Acessibilidade / Reportar erro

Adesão à terapia antiretroviral para HIV/AIDS

Adherence to the antiretroviral therapy for HIV/AIDS

Adhesión a la terapia anti-retroviral para el vih/sida

Resumos

A não-adesão à terapêutica antiretroviral altamente eficaz (HAART) é considerada, no plano individual, como um dos mais ameaçadores perigos para a efetividade do tratamento da pessoa com HIV/aids e para a disseminação de vírus-resistência, no plano coletivo. Assim, o objetivo deste estudo foi analisar, mediante revisão de literatura, os fatores de risco para não-adesão à HAART, além de agrupá-los e relacioná-los à pessoa em tratamento, à doença, ao tratamento e ao serviço de saúde e suporte social. A literatura aponta para a necessidade da realização de estudos que avaliem aspectos socioculturais, crenças, qualidade do serviço prestado, relações do cliente com a equipe multiprofissional e outros referentes à raça e aos efeitos colaterais dos anti-retrovirais. Estes estudos visam a favorecer o estabelecimento de estratégias que melhorem a adesão dos clientes à HAART, ao mesmo tempo em e que contribuem para a construção e exercício da cidadania.

Recusa do paciente ao tratamento; Anti-retrovirais; Síndrome da imunodeficiência adquirida; Relação enfermeiro-paciente


The non-adherence to the highly active antiretroviral therapy (HAART) is considered one of the most threatening risks for the effectiveness of the treatment of the person with HIV/AIDS on the individual plan and for the resistance-virus dissemination on the collective plan. The objective of this study was to analyze, through a literature review, the predicting factors of non-adherence to the HAART, as well as to assemble and relate them to the person in treatment, the disease, the treatment and the health and social support service. The literature points to the need for studies that evaluate social-cultural aspects, beliefs, quality of the service and the relationship of the patient with the multi-professional team, as well as others related to race and to the side effects of the antiretroviral agents. These studies aim at favoring the creation of strategies that im-prove the adherence of patients to the HAART, contributing at the same time for the development and the exercise of citizenship.

Treatment refusal; Antiretroviral agents; Acquired immunodeficiency syndrome; Nurse-patient relations


La no adhesión a la terapéutica anti-retroviral altamente eficaz (HAART) es considerada, en el plano individual, como uno de los más amenazadores peligros para la efectividad del tratamiento de la persona con VIH/SIDA y para la diseminación del virus-resistencia, en el plano colectivo. Así, el objetivo de este estudio fue analizar, mediante revisión de la literatura, los factores de riesgo para la no adhesión a la HAART, además de agruparlos y relacionarlos a la persona en tratamiento, a la enfermedad, al tratamiento y al servicio de salud y soporte social. La literatura apunta hacia la necesidad de realizar estudios que evalúen aspectos socioculturales, creencias, calidad del servicio prestado, relaciones del cliente con el equipo multi-profesional y otros referentes a la raza y a los efectos colaterales de los anti-retrovirales. Estos estudios visan a favorecer el establecimiento de estrategias que mejoren la adhesión de los clientes a la HAART, al mismo tiempo que contribuyen a la construcción y ejercicio de la ciudadanía.

Negativa del paciente al tratamiento; Agentes antiretrovirales; Síndrome de Inmunodeficiencia adquirida; Relacciones enfermero-paciente


REVISÃO DE LITERATURA

Adesão à terapia antiretroviral para HIV/AIDS* * Extraído da dissertação "Fatores preditivos para não-adesão ao trata-mento com terapia anti-retroviral altamente eficaz nos casos de HIV/aids", Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/UNICAMP), 2003.

Adherence to the antiretroviral therapy for HIV/AIDS

Adhesión a la terapia anti-retroviral para el vih/sida

Maria Rosa Ceccato ColombriniI; Maria Helena Baena de Moraes LopesII; Rosely Moralez de FigueiredoIII

IEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Diretora do Serviço de Enfermagem Médico Cirúrgica II do Hospital de Clínicas da UNICAMP

IIEnfermeira. Livre-docente. Professora Associada do Departamento de Enfermagem da FCM/UNICAMP

IIIEnfermeira. Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de São Carlos/SP. E-mail:mrosa@mpcnet.com.br

Correspondência Correspondência: Rosely Moralez de Figueiredo UNICAMP-Cid. Universitária "Zeferino Vaz" -Hospital das Clínicas, s/n Serv. Enferm. Médico-Cirúrgica - Sala da Diretoria CEP 13083-970 - Campinas - SP

RESUMO

A não-adesão à terapêutica antiretroviral altamente eficaz (HAART) é considerada, no plano individual, como um dos mais ameaçadores perigos para a efetividade do tratamento da pessoa com HIV/aids e para a disseminação de vírus-resistência, no plano coletivo. Assim, o objetivo deste estudo foi analisar, mediante revisão de literatura, os fatores de risco para não-adesão à HAART, além de agrupá-los e relacioná-los à pessoa em tratamento, à doença, ao tratamento e ao serviço de saúde e suporte social. A literatura aponta para a necessidade da realização de estudos que avaliem aspectos socioculturais, crenças, qualidade do serviço prestado, relações do cliente com a equipe multiprofissional e outros referentes à raça e aos efeitos colaterais dos anti-retrovirais. Estes estudos visam a favorecer o estabelecimento de estratégias que melhorem a adesão dos clientes à HAART, ao mesmo tempo em e que contribuem para a construção e exercício da cidadania.

Descritores: Recusa do paciente ao tratamento. Anti-retrovirais/uso terapêutico. Síndrome da imunodeficiência adquirida. Relação enfermeiro-paciente.

ABSTRACT

The non-adherence to the highly active antiretroviral therapy (HAART) is considered one of the most threatening risks for the effectiveness of the treatment of the person with HIV/AIDS on the individual plan and for the resistance-virus dissemination on the collective plan. The objective of this study was to analyze, through a literature review, the predicting factors of non-adherence to the HAART, as well as to assemble and relate them to the person in treatment, the disease, the treatment and the health and social support service. The literature points to the need for studies that evaluate social-cultural aspects, beliefs, quality of the service and the relationship of the patient with the multi-professional team, as well as others related to race and to the side effects of the antiretroviral agents. These studies aim at favoring the creation of strategies that im-prove the adherence of patients to the HAART, contributing at the same time for the development and the exercise of citizenship.

Key words: Treatment refusal. Antiretroviral agents/therapeutic use. Acquired immunodeficiency syndrome. Nurse-patient relations.

RESUMEN

La no adhesión a la terapéutica anti-retroviral altamente eficaz (HAART) es considerada, en el plano individual, como uno de los más amenazadores peligros para la efectividad del tratamiento de la persona con VIH/SIDA y para la diseminación del virus-resistencia, en el plano colectivo. Así, el objetivo de este estudio fue analizar, mediante revisión de la literatura, los factores de riesgo para la no adhesión a la HAART, además de agruparlos y relacionarlos a la persona en tratamiento, a la enfermedad, al tratamiento y al servicio de salud y soporte social. La literatura apunta hacia la necesidad de realizar estudios que evalúen aspectos socioculturales, creencias, calidad del servicio prestado, relaciones del cliente con el equipo multi-profesional y otros referentes a la raza y a los efectos colaterales de los anti-retrovirales. Estos estudios visan a favorecer el establecimiento de estrategias que mejoren la adhesión de los clientes a la HAART, al mismo tiempo que contribuyen a la construcción y ejercicio de la ciudadanía.

Descriptores: Negativa del paciente al tratamiento. Agentes antiretrovirales/uso terapéutico. Síndrome de Inmunodeficiencia adquirida. Relacciones enfermero-paciente.

INTRODUÇÃO

Desde o início da epidemia da AIDS ou SIDA (Acquired Immunodeficiency Syndrome - Síndrome de Imunode-ficiência Adquirida) nos anos 1980 até hoje, muito tem sido feito para proporcionar melhor qualidade de vida aos portadores do HIV (Human Immunodeficiency Vírus ou Vírus da Imunodeficiência Humana) e, dentre outras ações, está a distribuição universal de medicamentos, ressaltando-se que o Brasil foi o primeiro país do terceiro mundo a adotar tal medida(1).

É evidente a eficácia terapêutica, principalmente após a introdução do conceito da HAART (Highly Active Antiretroviral Therapy - Terapia Antiretroviral Altamente Eficaz), que é a combinação dos inibidores de protease e transcriptase reversa, de forma a ser extremamente efetiva na redução da carga viral plasmática de RNA-HIV-1 para níveis indetectáveis(2-4).

Ao mesmo tempo em que a epidemia continua a se disseminar mundialmente, especialmente na região africana ao sul do Saara, sudeste da Ásia e Europa Oriental, o impacto da HAART é indiscutível em tornar mais lento o curso da doença e prolongar a vida; isto se aplica, evidentemente, onde há terapia disponível(5).

A não-adesão aos novos medicamentos para a aids (anti-retrovirais - ARV, em geral e inibidores de protease - IP, em particular) é considerado como um dos mais ameaçadores perigos para a efetividade do tratamento, no plano individual, e para a disseminação de vírus-resistência, no plano coletivo. Isto porque os novos regimes terapêuticos parecem exigir do indivíduo que adere ao tratamento integração complexa entre conhecimentos, habilidades e aceitação, além de outros importantes fatores ligados ao ambiente e ao cuidado à saúde(1).

Isto evidencia que, como em outras doenças crônicas, na aids é fundamental haver uma interação entre o cliente/cuidador e a equipe multiprofissional, de forma a favorecer que a complexidade que envolve a continuidade do tratamento possa ser devidamente compartilhada(6).

A literatura mostra que a não-adesão ocorre, em algum grau, tanto em países pobres quanto em ricos, e a taxa média de adesão é de 50%(7-9).

Os dados encontrados na literatura sobre os fatores de riscos para não-adesão a tratamentos de doenças crônicas em geral, bem como de infecção pelo HIV, não são conclusivos. Alguns fatores são considerados relevantes e são citados em vários estudos, mas é fundamental que os profissionais que atuam com pessoas infectadas pelo HIV conheçam quais são os fatores de riscos de não-adesão à HAART para o seu grupo específico de clientes.

Assim, o objetivo deste estudo foi analisar, mediante revisão de literatura, os fatores de riscos de não-adesão à HAART, além de agrupá-los e relacioná-los à pessoa em tratamento, à doença, ao tratamento e ao serviço de saúde e suporte social.

METODOLOGIA

Foi realizada revisão de literatura nas bases de dados Medline e Lilacs, utilizando-se os unitermos compliance e adherence no período de 1996 a 2004.Em seguida fez-se um refinamento da amostra utilizando os termos risck factor e predict factor e selecionados os artigos que estavam direcionados à adesão ao tratamento da aids e que datavam do início da terapia antire-troviral altamente eficaz. Nessa etapa foram selecionados 93 artigos.

Assim como a aids é uma doença recente, os estudos sobre a adesão específica para a terapia anti-retroviral altamente eficaz também o são. Nesse sentido foram ainda incluídos na revisão dois estudos clássicos para as doenças crônicas em geral, da década de 1980(8,10) e que serviram de base para os trabalhos específicos sobre adesão e aids; os anais da décima segunda Conferência Mundial de Aids, realizada em Genebra em 1998, em virtude dela ter sido a primeira desde o advento da HAART, gerando publicações específicas sobre a adesão ao tratamento e um estudo desenvolvido em nosso meio (dissertação de mestrado) que investigou fatores associados com a não adesão a HAART.

ANÁLISE DOS DADOS OBTIDOS NA LITERATURA

Da amostra selecionada 37 artigos puderam ser acessados e lidos, na íntegra, pelos autores e fazem parte dessa análise.

Os fatores de risco encontrados para não adesão foram agrupados de acordo com: aqueles relacionados à pessoa sob tratamento, à doença, ao tratamento, ao serviço de saúde e suporte social.

Fatores de risco relacionados à pessoa sob tratamento

As características demográficas, de forma geral, têm sido descritas na literatura como fator de baixo risco. A saber:

• Renda: considera-se que apresenta relevância somente em extremos de pobreza, uma vez que tal condição impõe dificuldades de acesso ao tratamento(4,12,13). Este fator pode ter importância diferenciada em um país como o Brasil, em que a distribuição de medicamentos para a aids é universal(14).

• Escolaridade: na literatura internacional, a escolaridade é descrita como fator de baixo risco(11,15-16), embora um trabalho nacional aponte relação entre a escolaridade e a adesão(17).

• Condições de habitação: a moradia e a renda são apontadas como fatores de baixo risco. Como todas as demais variáveis que caracterizam o nível sócio-econômico, a moradia deve ser avaliada quando configura uma situação de extrema pobreza(13,18). Alguns estudos apontam também para uma variedade de problemas e barreiras inerentes ao sistema prisional, fazendo com que o acesso a HAART e a adesão para regimes complicados sejam difíceis para os presidiários(15-16,19-21).

• Raça: este fator vem sendo freqüentemente utilizado para caracterizar as populações estudadas e é considerado como tendo baixo valor de risco(4,11,15,22). No entanto, um estudo recente, realizado no Brasil, evidenciou que os negros têm 6,5 vezes mais risco de não-adesão(23).

• Ocupação/emprego: é relatada uma associação direta entre este fator e adesão em condições de adversidade extrema, gerando um impacto negativo na participação do cliente em seu tratamento(13,18).

• Sexo: os dados são controversos, porém, em contextos específicos, o sexo masculino tem sido mais associado com a não-adesão(11,13,24). Alguns autores apontaram que as mulheres têm faltado ao acompanhamento clínico e esquecido maior número de doses da medicação que os homens e esta diferença seria explicada pelo fato de que as mulheres precisam administrar as rotinas familiares e os cuidados com as crianças, esquecendo-se de si mesmas. Quando são adotadas medidas visando minimizar os encargos das mulheres, há melhora imediata da adesão(1,25-26). No entanto, um estudo realizado na região sub-saariana da África, apontou que este fator não estava associado à descontinuidade do tratamento com os antiretrovirais(27).

• Idade: de um modo geral, a adesão aumenta com a idade, exceto acima dos 75 anos(4,11,15,24).

• Religião: em um estudo que envolveu homens soro-positivos para HIV e assintomáticos, os que eram afro-americanos lidavam com o problema desenvolvendo sentimentos de desamparo, de negação e de retorno à religião e, menos freqüentemente, procuravam suporte social, manifestando pior adesão(28).

Outros fatores relacionados à pessoa freqüentemente citados na literatura são:

• Percepção de controle sobre a própria saúde: alguns estudos têm buscado verificar se há relação entre a percepção de controle sobre a saúde e a adesão ao tratamento de alguns problemas crônicos como hipertensão, diabetes, dores músculo-esqueléticas; entretanto, nem sempre é observada alguma associação(29-30). Derivado do conceito de percepção de controle, o constructo lócus de controle indica a percepção das pessoas sobre a fonte de controle dos acontecimentos em que são envolvidas. A expectativa de controle se constitui, portanto, em um elemento que interfere no enfrentamento das situações e, conseqüentemente, na capacidade adaptativa. Um estudo realizado no Brasil, entre clientes HIV positivos de um hospital leito-dia em tratamento com HAART, não evidenciou relação entre o lócus de controle e a não adesão(23).

• Dependência química: os usuários de drogas injetáveis (UDI) recusam-se, com maior freqüência, a iniciar o tratamento(4,15,22), mas não há evidência de não-adesão para aqueles que o iniciam. Considera-se que a não-adesão se deve ao estilo de vida caótico das pessoas que usam drogas injetá-veis e não propriamente ao seu uso(31). Contudo, a literatura ressalta a importância de haver uma intervenção planejada do serviço de saúde para incrementar a adesão dos UDI(1,13,32-34).

• Transtornos psiquiátricos: principalmente o estado de depressão clínica e extrema ansiedade estão associados a não-adesão ao tratamento(4,13,16,35).

• Isolamento social: ou o fato de morar sozinho é fator de risco de não-adesão em várias doenças crônicas, mas, no caso da aids, há poucos estudos e os resultados são controversos(1,13,18,35).

Um estudo recente(23) cita que alguns clientes referem deixar de ingerir os medicamentos em finais de semana pela dificuldade em cumprir os horários devido a compromissos sociais e que se sentem inibidos para tomá-los em um encontro ou festa. Portanto, este é um aspecto que carece de maior investigação.

Fatores de risco relacionados à doença

A literatura tem mostrado os fatores relacionados à doença que podem definir uma baixa adesão ao tratamento das doenças crônicas no geral, bem como para o tratamento da aids. São os que se seguem:

• Ausência de vantagem terapêutica: a ausência de sintomas, a falta de vantagens terapêuticas imediatas e a necessidade de controle periódico se associam à não-adesão(1,15-16,18,35-36) .

• Necessidade de controle periódico: devido às mudanças na rotina de vida do indivíduo, este fator pode interferir na adesão(1,37).

• Relato de sentir-se bem: é apontado como razão para adesão, embora, a melhora dos sintomas em certos casos, possa levar à interrupção do tratamento porque a pessoa avalia que não há necessidade da medicação, só retornando ao uso ao sentir-se mal(1,4,10,16,18,35,38).

• Relato de sentir-se mal: o indivíduo pode associar o fato de sentir-se mal aos medicamentos, o que pode levá-lo a interromper o mesmo(10).

• Ocorrência de sintomas: a questão dos sintomas é, provavelmente, muito mais complexa do que os trabalhos têm revelado. A melhora dos sintomas pode levar ao sentimento de não necessidade da medicação. Já a ocorrência de sintomas durante o tratamento pode ser atribuída aos seus efeitos, levando à baixa adesão(4,13,35).

• Resultados laboratoriais: a melhora (aumento sérico de CD4+) tem influência positiva sobre a adesão(4,18,39).

• Grau de gravidade da doença: alguns estudos mostram que a adesão para HAART foi significativamente mais baixa entre os clientes com menor contagem de células CD4+, sugerindo que como a doença torna-se mais intensa em sua manifestação, a adesão pode ser comprometida. Isto pode estar relacionado a dois fatores: a limitação cognitiva e física e o menor suporte social com o avanço da doença(4,13,18,35).

Fatores de risco relacionados ao tratamento

Os fatores de riscos relacionados ao tratamento têm sido apontados pela literatura como fatores que podem contribuir para a redução da adesão ao tratamento. Estão entre estes fatores:

• Tempo de tratamento: a adesão inicial não é fator preditor para a adesão de longo prazo. A não-adesão aumenta com o tempo de tratamento(4,12,18,24,35,40).

• Complexidade do tratamento: o número de doses, o número de drogas, os efeitos colaterais e as mudanças no estilo de vida são fatores que podem levar a uma diminuição na adesão ao tratamento(4,11,13,16,18,24,35,41-42). Em estudo brasileiro, os autores encontraram que a 'ausência de efeitos colaterais' elevou em 7,6 vezes o risco de não-adesão, contrariando outros estudos que indicam que a adesão diminui à medida que os efeitos colaterais aumentam. Esse mesmo estudo apresentou resultados significativos em relação ao número total de comprimidos prescritos/dia. Os resultados mostraram que, para cada comprimido ingerido, o risco de não-adesão aumentava 1,12 (12%)(23).

Fatores de risco relacionados aos serviços de saúde e suporte social

A literatura tem apontado para a relevância da investigação sobre os fatores relacionados aos serviços de saúde e suporte social para avaliar a adesão ao tratamento com anti-retrovirais. Os fatores são os seguintes:

• Qualidade do cuidado e relação com os profissionais de saúde: há estudos que confirmam a relação positiva entre a adesão e a boa qualidade do cuidado, destacando-se a relação com os profissionais de saúde. Este aspecto é considerado fundamental para a adesão ao tratamento, tendo relação com a percepção do cliente sobre a competência do profissional, a qualidade e a clareza da comunicação, a disposição dos profissionais em envolver os clientes em decisões referentes ao tratamento, com o sentimento de apoio, com a satisfação com a equipe e informações adequadas sobre o tratamento e a gravidade dos efeitos colaterais(1-2,12-13,15-16,18,35,39,42-43) .

• Acesso ao serviço: a distância entre a casa do cliente e o local para o seu atendimento pode gerar dificuldade para o cumprimento de protocolos terapêuticos(12,18,25,39).

• Conveniência para agendar o retorno e os procedimentos: facilitar o agendamento do retorno às consultas e aos procedimentos é um fator favorável para a adesão(2,15,18,42).

• Suporte social: programas que provêm serviços ou incentivos como transporte, assistência aos filhos dos clientes, reabilitação para dependentes químicos, são alguns aspectos indicados para reforçar o sucesso e manutenção dos clientes em tratamento clínico(15,18,35,42).

CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com esta variedade de fatores, é fundamental que os profissionais de saúde estejam preparados para identificar os principais fatores de riscos para a não-adesão e, assim, propor intervenções que efetivamente viabilizem a promoção da adesão do cliente/cuidador ao tratamento proposto.

A compreensão dos aspectos sócio-culturais que norteiam a adesão pode auxiliar na definição do que se recomendar ao doente, na comunicação entre o paciente e o profissional e em maior seguimento à terapia proposta(44).

Alguns autores(10) afirmam ainda que a adesão deve ser construída, sendo que sempre que ela acontece o cliente apropriou-se do tratamento, ou seja, há um comprometimento decorrente da compreensão do que o tratamento significa e de sua eficácia. Isto reitera o papel de educador que o enfermeiro, como membro da equipe multiprofissional, deve assumir neste contexto de construção da compreensão do cliente sobre o seu tratamento. O enfermeiro, assim como os demais profissionais da saúde, terá que se comprometer, estabelecer vínculos com o cliente e/ou cuidador, desenvolver mecanismos que propiciem a adesão à terapêutica, de forma que a pessoa doente possa conhecer a importância de realizar o seu tratamento corretamente.

Estudo nacional relata que em uma unidade leito-dia a enfermagem dispende 7% da sua jornada diária de trabalho na orientação à adesão e 39% na instalação de medicação endovenosa(45). Esse dado sugere o quanto os profissionais de enfermagem ainda priorizam a realização dos procedimentos técnicos em detrimento à incorporação da orientação para adesão como sua responsabilidade.

É fundamental que os profissionais de saúde reconheçam que a não adesão é um fenômeno que deve ser trabalhado junto ao paciente de forma sistematizada, com desenvolvimento de ações que favoreçam uma atuação efetiva dos profissionais e uma incorporação do tratamento pelo paciente. Para tanto, a equipe de saúde deve conhecer os fatores que possam vir a interferir na adesão, sendo imperativo o reconhecimento das especificidades da sua clientela em particular.

A literatura aponta para a necessidade da realização de estudos que avaliem aspectos socioculturais, crenças, qualidade do serviço prestado, relações do cliente com a equipe multiprofissional e outros referentes à raça e aos efeitos colaterais dos anti-retrovirais. Os resultados destes estudos devem favorecer o estabelecimento de estratégias que melhorem a adesão dos clientes à HAART, ao mesmo tempo em que contribuem para a construção e exercício da cidadania.

Recebido: 14/03/2005

Aprovado: 12/09/2005

  • (1) Teixeira PR, Paiva V, Shima E. Tá difícil engolir? Experiências de adesão ao tratamento anti-retroviral em São Paulo. São Paulo: Copidart; 2000.
  • (2) Johnston BE, Ahmad K, Smith C, Rose DN. Adherence to highly active anti-retroviral therapy among HIV- infected patients of the inner city. In: Abstracts from 12th World AIDS Conference; 1998 Jun 28-Jul 3; Geneva. Geneva; 1998. v. 1. p. 599.
  • (3) Brasil. Ministério da Saúde. - Semana Epidemiológica, 22 a 34 - junho a agosto de 1998. Bol Epidemiol AIDS. 1998;11(3)
  • (4) Paterson DL, Swindells S, Mohr J, Brester M, Vergis EN, Squier C, et al. Adherence to protease inhibitor therapy and outcomes in patients with HIV infection.Ann Intern Med. 2000;133(1):21-30.
  • (5) Sande MA, Gilbert DN, Moellering RC.The Sanford: guia para o tratamento de HIV/AIDS. 7Ş ed. Rio de Janeiro: Publicações Científicas; 1986.
  • (6) Sasaki MG, Mello RS, Siciliano RF, Wang L, Büchele GL, Souza CA. Estudo da adesão à terapia anti-retroviral e resposta terapêutica em pacientes com infecção pelo HIV. In: Anais do 11ş; Congresso Brasileiro de Doenças Infecciosas; 1999 ago. 1ş; São Paulo. São Paulo; 1999. p. S18.
  • (7) Wright EC. Noncompliance - or how many aunts has Matilda? Lancet. 1993;342(8876):909-13.
  • (8) Haynes RB, Mckibbon KA, Kanani R. Systematic review of randomised trials of interventions to assist patients to follow prescriptions for medications. Lancet. 1996;348(9024):383-6.
  • (9) Nemes MIB. Relatório final: avaliação da aderência ao tratamento por anti-retrovirais em usuários de ambulatórios do sistema público de assistência à aids no Estado de São Paulo. Série Avaliação 1 - Aderência ao tratamento por anti-retrovirais [online]. Disponível em: <www.aids.gov.br/final/biblioteca/avalia1/relatfin.htm>. [Acesso em 27 set. 2004].
  • (10) Morisky DE, Green LW, Levine DM. Concurrent and predictive validity of a self-reported measure of medication adherence. Med Care. 1986;24(1):67-74.
  • (11) Kastrissios H, Suárez JR, Katzenstein D, Girard P, Sheiner LB, Blaschke TF. Characterizing patterns of drug-taking behavior with a multiple drug regimen in an AIDS clinical trial. AIDS. 1998;12(17):2295-303.
  • (12) Nemechek PM, Conry M, Westerfelt A, Eicher B, Chase GW. Factors related to adherence (ADH) with protease inhibitors.In: Abstracts from 12th World AIDS Conference; 1998 Jun 28-Jul 3; Geneva. Geneva; 1998. v. 1. p. 93.
  • (13) Chesney MA, Morin M, Sherr L. Adherence to HIV combi-nation therapy. Soc Sci Med. 2000; 50(12):1599-605.
  • (14) Jordan MS, Lopes JF, Okasaki E, Komatsu CL, Nemes MIB. Aderência ao tratamento anti-retroviral em AIDS: revisão da literatura médica. In:Teixeira PR, Paiva V, Shima E. Tá difícil de engolir? Experiências de adesão ao tratamento anti-retroviral em São Paulo. São Paulo: Copidart; 2000. p. 5-25.
  • (15) Weiss JJ. Adherence to HAART: impressions from the 12th World AIDS Conference, Geneva, June 28 - July 3, 1998. Patient Educ Couns. 1999;36(3):287-9.
  • (16) Belzer ME, Fuchs DN, Luftman GS, Tucker DJ. Antiretroviral adherence issues among HIV-positive adolescents and young adults. J Adolesc Health. 1999;25(5):316-9.
  • (17) Figueiredo RM, Sinkoc VM, Tomazin C, Gallani MCB, Colom-brini MRC. Adesão de pacientes com AIDS ao tratamento com anti-retrovirais: dificuldades relatadas e proposição de medidas atenuantes em um hospital escola. Rev Lat Am Enferm. 2001;9(4):50-5.
  • (18) Ickovics JR, Meisler AW. Adherence in AIDS clinical trials: a framework for clinical research and clinical care. J Clin Epidemiol. 1997;50(4):385-91.
  • (19) Macilwain C. Better adherence vital in AIDS therapies. Nature. 1997;390(6658):326.
  • (20) Zaitzow BH. Women prisioners and HIV/AIDS. J Assoc Nurses AIDS Care. 1999;10(6):78-89.
  • (21) Frank L. Prisons and public health: emerging issues in HIV treatment adherence. J Assoc Nurses AIDS Care. 1999; 10(6): 24-32.
  • (22) Jones JL, Hanson DL, Dworkin MS, Kaplan JE, Ward JW. Trends in AIDS - related opportunistic infections among men who have sex with men and among injecting drug users, 1991-1996. J Infect Dis. 1998;178(1):114-20.
  • (23) Colombrini MRC. Fatores preditivos para não-adesão ao tratamento com terapia anti-retroviral altamente eficaz nos casos de HIV/aids [dissertação]. Campinas: Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP; 2003.
  • (24) López-Suárez A, Fernández-Gutiérrez Del Álamo C, Pérez-Gúzman E, Girón-González JA. Adherence to the antiretroviral treatment in asymptomatic HIV-infected patients. AIDS. 1998;12(6):685-6.
  • (25) Mehta S, Moore RD, Graham NMH. Potential factors affecting adherence with HIV therapy. AIDS. 1997;11(14):1665-70.
  • (26) Ohmit S, Shuman P, Schoenbaum E, Rompalo A, Cohen M, Richardson J, et al. Adherence to anti-retroviral therapy (ART) among women in the HIV epidemiology research study (HERS) and women's inter-agency HIV study (WIHS). In: Abstracts from 12th World AIDS Conference;1998 Jun 28-Jul 3; Geneva. Geneva; 1998. v. 1. p. 590.
  • (27) Orrell C, Bangsberg DR, Badri M, Wood R. Adherence is not a barrier to successful antiretroviral therapy in South Africa. AIDS. 2003;17(9):1369-75.
  • (28) Singh N, Berman SM, Swindells S, Justis JC, Mohr JA, Squier C, et al. Adherence on human immunodeficiency virus-infected patients to antiretroviral therapy. Clin Infect Dis. 1999;29(4):824-30.
  • (29) Dela Coleta MF. O modelo de crenças em saúde: uma aplicação a comportamentos de prevenção e controle da doença cardiovascular [tese]. Brasília: Universidade Federal de Brasília; 1995.
  • (30) Alexandre NMC, Nordin M, Hiebert R, Campello M. Predictors of compliance with short-term treatment among patients with back pain. Rev Panam Salud Publica. 2002; 12(2):86-94.
  • (31) Elderly L. Medication adherence to long-term therapy in HIV disease. Annals from 11th World Aids Conference; 1996 Jul 7-12; Vancouver. Vancouver, 1996. v. 1.
  • (32) Kleeberger CA, Buechner J, Palella F, Detels R, Riddler S, Godfrey R, et al. Changes in adherence to highly active antiretroviral therapy medications in the multicenter AIDS cohort study. AIDS. 2004;18(4):683-8.
  • (33) Senak M. Predicting antiviral compliance: physicians' responsabilities vs. patients' rights. J Int Assoc Physicians AIDS Care. 1997;3(6):45-8.
  • (34) Broadhead R, Heckathron DD, O'Connor PG, Selwyn PIA. Increasing active drug users' adherence to HIV therapeutics. In: Abstracts from 12th World AIDS Conference; 1998 Jun 28- Jul 3; Geneva. Geneva; 1998. v. 1. p. 588.
  • (35) Bennett J. Helping people with aids live well at home. Nurs Clin North Am. 1988;23(4):731-48.
  • (36) Conway SP, Jensen P, Her MH, Ferguson BS, Jarry LS, Wong JSW, et al. Compliance with treatment in adult patients with cystic fibrosis. Thorax. 1996;51(1):29-33.
  • (37) Veronesi R, Focaccia R. Tratado de infectologia. São Paulo: Atheneu; 1996.
  • (38) Gonçalves H, Costa JSD, Menezes AMB, Knauth D, Leal OF. Adesão à terapêutica da tuberculose em Pelotas, Rio Grande do Sul: na perspectiva do paciente.Cad Saúde Pública. 1999;15(4):777-87.
  • (39) Stone VE, Adelson-Mitty J, Duefield CA, Steger KA, Stein MD, Mayer KH. Adherence to protease inhibitor (PI) therapy in clinical practice: usefulness of demographics, attitudes and knowledge as predictors. In: Abstracts from 12th World AIDS Conference; 1998 Jun 28-Jul 3; Geneva. Geneva; 1998. v. 1. p. 588.
  • (40) Carpenito LJ, Diagnóstico de enfermagem: aplicação à prática clínica. 6Ş ed. Trad. de Ana Thorell. Porto Alegre: ArtMed; 2000. p. 812.
  • (41) Figueiredo RM, Sinkoc VM, Gallani MCB, Tomazin C, Cavinatto SM, Assumpção ISA, et al. Adherence of patients with Aids to treatment with anti-retroviral medications: difficulties related and proposition of attenuating measures. In: Abstracts from 12th World Aids Conference; 1998 Jun 28-Jul 3; Geneva. Geneva; 1998. v. 1. p. 862.
  • (42) Roberts KJ, Volberding P. Adherence communication: a qualitative analysis of physician-patient dialogue. AIDS. 1999;13(13):1771-8.
  • (43) Tuldrà A, Fumaz CR, Ferrer MJ, Bayés RBS, Arnó AAP, Balagué M, et al. Prospective randomized two-arm controlled study to determine the efficacy of a specific intervention to improve long-term adherence to highly active antiretroviral therapy. J Acquir Immne Defic Syndr. 2000;25(3):221-8.
  • (44) Kurita GP, Pimenta CAM. Adesão ao tratamento da dor crônica e o locus de controle da saúde. Rev Esc Enferm USP. 2004;38(3):254-61.
  • (45) Pato NRV, Colombrini MRC, Guirardello EB, Ramos RF, Costa SMQ. Caracterização do serviço de enfermagem em uma unidade leito dia em aids. Nursing. 2005;8(84):219-24. [edição brasileira].
  • Correspondência:
    Rosely Moralez de Figueiredo
    UNICAMP-Cid. Universitária "Zeferino Vaz" -Hospital das Clínicas,
    s/n Serv. Enferm. Médico-Cirúrgica - Sala da Diretoria
    CEP 13083-970 - Campinas - SP
  • *
    Extraído da dissertação "Fatores preditivos para não-adesão ao trata-mento com terapia anti-retroviral altamente eficaz nos casos de HIV/aids", Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/UNICAMP), 2003.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Recebido
      14 Mar 2005
    • Aceito
      12 Set 2005
    Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: reeusp@usp.br