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Utilizando as abordagens quantitativa e qualitativa na produção do conhecimento

Utilizando los abordajes cuantitativo y cualitativo en la producción del conocimiento

Resumos

O debate sobre as diferenças entre os métodos quantitativo e qualitativo é freqüente, havendo posições favoráveis e contrárias acerca da sua integração. Delinear uma pesquisa que contemple as duas abordagens gera dúvidas e inquietações sobre como utilizá-las sem ferir o rigor dos métodos, a especificidade, a sofisticação metodológica e reflexiva de cada uma delas. O objetivo é relatar e discutir a utilização da abordagem quantitativa (ensaio clínico controlado randomizado) e qualitativa para avaliar e compreender a inserção do acompanhante de escolha da mulher durante o trabalho de parto/parto, desempenhando o papel de provedor de apoio. A utilização das duas abordagens possibilitou aproximar as múltiplas facetas envolvidas nessa prática e avaliá-la tanto na dimensão explicativa quanto na compreensiva, uma vez que pôde ser realizada com olhares complementares.

Ensaios clínicos controlados aleatórios; Pesquisa qualitativa; Parto humanizado


El debate sobre las diferencias entre los métodos cuantitativo y cualitativo es frecuente, existiendo posiciones favorables y contrarias respecto a su integración. Delinear una investigación que contemple los dos abordajes genera dudas e inquietudes en relación a cómo utilizarlos sin herir el rigor de los métodos, la especificidad, la sofisticación metodológica y reflexiva de cada uno de ellos. El objetivo es relatar y discutir la utilización del abordaje cuantitativo (ensayo clínico controlado randomizado) y cualitativo, para evaluar y comprender la inserción del acompañante elegido por la mujer durante el trabajo de parto y el parto, desempeñando el papel de proveedor de apoyo. La utilización de los dos abordajes hizo posible la aproximación de las múltiples facetas involucradas en esta práctica, así como evaluarlas tanto en la dimensión explicativa como en la comprensiva, debido a que puede ser realizada con visiones complementarias.

Ensayos clínicos controlados aleatórios; Investigación cualitativa; Parto humanizado


The debate over the differences between quantitative and qualitative methods is frequent, holding favorable and opposite positions concerning their integration. Outlining a research that contemplates both approaches generates doubts and restlessness about how to use them without damaging the methods' rigor, specificity, as well as the methodological and reflective sophistication of each. The purpose is to report and discuss using the quantitative (randomized controlled clinical trial) and the qualitative approach to analyze and understand the practice of including a companion chosen by the woman during her labor and childbirth, performing the role of support provider. Using both methods allowed for approximating the multiple facets involved in this practice and evaluating both the explicative dimension and the comprehension, since it could be performed with complementary views.

Randomized controlled trials; Qualitative research; Humanizing delivery


RELATO DE EXPERIÊNCIA

Utilizando as abordagens quantitativa e qualitativa na produção do conhecimento* * Extraído da tese "O apoio à mulher no nascimento por acompanhante de sua escolha: abordagem quantitativa e qualitativa", Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, 2005.

Utilizando los abordajes cuantitativo y cualitativo en la producción del conocimiento

Odaléa Maria BrüggemannI; Mary Ângela ParpinelliII

IEnfermeira Obstétrica. Mestre em Assistência de Enfermagem. Doutora em Tocoginecologia na área de Ciências Biomédicas. Docente do Departamento de Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Grupo de Pesquisa em Enfermagem na Saúde da Mulher e do Recém-nascido da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis, SC, Brasil odalea@nfr.ufsc.br

IIMédica Obstetra. Doutora. Professora Associada do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Campinas, SP, Brasil. parpinelli@caism.unicamp.br

Correspondência Correspondência: Odaléa Maria Brüggemann Rua Dep. Antônio Edu Vieira, 1020 - Ap. 204B - Bairro Pantanal CEP 88040-001 - Florianópolis, SC, Brasil

RESUMO

O debate sobre as diferenças entre os métodos quantitativo e qualitativo é freqüente, havendo posições favoráveis e contrárias acerca da sua integração. Delinear uma pesquisa que contemple as duas abordagens gera dúvidas e inquietações sobre como utilizá-las sem ferir o rigor dos métodos, a especificidade, a sofisticação metodológica e reflexiva de cada uma delas. O objetivo é relatar e discutir a utilização da abordagem quantitativa (ensaio clínico controlado randomizado) e qualitativa para avaliar e compreender a inserção do acompanhante de escolha da mulher durante o trabalho de parto/parto, desempenhando o papel de provedor de apoio. A utilização das duas abordagens possibilitou aproximar as múltiplas facetas envolvidas nessa prática e avaliá-la tanto na dimensão explicativa quanto na compreensiva, uma vez que pôde ser realizada com olhares complementares.

Descritores: Ensaios clínicos controlados aleatórios; Pesquisa qualitativa; Parto humanizado.

RESUMEN

El debate sobre las diferencias entre los métodos cuantitativo y cualitativo es frecuente, existiendo posiciones favorables y contrarias respecto a su integración. Delinear una investigación que contemple los dos abordajes genera dudas e inquietudes en relación a cómo utilizarlos sin herir el rigor de los métodos, la especificidad, la sofisticación metodológica y reflexiva de cada uno de ellos. El objetivo es relatar y discutir la utilización del abordaje cuantitativo (ensayo clínico controlado randomizado) y cualitativo, para evaluar y comprender la inserción del acompañante elegido por la mujer durante el trabajo de parto y el parto, desempeñando el papel de proveedor de apoyo. La utilización de los dos abordajes hizo posible la aproximación de las múltiples facetas involucradas en esta práctica, así como evaluarlas tanto en la dimensión explicativa como en la comprensiva, debido a que puede ser realizada con visiones complementarias.

Descriptores: Ensayos clínicos controlados aleatórios; Investigación cualitativa; Parto humanizado.

INTRODUÇÃO

No Brasil, na década de 1980, as discussões sobre a utilização dos métodos quantitativos ou qualitativos começam a tomar vulto. Até então, as pesquisas eram produzidas com o enfoque positivista. A partir dessa época, surgem obras com outras abordagens metodológicas (dialética e fenomenológica). As principais críticas à metodologia quantitativa apontam que esta é positivista, comprometida com uma visão conservadora de sociedade e incapaz de proporcionar um conhecimento dinâmico da realidade. Quanto à pesquisa qualitativa, as críticas são de que é desprovida de cientificidade e adequada apenas para estudos exploratórios, limitando-se à apresentação de relatos pessoais(1).

No campo da saúde, os estudos quantitativos estão geralmente submetidos aos cânones da epidemiologia, e os qualitativos aos das ciências sociais, mas apóiam-se nos quadros teóricos das disciplinas de referência para a construção do escopo de cada uma das abordagens(2).

Na escolha da abordagem - quantitativa ou qualitativa, mais importante do que nomear o método, é ter o conhecimento sobre sua utilidade e adequação ao objeto que se propõe estudar. Além disso, é indispensável seu uso com precisão e rigor científico e ter certeza do tipo de análise que o método possibilita construir(2). É necessário, ainda, considerar quem produzirá o conhecimento e a quem este irá servir(1).

Não é significativo apenas discutir os métodos de pesquisa, mas explicitar a postura do pesquisador frente às questões sociais, políticas e filosóficas da realidade a ser pesquisada. Em qualquer abordagem metodológica escolhida, o pesquisador deverá deixar transparecer as suas intenções e sua visão de mundo sobre o objeto pesquisado.Não se justifica a adoção de uma abordagem de pesquisa em virtude do desconhecimento da outra. A pouca familiaridade com a estatística não deve determinar a opção de um investigador pelo método qualitativo. Os pesquisadores e professores de metodologia não precisam conhecer profundamente estatística, precisam, sim, conhecer as bases lógicas dos seus procedimentos e o significado de suas medidas e testes(1).

As abordagens quantitativa e qualitativa são necessárias, mas muitas vezes insuficientes para abarcar toda a realidade observada. Em tais circunstâncias, devem ser utilizadas como complementares. Do ponto de vista metodológico, não há contradição, assim com não há continuidade entre as duas formas de investigação. Do ponto de vista epistemológico, nenhuma das abordagens é mais científica do que a outra, mas são de natureza diferente. A relação entre a abordagem quantitativa (objetividade) e a qualitativa (subjetividade) não pode ser pensada como de oposição ou contrariedade, como também não se reduz a um continuum. As duas abordagens permitem que as relações sociais possam ser analisadas nos seus diferentes aspectos: a pesquisa quantitativa pode gerar questões para serem aprofundadas qualitativamente, e vice-versa(3).

No campo da pesquisa em saúde, a contribuição da interação entre as duas abordagens provém justamente da diferença entre os seus métodos. Ambas traduzem, à sua maneira, as articulações entre o singular, o individual e o coletivo que estão presentes nos processos de saúde-doença(2).

Os distintos modelos de articulação, que buscam qualificar os mecanismos pelos quais ocorre a integração entre os métodos quantitativo e qualitativo, são denominados como: predomínio de um dos pólos (uma das abordagens é preliminar à outra, com a priorização de uma delas); justaposição das abordagens (nenhuma delas é predominante, e são utilizadas de forma independente); e modelo dialógico (há integração das duas abordagens). Em qualquer um dos modelos de articulação, é necessário compreender as diferenças teórico-conceituais para não perder a especificidade e a sofisticação reflexiva e metodológica de cada uma das abordagens(2).

A combinação dos métodos quantitativo e qualitativo produz a triangulação metodológica, que, numa relação entre opostos complementares, busca a aproximação do positivismo e do compreensivismo. Assim, a triangulação é uma estratégia de pesquisa que contribui para aumentar o conhecimento sobre determinado tema, alcançar os objetivos traçados, observar e compreender a realidade estudada(4).

Com base nesses aspectos teóricos apresentados, consideramos que a triangulação, pela combinação das abordagens quantitativa e qualitativa, gera dúvidas e inquietações no pesquisador sobre como utilizá-las sem ferir o rigor metodológico, a especificidade e riqueza de ambas. Assim, pretendemos relatar e discutir a utilização das duas abordagens para avaliar e compreender os aspectos relacionados à inserção do acompanhante de escolha da parturiente durante o trabalho de parto e no parto, no papel de provedor de apoio.

COMPARTILHANDO A EXPERIÊNCIA

A inserção do acompanhante de escolha da mulher durante o trabalho de parto e no parto foi o foco da pesquisa que desenvolvemos durante o doutorado, no Curso Pós-Graduação em Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), que resultou na tese intitulada: O apoio à mulher no nascimento por acompanhante de sua escolha: abordagem quantitativa e qualitativa(5).

A seguir, pretendemos proporcionar uma visão contextual dos passos da pesquisa e a imbricação das abordagens para a produção do conhecimento.

Fundamentação para a escolha metodológica

A necessidade de utilizar as duas abordagens emergiu quando identificamos a ausência de estudos controlados que tivessem avaliado os efeitos do apoio à parturiente, dado pelo acompanhante por ela escolhido, no que se refere à sua satisfação e aos resultados maternos, perinatais e de aleitamento materno. Este fato foi constatado através de pesquisa nas bases de dados MEDLINE, LILACS, PubMed, SciELO e Isi Web of Science, entre os anos de 1980 e 2004, a partir das palavras-chave: suporte/apoio (support), acompanhante (companionship or companion), doula, trabalho de parto (labor), parto (childbirth or delivery). Nessa busca, foram localizados ensaios clínicos randomizados, metanálises e revisões sistemáticas avaliando o apoio fornecido por profissionais e mulheres leigas, treinadas ou não. Foram encontrados apenas estudos observacionais e qualitativos sobre a avaliação do apoio por acompanhante escolhido pela parturiente(6).

Também identificamos a ausência de estudos sobre a percepção dos profissionais de saúde em prestar assistência na presença do acompanhante, sem que tivessem sido previamente sensibilizados para essa prática. Sobre este item, encontramos estudos qualitativos realizados em maternidades nas quais essa prática ocorreu desde a implantação do serviço ou após um processo de mudança(7-9). Além disso, a produção científica sobre a percepção dos acompanhantes, com relação à experiência de prover apoio, focava-se apenas na vivência do companheiro ou pai do bebê(9-12).

Enfim, não localizamos qualquer pesquisa que tivesse avaliado, em uma única maternidade, a intervenção comportamental - apoio prestado por acompanhante de escolha da parturiente - sob o ponto de vista de todos os atores envolvidos (parturiente, profissional de saúde e acompanhante).

Considerando a complexidade que envolve a inserção do acompanhante nas instituições de saúde, constituiu-se um objeto de pesquisa que requereu abordagens diferenciadas para aproximar as múltiplas facetas envolvidas. Utilizamos, assim, a abordagem quantitativa - ensaio clínico controlado randomizado - para avaliar os efeitos dessa intervenção comportamental sobre a satisfação da parturiente, nos resultados maternos, perinatais e de aleitamento materno; e a abordagem qualitativa para compreender a experiência sob o ponto de vista dos profissionais de saúde e das pessoas escolhidas pela parturiente para lhe proverem apoio.

A TRAJETÓRIA PERCORRIDA

A pesquisa foi desenvolvida no centro obstétrico de uma maternidade do complexo hospitalar da UNICAMP, localizada na Região Metropolitana de Campinas/SP, na qual a presença do acompanhante não fazia parte da rotina assistencial. O protocolo foi aprovado (Parecer n. 211/2003) pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FCM/UNICAMP e autorizado pela Diretoria Clínica da referida instituição. Os procedimentos respeitaram rigorosamente a Resolução do Conselho Nacional de Saúde n. 196/96 sobre pesquisa envolvendo seres humanos, sendo que todos os sujeitos da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

No projeto de pesquisa, explicitamos as etapas metodológicas das abordagens quantitativa e qualitativa, por compreendermos que nessa articulação não havia predomínio de nenhum delas, mas sim uma justaposição, com resultados produzidos separadamente(2).

Assim, para o cálculo do tamanho amostral, adotamos critérios distintos para cada abordagem. Na quantitativa, a amostra foi calculada para detectar uma diferença percentual de 15,1% na satisfação das parturientes do grupo de intervenção em relação ao cuidado recebido durante o trabalho de parto e no parto. Esse cálculo foi baseado em ensaio clínico, que apresentou essa diferença percentual entre os grupos com apoio e sem apoio durante o trabalho de parto e no parto, no que se refere à satisfação das parturientes com o cuidado recebido por enfermeiras(13). O tamanho total da amostra foi de 212 parturientes, distribuídas aleatoriamente para os grupos de intervenção (com acompanhante) e controle (sem acompanhante). As parturientes foram selecionadas no momento da internação na maternidade, a partir dos critérios de inclusão, através de um check-list. Os acompanhantes escolhidos pelas parturientes do grupo de intervenção foram contatados no momento da internação ou por telefone. Todos receberam orientação verbal e escrita, relativas às atividades de apoio emocional e físico (ficar ao lado, segurar a mão, encorajar, estimular, tranqüilizar, auxiliar na deambulação, fazer massagem etc.), e sobre as normas e rotinas do serviço.

A variável independente foi ter o acompanhante no trabalho de parto e no parto, e as principais variáveis dependentes avaliadas foram a satisfação da parturiente e as relativas aos eventos do trabalho de parto e do parto, ao recém-nascido e ao aleitamento materno nas primeiras 12 horas pós-parto.

A coleta de dados quantitativos foi realizada de fevereiro de 2004 a março de 2005, a partir das anotações contidas no prontuário da parturiente e através de entrevista nas primeiras 12-24 horas após o parto, utilizando um formulário padronizado. Os dados foram digitados no Programa EPI INFO – versão 2002, sendo que para a análise estatística foi utilizado o programa SAS versão 8.2. Foi calculado e comparado o escore geral de satisfação através da escala tipo Likert(14). Para as variáveis contínuas foram calculadas a média e a mediana, e a diferença entre os grupos pelo Teste t de student e Teste de Wilcoxon; para as variáveis categóricas foram utilizados o teste Qui-Quadrado ou Exato de Fisher. Para as principais variáveis dependentes foram estimados as razões de risco e os intervalos de confiança a 95%. O nível de significância assumido foi de 5%. Optou-se pela abordagem por intenção de tratamento(14).

Na abordagem qualitativa a amostra foi intencional e determinada pela saturação dos dados, ou seja, quando o conteúdo das entrevistas passou a se repetir não foram entrevistados novos depoentes(15). A coleta foi iniciada em outubro de 2004 - quando aproximadamente 75% da coleta de dados da abordagem quantitativa já havia sido realizada - e concluída em março de 2005. Foram realizadas entrevistas gravadas com onze profissionais de saúde (três enfermeiras, quatro médicos e quatro auxiliares de enfermagem), que haviam prestado assistência a três ou mais parturientes do grupo de intervenção (com acompanhante), e com dezesseis acompanhantes, que proveram apoio durante o trabalho de parto e no parto (oito companheiros, três mães, três tias, uma cunhada e uma sogra), utilizando um roteiro temático para os profissionais e outro para os acompanhantes.

Para analisar as entrevistas, utilizamos a técnica de análise temática de discurso, de acordo com a proposta do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). Identificamos as Idéias Centrais (IC) e as Expressões Chaves (EC), a partir das quais construímos o DSC, que se constitui em uma síntese, na primeira pessoa do singular, das EC correspondentes a cada IC(16). Para facilitar a organização das informações procedentes das entrevistas, usamos o programa Ethnograph V 5.O(17).

Os resultados preliminares sofreram um processo de validação externa(15), ou seja, as IC e os DSC provisórios foram compartilhados e discutidos com outros pesquisadores, pares da mesma linha de pesquisa, os quais se encarregaram de fazer e/ou sustentar objeções sobre a análise dos achados e as interpretações realizadas. A partir dessas considerações, as IC e os DSC correspondentes foram modificados, ajustados ou mantidos.

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA

A utilização das duas abordagens metodológicas exigiu a imersão em cada delas, o que favoreceu a preservação das suas características e peculiaridades. Esse processo possibilitou o reconhecimento das facilidades e dificuldades que o pesquisador encontra quando utiliza dois recursos para avaliar e compreender as diferentes dimensões do fenômeno estudado.

Para o desenvolvimento do ensaio clínico controlado randomizado, a busca teórica foi intensa, desde o início do seu planejamento, especialmente sobre os elementos essenciais da epidemiologia para o delineamento de uma pesquisa clínica - fato decorrente das limitações do nosso próprio saber e da falta de familiaridade com essa abordagem metodológica. Tal aprofundamento teórico possibilitou (re)conhecer de forma mais sistemática a contribuição desse desenho de estudo para a construção do conhecimento, especialmente na área de Enfermagem, quando se pretende avaliar intervenções comportamentais.

Na fase de coleta de dados quantitativos, foi necessária uma permanência constante no campo assistencial a fim de podermos selecionar cada parturiente e captar o acompanhante por ela escolhido para prover apoio. Neste período, observamos que os profissionais de saúde do centro obstétrico, potenciais sujeitos de pesquisa, já explicitavam a sua opinião sobre a inserção do acompanhante, o que seria desvelado posteriormente pela abordagem qualitativa.

Os acompanhantes – provedores de apoio durante o trabalho de parto e no parto, tiveram atuações distintas, ou seja, foram os componentes fundamentais da intervenção comportamental no ensaio clínico e sujeitos de pesquisa na abordagem qualitativa; possibilitando conhecer como perceberam a experiência vivida, através das IC e DSC.

A experiência ao utilizar as duas abordagens nos fez refletir sobre as diferenças de cada uma delas, especialmente na fase de coleta e na de análise dos dados. A abordagem quantitativa requereu um período longo de coleta de dados (12 meses), durante o qual não tínhamos controle sobre o seu término, pois dependia da demanda das parturientes elegíveis para o estudo. O mesmo não ocorreu na coleta de dados qualitativos, uma vez que os sujeitos de pesquisa (profissionais e acompanhantes) faziam parte do cenário assistencial e da intervenção planejada.

O processo de análise dos dados quantitativos ocorreu em um período mais curto, quando comparado ao da abordagem qualitativa. Cabe destacar que solicitamos o suporte de um profissional da área de estatística na fase de planejamento da pesquisa e na análise dos dados quantitativos, o que contribuiu para a sua validade interna. Na abordagem qualitativa, a nossa experiência com o método, conferiu-nos maior autonomia.

Não temos o objetivo de discutir os resultados da pesquisa. Entretanto, cabe destacar que o principal achado do ensaio clínico controlado randomizado foi o forte impacto do apoio dado pelo acompanhante, escolhido pela parturiente, sobre a sua satisfação global com a experiência, tanto no trabalho de parto quanto no parto. Essa satisfação das parturientes foi percebida pelos profissionais de saúde e acompanhantes, sendo que emergiram nas IC e falas que integraram alguns DSC.

Essa triangulação metodológica, com um desenho de pesquisa com abordagem quantitativa e qualitativa, possibilitou a avaliação da intervenção realizada tanto na dimensão explicativa quanto compreensiva do fenômeno gerado por ela, uma vez que pode ser realizada com olhares complementares, de forma seqüencial e parcialmente simultânea.

Por fim, avaliar a inserção do acompanhante de escolha da parturiente para prover apoio no trabalho de parto e no parto gerou diferentes sentimentos nos personagens envolvidos – parturiente, acompanhante, profissionais de saúde responsáveis pela assistência e pesquisadora. A utilização das abordagens quantitativa e qualitativa possibilitou desvelar e aprofundar, de forma simultânea, o conhecimento sobre o fenômeno investigado. Também originou uma diversidade de dados que permitiu conhecer os diferentes aspectos sobre a inserção do acompanhante, necessários para o planejamento e a implementação dessa prática assistencial.

TRAÇANDO AS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Utilizar as abordagens quantitativa e qualitativa foi, ao mesmo tempo, estimulante e desafiador, uma vez que necessitou de um esforço contínuo para preservar as características de cada uma delas. A experiência vivida durante a trajetória, desde o delineamento da pesquisa até a análise dos dados e a discussão dos resultados, foi fundamental para solidificar alguns aspectos teóricos que norteiam o uso de cada metodologia, seja de forma individual ou integrada.

A realização de uma intervenção comportamental – no ensaio clínico controlado randomizado – não apenas gerou um novo conhecimento teórico, mas também contribuiu para o seu reconhecimento, na dimensão prática, como benéfico e satisfatório, por todos os envolvidos na pesquisa. Assim, é importante refletir que a própria forma como se desenvolve uma pesquisa pode ser uma estratégia de transformação da realidade assistencial, sendo que seus resultados podem consolidar ou refutar uma prática.

A experiência relatada nesse estudo pode estimular a realização de ensaios clínicos controlados randomizados, combinados com uma abordagem qualitativa para avaliar intervenções no contexto assistencial, quando o uso de apenas uma delas não dá conta do fenômeno a ser estudado.

Cabe destacar que na área de Enfermagem o desenvolvimento de pesquisas experimentais não é comum. São os estudos observacionais, em especial os descritivos, que têm sido os mais realizados. Assim, cabe o desafio de incrementar a realização de pesquisas experimentais para avaliar práticas de cuidado que não é possível através de outra abordagem metodológica, o que poderá contribuir para a produção de evidências científicas na área de Enfermagem. E, como resultado, fortalecer o movimento da prática baseada em evidência na enfermagem nacional, que ainda é incipiente(18).

Recebido: 08/03/2007

Aprovado: 02/08/2007

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  • Correspondência:
    Odaléa Maria Brüggemann
    Rua Dep. Antônio Edu Vieira, 1020 - Ap. 204B - Bairro Pantanal
    CEP 88040-001 - Florianópolis, SC, Brasil
  • *
    Extraído da tese "O apoio à mulher no nascimento por acompanhante de sua escolha: abordagem quantitativa e qualitativa", Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, 2005.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2008

    Histórico

    • Aceito
      02 Ago 2007
    • Recebido
      08 Mar 2007
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