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Ser trabalhador de enfermagem da Unidade de Centro de Material: uma abordagem fenomenológica

Ser trabajador de enfermería de la Unidad de Centro de Material: un abordaje fenomenológico

Being a nursing worker in a Sterile Processing Department: a phenomenological approach

Resumos

Este estudo buscou compreender a experiência dos trabalhadores de enfermagem da Unidade de Centro de Material (UCM) de um hospital de Londrina, utilizando a pesquisa qualitativa femomenológica. Foram realizadas dez entrevistas. A análise dos discursos permitiu construir quatro categorias: 1. Falando do ingresso na UCM - situa as diferentes formas de ingresso nesta unidade; 2. Falando sobre o trabalho desenvolvido na UCM - discorre sobre a rotatividade, o trabalho concomitante e a predileção por determinadas áreas; o ambiente fechado; a evolução tecnológica e o relacionamento interpessoal; 3. Vivenciando as dificuldades - descreve a rotina diária; o trabalho repetitivo e monótono, o cansaço físico, a falta de materiais e equipamentos; o período de adaptação, o desconhecimento, a desvalorização e a discriminação vivenciada; 4. Superando os obstáculos - revela a tomada de consciência do seu papel na unidade reconhecendo a sua importância.

Enfermagem; Trabalhadores; Pesquisa qualitativa; Esterilização


Este estudio buscó comprender la experiencia de los trabajadores de enfermería de la Unidad de Centro de Material (UCM) de un hospital de Londrina, utilizando la pesquisa cualitativa fenomenológica. Fueron realizadas diez entrevistas. La análisis de los discursos permitió construir cuatro categorías: 1. Hablando del ingreso en la UCM - sitúa las diferentes formas de ingreso en esta unidad; 2. Hablando sobre el trabajo desarrollado en la UCM - discurre sobre lo rotativo, el trabajo concomitante y la predilección por determinadas áreas; el ambiente cerrado; la evolución tecnológica y la relación inter-personal; 3. Vivenciando las dificultades - describe la rutina diaria; el trabajo repetitivo y monótono, el cansancio físico, la falta de materiales y equipamientos; el periodo de adaptación, el desconocimiento, la desvaloración y la discriminación vivenciada; 4. Superando los obstáculos - rebela la tomada de consciencia de su papel en la unidad reconociendo a su importancia.

Enfermería; Trabajadores; Investigación cualitativa; Esterilización


This study investigated the experience of nursing workers at the Sterile Processing Department (SPD) of a hospital in Londrina, State of Paraná, using the qualitative phenomenological method. Ten interviews were conducted. The analysis of the discourses made possible to build four categories: 1) How the individual came to be part of the department - describes the various ways one may come to work in the unit; 2) Speaking about the work involved in the SPD - describes the turnover, the multiple simultaneous tasks that must be performed and the preference for certain areas; the closed atmosphere; the technological evolution; and the interpersonal relationships; 3) Dealing with difficulties - describes the daily routine; the repetitive and monotonous work; the physical exhaustion; the lack of supplies and equipment; the adjustment period; and the under-appreciation, discrimination, and ignorance of other health workers about their work; 4) Overcoming the obstacles - reveals that through greater aware-ness of their role in the Department these professionals are able to recognize their importance.

Nursing; Workers; Qualitative research; Sterilization


ARTIGO ORIGINAL

Ser trabalhador de enfermagem da Unidade de Centro de Material: uma abordagem fenomenológica

Being a nursing worker in a Sterile Processing Department: a phenomenological approach

Ser trabajador de enfermería de la Unidad de Centro de Material: un abordaje fenomenológico

Dolores Ferreira de Melo LopesI; Arlete SilvaII; Mara Lúcia GaranhaniIII; Miriam Aparecida Barbosa MerighiIV

I Mestre em Enfermagem pela Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo (EEUSP). Docente Assistente B do Curso de Graduação em Enfermagem, Universidade Estadual de Londrina. Londrina, PR, Brasil - lopesdolores@yahoo.com.br

II Enfermeira. Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo (EEUSP). Docente da Universidade de Guarulhos. São Paulo, SP, Brasil.

III Enfermeira. Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo. Professor Adjunto do Curso de Enfermagem, Universidade Estadual de Londrina. Londrina, PR, Brasil.

IV Enfermeira, Professora Titular do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica (ENP) da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP), São Paulo, SP, Brasil.

Correspondência Correspondência: Dolores Ferreira de Melo Lopes Rua Chile, 185 - Bloco B - Ap. 102 - Vila Brasil CEP 86010-220 - Londrina, PR, Brasil

RESUMO

Este estudo buscou compreender a experiência dos trabalhadores de enfermagem da Unidade de Centro de Material (UCM) de um hospital de Londrina, utilizando a pesquisa qualitativa femomenológica. Foram realizadas dez entrevistas. A análise dos discursos permitiu construir quatro categorias: 1. Falando do ingresso na UCM - situa as diferentes formas de ingresso nesta unidade; 2. Falando sobre o trabalho desenvolvido na UCM - discorre sobre a rotatividade, o trabalho concomitante e a predileção por determinadas áreas; o ambiente fechado; a evolução tecnológica e o relacionamento interpessoal; 3. Vivenciando as dificuldades - descreve a rotina diária; o trabalho repetitivo e monótono, o cansaço físico, a falta de materiais e equipamentos; o período de adaptação, o desconhecimento, a desvalorização e a discriminação vivenciada; 4. Superando os obstáculos - revela a tomada de consciência do seu papel na unidade reconhecendo a sua importância.

Descritores: Enfermagem. Trabalhadores. Pesquisa qualitativa. Esterilização.

ABSTRACT

This study investigated the experience of nursing workers at the Sterile Processing Department (SPD) of a hospital in Londrina, State of Paraná, using the qualitative phenomenological method. Ten interviews were conducted. The analysis of the discourses made possible to build four categories: 1) How the individual came to be part of the department - describes the various ways one may come to work in the unit; 2) Speaking about the work involved in the SPD - describes the turnover, the multiple simultaneous tasks that must be performed and the preference for certain areas; the closed atmosphere; the technological evolution; and the interpersonal relationships; 3) Dealing with difficulties - describes the daily routine; the repetitive and monotonous work; the physical exhaustion; the lack of supplies and equipment; the adjustment period; and the under-appreciation, discrimination, and ignorance of other health workers about their work; 4) Overcoming the obstacles - reveals that through greater aware-ness of their role in the Department these professionals are able to recognize their importance.

Key words: Nursing. Workers. Qualitative research. Sterilization.

RESUMEN

Este estudio buscó comprender la experiencia de los trabajadores de enfermería de la Unidad de Centro de Material (UCM) de un hospital de Londrina, utilizando la pesquisa cualitativa fenomenológica. Fueron realizadas diez entrevistas. La análisis de los discursos permitió construir cuatro categorías: 1. Hablando del ingreso en la UCM - sitúa las diferentes formas de ingreso en esta unidad; 2. Hablando sobre el trabajo desarrollado en la UCM - discurre sobre lo rotativo, el trabajo concomitante y la predilección por determinadas áreas; el ambiente cerrado; la evolución tecnológica y la relación inter-personal; 3. Vivenciando las dificultades - describe la rutina diaria; el trabajo repetitivo y monótono, el cansancio físico, la falta de materiales y equipamientos; el periodo de adaptación, el desconocimiento, la desvaloración y la discriminación vivenciada; 4. Superando los obstáculos - rebela la tomada de consciencia de su papel en la unidad reconociendo a su importancia.

Descriptores: Enfermería. Trabajadores. Investigación cualitativa. Esterilización.

INTRODUÇÃO

O despertar para a temática

Ao vivenciar o cotidiano da Unidade de Centro de Material (UCM) percebemos inúmeras reações e sentimentos expressados pelos trabalhadores desta unidade que se relacionam com o processo de trabalho desenvolvido. Várias inquietações nos mobilizavam: o absenteísmo, as constantes licenças médicas, o elevado número de funcionários com depressão e outros agravos de saúde, os sentimentos de insatisfação e o desprazer frente à falta do exercício da assistência direta ao paciente. Também observávamos que, alguns funcionários manifestavam o sentimento de descontentamento frente à falta de reconhecimento do seu trabalho pelos profissionais das demais unidades hospitalares. Outros gostavam do trabalho na UCM, valorizando e reconhecendo sua importância no contexto hospitalar.

A Unidade de Centro de Material (UCM) é definida pelo conjunto de elementos destinados à recepção, expurgo, preparo, esterilização, guarda e distribuição dos materiais para as unidades dos estabelecimentos de saúde. Vários autores referem que a UCM tem um papel fundamental na assistência e desenvolvimento das atividades de todas as unidades hospitalares, ressaltando tanto os aspectos estruturais, administrativos, eco-nômicos, técnicos, visando à garantia da qualidade dos artigos odonto-médico-hospitalares ali processados(1-4).

O foco principal desta unidade é o proces-samento desses artigos. O trabalho é organizado seguindo um fluxo contínuo, onde os artigos passam por várias etapas, distribuídos de acordo com as áreas específicas.

Embora seja inegável para as instituições hospitalares a relevância da UCM ainda observamos muitos problemas. A estrutura física inadequada caracterizada por cruzamento de áreas, espaços físicos reduzidos, sistemas de ventilação inadequados, bancadas e cadeiras desconfortáveis, carência e insuficiência de recursos materiais e equipamentos são alguns dos problemas encontrados. Tanto os problemas ligados a estrutura física como os ligados a previsão e provisão dos artigos influenciam a organização do processo de trabalho e a saúde do trabalhador(5).

Muitas vezes, o trabalho torna-se rotineiro, monótono e fragmentado, com um grande número de atividades a serem realizadas com urgência, rigor e responsabilidade, exigindo destes trabalhadores equilíbrio físico e mental no desenvolvimento de suas atividades laborativas.

Em estudo abordando a história da UCM destaca-se que esta unidade percorreu um caminho tortuoso e difícil para poder se consolidar enquanto unidade relevante(6). Outra autora enfatiza que a UCM ocupa um segundo plano dentro do contexto hospitalar, o quadro de pessoal é composto por trabalhadores excluídos de outros setores, recursos tecnológicos inadequados e ausência de manutenção preventiva, influenciando na dinâmica e na qualidade das atividades realizadas(7). Outra pesquisadora complementa enfatizando que atuam, com freqüência, nessa unidade trabalhadores que estão próximos à aposentadoria, muitas vezes com problemas de saúde e dificuldades de relacionamento(5).

Esses trabalhadores também estão expostos aos riscos ocupacionais no seu cotidiano. Alguns desses riscos são caracterizados pela constante exposição com excreções, secreções, sangue e outros fluídos corporais, os riscos biológicos. A presença de riscos físicos também tem sido uma constante pela presença de ruídos, temperatura excessiva e, iluminação ineficiente. Os riscos químicos representados pela manipulação de agentes químicos, os riscos ergonômicos e as cargas psíquicas presentes também no trabalho executado na UCM.

Existem também instituições hospitalares que têm feito investimentos freqüentes na estrutura física, em recursos materiais e tecnoló-gicos e no quadro de pessoal que compõe esta unidade, no intuito de qualificar o trabalho desenvolvido reconhecendo-se assim, sua importância no contexto hospitalar.

Desta forma, neste estudo nos aproximamos dos trabalhadores da UCM buscando desvelar o fenômeno: Ser trabalhador de Enfermagem da UCM, indagando: qual é o significado que eles atribuem ao seu trabalho? O que eles sentem trabalhando nesta unidade? Quais são as suas expectativas e necessidades? Portanto, a proposta deste estudo é apreender através dos seus discursos o significado atribuído a essa experiência.

Acreditamos que através desta pesquisa possamos contribuir com os profissionais da saúde, especialmente os da enfermagem, que atuam nesta unidade, ampliando sua compreensão com relação ao trabalho da UCM, bem como, contribuindo para que toda a equipe possa ter melhores condições de trabalho, maior satisfação na execução de suas tarefas e maior valorização humana.

O REFERENCIAL TEÓRICO-FILOSÓFICO

Para responder a interrogação desse estudo, optamos pela pesquisa qualitativa numa abordagem fenomenológica utilizando as concepções filosóficas de Maurice Merleau-Ponty.

A fenomenologia à luz do pensamento desse autor preocupa-se com o homem fazendo parte de um mundo-vida, no qual se engaja e existe, fazendo dos acontecimentos cotidianos o berço de todos os sentidos. Para este filósofo, fenomenologia é uma filosofia que substitui as essências na existência, é o ensaio de uma descrição direta da nossa experiência tal como ela é, sem nenhuma consideração com sua gênese psicológica e com as explicações causais(8).

A Fenomenologia Existencial de Merleau Ponty propõe a busca da essência dos fenômenos como parte de um mundo vivido. Enfatiza que tudo o que sabemos do mundo sabemos a partir da nossa visão pessoal ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência nada significam. Retornar as coisas mesmas é retornar a este mundo onde o ser humano existe, e se insere, e vivencia múltiplas experiências. Relata que o ser humano tem um corpo próprio, com o qual, estabelece uma relação com o mundo, com os outros e com as coisas. Descreve também os conceitos de espaço, temporalidade e liberdade. Inserido no mundo o ser humano ocupa um espaço no qual habita, sua escola, seu trabalho, entre outros. Neste espaço percebe e é percebido, move-se, cresce e busca sua ideologia enquanto ser humano. Neste movimento corporal ele é influenciado pelo tempo que engloba presente, passado, futuro, o antes, o agora e o depois. E é também influenciado por suas escolhas, enquanto um ser social, histórico e que se engaja na transformação de sua existência e do mundo do qual faz parte, utilizando sua liberdade(8).

Considerando a pertinência destes conceitos e a busca da compreensão do fenômeno investigado, na elaboração deste estudo retornamos às coisas mesmas, ou seja, a experiência vivida pelo trabalhador da UCM. Trabalhador este que, através do seu corpo, percebe e é percebido, relaciona-se com outros trabalhadores, ocupa espaços onde o tempo e a liberdade estão presentes e influenciam suas existências.

[...] sou eu que dou sentido e um futuro a minha vida, mas isto não quer dizer que este sentido e esse futuro sejam concebidos, eles saem do meu presente e do meu passado, e em particular, do meu modo de coexistência(8).

MÉTODO

Este estudo foi realizado na UCM do Hospital Universitário Regional do Norte do Paraná. Os aspectos éticos foram considerados obedecendo a Resolução 196\96 que regulamenta as normas e diretrizes de pesquisa com seres humanos (Parecer Bioética n. 034/99)(9).

Os participantes da pesquisa foram trabalhadores, auxiliares e técnicos de enfermagem, que atuavam nesta unidade no mínimo há um ano desenvolvendo suas atividades nos períodos matutino, vespertino e noturno.

O método de coleta utilizado foi a entrevista semi-estruturada. As questões norteadoras para a entrevista foram: (1) Conte-me sobre sua vida trabalhando aqui na UCM? e (2) Como é para você ser um funcionário da UCM?

Para a realização das entrevistas foi feito contato prévio com os trabalhadores explicando os objetivos do estudo e solicitando sua colaboração com a pesquisa. Após a sua permissão foi agendada a data para a realização da entrevista. Estas foram realizadas em janeiro de 2000 no próprio horário de trabalho, porém em ambiente reservado, após o consentimento livre e esclarecido e assinatura dos participantes nos termos de consentimento.

Totalizaram a coleta de dados dez entrevistas gravadas, pois ao final destas os discursos tornaram-se repetitivos, demonstrando assim, a presença de convergências suficientes para a elucidação do fenômeno.

O referencial de análise dos discursos utilizado foi a modalidade da Estrutura do Fenômeno Situado(10), dividido em dois momentos: a análise ideográfica e a análise nomo-tética. A análise ideográfica refere-se a inteligibilidade que se articula nos significados presentes em cada discurso, nas suas interpretações e na sua unidade estrutural. A análise nomotética tem como objetivo alcançar a estrutura geral do fenômeno, analisando os discursos na sua totalidade. A seguir as categorias foram aprofundadas à luz do pensamento de Merleau-Ponty.

APRESENTANDO OS RESULTADOS:

As quatro categorias que configuram a estrutura geral do fenômeno investigado Ser trabalhador de Enfermagem da UCM são: Falando do ingresso na UCM; Falando sobre o trabalho desenvolvido na UCM; Vivenciando as dificuldades e Superando obstáculos. A seguir, descrevemos a discussão de cada categoria.

Falando do ingresso na UCM

Os trabalhadores ao descreverem a experiência viven-ciada, refletem sobre ela, pois tudo o que sabemos do mundo, mesmo devido à ciência, o sabemos a partir da nossa visão pessoal ou de uma experiência do mundo, sem o qual os símbolos da ciência nada significariam(8). Assim, ao falar de suas vivências os trabalhadores lembram-se de acontecimentos passados. O presente torna-se conseqüência do passado, e o futuro a conseqüência do presente. Neste sentido, expressar as lembranças da minha vida passada é perceber que nela inscrevi as minhas iniciais, que possui traços marcados, que nela fiz manchas de tinta. Mas por si mesmo, estes traços não remetem ao passado, eles são presentes e, se encontro ali sinais de algum acontecimento anterior é porque trago em mim esta significação(8).

A admissão na UCM foi destacada pelos trabalhadores como um momento significativo em sua trajetória profissional nesta unidade. Alguns colocam que não optaram por trabalhar nesta unidade, que ali ingressaram, sem a conhecer mais profundamente, não tendo desta forma, domínio do trabalho desenvolvido. Sentem-se muitas vezes desprovidos de vínculos afetivos com esta unidade e aceitam devido a necessidades administrativas da instituição relacionadas ao remanejamento de recursos humanos:

Eu na minha opinião, eu não queria ter entrado aqui mas a gente precisava de uma vaga de manhã e só tinha aqui,é o ultimo lugar que eu queria ir. Mas depois era o único lugar que eu não tinha trabalhado ainda (D1).

... eu gostava muito de trabalhar com os doentes...de repente, fui transferida para o centro de material porque precisava de gente...(D6).

Outros trabalhadores expressaram que foram transferidos para a UCM porque apresentavam patologias que os impediam de prestar assistência direta ao paciente:

Eu contraí uma doença do paciente...uma bactéria multirresistente e ofereceram a vaga no centro de material para lidar com o material pós-lavado e antes de esterilizar[...] No outro serviço eu também trabalhava como instrumentadora e quando foi detectado que eu estava doente, que era perigoso para o paciente fui para o centro de material (D10).

Este discurso aproxima-se dos resultados de outro estudo(6) que enfatiza os problemas de saúde, dificuldades de relacionamento, falta de adaptação em outros setores vivenciados por estes trabalhadores.

Existem também aqueles trabalhadores que fazem a opção por esta unidade por sentirem afeição e aptidão pelo trabalho desenvolvido, ou por possuírem conhecimento prévio da unidade como demonstra o discurso a seguir:

É quando eu vim trabalhar aqui eu ia ser contratada para o centro cirúrgico mas como eu já estava no centro cirúrgico do hospital X... eu pedi para vir para o centro de material. É um serviço que eu conheço e gosto de fazer...(D5).

Outra pesquisa realizada sobre esta temática demonstra que, funcionários com problemas de saúde, limitações físicas, ou dos serviços de limpeza ou lavanderia buscam ascensão profissional na transferência para a UCM. Este estudo aponta que dentre os trabalhadores provenientes de outras áreas, 20 % da população estudada não possuíam formação específica na área de enfermagem e, portanto, não possuíam preparo profissional específico. Ressalta uma preocupação, pois estes resultados alertam sobre a necessidade de intensificar os esforços da concretização da qualidade do serviço de enfermagem e, também burla de maneira sutil a lei que restringe a atividade profissional sem formação específica(1).

No entanto, em todas as situações, ao ingressar na UCM os trabalhadores iniciam uma trajetória profissional cujas rotinas diárias, atividades, acontecimentos e sentimentos emergem na vivência dentro do mundo-vida que é a UCM.

Falando sobre o trabalho desenvolvido na UCM

Ao ingressar na UCM os trabalhadores falam sobre o trabalho desenvolvido nesta unidade. Confrontam-se com muitas atividades rotineiras a serem desenvolvidas nas diversas áreas, experienciando e conhecendo cada uma delas.

Eu estou em um período de inovação. .Faz um ano e eu gosto porque eu mexia antes só em material de empacotar, mais no expurgo, e agora faço também esterilização e por último eu estou ficando mais tempo na montagem de sala.... é bom porque você abre para aprender do centro cirúrgico também... é fico no instrumental...fecho a caixa e na montagem da sala (D2).

A rotatividade do trabalhador de enfermagem pelas diversas áreas é algo necessário no trabalho desenvolvido nessa unidade, já que todas as atividades possuem grande interdependência, influenciando na qualidade dos artigos processados. Desta forma, o trabalhador tem possibilidade de adquirir experiência em todas as áreas e atividades da UCM capacitando-se de forma global. Além das atividades inerentes a UCM, o trabalhador de enfermagem dessa unidade tem oportunidade também de aprender sobre as atividades relacionadas ao centro cirúrgico, principalmente no que diz respeito, aos diferentes instrumentais cirúrgicos e insumos utilizados nas diferentes especificidades das clínicas cirúrgicas. A provisão e previsão destes artigos, o reconhecimento das características individualizadas de cada um, a quantidade existente, o local de armazenamento é um domínio adquirido e conquistado por este trabalhador, que desta forma, contribui para assistência ao paciente cirúrgico e com a equipe cirúrgica. A predileção por determinadas áreas também é revelada por alguns trabalhadores:

Apesar que eu fiquei mais na esterilização, eu prefiro mais a esterilização mais do que a mesa....Agora estou ficando lá fora também na distribuição. É diferente você anda mais... (D1).

Meu trabalho é fechar caixas cirúrgicas. Fecho, mas quando não tem ninguém, que só estamos em duas lá, então eu vou para o expurgo, lavo o material e venho para fechar(D3).

Esta realidade é encontrada ainda hoje em algumas instituições hospitalares, principalmente no período noturno, em virtude do reduzido número de funcionários ocasionando uma sobrecarga para os funcionários de plantão, bem como, influenciando na qualidade dos artigos processados, destacando o trânsito inadequado dos trabalhadores das áreas consideradas limpas para as contaminadas e vice-versa.

Os entrevistados ao falarem sobre o trabalho realizado destacam a sua percepção quanto a evolução tecnológica e científica nas atividades desenvolvidas na UCM:

Mas parte do centro de material, do tempo que eu entrei para agora, nossa facilitou muito. Facilitou muito mesmo, ficou assim bem desenvolvido o trabalho tanto na parte de esterilização, como desinfecção,todos estes processos do centro de material. E outra você tem toda aquela paramentação para você mexer com o material contaminado ...[...] .. antigamente não tinha toda esta modernidade que agora tem, equipamento...a teoria..tudo...tudo (D7).

Este relato demonstra o quanto a evolução tecnológica e científica que vêm acontecendo nas UCMs ao longo dos últimos anos tem influenciado nas atividades desenvolvidas, sendo percebida como um fator que facilita o processo de trabalho, e consequentemente, favorece a qualidade dos artigos processados. Além disso, novos recursos e equipamentos têm contribuído com a saúde destes trabalhadores, através da substituição de procedimentos antes feitos manualmente por aparelhos que agilizam a execução das tarefas, ao mesmo tempo que, propiciam a segurança e proteção quanto à possíveis acidentes inerentes a manipulação de artigos contaminados.

O fato de o ambiente ser fechado é destacado como um dos fatores que influenciam nas relações interpessoais nesta unidade. Este convívio com os outros trabalhadores são aspectos considerados importantes no processo de trabalho realizado nesta unidade. Nas relações humanas no ambiente de trabalho, freqüentemente, existem problemas que podem ser superados pelo entrosamento do grupo, pois disso depende o êxito do trabalho em coletividade(11). É justamente através do meu corpo que percebo o corpo do outro e, nesse encontro acontece como que um prolongamento miraculoso de nossas próprias intenções, uma maneira familiar de tratar o mundo, as partes de nosso corpo e as do outro formando um sistema, o corpo do outro e o meu tornam-se únicos, o avesso e o direito de um fenômeno(8).

Aqui é um ambiente assim...muito fechado então se tivesse uma harmonia positiva todo mundo ia trabalhar melhor...produzir melhor... eu acho que precisava mais de harmonia .[...] e nem sempre é assim... (D6).

Com o pessoal ali é um lugar diferente para trabalhar.... porque é um ambiente fechado.Tem que falar pouco,respeitar o colega.... porque se não for assim não tem como conviver ali... (D10).

Um outro aspecto comentado é que a UCM isola os seus trabalhadores das outras pessoas no ambiente hospitalar, tanto a equipe de saúde quanto dos pacientes. Outros trabalhadores revelaram que não possuem nenhuma dificuldade pelo fato do ambiente ser fechado:

É só um pouco assim ruim por ser fechado... é pois ás vezes você não tem comunicação com o pessoal lá de fora, ...Acho difícil... (D3).

Para mim não tem problema por ser fechado....fechado assim... eu gosto não tem problema não... (D5).

Além do trabalho desenvolvido, os trabalhadores verbalizaram também as dificuldades encontradas no seu cotidiano no trabalho na UCM.

Vivenciando as dificuldades

As dificuldades apontadas pelos trabalhadores mostram a rotina diária influenciada pelo processo de trabalho desenvolvido na UCM. Destacam aspectos como, o trabalho repetitivo, o cansaço físico, a sobrecarga de trabalho e a percepção de um trabalho diferenciado dos demais trabalhadores de enfermagem. Estes aspectos resultam em desejos e sentimentos como a vontade de serem transferidos para outra unidade, buscando a convivência com o paciente e o aprimoramento das técnicas de enfermagem que tiveram nos cursos profissionalizantes.

É que o centro de material é uma coisa repetitiva...Todo dia...Todo dia a mesma coisa...(D8).

A repetitividade das ações desenvolvidas na UCM deve-se ao fato de que os artigos passam por etapas seqüenciais e iguais todos os dias, os mesmos artigos, das mesmas unidades, no mesmo horário. Estes artigos são conferidos de acordo com a unidade de origem, são descontaminados, inspecionados, embalados, esterilizados e estocados para novamente serem distribuídos, seguindo um ritual monótono e repetitivo na visão de alguns trabalhadores. Além da repetitividade, os trabalhadores destacam também o cansaço físico que advém do trabalho executado na UCM.

E o que eu faço eu gosto...eu gosto bastante....Só que já estou cansada.... (D2).

O cansaço físico pode estar relacionado à rotina diária da UCM que exige do trabalhador condições físicas e mentais adequadas no desenvolvimento das atividades em todas as áreas, uma vez que o artigo deve ser processado de maneira hábil, rápida e qualificada para ser novamente distribuído para as unidades consumidoras. O excesso de atividades existentes na UCM é uma realidade vivenciada e que muito influencia o dia-a-dia dos funcionários. O trabalho é contínuo e dinâmico, visando suprir a demanda existente em cada unidade hospitalar. Neste sentido, os trabalhadores destacam a sobrecarga de trabalho existente nesta unidade:

Eles acham que o serviço do centro de material é só coisa leve...e assim, acarreta mais serviço para quem é ali do setor...estas pessoas problemáticas de saúde, eles pegam mandam para o centro de material...muitas vezes....pessoas com gravidez...de repouso...não podem fazer esterilização....não pode fazer expurgo...não pode carregar um material lá fora.....aí fica complicado...(D8).

...pois eles acham que é hospital-escola, pode gastar á vontade... pode usar um monte de coisa.... e nisto, a gente fica sobrecarregado também ... (D9).

O uso indiscriminado dos artigos processados na UCM pelos trabalhadores do contexto hospitalar também é citado como um motivo de sobrecarga de trabalho. A utilização criteriosa destes artigos pelos demais funcionário deve ser resgatada, pois implica em maior desgaste físico para o trabalhador da UCM, além de interferir na continuidade da assistência pela redução de artigos disponíveis.

Quando tem problemas procuro resolver da melhor maneira...quando faltam as coisas mesmo até você arrumar um substituto...tem que esterilizar correndo..e tem coisa que não tem substituto. Então, você tem que se apressar, ás vezes, falta alguma coisa e você fica apavorada porque você sabe..que ai!!!(suspiro) aquilo vai usar na sala...esta faltando, não tem..aí você fica desesperada...fica preocupada..se a autoclave quebra eu fico apavorada...eu sofro junto com o setor....(D7).

Os discursos a seguir demonstram a compreensão e consciência dos trabalhadores sobre a direcionalidade das ações desenvolvidas na UCM, bem como, sobre o quanto estas atividades beneficiam o paciente. Podemos tratar o processo de cuidar na UCM através do referencial conceitual da assistência, identificando duas vertentes. Uma vertente baseada na inter-relação pessoal e outra baseada nos atos que configuram conforto, segurança física e material. Podemos perceber que a enfermagem moderna incorpora várias atividades não diretamente relacionadas com a assistência ao paciente. Assim, a UCM pode ser considerada uma prestadora de cuidados ao paciente, ao garantir a qualidade e segurança para os procedimentos de intervenção em seu corpo biológico por meio do processamento dos artigos(12). Alguns trabalhadores em seus discursos reconhecem que a assistência prestada é indireta, mesmo sentindo em alguns momentos necessidade da aproximação com o paciente.

Só que eu acho assim, a gente esquece um pouco o de lá de fora.... o que a gente aprendeu lá fora...eu acho que muita coisa eu esqueci...porque lá você tem contato com o paciente...aqui não,por exemplo curativo..estas coisas...muitas coisas eu esqueci mesmo (D3).

Eles falam que o centro de material também é enfermagem.. É enfermagem...mas é indireta,não é?...É indireta....é indireta... (D2).

E aqui esta certo, você fica longe do paciente, não tem contato, mas você esta procurando fazer uma coisa assim, que possa ajudar um pouquinho para ele, na vida dele. Tem o lado bom e o lado ruim (D7).

A falta de contato direto com o paciente é considerada também como um fator agravante para que muitos funcionários rejeitem o trabalho na UCM(13). Alguns trabalhadores entrevistados demonstram o desejo de trabalhar diretamente com o paciente:

Eu queria aprender mais, ir mais para a enfermagem propriamente dita (D2).

O ser humano em todas as suas atividades, tende a buscar novos rumos e objetivos profissionais e pessoais. O mundo é uma unidade aberta e indefinida em que eu estou situado, meu corpo é movimento em direção ao mundo, e o mundo ponto de apoio ao meu corpo. Assim, posso a cada momento interromper meu projeto de vida, mas ao mesmo tempo tenho o poder de começar outra coisa, porque não permaneço nunca suspenso no nada(8). Associados ao desejo de trabalhar na assistência direta surgem sentimentos como a vontade de transferir-se para outras unidades hospitalares:

Até eu vou pedir de novo...Acho que é importante para mim..Eu tenho sede disso...Sede de mudar de função... e até de setor (D2).

Os entrevistados verbalizaram também como uma dificuldade o período de adaptação na UCM. Alguns se adaptam mais rapidamente, outros não, evidenciando que este período é relevante na suas existências, pois gradativamente vão re-significando suas atividades e conhecendo seu trabalho e sua opção profissional:

E de repente eu vi a importância também em mexer com os materiais...eu vejo agora os cuidados que se tem aqui.. é de grande importância... E de repente eu fui me adaptando no centro de material (D6).

Após o período de adaptação, quando o trabalhador gradativamente conhece melhor a UCM, entende as particularidades das atividades ali realizadas, passa a vê-la como a sua unidade de trabalho, e neste momento, passa a defendê-la como um setor importante do ambiente hospitalar. Verbalizam também seu descontentamento frente ao desconhecimento e a desvalorização por outros profissionais.

O pessoal que trabalha no centro de material...é eles não dão muito valor...é o que eu sinto assim...não dão valor...Sei lá você faz um material ali todo mundo usa e não vê os passos que leva para chegar até o final. A gente é desvalorizado mesmo...É o que eu sinto..Em relação ao pessoal lá de fora, acho que em relação á todos...(D1).

A discriminação também é um sentimento que emerge de situações vivenciadas em seu mundo-vida na interação com outros trabalhadores de enfermagem:

Então, porque você cuida de lavar material....de cuida ... de sujeira, daquelas coisas contaminadas. Então, você não é tão bom como aquele que faz medicações, que trabalha no setor. A gente percebe esta diferença. Recriminam como nosso trabalho como se fosse uma coisa pequena...A gente sente isso. Quando alguém pergunta: e você ,onde você está ?AH! Mas no centro de material? Não tinha outro lugar? A gente se sente recriminado como se fosse um serviço pequeno (D10).

O desconhecimento, desvalorização e a discriminação apontada por estes trabalhadores são alguns dos aspectos responsáveis pela insatisfação profissional. Eles sentindo-se depreciados nas suas atividades laborativas almejam ser reconhecidos e valorizados pelo trabalho que desenvolvem.

O discurso a seguir expressa que algumas profissionais vêm modificando suas concepções sobre a UCM.

Mas muitos mudaram o conceito.1...mudaram... (D9)

Embora vivencie estas dificuldades o trabalhador de enfermagem da UCM tenta superá-las em seu cotidiano, valorizando-se e conscientizando-se da importância que representa para a unidade, despontando o último tema que faz parte do fenômeno investigado.

Superando obstáculos

O fenômeno Ser trabalhador de enfermagem da UCM desvela-se como um superar contínuo das dificuldades pois, existir é estar em constante desenvolvimento, planejar futuras ações, dar um colorido especial à realidade concreta da qual faz parte e na qual está inserido.

Eu me sinto útil no que eu faço, naquela função que eu faço, porque uma outra pessoa não saberia fazer o que eu faço... (D2).

É uma coisa assim ..para outras pessoas pode não ter valor, mas para mim tem, se vir uma pessoa do setor trabalhar aqui não vai saber...não vai saber... e eu me sinto assim ...acho muito legal o meu serviço... (D7).

Nesses relatos sentem-se úteis e importantes como funcionários da UCM. Tais sentimentos surgem quando reconhecem gradativamente o valor do trabalho que realizam e a competência profissional exigida na execução das tarefas. Assim, conscientizam-se das habilidades e do domínio técnico e científico que possuem.

Mas eu me sinto realizada por saber que estou dando um pouco de mim para as pessoas internadas...e também para aqueles que estão aprendendo...ás vezes vem doutor...aluno...funcionário e eu ajudo no conhecimento daqueles que estão caminhando... (D2).

Eu acho que é uma coisa muito importante para mim aqui...pois através dele eu aprendi muita coisa....não é aprender com o paciente mas saber que você está fazendo alguma coisa por ele...E eu me sinto muito feliz porque eu acho que ali está minha colaboração com a pessoa humana (D7).

Nestes discursos estão relacionados a alegria que possuem em contribuir com o aprendizado de outras pessoas da equipe de saúde, de perceberem como cresceram intelectualmente com o trabalho realizado na UCM e, principalmente, de se sentirem co-participantes na assistência prestada ao cliente.

O trabalho desponta como algo que complementa e dá sentido à vida, constituindo-se numa das coisas mais importantes. Seu significado transcende o simples atendimento de ordem econômica e emocional, sendo que uma das grandes motivações para o trabalho da enfermagem é a necessidade de ajudar e sentir-se útil. A perspectiva de estar fazendo alguma coisa para ajudar alguém confere prazer(14) A responsabilidade exigida no trabalho também é citada como um motivo pelo qual sentem-se importantes, principalmente no que diz respeito à prevenção das infecções hospitalares:

E a gente aqui tem muita responsabilidade porque se você não faz bem feito...é uma vida que está em risco (D7).

Eu sei quem eu sou...o que sou...e o que faço lá...então eu não me importo com o que as pessoas pensam... e eu sei que ali é muito bom...e é um trabalho digno e importante... então eu não levo em consideração o que as pessoas pensam... (D10).

Estas afirmativas revelam que os trabalhadores sentem-se importantes ultrapassando percepções incompletas e falsas que possam existir a respeito da UCM e de seus trabalhadores. O profissional que trabalha na UCM precisa desenvolver habilidades e maturidade profissional para atender a demanda do trabalho que há no dia-a-dia da unidade. Necessita sentir-se valorizado e competente em suas tarefas, e dessa forma, alcançar satisfação pessoal, social e profissional(15). O discurso dos trabalhadores, ao referir-se a UCM e ao trabalho desenvolvido, revela que:

Ah! Para mim é importante...Porque...É a mesma coisa que a minha casa..É uma continuação. Para mim é..Tenho cuidado com as coisas do mesmo jeito que fosse meu...Mesma coisa...às vezes a gente tem até mania de falar...Minha cadeira...Minhas coisas aqui na central...Como se fosse da gente mesmo..Sinto que a gente faz parte ali...Me sinto muito bem mesmo (D8).

A afeição e o valor atribuídos pelo trabalhador, comparando a UCM com a sua casa demonstram o quanto ele incorporou a unidade como propriedade sua; é seu mundo-vida agora aflorado, desvelado e conhecido em seu cotidiano. Assim, afeiçoam-se, defendem e reconhecem a importância do trabalho desenvolvido nesta unidade.

Porque, na verdade, se o centro de material não existisse não existiria mais nenhuma outra coisa aqui dentro (D10).

Compara a UCM com um dos órgãos mais importantes do corpo humano, responsável pelo funcionamento e atividade de todos os outros órgãos e estruturas fisiológicas, evidenciando a importância e grandeza desta unidade:

Eu acho que é importante o nosso serviço... o centro de material é o coração do hospital...sem o centro de material, lá fora ninguém consegue trabalhar...e nem no centro cirúrgico também...eu acho importante (D3).

Desta forma, os próprios trabalhadores de enfermagem da UCM se reconhecem como homens e mulheres indispensáveis para o trabalho ali desenvolvido, construindo suas existências, superando dificuldades na rotina cotidiana, fazendo escolhas e assim, no espaço e no tempo constroem suas histórias de vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao término deste estudo, retomamos as palavras de Merleau Ponty dizendo que a reflexão não é absolutamente, a observação de um fato, é um esforço para compreender, não é a passividade de um sujeito que contempla sua vivência e sim, o esforço de um sujeito que aprende a significação de uma experiência(8). Assim, novas perspectivas e esperanças surgem objetivando fazer com que os trabalhadores que atuam na UCM sejam mais bem compreendidos, valorizados e respeitados em seu ambiente de trabalho.

Considerando que o trabalho desenvolvido na UCM ocupa um espaço relevante na assistência de saúde prestada no ambiente hospitalar e que os trabalhadores desta unidade vivenciam em seu cotidiano inúmeros sentimentos relacionados as suas atividades profissionais buscamos neste estudo compreendê-lo além de sua aparência exterior, desvelando parte de sua essência, ou seja, do significado que cada um deles atribui à experiência vivenciada no desenvolvimento do trabalho que executam nesta unidade.

Acreditamos que o ingresso do trabalhador na UCM é um momento muito importante. Esperamos que os sentimentos revelados neste estudo possam contribuir para o desenvolvimento de propostas de acolhimento e preparo deste trabalhador, possibilitando o enfrentamento deste novo mundo-vida e assegurando a educação permanente para o trabalho. Importante que eles sejam estimulados a participarem de programas de desenvolvimento profissional e atualização constante. Momentos de reflexão, análise e discussão devem ser propiciados para que se percebam fazendo parte de uma especialidade imprescindível.

Consideramos que também uma maior divulgação do trabalho realizado na UCM e da sua importância para a assistência ao paciente pode ser implementada com toda equipe de saúde, administradores hospitalares, usuários e comunidade em geral, objetivando maior reconhecimento e respeito pelas atividades ali desenvolvidas. A valorização do trabalho e dos trabalhadores da UCM demanda também algumas mudanças nas instituições de ensino que oferecem cursos de graduação, pós-graduação e profissionalizantes.

Além disso, o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar que tenha como meta assistir ao trabalhador da área da saúde pode realizar um grande trabalho. O enfermeiro, o psicólogo, o fisioterapeuta, o assistente social são exemplos de profissionais que podem contribuir na assistência destes trabalhadores.

Finalizando, registramos nossas esperanças em relação a enfermagem na UCM e cabe à cada um de nós, continuar lutando, pois é a possibilidade das mudanças e a busca de novos horizontes, que nos sustentam e nos movem neste mundo-vida em que estamos inseridos. É assim que evoluímos enquanto profissionais de enfermagem e seres humanos.

Recebido: 06/10/2005

Aprovado: 21/07/2006

  • 1. Tipple AFV, Souza TR, Bezerra ALQ, Munari DB. O trabalhador sem formação em enfermagem atuando em Centro de Material e Esterilização: desafio para o enfermeiro. Rev Esc Enferm USP. 2005;39(2):173-80.
  • 2. Salzano SDT, Silva A, Watanabe E. O trabalho do enfermeiro no Centro de Material. Rev Paul Enferm. 1990;9(3):103-8.
  • 3. Sawada NO, Galvão CM. A satisfação no trabalho do enfermeiro de Central de Material. In: Anais do Congresso Brasileiro de Enfermagem em Centro Cirúrgico; 1995 jul. 4-7; São Paulo. São Paulo: SOBECC; 1995. p. 148-53.
  • 4. Silva A. Organização do trabalho na unidade Centro de Material. Rev Esc Enferm USP. 1998; 32(2):169-78.
  • 5. Silva A. Trabalhador de enfermagem na unidade Centro de Material e os acidentes de trabalho [tese]. São Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 1996.
  • 6. Laus AM. A história da Central de Material: seu percurso em uma instituição de saúde [dissertação]. Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo; 1998.
  • 7. Silva MVGS. A equipe de enfermagem do Centro de Material: um grupo esquecido [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro; 1995.
  • 8. Merleau-Ponty M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes; 1999.
  • 9. Conselho Nacional de Saúde. Resolução n.196, de 10 de outubro de 1996. Dispõe sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Bioética. 1996;4 (2 Supl):15-25.
  • 10. Martins J, Bicudo MAV. A pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos básicos. São Paulo: Moraes; 1989.
  • 11. Weil P. Relações humanas na família e no trabalho. 2Ş ed. Petrópolis: Vozes; 1998.
  • 12. Tonelli SR, Lacerda RA. Refletindo sobre o cuidar no Centro de Material e Esterilização. Rev SOBECC. 2005;10(1):28-31.
  • 13. Silva A, Bianchi ERF. Estresse ocupacional da enfermeira de Centro de Material. Rev Esc Enferm USP. 1992;26(1):65-74.
  • 14. Lunardi Filho WDF. Prazer e sofrimento no trabalho: contribuições à organização do processo de trabalho de enfermagem. Rev Bras Enferm. 1997;50(1):77-92.
  • 15. Souza MCB, Ceribelli MIPF. Enfermagem no Centro de Material Esterilizado: a prática da educação continuada. Rev Lat Am Enferm. 2004;12(5):767-74.
  • Correspondência:

    Dolores Ferreira de Melo Lopes
    Rua Chile, 185 - Bloco B - Ap. 102 - Vila Brasil
    CEP 86010-220 - Londrina, PR, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      21 Jul 2006
    • Recebido
      06 Out 2005
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