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O ambiente estimulador ao desenvolvimento da criança hospitalizada

El ambiente que estimule el desarrolo del niño hospitalizado

Resumos

O estudo, sob uma abordagem qualitativa, utilizou o método de Observação Simples. Foi realizado com oito crianças internadas em duas unidades pediátricas de um hospital-escola do município de São Paulo. Seu objetivo foi identificar elementos estimuladores ao desenvolvimento da criança em um ambiente hospitalar. O estudo teve o propósito de motivar o profissional de enfermagem a adequar o ambiente hospitalar às necessidades da criança. Após análise dos dados coletados, as categorias desvelaram-se em: objetos e situações estimuladoras, procedimentos e inter-relacionamentos. Concluímos que a pessoa que compõe uma equipe de enfermagem desempenha importante função como um dos elementos estimuladores na assistência à criança hospitalizada, se for consciente desse papel.

Criança hospitalizada; Desenvolvimento infantil; Enfermagem pediátrica


Estudio con enfoque cualitativo que utilizó el método de la observación simple. Realizado con ocho niños internados en dos servicios de pediatría de un hospital-escuela de la ciudad de São Paulo. El objetivo fue identificar elementos que estimulen el desarrollo del niño en un hospital. La finalidad fue motivar al profesional de enfermería para adaptar el ambiente hospitalario a las necesidades del niño. Posterior al análisis de los datos recolectados, las categorías fueron: objetos y situaciones que estimulen, procedimientos e interrelaciones. Concluyese que la persona que conforma un equipo de enfermería tiene una función importante, al ser elemento que estimula al niño durante su atención, sobretodo si es consciente de ese rol.

Niño hospitalizado; Desarrollo infantil; Enfermería pediátrica


This study presents a qualitative approach, and used the method of Simple Observation. It was carried out with eight children who were hospitalized in two pediatric units of a school hospital in São Paulo. Its purpose was to learn the stimulating elements for the development of a child in a hospital environment. Besides, it aimed at motivating nursing professionals to adapt the hospital environment to the child. After the analysis of the collected data, categories were organized as: stimulating objects and situations, procedures and inter-relationships. The conclusion is that the nursing team performs an important role as one of the stimulating elements in the hospitalized child care, since they are aware of this role.

Hospitalized child; Child development; Pediatric nursing


ARTIGO ORIGINAL

O ambiente estimulador ao desenvolvimento da criança hospitalizada* * Extraído da dissertação "A importância do ambiente estimulador para a criança hospitalizada: estudo dos elementos estimuladores na unidade pediátrica", Departamento de Enfermagem, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, 2005.

El ambiente que estimule el desarrolo del niño hospitalizado

Giovana Soares BortoloteI; José Roberto da Silva BrêtasII

IEnfermeira Pediatra. Mestre em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Enfermeira da Infectologia Pediátrica do Hospital São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. soaresbortolote@yahoo.com.br

II Psicólogo. Enfermeiro. Doutor em Enfermagem pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Professor Adjunto da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). São Paulo, SP, Brasil. jrbretas@denf.epm.br

Correspondência Correspondência: Giovana Soares Bortolote Rua Capitão Macedo, 376 - Ap. 32 - Vl. Mariana CEP 04021-020 - São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

O estudo, sob uma abordagem qualitativa, utilizou o método de Observação Simples. Foi realizado com oito crianças internadas em duas unidades pediátricas de um hospital-escola do município de São Paulo. Seu objetivo foi identificar elementos estimuladores ao desenvolvimento da criança em um ambiente hospitalar. O estudo teve o propósito de motivar o profissional de enfermagem a adequar o ambiente hospitalar às necessidades da criança. Após análise dos dados coletados, as categorias desvelaram-se em: objetos e situações estimuladoras, procedimentos e inter-relacionamentos. Concluímos que a pessoa que compõe uma equipe de enfermagem desempenha importante função como um dos elementos estimuladores na assistência à criança hospitalizada, se for consciente desse papel.

Descritores: Criança hospitalizada; Desenvolvimento infantil; Enfermagem pediátrica.

RESUMEN

Estudio con enfoque cualitativo que utilizó el método de la observación simple. Realizado con ocho niños internados en dos servicios de pediatría de un hospital-escuela de la ciudad de São Paulo. El objetivo fue identificar elementos que estimulen el desarrollo del niño en un hospital. La finalidad fue motivar al profesional de enfermería para adaptar el ambiente hospitalario a las necesidades del niño. Posterior al análisis de los datos recolectados, las categorías fueron: objetos y situaciones que estimulen, procedimientos e interrelaciones. Concluyese que la persona que conforma un equipo de enfermería tiene una función importante, al ser elemento que estimula al niño durante su atención, sobretodo si es consciente de ese rol.

Descriptores: Niño hospitalizado; Desarrollo infantil; Enfermería pediátrica.

INTRODUÇÃO

A infância é um período de grande importância no desenvolvimento do ser humano, tanto nos aspectos biológicos como psicossociais e cognitivos. O desenvolvimento e o crescimento da criança não dependem apenas da maturação biológica, mas, das condições do meio ambiente onde vive(1).

A criança, dependendo da fase de desenvolvimento em que se encontra, reagirá de diferentes maneiras para se adaptar ao meio circundante, seja este orfanato, creche, escola, hospital, ou mesmo, o próprio lar.

Na infância, um episódio de doença pode significar um trauma, bem como um atraso ou mesmo interrupção no processo de crescimento e desenvolvimento(1).

Os aparelhos fazem parte do ambiente, emitem ruídos estranhos e são limitadores de movimentos, assustando a criança hospitalizada. O contato próximo com a enfermagem proporciona cuidados à atenção de suas necessidades básicas, como o banho, alimentação, etc. Mas alguns cuidados básicos voltados à terapêutica, como a verificação de sinais vitais, administração de medicamentos e outros procedimentos, considerados invasivos, podem provocar bloqueios nas aquisições motora e cognitiva, quando o contato emergente desta prática é realizado de forma impessoal, sem tratar a criança como um indivíduo com necessidades relacionadas à sua fase de desenvolvimento.

No hospital, crianças apresentam enfermidades que impõem restrições de diversas maneiras, condicionando os estímulos ao seu desenvolvimento. Por sua vez, o meio hospitalar tem organização estabelecida para o tratamento das enfermidades e, via de regra, não é planejado para atender à individualidade de cada criança e necessidades globais da vida na infância(2).

A estimulação oferecida pelo meio ambiente provém das condições que este oferece à criança. Como elementos estimuladores do meio ambiente que podemos denominar suficientemente bons, ou seja, que proporcionam experiências significativas à criança, inclui-se o espaço físico, os objetos e, como principal fonte de estimulação, as pessoas, indivíduos responsáveis pela transmissão de sensações cinestésicas, experiências sensoriais, cognitivas, motoras e sociais à criança, por meio do relacionamento interpessoal exercido durante os cuidados prestados.

Tendo em vista a importância do ambiente para o desenvolvimento da criança, sentimos a necessidade de avaliar como a situação de internação, permeada pelas condições físicas e humanas do ambiente hospitalar, pode afetar o desenvolvimento neuropsicomotor da criança. Por isso, esse estudo consistiu em conhecer os aspectos gerais do ambiente estimulador da criança em que se encontra hospitalizada.

O interesse científico deste estudo refere-se a aspectos do ambiente estimulador de unidades de hospitalização infantil, propiciadores de experiências e vivências nos campos sensorioperceptivo, cognitivo, motor, comunicação de informações do cotidiano. Neste sentido, o estudo estendem-se à identificação dessas interações, ou seja, aos elementos estimuladores que compõem o ambiente hospitalar. Visa, portanto, contribuir para a elaboração de propostas destinadas a adequação do ambiente nas unidades hospitalares de atendimento à criança.

OBJETIVO

O objetivo do estudo constitui-se em identificar elementos estimuladores do desenvolvimento infantil da criança hospitalizada.

MÉTODO

O método utilizado neste estudo foi qualitativo. O ambiente hospitalar foi a fonte direta da coleta de dados e o pesquisador foi seu principal instrumento, proporcionando o contato direto e prolongado do investigador com o ambiente e a situação que foi investigada, por meio do trabalho intensivo de campo(3).

Neste estudo, utilizamos o método da observação simples(4), no qual o pesquisador esteve alheio da comunidade ou do grupo, observando de maneira espontânea os fatos e condições que permeavam o ambiente.

A observação permite a coleta de dados em situações que é impossível outras formas de comunicação(4). Por exemplo, quando o informante não pode falar, no caso dos bebês. Neste estudo, o conteúdo das observações foi direcionado ao aprofundamento científico sobre os elementos estimuladores das unidades pediátricas.

O conteúdo das observações en volveu uma parte descritiva e outra reflexiva. A parte descritiva envolve a descrição dos sujeitos, a reconstrução de diálogos, a descrição de locais, a descrição de atividades e o comportamento do observador. A parte reflexiva envolve as anotações das observações pessoais do pesquisador, realizadas durante a fase de coleta(4).

O projeto desta pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo (CEP 0458/04), obedecendo a padrões estabelecidos pela Resolução 196/ 96, que trata das Normas de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos(5).

Após a observação, com uma grande quantidade de dados transcritos, optamos por uma análise do universo ambiente hospitalar e estímulos, que se baseia na definição de categorias elaboradas a partir das observações de oito sujeitos hospitalizados. Assim, realizamos a análise dos dados fazendo uma leitura integral das observações de cada sujeito tentando compreender as suas experiências. Foram lidos de tal forma a obter-se um sentido geral do todo de cada relato. Em seguida, realizamos uma releitura de cada observação buscando o significado que os estímulos do ambiente hospitalar teve para o sujeito.

Os significados forma agrupados por suas semelhanças dando origem às categorias.

A categorização é uma operação de elementos construtivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento das similaridades com critérios previamente definidos. O agrupamento se efetua em razão dos caracteres comum destes elementos. As categorias são rubricas ou classes atribuídas a um grupo de elementos sob um título genérico(6).

Para a realização da pesquisa, foram observadas oito crianças, compreendendo: um recém-nascido, quatro lactentes, uma em idade pré-escolar e duas em idade escolar. As crianças estavam em dois ambientes de internação de unidades pediátricas de um Hospital Universitário, uma enfermaria de Pediatria Clínica e outra de Infectologia Pediátrica.

As características das unidades, como o espaço físico, as pessoas que compõem a equipe de saúde, os objetos, as normas e rotinas do serviço local constituíram os elementos de observação, além da criança hospitalizada.

A coleta de dados foi realizada pela técnica da Observação Simples de oito sujeitos, em três períodos (manhã, tarde e noite), em interação com o meio ambiente, acompanhados durante cinco dias, totalizando 40 dias e 220 horas de observação.

Durante os períodos citados, os momentos observados foram compreendidos em: observação dos primeiros procedimentos realizados com o sujeito, como a verificação de sinais vitais; observação da atenção às necessidades básicas (banho, refeições, sono/repouso); observação da recreação; e observação de procedimentos, como horário da medicação e curativos.

Para interpretação dos dados obtidos, utilizamos o método da Análise de Conteúdo do tipo análise categorial, que se trata de um conjunto de técnicas de análise das comunicações que visam, por meio de procedimentos sistemáticos e objetivos, descrever o conteúdo das mensagens para obter indicadores, qualitativos ou não, que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção dessas mensagens(6). É uma forma de categorização dos dados verbais ou comportamentais, sendo o objeto da análise a mensagem contida nas comunicações orais ou escritas(6).

Após a observação, com uma grande quantidade de dados transcritos realizamos sua análise, fazendo uma leitura integral das observações de cada sujeito, tentando compreender suas experiências, buscando o significado que os estímulos do ambiente hospitalar teve para o sujeito.

Os significados foram agrupados por suas semelhanças, dando origem a categorias. Com esta organização, buscamos os contornos do sistema de significação que, no seu conjunto, são as representações construídas em nível das anotações pelos acontecimentos na relação criança e ambiente hospitalar, constitutivos do modo como são influenciados pelo ambiente e as subjetividades emergentes desse fenômeno.

As categorias emergentes de nossa análise compõem e representam o eixo temático em torno do qual os depoimentos se articulam, a saber: objetos e situações estimuladoras, procedimentos e inter-relacionamentos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Objetos e situações estimuladoras

No dia-a-dia de uma unidade de internação, foram observados bebês, deitados em seus berços, posicionados ora em decúbito dorsal, ora em decúbito lateral, direito ou esquerdo. Quando acordados, eram atraídos pelas grades do berço e outros objetos estimuladores que compõem o ambiente.

O bebê responde visualmente a objetos colocados a cerca de 30 cm(7). A resposta a cores: branco, vermelho e amarelo é obtida mesmo induzindo sinais de perseguição de pequena amplitude. A exploração visual do envolvimento é, portanto, verificada logo ao nascimento, evidenciando o papel relevante da visão na interação com o meio envolvente(8).

A criança ao ser deixada em seu leito de internação, começa uma fase de exploração visual com relação ao espaço a seu redor, onde as grades de um berço, em cor branca, despertam seu interesse. Assim, inicia uma movimentação motora, como um desejo de apreensão do objeto.

Objetos próximos do campo visual da criança costumam desencadear seu interesse para o alcance, a exploração manual, estimulando-a na movimentação dos membros superiores e, posteriormente, nos movimentos com as mãos.

A manipulação de objetos pela criança desenvolve seu conhecimento por meio dos atributos e qualidades desses objetos. É nessas condições que o conhecimento torna-se pessoal e transmissível, conservado, consolidado, isto é, adquirido(9).

É importante que a criança hospitalizada tenha a liberdade para visualizar e movimentar-se no leito para perceber o meio que a envolve, devendo ser acomodada próxima a objetos. A necessidade de um espaço apropriado está relacionado com os primeiros desejos de exploração do meio ambiente.

Quando a criança hospitalizada é levada ao colo do cuidador, pode visualizar maior número de objetos e vivenciar diferentes situações em seu ambiente, sendo este fato uma situação estimuladora.

As distâncias (o espaço) deixam de ser desconhecidas, as direções passam a ser relativas e o meio começa a poder se modificar em função dos primeiros esboços de desejos. O espaço imaginário transforma-se em um espaço real independente, ao alcance da criança(9).

Verificamos que os alarmes emitidos por um aparelho eletrônico, como uma bomba de infusão, desencadeiam estímulos auditivos em cada criança estudada.

Outro fator observado foi com relação ao telefone, como objeto estimulador que, geralmente, fica localizado no corredor das unidades pediátricas e emite ruídos diariamente, chegando ao interior dos quartos das crianças internadas. Vozes de diversas pessoas com diferentes entonações também eram estímulos auditivos, percebíveis pelas crianças estudadas em distintos períodos do dia.

A audição caracteriza-se por ser um sentido pluridirecional, ininterrupto, trata-se de um sistema sensorial básico para a compreensão da linguagem falada pelos seres humanos(8).

A emissão de ruídos no ambiente hospitalar é percebida pela criança, sendo captada por vias sensoriais, desencadeando alterações de comportamento que são refletidas por meio do tônus, interrompendo, muitas vezes, o período de repouso da criança hospitalizada.

Em pediatria, grande parte do tratamento às diversas doenças que acometem crianças de diferentes idades, é compreendido pela infusão de drogas (antibióticos, soros para hidratação, analgésicos, entre outros) por via endovenosa, o que requer a manutenção de um acesso venoso periférico, o qual, geralmente, se encontra posicionado, fixo, em um dos membros superiores da criança, especificamente, no dorso da mão. Essa restrição limita os movimentos da criança para brincar ou alimentar-se.

O desenvolvimento das extremidades, como órgãos de preensão e de exploração, está associado à capacidade de sustentação e destreza antigravidade. A manipulação pode, então, estimular o cérebro, e este, por sua vez, pode reconstituir e multiplicar suas capacidades práxicas e simbólicas(8).

Em cada idade, o movimento toma características profundamente significativas, como processo maturativo e, portanto, como enriquecimento específico do indivíduo com o ambiente(8).

Pensamos que as punções venosas periféricas devem ser realizadas, de preferência, no membro que a criança menos utiliza evitando-se, dessa forma, seu comprometimento motor e social.

A criança só poderá ter noção de um objeto quando esse mesmo objeto for por ela utilizado. A função de uso é sinônimo da função de conhecimento. A assimilação do objeto só poderá existir perante um sistema de troca entre a criança e o mesmo(8).

Observamos que o brinquedo inserido no processo de hospitalização da criança exerce uma função importante, como uma fonte de estimulação, atingindo as áreas sensorioperceptivas e a área motora fina de acordo com a faixa etária da criança observada.

A criança só poderá ter uma imagem de um objeto se este passar pela sua experiência, pela sua ação, isto é, pelas suas mãos(9).

Notamos que uma das crianças observadas era portadora de problema neurológico. Passava grande parte do tempo deitada no mesmo decúbito, observando os brinquedos deixados em sua cama. Constatamos, também, que nenhuma pessoa do ambiente dava-lhe atenção, conversando ou brincando, mas, por iniciativa própria, passou a explorar os brinquedos, alcançando-os com uma das mãos, porém, logo se cansava e voltava ao comportamento de observação.

A criança deficiente é a que se desvia da média ou da criança normal em: características neuromusculares e corporais; aptidões sensoriais; características mentais; comportamento emocional e social a ponto de ser necessário justificar e requerer a modificação das práticas educacionais, no sentido de desenvolver ao máximo suas capacidades(10).

Observamos que uma criança hospitalizada passava a maior parte do dia brincando em seu quarto de internação, sem dar atenção às pessoas que entravam e saiam do local. Esse fato demonstrava sua capacidade de brincar e ser criativa mesmo em um ambiente hospitalar. Neste sentido, relatou-se que a manipulação dos objetos e brinquedos, mesmo o mais simples, é de grande significado ao desenvolvimento da criança(9).

O objeto e o brinquedo assumem o papel e a importância de um verdadeiro amigo que ajuda (e participa) na descoberta das mais variadas e alegres conquistas sensoriais e espaciais(9).

Outro aspecto observado foi que os bichinhos de pelúcia trazidos pelos familiares ao hospital funcionam como objetos de transição no universo da hospitalização da criança. Em alguns casos, esse objeto estimulador serve como material diferenciado para o toque, para o manuseio e exploração pelas mãos de crianças com problemas neurológicos.

A experiência do brincar não se localiza na realidade interna, nem tampouco na realidade externa, mas na área intermediária de experimentação, na qual encontramos os objetos transicionais(11).

Os fenômenos transicionais e o objeto transicional são fundamentais no processo que a criança vivencia entre a total inabilidade para reconhecer e aceitar a realidade e seu crescente reconhecimento(11).

A fralda de pano quando usada pela criança, como seu paninho para ajudar a adormecer, traz uma fonte de segurança e apoio naquele momento da internação, funcionando como objeto transicional.

Verificamos que a uma criança de faixa etária escolar, a manta trazida de sua casa exercia papel de objeto transicional, pois só adormecia com o uso da manta em seu leito.

A relação do objeto transicional com o simbolismo refere-se, por exemplo, com a ponta do cobertor, podendo ser um objeto simbólico substituto do seio materno. Portanto, o importante não é sua realidade, mas seu valor simbólico. O objeto não é o seio materno, mas o representa, portanto é tão importante quanto o seio real(11).

A importância dos objetos transicionais à criança hospitalizada consiste no fato de ser uma fonte de segurança emocional frente aos inúmeros procedimentos invasivos que são realizados em uma unidade de internação. A pessoa responsável pelos cuidados da criança precisa estar consciente desse fato, a fim de evitar limitações na exploração do ambiente pela criança.

Os procedimentos

Por vezes, foi possível constatar que a equipe de enfermagem mostrava-se indiferente com relação à criança ao realizar a maioria dos procedimentos, mantendo conversas paralelas com colegas de trabalho. Esta atitude mostrou uma forma impessoal de lidar com o paciente pediátrico.

Inúmeros fatores sociais, como falta de estimulação, deficientes experiências motoras e psicomotoras, privação social, reduzida interação lingüística com o adulto e inadequado envolvimento afetivo podem dificultar o desenvolvimento infantil e originar problemas de inadaptação social(8).

Durante a realização da punção venosa periférica em crianças hospitalizadas pela equipe de enfermagem, observamos que havia transmissão de estímulo tátil cinestésico, no momento em que eram tocadas pelo profissional; no entanto, verificamos que não havia troca de palavras nem de olhares para com essas crianças, faltando a comunicação verbal, que funcionaria como um elemento tranquilizador para o procedimento.

É importante enriquecer o vocabulário da criança para ajudá-la a perceber seu corpo. Este em ação ou estático, é um fator essencial de referência, de orientação, facilitando o acesso da criança a certos conceitos(12).

Constatamos que o banho desempenha um importante papel, como fonte de estimulação à criança hospitalizada. As áreas do desenvolvimento neuropsicomotor beneficiaram-se com esse procedimento, pois observamos o envolvimento do cuidador que o realizava, proporcionando estímulos positivos nos campos sensorial, linguagem, motor grosso e pessoal-social.

O banho, além de produzir um efeito sedativo, coloca o corpo em um outro meio (água) onde a orientação e a espacialização corporal são diferentes e melhores controladas. Na água, os movimentos são mais livres e soltos pelo aproveitamento da impulsão que diminui a ação da gravidade(13).

O banho no leito para a criança hospitalizada foi considerado como um momento estimulador, pois notamos uma troca constante de olhares, palavras e estimulação tátil exercidos pela equipe de enfermagem.

Quanto à passagem de plantão da equipe de enfermagem, foram verificados diferentes entonações de voz. A aproximação das pessoas que faziam parte da equipe estavam à porta do quarto das crianças no início da manhã, início da tarde e período noturno, despertava a atenção do paciente pediátrico. Houve transmissão de estímulos sonoros destinados à área da linguagem e do campo sensorial para cada idade correspondente.

Na passagem de plantão, geralmente, não existe a preocupação de mencionar a idade da criança. Nesse sentido, observamos que os fatos relatados de uma equipe para outra dizem respeito somente ao estado clínico da criança, não levando em consideração seu nível de desenvolvimento psicomotor.

Quanto ao procedimento que envolve a administração de medicamentos, percebemos que o mesmo proporcionou estimulação sensorioperceptiva, pois possibilitou o contato do cuidador com a criança, por meio da comunicação verbal e não-verbal.

Verificamos que a criança de idade pré-escolar recebeu estimulação com a interação da auxiliar de enfermagem. Esta, posicionada à sua frente para lhe administrar medicamento, conversava com ela enquanto manipulava seu acesso venoso periférico.

A noção do objeto e o significado de sua utilização levam ao progresso da noção de ordem, propriedade fundamental de coordenação das ações(8) .

Observamos estimulação nas áreas da linguagem e pessoal-social a uma criança na faixa etária pré-escolar durante a realização de seu curativo. A enfermagem interagiu com a criança ao conversar com ela e ao permitir que participasse do procedimento.

Acreditamos que a equipe de enfermagem envolvida com a assistência diária ao paciente pediátrico conseguirá exercer oportunidades de estimulação durante a realização de um procedimento se direcionar os procedimentos de acordo com cada área do desenvolvimento neuropsicomotor de uma criança.

Observamos também a interação social da criança hospitalizada com a recreacionista que se aproximou com uma série de livros. Verificamos a falta desse tipo de atividade para crianças portadoras de problemas neurológicos. Elas poderiam ser beneficiadas por essa iniciativa, sendo estimuladas em níveis sensoriais e cognitivos.

Inter-relacionamentos

Na descrição de questões relacionadas aos inter-relacionamentos, percebemos que o contato com lactentes e crianças maiores durante o procedimento de verificação dos sinais vitais, era realizado de maneira impessoal. Em nenhum momento os nomes das crianças foram pronunciados pela equipe de enfermagem, portanto não houve estimulação das áreas linguagem e pessoal-social. Desta maneira, o procedimento foi realizado sem personalizar o atendimento.

O manuseio do bebê, sem contato face a face, sem troca de olhar, não exerce estimulação motora ou sensorial. Nessas condições, a sensação tátil não exerce efeito positivo.

Em outra situação, referente à alimentação da criança, constatamos que, quando a equipe de enfermagem disponibilizava tempo suficiente para oferecer uma mamadeira a um lactente, havia transmissão de estímulos sensoriais ao bebê no aconchego do colo do cuidador, onde recebia não apenas o alimento, mas também a estimulação sensorioperceptiva.

Por outro lado, verificamos também que a ausência de interesse do profissional ao se relacionar com o paciente pediátrico e a falta de conhecimento científico com relação às características da criança segundo sua faixa etária, evidenciam que a equipe de enfermagem não valoriza o momento de estar com a criança durante sua refeição.

Percebemos que uma das maiores fontes de estimulação para uma criança hospitalizada consiste na presença da mãe durante o ato da alimentação. Quando o bebê mama, há a sensação global de bem-estar nos braços da mãe(14). Percebemos a comunicação entre ambos, por meio do olhar entre eles, enquanto o leite tépido e adocicado saciava a fome do bebê.

A equipe de enfermagem pode ser orientada para aproximar-se da criança com uma mamadeira, se possível envolvendo-a em um pano ou plástico colorido para chamar sua atenção, mantendo à vista da criança, chamando-a pelo nome e pegando-a ao colo.

O diálogo que ocorre na interação face a face, dá ao bebê a oportunidade de ouvir diferentes sons de linguagem. A criança pequena é atraída pelo movimento e mudanças na entonação de voz(15).

Com relação ao ato de trocar a fralda, observamos que a principal fonte de estimulação está na pessoa que cuida diariamente da criança; especificamente, a mãe que a acompanha no hospital.

A enfermagem deve levar a criança ao colo para arrumar seu leito e prepará-la para a troca de fralda. Também deve providenciar objetos como: argolas, chocalhos, bichinhos de borracha, deixando ao lado da criança para que ela possa pegar ou manipular enquanto for trocada ou durante outra higienização.

Notamos que uma criança em idade escolar pode encontrar dificuldade para usar o banheiro no hospital por se deparar com uma estrutura física edificada para uso do adulto. A equipe de enfermagem necessita orientar e auxiliar a criança como realizar suas necessidades fisiológicas nas condições que dispõe, contribuindo, dessa forma, ao estímulo na área pessoal-social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento biopsicossocial de uma criança, que muito depende do meio e principalmente do adulto, consiste em proporcionar condições de afeto, segurança, estimulação e aprendizagem. Tais condições permitem um desenvolvimento harmonioso em âmbito emocional, psicomotor, lingüístico e cognitivo(9) .

O desenvolvimento da criança é ativamente guiado pela experiência social, isto é, a criança evolui pela integração com o adulto socializado(10).

A pessoa responsável pelos cuidados diários de uma criança hospitalizada, é a principal fonte de estimulação para a organização motora de base, para o desenvolvimento da percepção e, posteriormente, da cognição. Para que o ambiente hospitalar transforme-se em um ambiente estimulador, o cuidado prestado à criança necessita ser transformado em uma experiência significativa.

O ambiente exerce importância à criança quando há disposição adequada do espaço físico, dos objetos, dos sons e imagens oferecidos. Contudo, o ambiente permanece em segundo plano quando a pessoa que está ao lado da criança personaliza o atendimento e atende suas necessidades.

A criança, durante seu desenvolvimento normal, explora e interage com seu meio, de forma contínua, quando lhe são oferecidas oportunidades em ambientes favoráveis. Portanto, cuidar de quem se encontra fragilizado e internamente desorganizado em função de uma doença grave é um desafio, e cabe ao enfermeiro promover seu desenvolvimento propiciando um espaço não – ameaçador, que facilite as trocas da criança com esse ambiente(16).

Um ambiente estimulador à criança, que se encontra em uma unidade de internação, deve ser constituído por pessoas que tenham conhecimento sobre os processos de desenvolvimento infantil normal e seus desvios. Os profissionais responsáveis pelo cuidado à criança, no caso a equipe de enfermagem, precisa oferecer um plano de cuidados tendo como base a estimulação da criança partindo das etapas do desenvolvimento psicomotor, psicossocial e cognitivo.

Somente a conscientização de seu papel na promoção do desenvolvimento infantil, levará o enfermeiro a contribuir, favoravelmente, nos processos de evolução do indivíduo.

Os objetos, as situações vivenciadas pela criança, os procedimentos e os inter-relacionamentos podem ser experiências benéficas ou maléficas. Somente o conhecimento, a disposição e a especialização da equipe de enfermagem poderão tornar o ambiente estimulador, portanto benéfico à criança.

A aprendizagem humana desenvolve-se passo a passo em um ambiente psicológico adequado e estimulador. Quando o ambiente não é adequado, o desenvolvimento das capacidades de aprendizagem da criança torna-se comprometido(10).

Cabe aos profissionais de saúde exercerem meios de estimulação para a criança hospitalizada, com base no conhecimento científico sobre cada fase do desenvolvimento infantil, além da conscientização sobre a importância de seus atos em relação a assistência à criança no hospital.

Ao estudamos os elementos estimuladores das unidades de internação pediátricas, não imaginávamos que a principal fonte de estímulo para uma criança desenvolver-se, segundo suas capacidades psicomotoras e cognitivas estaria na pessoa que a envolve, diariamente, em seus cuidados, seja para a alimentação, para a higiene, para o brincar, para um procedimento técnico de enfermagem. O envolvimento pessoal de quem cuida transmite à criança doente a experiência essencial, o contato humano.

A experiência pré-verbal, a manipulação dos objetos, a exploração espacial, entre outras aquisições do desenvolvimento, somente são possíveis quando há uma pessoa que lhe proporcione essas oportunidades.

Se cada profissional tomasse consciência de sua importância ao cuidar, ao manipular a criança, estaria certo de que suas ações seriam muito mais do que um ato rotineiro. A pessoa que compõe uma equipe de enfermagem, desempenha importante função como um dos elementos estimuladores na assistência à criança hospitalizada, se for consciente desse papel.

Neste sentido, a equipe de enfermagem, por assistir a criança durante 24 horas, constitui-se no profissional que deve assumir a responsabilidade de desenvolver um programa de estimulação, visando manter o equilíbrio do processo de crescimento e desenvolvimento da criança(1).

Toda criança tem um ciclo de vida que, começa no nascimento, sendo nossa missão zelar para que esse ciclo seja saudável. Haverá um processo contínuo de progresso se a assistência à criança no ambiente hospitalar também for estimulante.

Assim, é necessário que a equipe de enfermagem tome consciência dos papéis sociais, dos valores e dos conhecimentos científicos a respeito dos processos de desenvolvimento da criança, a fim de transformar a assistência diária em momentos estimuladores e gratificantes a qualquer paciente pediátrico.

Recebido: 13/07/2006

Aprovado: 10/08/2007

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  • Correspondência:
    Giovana Soares Bortolote
    Rua Capitão Macedo, 376 - Ap. 32 - Vl. Mariana
    CEP 04021-020 - São Paulo, SP, Brasil
  • *
    Extraído da dissertação "A importância do ambiente estimulador para a criança hospitalizada: estudo dos elementos estimuladores na unidade pediátrica", Departamento de Enfermagem, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, 2005.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2008

    Histórico

    • Aceito
      10 Ago 2007
    • Recebido
      13 Jul 2006
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