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Estudo retrospectivo das complicações pós-operatórias em cirurgia primária de lábio e palato

Estudio retrospectivo de las complicaciones post-operatorias en la cirurgía primaria de labio y paladar

Resumos

Estudo retrospectivo das complicações de cirurgias primárias de lábio e palato, do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo, teve como objetivos identificar as complicações mais freqüentes, e verificar a associação entre as complicações identificadas e as variáveis demográficas. Foram verificados 555 prontuários de pacientes submetidos à cirurgia de lábio e/ou palato em um período de seis meses, destes foram excluídos pacientes sindrônicos, aqueles que tiveram complicações intra-operatórias e com os prontuários incompletos, resultando numa amostra de 484 prontuários. Obteve-se o predomínio do sexo masculino (60,5), a etnia branca (91,9%), eutrófica com média de idade de 37 meses, a fissura mais incidente foi a transforame (64,5%) e a cirurgia predominante foi a queiloplastia (56,6%). A dor foi a complicação mais freqüente seguida da desaturação de oxigênio e taquicardia. Não houve associação estatisticamente significante entre as complicações identificadas e o sexo, estado nutricional e procedimento cirúrgico.

Complicações pós-operatórias; Fenda labial; Fissura palatina


El presente estudio retrospectivo sobre complicaciones de cirugías primarias de labio y paladar, del Hospital de Rehabilitación de Anomalías Craneofaciales de la Universidad de Sao Paulo, tuvo como objetivos identificar las complicaciones más frecuentes y verificar la relación entre las complicaciones identificadas y las variables demográficas. Fueron verificadas 555 historias clínicas de pacientes sometidos a cirugía de labio y/o paladar en un período de seis meses, de los cuales se excluyeron los pacientes sindrómicos, aquellos que tuvieron complicaciones intraoperatorias y las historias clínicas incompletas, dando como resultado una muestra de 484 historias clínicas. Se obtuvo un predominio del sexo masculino (60.5), de raza blanca (91.9%), eutrófica con un promedio de edad de 37 meses, la fisura de mayor incidencia fue la transforame (64.5%) y la cirugía predominante la queiloplastia (56.6%). El dolor fue la complicación más frecuente seguida de la desaturación de oxígeno y taquicardia. No hubo asociación estadísticamente significativa entre las complicaciones identificadas y el sexo, estado nutricional y procedimiento quirúrgico.

Complicaciones postoperatorias; Labio leporino; Fisura del paladar


This retrospective study addressed the complications of primary lip and palate surgeries, and was carried out at Craniofacial Anomalies Rehabilitation Hospital at University of São Paulo. The present study aimed to identify the most frequent complications, as well as verifying the relations between demographic variables and the complications observed. The sample comprised the records of 484 patients submitted to primary lip and palate surgery during the period of November 2000 to April 2001. The results demonstrated predominance of white male individuals with a median age of 12 months. The most frequent type of cleft was complete cleft lip and palate, and cheiloplasty was the most prevalent surgery. Of the 484 patients included in the study, 58.05% presented at least one or more postoperative complications. Pain was the most frequent problem in the evaluated group, followed by oxygen desaturation and tachycardia.

Postoperative complications; Cleft lip; Cleft palate


ARTIGO ORIGINAL

Estudo retrospectivo das complicações pós-operatórias em cirurgia primária de lábio e palato

Estudio retrospectivo de las complicaciones post-operatorias en la cirurgía primaria de labio y paladar

Janir BiazonI; Aparecida de Cássia Giani PenicheII

IMestre em Enfermagem pelo Programa de Pós-graduação em Saúde do Adulto (PROESA), Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo (EEUSP). São Paulo, SP, Brasil. janircentrinho@usp.br

IIProfessor Associado do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica (ENC), Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo (EEUSP). São Paulo, SP, Brasil. ggphe@usp.br

Correspondência Correspondência: Janir Biazon Rua René Tacola, 1-80 - Vila Aviação CEP 17018-610 - Bauru, SP, Brasil

RESUMO

Estudo retrospectivo das complicações de cirurgias primárias de lábio e palato, do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo, teve como objetivos identificar as complicações mais freqüentes, e verificar a associação entre as complicações identificadas e as variáveis demográficas. Foram verificados 555 prontuários de pacientes submetidos à cirurgia de lábio e/ou palato em um período de seis meses, destes foram excluídos pacientes sindrônicos, aqueles que tiveram complicações intra-operatórias e com os prontuários incompletos, resultando numa amostra de 484 prontuários. Obteve-se o predomínio do sexo masculino (60,5), a etnia branca (91,9%), eutrófica com média de idade de 37 meses, a fissura mais incidente foi a transforame (64,5%) e a cirurgia predominante foi a queiloplastia (56,6%). A dor foi a complicação mais freqüente seguida da desaturação de oxigênio e taquicardia. Não houve associação estatisticamente significante entre as complicações identificadas e o sexo, estado nutricional e procedimento cirúrgico.

Descritores: Complicações pós-operatórias; Fenda labial; Fissura palatina.

RESUMEN

El presente estudio retrospectivo sobre complicaciones de cirugías primarias de labio y paladar, del Hospital de Rehabilitación de Anomalías Craneofaciales de la Universidad de Sao Paulo, tuvo como objetivos identificar las complicaciones más frecuentes y verificar la relación entre las complicaciones identificadas y las variables demográficas. Fueron verificadas 555 historias clínicas de pacientes sometidos a cirugía de labio y/o paladar en un período de seis meses, de los cuales se excluyeron los pacientes sindrómicos, aquellos que tuvieron complicaciones intraoperatorias y las historias clínicas incompletas, dando como resultado una muestra de 484 historias clínicas. Se obtuvo un predominio del sexo masculino (60.5), de raza blanca (91.9%), eutrófica con un promedio de edad de 37 meses, la fisura de mayor incidencia fue la transforame (64.5%) y la cirugía predominante la queiloplastia (56.6%). El dolor fue la complicación más frecuente seguida de la desaturación de oxígeno y taquicardia. No hubo asociación estadísticamente significativa entre las complicaciones identificadas y el sexo, estado nutricional y procedimiento quirúrgico.

Descriptores: Complicaciones postoperatorias; Labio leporino; Fisura del paladar.

INTRODUÇÃO

A fissura de lábio e ou palato é a mais comum dentre as malformações congênitas, ocorrendo entre 1,2 a 1,6% dos nascidos vivos. No Brasil, alguns autores(1) relatam a prevalência de um caso para cada 650 nascidos vivos. Estima-se que existam aproximadamente 260.908 portadores de fissuras labiopalatais no país(2).

Para a criança que nasce com a presença de fissura, a cirurgia reconstrutora é um desafio não só estético, mas principalmente funcional. A cirurgia primária de lábio, também chamada de queiloplastia, é realizada para o fechamento da abertura do lábio, causada pelo defeito de nascimento. Se a fissura é bilateral, o fechamento de ambos os lados poderá ser de uma única vez, ou o cirurgião poderá repará-la em duas etapas. Já a cirurgia primária de palato, palatoplastia, é realizada para o fechamento da abertura do palato, em uma ou duas etapas.

O Hospital de Reabilitação de Anomalias Crânio-encefálicas da USP (HRAC-USP) preconiza os três meses de vida como idade mínima para a realização da queiloplastia, e no mínimo um ano de vida para a palatoplastia, se o paciente tiver alcançado as condições orgânicas necessárias para ser submetido à anestesia geral, com segurança isto é, peso mínimo de 4.500 g, taxa de hemoglobina acima de 9,5g/dl para queiloplastia primária, e superior a 10g/dl para palatoplastia; série branca sem alterações; tempos de protrombina e de tromboplastina parcial ativada, e dosagem do fibrinogênio dentro dos valores de referência.

Como este tipo de procedimento não se caracteriza uma emergência, pela própria rotina estabelecida pela instituição, o que lhe confere um período pós-operatório com o mínimo de riscos.

Porém, mesmo assim, alguns estudos(3-5) apontam a hipoxemia, obstrução respiratória, hipovolemia e edema de língua como algumas das complicações observadas freqüentemente em sala de recuperação pós-anestésica e associadas ao tipo de cirurgia, ao tipo de anomalia e à técnica cirúrgica.

Sendo assim, com a finalidade de embasar cientificamente a assistência de enfermagem prestada ao paciente portador de fissuras labiopalatais e acreditando que, com o conhecimento das complicações haja melhoria da qualidade da assistência prestada ao paciente em SRPA, têm-se como objetivos identificar as mais freqüentes em cirurgias primárias de lábio e palato no período pós-operatório; verificar as possíveis associações entre as complicações pós-operatórias mais freqüentes identificadas e as variáveis: sexo, etnia, faixa etária, avaliação antropométrica, tipo de fissura, procedimento anestésico cirúrgico realizado.

MÉTODO

O estudo foi desenvolvido no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC), localizado em Bauru - SP, centro especializado na reabilitação de portadores de lesões labiopalatinas, deficiências auditivas, dismorfias craniofaciais, malformações de extremidades, deficiências múltiplas, visuais e de linguagem.

Após os trâmites legais da pesquisa, acessou-se, num período de seis meses, 555 prontuários dos pacientes submetidos à cirurgia primária de lábio e/ou palato, junto ao Centro de Processamento de Dados (CPD) do HRAC da Universidade de São Paulo (USP). Destes, foram excluídos aqueles que eram de pacientes sindrômicos e/ou com seqüência de Pirre Robin, outros cinco que tiveram complicações no período intra-operatório e 30 que estavam incompletos. Sendo assim a amostra foi composta por 484 prontuários de pacientes. Para a coleta de dados elaborou-se um formulário contendo os itens: identificação, idade, etnia, sexo, avaliação antropométrica (escore Z), tipo de fissura, procedimento cirúrgico e anestésico realizado, além de conter parâmetros clínicos e sintomas considerados por diversos autores(6) como indicativos de complicações em SRPA quando alterados, são eles: freqüência cardíaca, temperatura, pressão arterial, saturação de oxigênio, edema de língua, hipoventilação, obstrução respiratória alta, sangramento, dor, náusea e vômito, tremor, agitação/disforia, estados de consciência. Salienta-se que dentre estes parâmetros, alguns como a hipoventilação, obstrução respiratória alta, edema de língua, náuseas, vômitos, sangramento e dor são registrados sob a forma de julgamento dos profissionais (anotação).

Em virtude das diferentes formas de registros, foram estabelecidos critérios para identificar as possíveis complicações e o sistema fisiológico envolvido, conforme mostra o Quadro 1.


Para a obtenção da avaliação antropométrica (escore Z) os dados peso, estatura e idade foram colocados no programa para computador: Anthropometric Statistical package interactive data entry program. Que utiliza o desvio padrão derivado das curvas de crescimento populacional de referência NCHS do Center of Disease Control (World Health Organization, 1986). Neste programa é possível calcular o escore Z dos pacientes que possuem estatura até 140 cm.

Para análise estatística do estudo foram calculados: a média, o desvio padrão e o coeficiente de variação, assim como as freqüências absolutas e relativas o coeficiente de associação e de comparação de Mc Nemar e o e o coeficiente de contingência de Pearson. Em todas as análises efetuadas, as estatísticas calculadas foram consideradas significativas quando p < 0,05.

RESULTADOS

Os dados demográficos estão apresentados na Tabela 1 e retratam uma amostra com média de idade dos pacientes foi de 37,5 meses (dp=77 meses e 5 dias), o escore Z teve média de 0,02 (dp= 1, 8). A maioria da amostra foi de etnia branca (91,9%), do sexo masculino (60,5%), portador de fissura do tipo transforame (64,5%), e submetidos a queiloplastia (56,6%). Com relação ao tipo de anestesia, predominou a anestesia geral inalatória com o uso do sevoflurano (99,2%).

Neste estudo foram consideradas como complicações mais freqüentes aquelas com citações acima de 77 prontuários examinados. A anotação de dor foi encontrada em 108 prontuários (22,3%), desaturação de oxigênio em 84 (17,4%) apresentando média de 75(dp=0,1), taquicardia em 81 (16,74%) com média de 175 batimentos por minuto (dp=23).

Tabela 2

Associação entre as variáveis estudadas

As análises aqui apresentadas são somente aquelas as quais a população amostral permitiu tratamento estatístico.

No que se refere ás complicações entre 293 pacientes do sexo masculino, 172 tiveram complicações neste período estudado e dos 191 pacientes do sexo feminino 109 apresentaram algum tipo de complicação, porém não houve associação significante entre sexo e complicação pós-operatória. ( χ² = 0,128 e p > 0,50). O mesmo acontecendo com a ocorrência de complicação conforme o tipo de cirurgia os testes estatísticos (χ² = 0,672 e p > 0,30) e a avaliação antropométrica (χ² = 3,466 e p > 0,10), isto é, não houve associação entre essas variáveis estudadas.

Ao considerarmos a dor como a complicação mais citada, temos como mostra os dados da Tabela 4, uma maior ocorrência da dor na queiloplastia (χ² =7,730; p < 0,05 e φ =0,13).

O mesmo não acontecendo com a segunda mais citada complicação a desaturação de oxigênio (χ² =2,269 ; p >0,10 ).

A desaturação de oxigênio também apresentou uma relação estatisticamente significante com a faixa etária de 6 a 12 meses e de 12 a 18 meses (χ² = 12,864; p < 0,02 e C=0,16) cujas proporções de ocorrências foram 25,9% e 23,1% respectivamente (Tabela 5).

DISCUSSÃO

A idade do grupo em estudo apresentou uma média de 37,5 meses de idade. A maior concentração de pacientes nas faixas de 0 a 18 meses é justificada pelo momento propício para a realização da correção das fissuras labio-palatinas, ou seja, a realização da queiloplastia a partir dos três meses de idade e da palatoplastia a partir dos 12 meses é considerada pelos cirurgiões como favorável para realização do procedimento anestésico cirúrgico(7).

A avaliação antropométrica apresentou um escore Z (peso em relação à altura, referente ao sexo e à idade) média de 0,02. Ressalta-se que do universo amostral de 484 pacientes, foi possível calcular o escore Z de 449, pois 35 indivíduos apresentavam altura superior a 140 cm.

Dentre estes 449 pacientes, 360 (80,2%) foram classificados como eutróficos. O estado nutricional e metabólico do paciente cirúrgico é uma variável importante quando relacionada as complicações pós-operatórias, uma vez que o organismo depende em grande parte da sua recuperação, principalmente no que se refere à cicatrização da ferida cirúrgica apresentando evidências de interferência nos mecanismos de defesa do organismo(8).

Demonstrou-se, no presente estudo, que não houve associação estatisticamente significante entre estado nutricional da avaliação antropométrica e complicação pós-operatória. Este resultado deve ser melhor investigado em outros estudos, pois não foi possível analisar adequadamente o estado nutricional dos pacientes, uma vez que o levantamento realizado limitou-se aos dados antropométricos, sem considerar outros necessários como bioquímicos, clínicos e dietéticos.

Quanto ao sexo houve uma maior incidência (60,5%) de homens. Esse resultado corrobora com o encontrado em literatura, no qual se constou que 60% das fissuras ocorrem neste sexo(9).

Com relação à fissura a transforame incisivo (64,5%) foi a de maior incidente. Geralmente este é o tipo de maior ocorrência na população. Observou-se também um predomínio de pacientes de etnia branca (91,9%) o que contrasta com outros autores(6-9) que apontam para uma maior prevalência de portadores de fissuras labiopalatinas na etnia amarela (1:674 nascidos vivos), seguida da branca (1:1000 nascimentos) e menor a incidência na negra (1:1821 nascimentos).

Considerando-se o tipo de cirurgia primária realizada, a queiloplastia aparece em maior número com 56,6%, seguida da palatoplastia, 43,0%.

Em relação ao tipo de anestesia realizada nos procedimentos cirúrgicos, a geral inalatória aparece em 99,2%, tendo sido utilizado sevoflurano como agente principal. Esta droga determina boa estabilidade cardiopulmonar e previsível resposta, tanto no período de indução como no de emergência anestésica, tendo como propriedades: a ausência de odor, a não irritação de vias aéreas, o baixo coeficiente de partição sangue/gás e a pequena depressão dos sistemas cardiovascular e respiratório. O baixo coeficiente de partição sangue/gás proporciona rápido aumento da concentração alveolar durante a indução da anestesia e rápida queda durante a eliminação do agente inalatório, propiciando indução e recuperação mais rápidas(10).

Complicações Pós-Operatórias no Período de Recuperação Pós Anestésica

Mais especificamente, em estudo retrospectivo das complicações de cirurgias de lábio e palato, alguns autores(11) obtiveram índices de complicação na ordem de 14,2% a 17,4%. Sendo assim, o que se constata é a presença constante de complicações, embora com uma variação de ocorrência determinada não só pela especificidade de cada procedimento, mas também relacionada aos riscos ligados ao paciente.

No presente estudo, 58,0% dos 484 pacientes submetidos à cirurgia primária de lábio e palato no HRAC-USP apresentaram pelo menos uma complicação na SRPA. Embora considerada uma elevada incidência, quando comparado à literatura específica, não houve associação estatisticamente significativa (χ² = 0,672 e p > 0,30) entre complicação pós-operatória e tipo de procedimento cirúrgico. Este fato pode estar associado à metodologia empregada, isto é, apesar da seriedade e legalidade dos registros utilizados para o desenvolvimento desta pesquisa, não se pode deixar de salientar a possibilidade de diferentes julgamentos feitos de um fato observado.

Dentre as complicações citadas a mais freqüente foi a dor seguida de desaturação de oxigênio e taquicardia.

Quando realizada a associação entre os pacientes que apresentaram dor com o tipo de procedimento cirúrgico, a maior ocorrência desse sintoma foi encontrada na queiloplastia 27,0%. Este tipo de cirurgia normalmente ocorre, no HRAC-USP, antes dos 12 meses de idade. Porém nesta faixa etária, a resposta verbal está prejudicada, assim a medição e avaliação desta complicação nos pacientes pediátricos são desafios aos profissionais que trabalham com esta clientela. Para esta análise vários fatores devem ser considerados, como: a natureza dos estímulos nocivos, respostas fisiológicas, comportamentais e emocionais, fatores ambientais e situacionais.

Levando-se em consideração a taquicardia como um dos critérios adotados para identificação da dor, constatou-se que, dos 108 pacientes que a apresentaram, 25 estavam taquicardicos, o que demonstra a existência de associação (χ² = 4,108; p > 0,05 e φ=0,09) entre taquicardia e dor. A taquicardia é provocada pela dor em virtude de efeitos cardiovasculares iniciados por meio das catecolaminas, da aldosterona, do cortisol e do hormônio anti-diurético. Estes hormônios têm efeitos diretos no miocárdio e na vascularização, aumentando a retenção de sal e água, os quais aumentam a carga no sistema cardiovascular(12). Além das variações nos parâmetros cardiovasculares, significativas alterações no oxigênio transcutâneo e transpiração palmar têm sido observadas nas crianças submetidas a procedimentos clínicos dolorosos. Estas variações fisiológicas têm sido úteis no exame das experiências dolorosas associadas a procedimentos médicos de curta duração; contudo, não existem respostas fisiológicas que reflitam diretamente a percepção da dor na criança(13).

O mesmo aconteceu em relação a estes pacientes com dor e o registro de agitação/disforia (χ² = 9,472 e p > 0,01). O estado subjetivo de sofrimento causado pela dor pode ser observado em comportamentos como: a expressão facial (careta), a postura (guarda) e a focalização (choro ou gemido).

Quanto ao uso da analgesia preemptiva como rotina no HRAC-USP na redução da dor pós-operatória, dos 484 pacientes em estudo, 423 receberam a pré-medicação e mesmo assim 52 pacientes tiveram novos registros, isto é, necessitaram de outras estratégias para o alivio da dor.

Os cirurgiões do HRAC-USP, como alternativa para redução da dor no pós-operatório, realizam a infiltração da ferida operatória com anestésico local, o que tem demonstrado efetivo controle na redução da dor pós-operatória imediata. Porém, empiricamente observa-se que sua adoção na prática clínica tem sido lenta, o que poderia contribuir para o aumento da dor no pós-operatório imediato.

A desaturação de oxigênio como segunda complicação mais freqüente (17,4%) também é citada como tal em outro estudo(14) onde identificou-se, entre 24.157 pacientes que receberam anestesia geral, a ocorrência de outras complicações respiratórias na ordem de 1,3%, sendo a complicação mais crítica a hipoxemia, seguida de hipo-ventilação e obstrução respiratória.

As mudanças fisiológicas durante a anestesia e cirurgia não são revertidas imediatamente após o término do procedimento e várias complicações associadas ocorrem durante as primeiras horas após a anestesia. Este é o período do pós-operatório em que os pacientes estão mais susceptíveis a desenvolver desaturação de oxigênio. Alguns autores(6) encontraram a incidência de hipoxemia no pós-operatório imediato de 23,8% em 1.213 crianças submetidas a cirurgia plástica eletiva, sendo 2,9% de hipoxemia severa (saturação de oxigênio menor ou igual a 85%). Em pesquisa realizada(3) encontraram uma incidência de hipoxemia de 14,8%, e hipoxemia grave de 6,2% em 420 crianças submetidas a cirurgias plásticas simples.

A idade entre 44 a 74 semanas após o nascimento é o período em que as crianças têm demonstrado maior vulnerabilidade a episódios de desaturação de oxigênio no pós-operatório(4). Neste estudo em questão, as faixas etárias em que mais ocorreram desaturação de oxigênio foram de 6 aos 18 meses de idade, identificando uma associação estatisticamente significante (χ² = 12,864 e p > 0,002 e C= 0,16) entre faixa etária e desaturação de oxigênio .

O fechamento do palato é uma cirurgia com um alto risco de hipoxemia no pós-operatório, quando comparada com outras cirurgias plásticas(5). Porém, no presente estudo, tanto a queiloplastia como a palatoplastia tiveram freqüências de registros de desaturação de oxigênio muito próximas e sem apresentar significância estatística (χ² = 2,269; p > 0,10). A realização do fechamento do palato, por este resultado obtido não pode se considerado responsável pela ocorrência de desaturação de oxigênio na amostra estudada.

A incidência de desaturação de oxigênio, neste estudo, pode estar relacionada também a outros fatores como a malformação da via aérea superior e a não administração de oxigênio durante o transporte do paciente da sala de operação para a SRPA, procedimento este não realizado como rotina na instituição em questão, contribuindo assim para o aumento da incidência da desaturação de oxigênio.

Com relação à terceira complicação mais citada, a cardiovascular no período pós-operatório tem sido relatada por vários autores(15-16) como a mais comum encontrada na SRPA, isto é, em 13,1% dos 1.047 casos admitidos no período de um ano.

Neste estudo, a taquicardia destaca-se em 81 pacientes (16,7%), com uma mediana da freqüência cardíaca de 179 bat/min.

CONCLUSÕES

Com base nos resultados relacionados aos dados demográficos deste estudo retrospectivo das complicações pós-operatórias das cirurgias primárias de lábio e palato, podemos concluir que: o grupo em estudo apresentou uma média de 37 meses de idade; a etnia branca predominou em 91,9% dos pacientes; o sexo masculino foi predominante nos pacientes; na avaliação antropométrica dos pacientes em estudo identificou uma maioria eutrófica; o tipo de fissura labiopalatina mais incidente foi a transforame; a queiloplastia aparece como o tipo de cirurgia mais realizada; a anestesia geral inalatória foi predominante.

As complicações pós-operatórias mais freqüentes foram: a dor na queiloplastia, seguida da desaturação de oxigênio e taquicardia. Não houve associação estatisticamente significante entre estas complicações e o sexo, estado nutricional e procedimento cirúrgico; Houve associação significativa entre dor e pré-medicação para dor, tipo de cirurgia, taquicardia e agitação/disforia assim como entre desaturação de oxigênio e faixa etária.

Recebido: 28/03/2007

Aprovado: 27/08/2007

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  • Correspondência:
    Janir Biazon
    Rua René Tacola, 1-80 - Vila Aviação
    CEP 17018-610 - Bauru, SP, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2008

    Histórico

    • Aceito
      27 Ago 2007
    • Recebido
      28 Mar 2007
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