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A causalidade do câncer de mama à luz do Modelo de Crenças em Saúde

Breast cancer's causality analyzed through the health belief model

La causalidad del cáncer de mama a la luz del Modelo de Creencias en Salud

Resumos

O objetivo deste estudo foi explorar as crenças de um grupo de mulheres sobre a causalidade de seu câncer de mama. Foi utilizada a Antropologia cultural como referencial teórico e a História Oral como referencial metodológico. Foram entrevistadas nove mulheres mastectomizadas e foram utilizados os pressupostos do Modelo de Crenças em Saúde na análise dos dados. Os resultados destacaram alguns aspectos que devem ser trabalhados no processo educativo das mulheres, em um contexto cultural significativo, com maior chance de aderência aos programas de detecção precoce do câncer de mama.

Causalidade; Neoplasias mamárias; Antropologia cultural; Saúde da mulher


The objective of this study was to explore the beliefs of a group of women regarding the causality of their breast cancer. Cultural Anthropology was the theoretical framework and Oral History the methodological choice. Interviews were performed with nine women who had been submitted to a mastectomy. The Health Beliefs Model was used as conceptual reference for a better understanding and explanation of these women's health behavior. The results highlighted certain aspects that need to be worked on in the educational process of women, in a more significant cultural context, with a higher chance of adherence to early diagnosis programs of breast cancer.

Causality; Breast neoplasms; Anthropology, cultural; Women's health


El objetivo en este estudio fue explorar las creencias de un grupo de mujeres sobre la causalidad de su cáncer de mama. Como referencial teórico se utilizó la Antropología cultural y la Historia Oral como referencial metodológico. Se entrevistaron a nueve mujeres mastectomizadas y en el análisis de los datos se utilizaron las premisas del Modelo de Creencias en Salud. Los resultados destacaron algunos aspectos que deben ser trabajados en el proceso educativo de las mujeres, en un contexto cultural significativo, con mayor oportunidad de adherencia a los programas de detección precoz del cáncer de mama.

Causalidad; Neoplasias de la mama; Antropologia cultural; Salud de las mujeres


RELATO DE PESQUISA

A causalidade do câncer de mama à luz do Modelo de Crenças em Saúde* * Extraído da tese "Crenças de mulheres sobre a causalidade de seu câncer de mama", Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo(EEUSP), 2004.

Breast cancer's causality analyzed through the health belief model

La causalidad del cáncer de mama a la luz del Modelo de Creencias en Salud

Rose Meire Imanichi FugitaI; Dulce Maria Rosa GualdaII

IEnfermeira obstétrica. Professora Assistente da disciplina Semiologia e Semiotécnica de Enfermagem da Faculdade de Enfermagem do UniFMU. rosefugita@hotmail.com

IIObstetriz. Professora Associada do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Psi-quiátrica da EEUSP.drgualda@usp.br

Correspondência Correspondência: Rose Meire Imanichi Fugita Rua Francisca de Vitória, 220 - Ap. 61 - Chácara Klabin CEP 04116-180 -São Paulo - SP

RESUMO

O objetivo deste estudo foi explorar as crenças de um grupo de mulheres sobre a causalidade de seu câncer de mama. Foi utilizada a Antropologia cultural como referencial teórico e a História Oral como referencial metodológico. Foram entrevistadas nove mulheres mastectomizadas e foram utilizados os pressupostos do Modelo de Crenças em Saúde na análise dos dados. Os resultados destacaram alguns aspectos que devem ser trabalhados no processo educativo das mulheres, em um contexto cultural significativo, com maior chance de aderência aos programas de detecção precoce do câncer de mama.

Descritores: Causalidade. Neoplasias mamárias. Antropologia cultural. Saúde da mulher.

ABSTRACT

The objective of this study was to explore the beliefs of a group of women regarding the causality of their breast cancer. Cultural Anthropology was the theoretical framework and Oral History the methodological choice. Interviews were performed with nine women who had been submitted to a mastectomy. The Health Beliefs Model was used as conceptual reference for a better understanding and explanation of these women's health behavior. The results highlighted certain aspects that need to be worked on in the educational process of women, in a more significant cultural context, with a higher chance of adherence to early diagnosis programs of breast cancer.

Key words: Causality. Breast neoplasms. Anthropology, cultural. Women's health.

RESUMEN

El objetivo en este estudio fue explorar las creencias de un grupo de mujeres sobre la causalidad de su cáncer de mama. Como referencial teórico se utilizó la Antropología cultural y la Historia Oral como referencial metodológico. Se entrevistaron a nueve mujeres mastectomizadas y en el análisis de los datos se utilizaron las premisas del Modelo de Creencias en Salud. Los resultados destacaron algunos aspectos que deben ser trabajados en el proceso educativo de las mujeres, en un contexto cultural significativo, con mayor oportunidad de adherencia a los programas de detección precoz del cáncer de mama.

Descriptores: Causalidad. Neoplasias de la mama. Antropologia cultural. Salud de las mujeres.

DELINEANDO O TEMA

Dentre as patologias ginecológicas, o câncer de mama apresenta grande importância, não só pela incidência elevada, mas também pelos fatores emocionais, sociais, psicológicos e estéticos envolvidos.

Neste sentido, o atendimento à paciente com câncer deve ser embasado não apenas em seu aspecto clínico-cirúrgico, mas também em conhecimentos, crenças e valores relacionados à doença.

Com relação ao câncer de mama, apesar de existirem muitos estudos científicos que abordam os fatores etiológicos ou os fatores de risco, não foram encontrados trabalhos tomando como referência o conhecimento e crenças das próprias pacientes.

O câncer de mama, no Brasil, é o que mais causa mortes entre as mulheres. Em 1999, foram registradas 8.104 mortes decorrentes deste tipo de câncer. Dos 337.535 novos casos de câncer com previsão de serem diagnosticados em 2002, o câncer de mama seria o principal a atingir a população feminina, sendo responsável por, aproximadamente, 36.090 novos casos(1).

Apesar da possibilidade de diagnóstico precoce, muitas mulheres ainda procuram os serviços de saúde tardiamente, elevando os índices de mortalidade por este câncer.

Acreditamos que a responsabilidade que o paciente assume quanto ao provimento e manutenção de boas condições de saúde, a importância que atribui a comportamentos saudáveis e ações preventivas, a maneira como vivencia uma situação de doença, suas expectativas quanto à resolução do problema, suas experiências anteriores e o conhecimento que possui relativo ao problema podem influenciar significativamente suas condutas em relação à sua saúde.

Conhecer a percepção que as pacientes possuem quanto a sua doença, suas crenças quanto aos fatores etiológicos e o modo como vivenciam o processo da doença constituem elementos importantes para uma assistência de enfermagem embasada culturalmente.

Da mesma forma, as crenças das mulheres quanto aos fatores etiológicos envolvidos na gênese do câncer de mama podem influenciar o comportamento relativo às medidas preventivas e de detecção precoce adotadas.

Para conduzir este estudo adotei o referencial teórico da Antropologia Cultural. A opção por este referencial justifica-se pelo tipo de abordagem do problema em estudo, ou seja, explorar as crenças relacionadas às causas do câncer de mama e os significados a elas atribuídos na perspectiva da própria mulher que o apresenta e no contexto de sua realidade.

O conhecimento das concepções de saúde e doença no referencial das próprias pacientes assistidas permite aos profissionais de saúde a utilização de uma linguagem compreensível e significativa para ambos. A mulher percebe-se respeitada em suas crenças, visualizando o serviço de saúde como parceiro na resolução de seus problemas de saúde. Neste sentido, considerar as crenças das mulheres relacionadas ao câncer de mama, no planejamento dos programas de educação a saúde voltados para esta doença, seria uma forma de obter maior participação destas mulheres nos programas.

OBJETIVO

Conhecer as crenças das mulheres com câncer de mama sobre a causalidade de sua doença.

METODOLOGIA

A abordagem qualitativa enfatiza o mundo dos significados das ações e relações humanas, um aspecto não perceptível ou captável quantitativamente. Desta forma, a utilização da pesquisa qualitativa pode responder a questões específicas, em um contexto de realidade que não pode ser quantificado(2).

As estratégias qualitativas podem indicar o que é importante estudar em um dado contexto sociocultural, permite identificar as variáveis pertinentes e formular hipóteses culturalmente apropriadas(3).

Assim, o método qualitativo conduziu ao aprofundamento dos questionamentos que motivaram este estudo, permitindo uma compreensão mais ampla do objeto.

Considerando a natureza deste estudo e acreditando na importância de estudar os fenômenos na perspectiva dos próprios indivíduos, em seu contexto de vida, optei pela história oral temática como referencial metodológico para a condução do mesmo.

Na história oral, o depoente é considerado o colaborador. Isto implica em um relacionamento de afinidade entre o entrevistado e o entrevistador. Nesta perspectiva, o entrevis-tador não concebe o entrevistado como mero objeto de pesquisa, mas compromete-se com o estudo de forma mais sensível e compartilhada(4).

Como seriam realizadas entrevistas com as mulheres, o projeto de pesquisa foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da EEUSP, tendo sido aprovado, atendendo a exigência da Resolução nº. 196/1996, do Conselho Nacional de Saúde.

Nesta pesquisa, o grupo de depoentes foi constituído por nove (9) mulheres que tiveram câncer de mama até grau III, mastectomizadas há mais de seis (6) meses, par-ticipantes ou não de grupos de apoio emocional às mulheres mastectomizadas.

Em relação à representatividade da amostra ou saturação dos dados, cada depoimento, cada entrevista, tem valor em si, portanto, não se pode afirmar que uma ou algumas entrevistas representem o conjunto. Desta forma, não se pensa que uma única entrevista seja capaz de sintetizar a concepção de causalidade do câncer de mama de todas as mulheres, mas o conjunto das crenças das várias entrevistadas torna-se significativo na busca da compreensão do tema(4).

Na pré-entrevista, foram feitos contatos com as mulheres por telefone e marcados os encontros para as entrevistas, respeitando a disponibilidade de cada uma quanto a dia, horário e local. Na entrevista foi utilizada uma ficha contendo dados de identificação da entrevistada e impressões captadas nas entrevistas e um roteiro permitindo que cada entrevistada se organizasse em relação ao seu depoimento. Todas as mulheres assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e no ato da gravação, foi registrado que a entrevista seria conferida pela colaboradora e que nada seria publicado sem autorização prévia da mesma. Foram feitas perguntas, quando necessário, para esclarecimentos ou para estimular o depoimento. Ao término da entrevista, foi solicitado à entrevistada que escolhesse um pseudônimo que representasse a sua vivência do câncer de mama. Deste modo, Lição de Vida, Vitória, Esperança, Libertação, Tristeza, Fé, Volta à Vida, Tempestade sem Fim e Mágoa foram os nomes por elas escolhidos. Na pós-entrevista foram mantidos contatos por telefone para agradecimento pela entrevista e a fim de estabelecer uma continuidade do processo.

Após a finalização das entrevistas, foi dada continuidade aos procedimentos metodológicos, passando para a etapa de confecção do documento escrito.

A confecção do documento escrito compreendeu duas etapas: a transcrição, com suas etapas de edição, textuali-zação e transcriação e a conferência(4).

Na etapa de transcrição procedeu-se a passagem da gravação oral para o texto escrito. Para a edição, num primeiro momento, foi feita uma transcrição fiel da entrevista gravada, mantendo palavras e expressões repetidas em quantidade suficiente para caracterizar o tipo de narrativa. Na etapa de textualização, as perguntas existentes foram suprimidas e o texto passou a ser de domínio do narrador, assumindo a figura da primeira pessoa. A textualização ocorreu a partir da definição de palavras chave que mostravam a incidência de ênfases percebidas em algumas situações. Por meio das palavras-chave, foram estabelecidas as idéias centrais contidas no texto e identificadas repetições e elementos dispensáveis da narrativa. A etapa de transcriação correspondeu à finalização do texto, ou seja, à obtenção da versão final do texto.

Após a obtenção do texto em sua presumida versão final, o mesmo foi enviado pelo correio à colaboradora para sua conferência. Assim, as entrevistadas concordaram com o texto final, após pequenas alterações quanto a datas e algumas expressões utilizadas que as entrevistadas gostariam de modificar.

A proposta de utilizar a história oral temática, para buscar conhecer e desvelar as crenças das mulheres quanto à causalidade do câncer de mama em seu referencial cultural, trouxe um conteúdo que mereceu uma análise mais profunda do tema, contribuindo de forma mais abrangente para a assistência de enfermagem. Desta forma, foi feita uma análise das crenças, agrupando-as por domínios temáticos e uma análise utilizando os conceitos do Modelo de Crenças em Saúde desenvolvido por Rosenstock, esta última apresentada a seguir.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Considerando-se que as crenças das mulheres relativas ao câncer de mama, e especificamente sobre sua causalidade, poderiam determinar sua conduta em relação à detecção precoce, os resultados foram analisados utilizando os pressupostos do Modelo de Crenças em Saúde (MCS).

Este foi aplicado considerando as crenças relativas ao câncer, sua causalidade, as medidas de prevenção e detecção precoce da doença e as condutas que as mulheres adotaram ou consideram mais apropriadas após terem apresentado o câncer de mama.

De acordo com o MCS, existem algumas variáveis que influenciam o comportamento de saúde adotado pelo indivíduo, tais como a percepção da sua suscetibilidade, da severidade e a percepção dos benefícios e barreiras. O MCS baseia-se nas percepções do paciente de sua situação de saúde e não dos profissionais de saúde(5-6).

A percepção da suscetibilidade refere-se à percepção subjetiva do indivíduo dos riscos existentes ou de sua vulnerabilidade em apresentar um determinado problema de saúde. Nos casos de agravos já estabelecidos, inclui a aceitação do diagnóstico e a avaliação pessoal de sua re-suscetibilidade e da suscetibilidade para doenças em geral(7).

Ao se considerar integrante de um grupo de risco para o câncer de mama, as mulheres demonstraram uma percepção de sua vulnerabilidade para a ocorrência desse problema de saúde. As mulheres que acreditam que a causalidade do câncer possa ser: fazer terapia de reposição hormonal, tomar anticoncepcional oral, apresentar menstruação abundante, não amamentar, comer alimentos gordurosos, expôr-se à poluição, ter um estilo de vida sedentária agitada, com muitas preocupações, passar por eventos estressantes, com grande impacto em sua vida ou ter vivenciado um ambiente estressante na infância, perceberam-se mais suscetíveis a apresentar a doença.

O fato de não apresentarem ou vivenciarem situações que identificam como fator de risco para o câncer de mama, como não possuir antecedentes familiares de câncer, faz com que as mulheres não considerem a possibilidade de manifestar a doença, minimizando a necessidade de fazer exames de detecção precoce.

A percepção da suscetibilidade diante de antecedentes familiares de câncer também pode levar as mulheres a não buscar ajuda profissional diante da identificação de um sinal, como um nódulo mamário, pelo medo da confirmação do diagnóstico.

A crença de que Deus, o destino e maldade de outros podem causar o câncer ou de que todos nascem com uma célula maligna resulta em uma percepção de que todas são suscetíveis ao câncer ou a qualquer doença. Esse caráter de inevitabilidade (o que temos que passar já está determinado) pode influenciar a detecção precoce ou a adoção de comportamentos que consideram preventivos.

A possibilidade da reincidência é um medo apresentado por aquelas que ainda mantém o comportamento que consideram causa de seu câncer (vida agitada, vida de preocupações, nervosismo), por terem demorado a buscar tratamento ou fazerem parte do grupo de risco. Por conseguinte, teriam maior probabilidade de realizar exames de controle, como a mamografia.

Por outro lado, algumas mulheres negam a possibilidade da recidiva em função do tratamento com TamoxifenoÒ, que teria matado todas as células malignas e outras consideram que a possibilidade existe, porém é pouco provável, em razão da alteração dos comportamentos que acreditam, tenha causado o seu câncer.

A percepção da severidade está relacionada ao estímulo emocional criado pelo pensamento acerca de um problema de saúde e às conseqüências que o indivíduo acredita que este poderia provocar em sua vida. Sentimentos relativos à severidade de se contrair uma doença ou deixá-la sem tratamento levariam o indivíduo a avaliar as conseqüências clínicas, físicas e mentais resultantes, as possíveis conseqüências sociais, ou mesmo a morte(7-8).

A combinação das percepções individuais de susce-tibilidade a um problema de saúde e da severidade das conseqüências de se contrair este problema gera uma percepção de ameaça que irá determinar uma prontidão psicológica do indivíduo para adotar uma ação(7,9).

A percepção da suscetibilidade e da severidade da doença possui forte componente cognitivo sendo, portanto, dependente do conhecimento, mesmo que parcialmente. Assim, o conhecimento das mulheres acerca do câncer de mama e de sua causalidade influencia sua percepção quanto a estarem mais suscetíveis à sua ocorrência ou quanto às conseqüências de sua presença.

A percepção da severidade do câncer é verificada entre as mulheres que acreditam na possibilidade de que possa resultar em morte, em razão de suas próprias crenças, de informações da rede social ou porque vivenciaram a doença de pessoas próximas. Assim, para estas mulheres, o câncer pode trazer uma grave conseqüência, principalmente quando não tratado. Para aquela que acha que o câncer é uma doença normal e não tem medo da morte, demonstra uma percepção diminuída da severidade, visto que, para ela, o câncer não resulta em uma consequência grave na sua vida.

A percepção da gravidade do câncer também é verificada na crença da mulher que considera que não existe cura para o câncer, o que a leva a não buscar ajuda profissional, com medo de enfrentar uma doença para a qual não existe tratamento.

Uma consequência séria percebida pelas mulheres relaciona-se à mastectomia, que lhes afeta a auto-imagem e a auto-estima. Descreveram a perda da mama como

não me sinto igual por não ter a mama; Mas é angustiante perder a mama, é uma mutilação... Outras não percebem este fato como algo significativo em suas vidas: Para as mulheres vaidosas, perder uma mama é tudo! Mas eu não tenho vaidade nenhuma, então, não fez diferença....

A perda da mama foi relatada por algumas mulheres como um fator que influencia a vida sexual e provoca uma limitação no vestuário. Mulheres que percebem as conseqüências da mastectomia têm maior probabilidade de realizar os exames de controle. Por outro lado, as que referiram não perceber interferência da mastectomia na sua vida têm menor probabilidade de buscar os profissionais de saúde.

O desconforto, a limitação física e as complicações do tratamento são sérias conseqüências advindas do câncer de mama igualmente percebidas pelas mulheres. Um aspecto importante é a associação da presença de dor à gravidade da doença (Como não doía nada, achei que não era tão grave assim...). O fato das mulheres acreditarem que o câncer pode resultar em conse-qüências negativas na sua vida social, sexual ou mesmo levar à morte, estabelece um forte motivo para buscar a detecção precoce, adotar comportamentos preventivos ou buscar ajuda profissional diante de qualquer alteração percebida.

A percepção da suscetibilidade e da severidade da doença pode motivar o indivíduo a tomar uma determinada conduta, porém não define o curso da ação a ser realizada. O que direciona a ação são as crenças pessoais relativas à eficácia das alternativas conhecidas e disponíveis para diminuir a ameaça da doença ou a percepção dos benefícios de se tomar a ação, e não os fatos objetivos que mostram a eficácia da ação(7).

O indivíduo pode acreditar na eficácia de uma determinada ação em reduzir a ameaça da doença e, ao mesmo tempo, perceber esta ação como inconveniente, dispendiosa, perigosa quanto aos efeitos colaterais negativos ou resultados iatrogênicos, desagradável, dolorosa, desconfortável ou que consuma muito tempo. Esses aspectos negativos das ações de saúde ou percepção de barreiras podem agir como impedimentos para a adoção dos comportamentos recomendados e podem gerar conflitos na tomada de decisão(7,10).

Assim, se a prontidão do indivíduo para realizar a ação for alta e os aspectos negativos forem fracos, a ação preventiva será realizada; na presença de uma relação inversa, os aspectos negativos serviriam de barreira para a realização da ação.

A percepção das mulheres sobre os benefícios que resultariam de suas ações direciona a sua conduta. Assim, as que acreditam que minimizar ou eliminar os fatores predis-ponentes ou causadores do câncer, citados por elas, diminui a possibilidade de sua ocorrência, ou seja, diminui sua suscetibilidade para o problema, seriam mais prováveis de adotar práticas adequadas de cuidado, principalmente relacionadas à mudança de comportamento ou atitude que consideram causas do câncer de mama. E aquelas que acreditam que a detecção precoce do câncer poderia diminuir a severidade da doença, possibilitando a sua cura e controle e evitando a morte pela doença, seriam mais prováveis de procurar os serviços de saúde para fazer o exame de mama e os exames de detecção precoce (mamografia) e aderir à prática do auto-exame das mamas.

Da mesma forma, as mulheres que acreditam que a detecção precoce do câncer e tratamento poderia evitar a mastectomia total, diminuir a possibilidade de tratamento quimioterápico e/ou radioterápico ou, pelo menos, diminuir o número de sessões necessárias desses tratamentos, e reduzir as chances de metástases e recidivas de câncer na mama poderiam visualizar benefícios em evitar comportamentos que consideram relacionados à causalidade do câncer e em fazer exames de controle, assim como o auto-exame de mama.

Dentre as nove (9) mulheres deste estudo, três (3) faziam exames de mama e mamografia rotineiramente antes de apresentar o câncer: uma (1) o fazia devido ao tratamento de reposição hormonal, outra para o controle dos cistos da mama e uma (1) porque sempre cuidou da saúde e tinha uma experiência recente de familiar com a doença. As demais referiram que não pensavam na possibilidade do câncer, apresentavam descuido/descaso em relação à este aspecto da saúde, não foram orientadas pelos profissionais de saúde, nunca tinham ouvido falar do câncer de mama ou da mamografia, tinham constrangimento em ter a mama examinada por um médico, constituindo-se em barreiras para seu engajamento nas condutas de saúde.

Algumas mulheres relataram os aspectos negativos que constituiriam barreiras para não buscarem o serviço de saúde para fazer exames de controle ou para investigar uma alteração detectada na mama tais como o sentimento negativo relativo à competência médica que gera insegurança ... o médico não estar preparado para fazer o diagnóstico..., a inconveniência relacionada ao serviço de saúde ... os atrasos para fazer o exame porque não podem marcar os exames no período que você precisa e, se quiser mesmo precisa fazer escândalos..., o constrangimento ... eu achava constrangedor que ele examinasse minha mama... e a ausência de disponibilidade pessoal ... Foi descuido meu....

Algumas dessas barreiras também foram relatadas por entrevistadas que fazem os exames de controle como razões de não buscarem ajuda profissional.

A existência de crenças que atribuem a Deus e ao destino a causalidade do câncer não são percebidas como barreiras pelas mulheres, dificultando, porém, que percebam os benefícios decorrentes das ações de detecção precoce do câncer ou da mudança de comportamentos de risco.

Os níveis de suscetibilidade e severidade fornecem força e energia para o indivíduo agir e a percepção dos "benefícios menos barreiras" direciona o curso da ação. Entretanto, a combinação desses fatores, apesar de alcançar níveis consideráveis de intensidade, pode não resultar em uma ação, necessitando de um evento instigante para estimular o comportamento apropriado de saúde. Na área da saúde, tais eventos ou estímulos para a ação podem ser internos, como a percepção do estado corporal ou externos, como as interações interpessoais, o impacto da mídia, os lembretes de profissionais de saúde e o conhecimento de que alguém foi afetado pelo problema(9-10).

A intensidade do estímulo necessário para iniciar a ação depende da percepção da suscetibilidade e da severidade da doença. Assim, uma baixa aceitação da suscetibilidade e da severidade necessita de estímulo mais intenso para desencadear uma resposta e vice-versa(8,10).

As mulheres referiram-se a alguns fatores que serviriam de estímulo para buscarem medidas de detecção precoce para o câncer de mama ou investigar uma alteração detectada por elas mesmas. Os sinais percebidos por elas (caroço, depressão na pele, mama pesada, dor, secreção mamilar, sentir repuxar), como indicativos de alteração anormal da mama, seriam estímulos internos, visto que sinalizariam uma situação de anormalidade. A própria vivência do câncer de mama constitui forte estímulo interno para a realização dos exames de controle que permitem detectar precocemente uma recidiva da doença

As orientações dos profissionais de saúde e a troca de experiências com as pessoas da rede social, citadas como fontes de referência para seu conhecimento, podem atuar como estímulo externo. A existência de membros da família e pessoas conhecidas que tiveram câncer pode atuar como fator determinante na conduta dessas mulheres na busca de detecção precoce, pois puderam vivenciar o sofrimento experimentado por essas pessoas da trajetória da doença.

REFLEXÕES SOBRE OS RESULTADOS

As crenças sobre a doença e sua causalidade, assim como a percepção do risco e a importância da prevenção e da detecção precoce, mostraram ser culturalmente construídas e que influenciam o comportamento das mulheres quanto à própria saúde.

O conhecimento que possuem quanto ao problema, representado pelas definições de causalidade do câncer de mama, a percepção das alterações no próprio corpo e as crenças e os valores acerca do câncer pode influenciar estas mulheres a perceberem sua suscetibilidade em apresentar a doença e a gravidade da mesma. Do mesmo modo, também podem perceber os benefícios em se evitar as situações e comportamentos que consideram de risco e identificar as barreiras para se fazer os exames de detecção precoce e/ou buscar ajuda profissional na presença de alterações da mama.

As percepções individuais e os estímulos para ação podem levá-las a perceber o câncer de mama como um grave problema de saúde, que deve ser detectado precocemente para evitar tratamentos agressivos, aumentar as chances de sobrevida e diminuir a possibilidade de recorrência e metástase.

Esta percepção, em conjunto com os benefícios, menos as barreiras percebidas para tomada de ação, constitui um indicativo da probabilidade dessas mulheres buscarem ajuda profissional e/ou executarem ações de autocuidado para detectar o câncer de mama precocemente.

Nesta perspectiva, uma assistência de enfermagem mais efetiva pode ser obtida quando as crenças das mulheres sobre a sua suscetibilidade à doença, a severidade da doen ça e os benefícios e barreiras para a ação são consideradas e direcionam a abordagem da paciente.

A análise dos dados utilizando os conceitos do Modelo de Crenças em Saúde destacou alguns aspectos que devem ser trabalhados no processo educativo das mulheres. Devem ser reforçados os aspectos positivos relativos a sua percepção de suscetibilidade, severidade e benefícios em adotar ações para a detecção precoce do câncer de mama, enquanto que os negativos, como as barreiras percebidas para não fazer exames de controle ou investigar uma alteração detectada na mama, devem ser minimizados. A determinação da conduta a ser seguida por cada mulher só é possível quando suas crenças e valores individuais são levados em consideração.

Fica clara a contribuição da abordagem qualitativa para o estudo, na medida em que o conteúdo das entrevistas possibilitou uma maior compreensão e aprofundamento do tema.

Ao relatarem suas concepções de causalidade do câncer de mama, estas mulheres permitiram vislumbrar o universo de significados que emergiram de suas experiências com a doença. Para elas, a vivência do câncer de mama ultrapassou os limites da experiência física, pois também envolveu sofrimento nos planos espiritual, psicológico, compor-tamental, emocional e social. Assim, estas mulheres não consideram a doença apenas como um evento biológico, mas como um evento humano. Neste sentido, a assistência efetiva a mulheres com câncer só pode se concretizar em um contexto em que suas concepções e experiências em relação à sua doença sejam consideradas, permitindo-lhes decidir em conjunto com o profissional de saúde sobre a melhor opção para o cuidado de sua saúde.

Recebido: 09/12/2004

Aprovado: 19/10/2005

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  • Correspondência:
    Rose Meire Imanichi Fugita
    Rua Francisca de Vitória, 220 - Ap. 61 - Chácara Klabin
    CEP 04116-180 -São Paulo - SP
  • *
    Extraído da tese "Crenças de mulheres sobre a causalidade de seu câncer de mama", Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo(EEUSP), 2004.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Aceito
      19 Out 2005
    • Recebido
      09 Dez 2004
    Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
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