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Identificação da vulnerabilidade da família na prática clínica

Identificación de la vulnerabilidad de la familia en la práctica clínica

Identification of family vulnerability in clinical practice

Resumos

Neste trabalho apresentamos o relato de uma situação clínica em que identificamos a vulnerabilidade da família, propiciando ao enfermeiro pediatra a utilização deste conceito na sua prática e intervenção com famílias. O estudo foi realizado com uma família que experienciava uma situação de doença e hospitalização de um filho. A vulnerabilidade foi identificada nas interações da família com a doença, a própria família e a equipe de saúde, e serviu de guia para o planejamento da assistência de enfermagem. As intervenções realizadas permitiram o fortalecimento da família para enfrentar a situação e o reconhecimento da importância para o enfermeiro pediatra utilizar resultados de pesquisa teórica em sua prática profissional.

Família; Vulnerabilidade; Criança hospitalizada; Enfermagem pediátrica


En este trabajo presentamos el relato de una situación clínica en la que identificamos la vulnerabilidad de la familia, propiciando al enfermero pediatra la utilización de este concepto en su práctica e intervención con familias. El estudio fue realizado con una familia que experimentaba una situación de enfermedad y hospitalización de un hijo. La vulnerabilidad fue identificada en las interacciones de la familia con la enfermedad, la propia familia y el equipo de salud, y sirvió de guía para la planificación de la asistencia de enfermería. Las intervenciones realizadas permitieron el fortalecimiento de la familia para enfrentar la situación y el reconocimiento de la importancia que tiene que el enfermero pediatra utilice resultados de investigaciones teóricas en su práctica profesional.

Familia; Vulnerabilidad; Niño hospitalizado; Enfermería pediátrica


In this paper we present a report of a clinical situation in which we identified the vulnerability of the family, propitiating to pediatric nurses the use of this concept in their practice and intervention with families. The study was carried out with a family that was going through a situation of a child illness and hospitalization. The vulnerability was identified in the interactions of family members with the illness, with other family members and with the health staff, and served as a guide for planning the nursing assistance. The interventions led to the strengthening of the family to face the situation and, for pediatric nurses, the recognition of the importance of using the results of theoretical research in their professional practice.

Family; Vulnerability; Child, hospitalized; Pediatric nursing


RELATO DE EXPERIÊNCIA

Identificação da vulnerabilidade da família na prática clínica

Identification of family vulnerability in clinical practice

Identificación de la vulnerabilidad de la familia en la práctica clínica

Myriam Aparecida Mandetta PettengillI; Margareth AngeloII

IEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professor Adjunto do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). mpettengill@ denf.epm.br IIEnfermeira. Livre Docente. Professor Titular do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP). angelm@usp.br

Correspondência Correspondência: Margareth Angelo Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 – Cerqueira César CEP 0503-000 - São Paulo - SP

RESUMO

Neste trabalho apresentamos o relato de uma situação clínica em que identificamos a vulnerabilidade da família, propiciando ao enfermeiro pediatra a utilização deste conceito na sua prática e intervenção com famílias. O estudo foi realizado com uma família que experienciava uma situação de doença e hospitalização de um filho. A vulnerabilidade foi identificada nas interações da família com a doença, a própria família e a equipe de saúde, e serviu de guia para o planejamento da assistência de enfermagem. As intervenções realizadas permitiram o fortalecimento da família para enfrentar a situação e o reconhecimento da importância para o enfermeiro pediatra utilizar resultados de pesquisa teórica em sua prática profissional.

Descritores: Família. Vulnerabilidade. Criança hospitalizada. Enfermagem pediátrica. ujeres.

ABSTRACT

In this paper we present a report of a clinical situation in which we identified the vulnerability of the family, propitiating to pediatric nurses the use of this concept in their practice and intervention with families. The study was carried out with a family that was going through a situation of a child illness and hospitalization. The vulnerability was identified in the interactions of family members with the illness, with other family members and with the health staff, and served as a guide for planning the nursing assistance. The interventions led to the strengthening of the family to face the situation and, for pediatric nurses, the recognition of the importance of using the results of theoretical research in their professional practice.

Key words: Family. Vulnerability. Child, hospitalized. Pediatric nursing.

RESUMEN

En este trabajo presentamos el relato de una situación clínica en la que identificamos la vulnerabilidad de la familia, propiciando al enfermero pediatra la utilización de este concepto en su práctica e intervención con familias. El estudio fue realizado con una familia que experimentaba una situación de enfermedad y hospitalización de un hijo. La vulnerabilidad fue identificada en las interacciones de la familia con la enfermedad, la propia familia y el equipo de salud, y sirvió de guía para la planificación de la asistencia de enfermería. Las intervenciones realizadas permitieron el fortalecimiento de la familia para enfrentar la situación y el reconocimiento de la importancia que tiene que el enfermero pediatra utilice resultados de investigaciones teóricas en su práctica profesional.

Descriptores: Familia. Vulnerabilidad. Niño hospitalizado. Enfermería pediátrica.

INTRODUÇÃO

A temática acerca da hospitalização infantil tem sido objeto de muitos estudos na área de enfermagem(1-4). Na década de 1980, o enfoque dos trabalhos era a questão da separação mãe-filho e os efeitos na vida da criança. Muitos estudos realizados neste período contribuíram para modificar a prática dos hospitais, culminando com o movimento para a permanência de um acompanhante em período integral, a fim de minimizar os efeitos deletérios da hospitalização para a criança e família.

Atualmente, os estudos têm visado à percepção das interações família-equipe, tanto na perspectiva da família como na dos profissionais. O objetivo é ampliar o conhecimento acerca desta relação, propondo medidas que facilitem a interação. Há ainda uma preocupação em compreender o significado da hospitalização para a criança e família, a fim de ajudá-los a enfrentar a situação(1-2). Alguns estudos avançam ao desenvolverem modelos teóricos acerca da experiência de hospitalização, tendo como foco a família(5-6) e a criança(7). Dessa maneira, observa-se que a assistência de enfermagem à criança vem se modificando ao longo dos anos, evoluindo, de uma abordagem centrada na patologia, para uma abordagem centrada na criança e família. Entretanto, embora os profissionais apresentem uma razoável compreensão em relação aos elementos necessários para aplicarem a abordagem centrada na família, não a utilizam de maneira consistente em sua prática cotidiana(8).

Considerando a evolução do conhecimento acerca da hospitalização infantil e das modificações ocorridas ao longo desses anos, decorrentes de estudos, ainda é preciso avançar muito em termos de uma prática que realmente contemple a abordagem centrada na criança e família. O enfermeiro que atua na prática clínica deve ser estimulado a aplicar as informações de pesquisas para guiar as tomadas de decisão sobre o cuidado ao indivíduo e sua família(9).

Apesar do aumento do número de cursos de pós-graduação, de enfermeiros pesquisadores e de artigos publicados, a assistência clínica parece não ter sido beneficiada dos conhecimentos produzidos(9). Para tanto, os resultados das pesquisas devem ser organizados de maneira sistemática, a fim de serem disponibilizados aos profissionais que atuam na prática clínica.

Os modelos teóricos e conceitos construídos por meio de pesquisas contribuem para a transformação da prática profissional do enfermeiro, sendo de suma importância a proposição de maneiras de implementá-los no cotidiano da prática clínica do enfermeiro.

Neste trabalho apresentamos o relato de uma situação clínica em que identificamos a vulnerabilidade da família, propiciando ao enfermeiro pediatra a utilização de resultados de pesquisas em sua prática e intervenção com famílias.

VULNERABILIDADE DA FAMÍLIA

O conceito vulnerabilidade da família, desenvolvido por Pettengill(10), de acordo com o Método de Análise Qualitativa de Conceito(11), foi aplicado neste estudo para identificação da vulnerabilidade na situação vivenciada. O autor(10), identificou elementos definidores de vulnerabilidade na experiência de famílias que experienciam a hospitalização do filho. Segundo a autora, a vulnerabilidade da família em uma situação de doença pode ser definida como se sentir ameaçada em sua autonomia, sob pressão da doença, da família e da equipe.

O diagrama 1 reflete o modelo teórico(10) desenvolvido, que contém os seguintes componentes:

• Definição de vulnerabilidade da família: "Sentindo-se ameaçada em sua autonomia"

• Antecedentes:

1. Experiências vividas anteriormente

2. O acúmulo de demandas

3. O despreparo para agir

• Características definidoras:

1. Contexto da doença: incerteza, impotência, ameaça real ou imaginária, exposição ao dano, temor do resultado, submissão ao desconhecido e expectativas de retornar à vida anterior.

2. Contexto da família: desequilíbrio na capacidade de funcionamento, desestrutura, distanciamento, alteração na vida familiar e conflitos familiares.

3. Contexto da equipe: conflitos marcados pela falta de diálogo, desrespeito e afastamento de seu papel.

• Conseqüências: A família alterna momentos em que não consegue fazer nada com outros, em que tenta resgatar sua autonomia.

PERCURSO METODOLÓGICO

Durante as interações na pratica clínica pediátrica adotamos a perspectiva centrada na criança e na família e desenvolvemos o processo de cuidar da família orientado pelo Modelo Calgary de Avaliação Familiar(12), que consiste em um conjunto multidimensional de avaliação da estrutura, do desenvolvimento e do funcionamento da família.

Os dados apresentados neste estudo são oriundos do trabalho desenvolvido com a família de ESL uma criança de 11 meses, hospitalizada em uma unidade pediátrica de um hospital-escola em Campo Grande-MS, após autorização do Comitê de Ética e consentimento da família para apresentação do caso. Os nomes dos membros da família foram modificados para garantir o anonimato.

A criança permaneceu hospitalizada por 40 dias, tendo sido acompanhada pela mãe durante todo o período. As informações foram coletadas ao longo do período da internação, conforme as interações da família com os eventos da doença, com a família e a equipe aconteciam. As entrevistas foram acompanhadas da elaboração de genograma e ecomapa, que são instrumentos úteis para delinear as estruturas interna e externa da família. O genograma é um diagrama do grupo familiar e o ecomapa é uma diagrama do contato da família imediata com os recursos comunitários ou pessoas significativas, que possam funcionar como rede de suporte social(12). Observações e interações complementaram e subsidiaram a avaliação da família.

O processo de avaliação e intervenção realizado com a família consistiu em 5 etapas que serão apresentadas a seguir, com as informações relevantes para a compreensão da experiência de vulnerabilidade da família.

Avaliação da família e da experiência de hospitalização

A aproximação com a família de ESL ocorreu alguns dias após a hospitalização da criança, quando a mãe nos procurou para solicitar ajuda, pois como a criança havia sido transferida de outro hospital, distante 340 km da capital, estava preocupada com os outros filhos.

Família procedente de Bela Vista-MS (Figura 1), composta pelo pai, 37 anos, vigia noturno, I grau completo; mãe, 32 anos, I grau incompleto, do lar, três filhos: uma menina de 8 anos, saudável, estudante da 2ª série do ensino fundamental e um menino de 5 anos, saudável que freqüenta creche e o paciente, a criança de 11 meses, sexo masculino, admitido na Unidade de Pediatria com diagnóstico de pneumonia e insuficiência respiratória. Durante a internação, ESL apresentou piora do quadro, tendo sido transferido para a Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica, onde permaneceu entubado, em ventilação mecânica, por 72 horas. Após este período, evoluiu bem, porém apresentou quadro de dificuldade respiratória, mantendo cateter subnasal de O2 a 2l/min. A criança permaneceu hospitalizada por 40 dias para realização de exames complementares e confirmação diagnóstica. O diagnóstico médico foi bronquiectasia obliterante.


Antes da doença e hospitalização de ESL, a mãe permanecia em casa durante todo o tempo, desempenhando atividades de cuidado aos membros da família. O pai trabalhava como vigia noturno, permanecendo em casa durante o dia, porém em virtude da necessidade de descanso diurno tinha pouco contato com os filhos e com a esposa. As crianças de 8 e 5 anos freqüentavam a escola e a creche respectivamente durante o dia e permaneciam com a mãe o restante do dia.

A família não possuía uma rede de suporte (Figura 2) na vizinhança, pois haviam se mudado há apenas alguns meses para o bairro. Tanto a família ampliada da mãe, quanto a do pai, moravam em cidades distantes e nenhuma tinha condições financeiras para ajudá-los no momento.


A criança havia permanecido internada em um hospital na cidade de origem por 15 dias e como não apresentou melhora foi transferida para a capital. A mãe de ESL deixou os membros da família na cidade de origem para acompanhar a internação do filho na capital. Conseqüentemente, preocupava-se com os outros filhos que haviam ficado com o pai, que em razão do trabalho noturno, e da falta de suporte social na vizinhança, deixava os menores sozinhos em casa à noite. Preocupada, solicitava que a equipe médica a liberasse para ir até a cidade por uns dias para resolver o problema dos outros filhos, porém como ESL apresentava quadro clínico instável, não recebeu autorização para viajar, tornando-se ainda mais preocupada.

A experiência anterior com o tratamento do filho no hospital de origem não havia sido satisfatória para a mãe. Ela referia, também, que nunca havia passado por uma experiência anterior de hospitalização com os filhos. Apresentava-se extremamente ansiosa em relação aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos realizados com a criança e temerosa com a possibilidade da criança não se recuperar.

Ao receber a notícia acerca do diagnóstico e da necessidade de oxigênio, nas 24 horas, pelo resto da vida da criança, a mãe ficou desesperada em razão do medo da criança não sobreviver, marcada por dúvidas e insegurança em não estar preparada para cuidar da criança e, também, em não dispor de condições econômicas para manter a oxigenoterapia em casa.

Ao solicitar informações acerca do problema, verbalizou sentir-se diminuída e pressionada pela equipe. Numa interação com um membro da equipe, ao ouvir que deveria providenciar o mais rápido possível as condições para a criança ter alta e que devia correr atrás do oxigênio logo, pois o hospital não era pensão esta observação deixou-a profundamente magoada: estou há mais de um mês aqui, pedi várias vezes para ir ver meus filhos e sei perfeitamente que não é pensão...mas ouvir isso dói muito.... A mãe tinha necessidade de desabafar, mas preferia não falar nada, pois temia ser considerada pela equipe como uma mãe chata e difícil.

Em vários momentos observamos a mãe chorando e verbalizando sentimentos de medo e desesperança, principalmente após contatos com a equipe, pois estava extremamente preocupada com a possibilidade de receber alta hospitalar, sendo encaminhada para sua cidade de origem, local que sabia não dispor dos recursos necessários para manter a criança em condições de sobrevivência.

Identificação da vulnerabilidade da família.

Os dados obtidos a partir da história e das observações foram organizados visando a identificação da vulnerabilidade da família. No quadro 1, apresentamos os atributos teóricos do conceito desenvolvidos pelo autor(10) e os indicadores de vulnerabilidade da família, na situação clinica apresentada.


Elaboração da hipótese do problema ou diagnóstico de enfermagem

A análise dos indicadores apresentados pela família de ESL gerou uma hipótese para a vulnerabilidade, sobre a qual as intervenções foram estruturadas: Vulnerabilidade desencadeada por experiências vividas anteriormente, relacionada aos contextos da doença e da família e intensificada pelo contexto da equipe; como conseqüência, a família não consegue fazer nada.

Intervenções de enfermagem

As intervenções foram realizadas, seguindo a orientação do Modelo Calgary de Intervenção com Família(12). De acordo com este modelo, as intervenções de enfermagem com a família têm por objetivo efetuar mudança. Intervenção de enfermagem é

uma ação ou resposta do clínico, compreendendo ações terapêuticas e respostas cognitivo-afetivas evidentes, ocorridas no contexto de um relacionamento médico-paciente oferecidas para efetuar o funcionamento individual, familiar ou comunitário, pelo qual o clínico é responsável. Implica geralmente um ato passado, com claros limites, quase sempre oferecendo algo ou fazendo alguma coisa a alguém mais(12).

A partir da hipótese que foi confirmada em interações subseqüentes com a mãe de ESL, foi definido como objetivo da intervenção ajudar a família a sentir-se fortalecida para enfrentar a situação, caminhando rumo ao resgate da sua autonomia. As intervenções foram estruturadas em torno de 5 ações principais:

1. Oferecer informações e opiniões: Foi desencadeada uma reflexão com todos os membros da equipe em relação ao caso, discutindo as responsabilidades de cada um, quanto aos elementos desencadeadores da vulnerabilidade. A família foi incluída no cuidado, ouvindo-a e oferecendo as informações desejadas. Incentivamos a permanência do enfermeiro como um elo entre a família e a equipe médica, a fim de ajudá-la a compreender a situação e expressar seus sentimentos, necessidades e dificuldades sem constrangimentos.

2. Incentivar as narrativas de doença: Utilização de conversações terapêuticas, durante as interações com a família, a fim de extravasar sentimentos e permitir uma reflexão sobre a própria situação.

3. Elogiar as forças da família: Para fortalecer a auto-estima da família, capacitando-a a lidar com as demandas da doença e interagir com a equipe.

4. Incentivar o apoio familiar: Com o objetivo de capacitar a família para compartilhar as informações e a obtenção de forças e recursos internos para solucionar os problemas. A disponibilização, junto ao Serviço Social, de contatos telefônicos freqüentes entre os pais, assim como entre a mãe de ESL e a família ampliada (avós maternos), ajudou-os a intensificar o funcionamento familiar no domínio afetivo, permitindo que ouvissem as preocupações e sentimentos de cada um, apoiando-se uns aos outros.

5. Incentivar a busca de recursos na comunidade: Para articular, em conjunto ao Serviço Social, recursos nas Secretarias de Saúde Municipal e Estadual, assim como da comunidade, com o intuito de prover e garantir as condições para a continuidade do atendimento da criança em casa.

Avaliação das intervenções

A avaliação das intervenções se baseou na observação das mudanças desencadeadas nos domínios afetivo, cognitivo e comportamental da família. Por meio das intervenções foi possível atingir a meta proposta, qual seja, fortalecimento da família em direção contrária ao sentimento de vulnerabilidade. A família se apresentava mais fortalecida e confiante no atendimento às necessidades de saúde, lutando pelos seus direitos e tendo maior poder de decisão.

As intervenções atingiram os componentes da vulnerabilidade descritos a seguir:

• Exposição ao dano, impotência, incerteza, ameaça real e imaginária, medo do resultado: A partir do momento em que realizamos as conversas terapêuticas, incentivando a narrativa da doença, a família expressava os sentimentos e emoções vivenciadas, expondo as dúvidas e medos. As informações acerca da doença, exames e procedimentos ajudaram a atenuar o medo e as ameaças reais ou imaginárias.

• Conflito com a equipe: falta de diálogo e desrespeito com a família: Observamos maior entrosamento da equipe com a mãe, oferecendo condições para uma comunicação efetiva. O relacionamento terapêutico estabelecido entre enfermeiro-família permitiu tanto ao enfermeiro quanto à família momentos de reflexão, gerando crescimento interno para ambos e ajudou a família no processo de fortalecimento. A mãe se apresentava mais confiante, questionando a equipe em relação aos cuidados com o filho e se preparando para dar continuidade aos cuidados com a criança no lar.

• Desequilíbrio na capacidade de funcionamento da família, tendo desestrutura, distanciamento e alteração na vida familiar: Após contato telefônico com a família, a mãe apresentava-se mais tranqüila em relação aos outros filhos. Os pais decidiram que, assim que os filhos entrassem de férias iriam levá-los para ficar na companhia da avó materna que se disponibilizou para cuidar dos netos. O marido decidiu procurar outro trabalho em que teria uma remuneração melhor para ajudar no custeio do tratamento. O elogio às forças da família e a maneira como participava das tomadas de decisão foram fundamentais para o seu fortalecimento. A estratégia de utilizar perguntas terapêuticas, durante a entrevista com a família, favoreceu uma reflexão sobre os recursos e a tomada de decisões. Houve um empenho da comunidade, na cidade de origem, para ajudar a família a conseguir os recursos necessários para a criança.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo nos propusemos a apresentar o relato de uma experiência em que aplicamos o conceito vulnerabilidade da família, desenvolvido por Pettengill(10), com o objetivo de identificá-lo na pratica clínica.

A partir do reconhecimento da vulnerabilidade da família pudemos planejar as intervenções de enfermagem que ajudaram a família no seu enfrentamento, pois favoreceram mudanças que consideramos fundamentais para o alcance do seu fortalecimento, permitindo uma trajetória oposta ao sentimento de vulnerabilidade em que se encontrava.

Porém, é preciso destacar que, conforme ressaltou em seu estudo(10), a vulnerabilidade é um sentimento dinâmico e contínuo, com momentos de alternância em relação às conseqüências. Na situação apresentada, a cada interação com a própria família, com a doença, e com a equipe de saúde, a família apresentava uma resposta de fortalecimento ou enfraquecimento, que exigiram nosso acompanhamento contínuo. Isto nos fez refletir acerca da importância do enfermeiro reconhecer as manifestações da vulnerabilidade para se antecipar a elas, propondo intervenções adequadas que permitam à família manter-se fortalecida na situação.

Trata-se de um compromisso com o cuidado que envolve as três dimensões éticas: justiça, autonomia e benevolência. Nesta situação, a interação entre a equipe de saúde e a família se apresentava como desigual, com a família em uma posição secundária e os critérios éticos não sendo respeitados. A mudança ocorreu justamente por meio de intervenções que permitiram elevar a posição da família na interação com a equipe, compartilhando o poder e caminhando em direção oposta ao sentimento de vulnerabilidade.

Conforme ressaltado, é preciso que o enfermeiro se aproprie do conhecimento que está sendo desenvolvido, utilizando-o em sua prática clínica. Desta forma estará colaborando para validar o conhecimento adquirido por meio de pesquisas teóricas e para o reconhecimento da enfermagem como ciência.

Este estudo contribuiu para validar na prática clínica o conceito vulnerabilidade da família desenvolvido por Pettengill(10), apontando ao enfermeiro pediatra um caminho para aplicar conceitos teóricos na sua prática clínica com famílias.

Recebido: 07/04/2004

Aprovado: 12/11/2004

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  • Correspondência:
    Margareth Angelo
    Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 – Cerqueira César
    CEP 0503-000 - São Paulo - SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2006

    Histórico

    • Aceito
      12 Nov 2004
    • Recebido
      07 Abr 2004
    Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
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