áreas específicas. Deste modo, a construção e a utilização de instrumentos de inspeção para setores ou serviços específicos não são suficientes e a avaliação da qualidade pode e deve ser auxiliada por assessorias de especialistas da área.

Originalmente, as ações de VS eram de responsabilidade estadual. Após a institucionalização do SUS, há municípios que já realizam gestão plena de saúde e outros ainda não. Isto resulta que, enquanto o processo de municipalização não estiver totalmente concretizado no Estado, as inspeções sanitárias não serão similares, estando algumas ainda subordinadas às Regionais Estaduais de Saúde, repercutindo necessariamente no grau de entendimento de repasse de recursos e de atividades entre estado e municípios e, portanto, na organização e preparo técnico da VS de cada regional. Esta situação é, inclusive, indicada pelo diretor do Grupo I deste estudo, ao responder que executa ações que seriam dos municípios.

Além disto, a amplitude de atuação demanda um sistema de informações do universo de estabelecimentos, equipes de trabalho e procedimentos realizados, fato inclusive considerado estratégico pela Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, em 2000(10), para o planejamento de ações de VS. Mas, ao que parece, este projeto ainda não está totalmente desenvolvido.

Tais situações podem explicar, em parte, as diferenças encontradas entre os Grupos Técnicos estudados, sejam sobre as condições ou situações que demandam suas ações, seja quanto às dificuldades para executá-las. E, conforme visto, no Grupo I predominam interferências externas e no Grupo II a infra-estrutura do próprio serviço. De outro modo, as ações de VS, em ambos os Grupos, ao desenvolverem-se predominantemente após solicitações de autorização para funcionamento dos estabelecimentos e de denúncias de irregularidades, associadas à não existência de periodicidade de inspeção previamente definida, permitem concluir que as mesmas não são eminentemente preventivas.

Conforme visto, as categorias profissionais não coincidiam totalmente entre os Grupos, embora predominassem as da área da saúde, principalmente enfermeiros. De fato, a Deliberação CIB 54, item 12(10), apenas solicita como desejável profissional de nível superior com especialização em saúde pública e vigilância sanitária, além de pessoal de nível técnico com conhecimento compatível com os estabelecimentos sob o raio de abrangência da equipe. Em outras palavras, há exigência antes de conhecimento e experiência em VS de uma forma geral, do que a categoria profissional e os conhecimentos específicos de acordo com a especialidade a ser inspecionada.

Apesar dos órgãos públicos oferecerem treinamentos aos agentes da VS, é possível questionar, no entanto, a competência de qualquer categoria profissional para avaliar adequadamente serviços específicos em quaisquer circunstâncias e níveis de complexidade. A conseqüência disto pode ser constatada nos resultados deste estudo, entre eles, a forma de inspeção dos PCIH, quando a estrutura física foi o aspecto mais citado (17,85%), seguindo-se, empatados, a formação da CCIH, incluindo atas de reuniões e estatísticas, e normas e rotinas de procedimentos (10,71%). Acrescente-se que parcela significativa destes agentes nada respondeu (14,28%).

O conhecimento atual sobre IH, no entanto, não valoriza tanto a estrutura física e, sim, os recursos humanos e materiais, assim como as condições em que os procedimentos de intervenção são realizados. A própria RDC 50/2001 da ANVISA, que dispõe sobre regulamento técnico para planejamento, programação, elaboração e avaliação de projetos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde reconhece, no seu item 6, que

...o controle de IH está fortemente dependente de condutas, as soluções arquitetônicas passam a admitir possibilidades tradicionalmente a elas vedadas, por contribuírem apenas parcialmente ao combate desta moléstia(11).

Acrescente-se que o roteiro específico para inspeção do PCIH (RDC 48/2000), também da ANVISA, não foi citado pela metade dos agentes e a inspeção do PCIH não era realizada pela maioria deles.

Diante de tais situações não é possível considerar como satisfatória a capacitação técnica dos agentes, ainda que os mesmos tenham julgado esta capacitação apenas como o terceiro aspecto dificultador de suas ações (18,46%), depois de pessoal insuficiente (23,07%) e baixa ou falta de motivação profissional (21,53%).

Pelos resultados é possível inferir também que o Grupo I está mais qualificado do que o Grupo II para as atividades de VS de uma forma geral.

CONCLUSÃO

É possível considerar que os órgãos estaduais de saúde reconhecem a problemática da IH e vêem desenvolvendo políticas tanto para orientar quanto para inspecionar seu controle e prevenção. Há que se crer que uma questão ainda a ser resolvida é a eficácia e a eficiência do fluxo de ações e sua resolutividade. Uma causa possível é a reestruturação da saúde, em fase de descentralização e municipalização. De um lado, ao atuar de forma mais localizada, a partir de gestões municipais, a análise da realidade torna-se mais pertinente. Por outro lado, o processo ainda em implementação pode estar ocasionando condições diferentes de atuação entre as várias regionais de saúde.

No entanto, a descentralização e a municipalização das ações, assim como a experiência em vigilância sanitária, de uma forma geral, não são suficientes para resolver a questão da capacitação técnica para avaliar a organização e a execução de serviços específicos, como o PCIH, os quais, inclusive, se encontram em constante desenvolvimento científico. Há necessidade de conhecimento e constante atualização, tanto dos serviços específicos quanto de recursos de avaliação, os quais não se esgotam no treinamento para a mera aplicação de roteiros específicos de inspeção.

...não se trata mais de avaliar um procedimento ou uma técnica isoladamente, tal como nos estudos tradicionais de eficácia, mas um conjunto complexo de procedimentos materiais e imateriais, realizados por diferentes agentes articulados e hierarquizados de diversas formas que respondem a distintos tipos e articulações de necessidades(12).

De outro modo e, reconhecendo que vários são os níveis interferentes com a avaliação do controle de IH, há necessidade de articular a organização do PCIH com a qualidade dos processos de assistência e seus resultados.

Recebido: 25/05/2004

Aprovado: 17/10/2004

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  • (12) Schraiber LB, Nemes MIB. Processo de trabalho e avaliação de serviços em saúde. São Paulo: Fundap; [s.d.]. p. 106-21.
  • Correspondência:

    Adriana do Patrocinio Nunes Giunta
    Rua Pe. Timóteo Correa de Toledo, 171 - Vl. São José
    CEP 12070-500 - Taubaté -SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      Mar 2006

    Histórico

    • Aceito
      17 Out 2004
    • Recebido
      25 Maio 2004
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