Acessibilidade / Reportar erro

A representação do portador do vírus da imunodeficiência humana sobre o tratamento com os anti-retrovirais

La representación del portador de virus de inmunodeficiencia humana sobre el tratamiento antirretroviral

Resumos

Tendo como objeto de investigação a percepção dos portadores do HIV/AIDS sobre a adesão à terapêutica com medicamentos anti-retrovirais, este estudo de abordagem qualitativa teve como objetivos: conhecer as representações sociais dos portadores do HIV/AIDS sobre a terapêutica medicamentosa e analisar a relação entre a percepção do portador do HIV/AIDS sobre a terapêutica medicamentosa e a motivação para aderir ao tratamento. Os sujeitos do estudo foram nove usuários, internados na unidade de doenças infecciosas de um hospital de ensino na cidade de Juiz de Fora. Os dados foram colhidos através de entrevista semi-estruturada. A categoria de análise permitiu discutir as diversas facetas da adesão aos anti-retrovirais, partindo das representações elaboradas pelos sujeitos que fazem o tratamento, os quais, tomando como mediação o diálogo, falam dos aspectos dificultadores e as motivações para a gestão do tratamento.

Síndrome de imunodeficiência adquirida; Participação do paciente; Atitude frente a saúde


Estudio cualitativo que tuvo por objeto de estudio la percepción de los portadores de VIH/SIDA sobre el seguimiento medicamentosos con antirretrovirales. Objetivos: conocer las representaciones sociales de los portadores de VIH/SIDA sobre el tratamiento medicamentoso y la motivación para continuar con el mismo. Los sujetos del estudio fueron nueve usuarios, internados en el servicio de enfermedades infecciosas de un hospital de enseñanza de la ciudad de Juiz de Fora. Los datos fueron obtenidos a través de entrevista semiestructurada. La categoría de análisis permitió discutir las diversas etapas relacionadas al uso continuo de antirretroviales, en base a las representaciones construidas por los sujetos en estudio; utilizando el diálogo expresaron las dificultades y motivaciones para la gestión en el tratamiento.

Síndrome de inmunodeficiencia adquirida; Participación del paciente; Actitud frente a la salud


Having the perception of the HIV/AIDS carriers about compliance with antiretroviral medication, this qualitative study aimed at comprehending the social representations of the HIV/AIDS carriers about the drug therapy; analyzing the relation between the perception of the HIV/AIDS carriers about the drug therapy and their motivation to comply with the treatment. The research subjects were nine users, hospitalized in an infectious-contagious unit of a school hospital in the city of Juiz de Fora. Data collection occurred with semi-structured interviews. The analysis categories allowed to discuss the several aspects of antiretroviral compliance, starting from the representations elaborated by the subjects who undergo the treatment, who, using dialogue as a mediator, talk about the hindering aspects and the motivations for managing the treatment.

Acquired immunodeficiency syndrome; Patient participation; Attitude to health


ARTIGO ORIGINAL

A representação do portador do vírus da imunodeficiência humana sobre o tratamento com os anti-retrovirais* * Extraído da monografia de conclusão de curso "A percepção do portador do HIV/AIDS sobre o tratamento medicamentoso", Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Juiz de Fora, 2005.

La representación del portador de virus de inmunodeficiencia humana sobre el tratamiento antirretroviral

Michele Gomes TeixeiraI; Girlene Alves da SilvaII

IEnfermeira. Residente do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro, RJ, Brasil. mgomesteixeira@yahoo.com.br

IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta III do Departamento de Enfermagem Aplicada da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal do Rio da Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro, RJ, Brasil. girleneas@terra.com.br

Correspondência Correspondência: Girlene Alves da Silva Rua Irineu Marinho, 365 - Apto. 904/Daniela - Bom Pastor CEP 36021-580 - Juiz de Fora, MG, Brasil

RESUMO

Tendo como objeto de investigação a percepção dos portadores do HIV/AIDS sobre a adesão à terapêutica com medicamentos anti-retrovirais, este estudo de abordagem qualitativa teve como objetivos: conhecer as representações sociais dos portadores do HIV/AIDS sobre a terapêutica medicamentosa e analisar a relação entre a percepção do portador do HIV/AIDS sobre a terapêutica medicamentosa e a motivação para aderir ao tratamento. Os sujeitos do estudo foram nove usuários, internados na unidade de doenças infecciosas de um hospital de ensino na cidade de Juiz de Fora. Os dados foram colhidos através de entrevista semi-estruturada. A categoria de análise permitiu discutir as diversas facetas da adesão aos anti-retrovirais, partindo das representações elaboradas pelos sujeitos que fazem o tratamento, os quais, tomando como mediação o diálogo, falam dos aspectos dificultadores e as motivações para a gestão do tratamento.

Descritores: Síndrome de imunodeficiência adquirida/terapia. Participação do paciente. Atitude frente a saúde.

RESUMEN

Estudio cualitativo que tuvo por objeto de estudio la percepción de los portadores de VIH/SIDA sobre el seguimiento medicamentosos con antirretrovirales. Objetivos: conocer las representaciones sociales de los portadores de VIH/SIDA sobre el tratamiento medicamentoso y la motivación para continuar con el mismo. Los sujetos del estudio fueron nueve usuarios, internados en el servicio de enfermedades infecciosas de un hospital de enseñanza de la ciudad de Juiz de Fora. Los datos fueron obtenidos a través de entrevista semiestructurada. La categoría de análisis permitió discutir las diversas etapas relacionadas al uso continuo de antirretroviales, en base a las representaciones construidas por los sujetos en estudio; utilizando el diálogo expresaron las dificultades y motivaciones para la gestión en el tratamiento

Descriptores: Síndrome de inmunodeficiencia adquirida/terapia. Participación del paciente. Actitud frente a la salud.

INTRODUÇÃO

O eclodir de uma nova doença, no início da década de oitenta, acarretou mudanças significativas, tanto na área da saúde quanto em outras áreas, pois se combinava a sua origem ao comportamento sexual das pessoas acometidas. Ela foi identificada como uma síndrome, sendo conhecida mundialmente pela sigla em inglês AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida). O surgimento da aids desfez a oposição entre as epidemias do passado e doenças modernas. Contrariamente ao que se acreditou durante décadas, a era das doenças contagiosas, e sobretudo das doenças virais não está, provavelmente, encerrada(1).

Os dados publicados, indicam que existem 39,5 milhões de pessoas convivendo com o HIV no mundo, das quais a grande maioria vivem em paises do terceiro mundo e que apenas uma porção está em uso de anti-retrovirais. No Brasil, foram registrados, entre os anos de 1980 e 2007, um total de 474.273 casos no país. Em torno de 192.709 pessoas já foram a óbito desde o início da epidemia, e mais de 70% dos portadores do vírus, doentes ou não, encontram-se fazendo uso dos anti-retrovirais(2).

O conhecimento sobre a dinâmica do vírus e suas implicações para a vida das pessoas portadoras vem em articulação com as descobertas no campo dos medicamentos permitir um olhar otimista no que diz respeito ao seu enfrentamento. O desenvolvimento da terapia antiretroviral é um dos fatores importantes na história do enfrentamento de agravo à saúde na contemporaneidade, embora não represente a cura, é uma terapia capaz de mudar a progressão da doença. Entretanto, é um caminho complexo, sendo necessária uma compreensão e aceitação, pelas pessoas que dela fazem uso, de recomendações terapêuticas que repercutem na dinâmica da vida cotidiana.

Após saber da sua condição de soropositividade, ao portador em países como o Brasil é disponibilizado ao mesmo a possibilidade de optar por inserir-se em um programa de acompanhamento. Superando a visão do início da epidemia que caracterizava a aids como uma doença que trazia a morte como uma certeza em um tempo breve, a inclusão dos anti-retrovirais no tratamento trouxe novas possibilidades e perspectivas. No entanto, mesmo com todos os esforços para assegurar os medicamentos a todos que necessitam, é freqüente encontrar aqueles que não seguem a terapêutica. Essa situação gera desconforto nos profissionais de saúde que, por vezes, não compreendem o que está por trás da não-adesão.

Estudos realizados por vários pesquisadores nos EUA e Europa têm demonstrado uma redução significativa nos óbitos secundários à aids e na ocorrência de infecções oportunistas(3). A utilização da terapia com anti-retrovirais vem demonstrando resultados positivos em todos os países nos quais os indivíduos infectados pelo HIV têm tido acesso a esses medicamentos e aderido ao programa de tratamento.

O termo adesão ao tratamento deve ser visto como uma atividade conjunta na qual o usuário do serviço de saúde não apenas obedece às orientações médicas, mas entende, concorda e segue a prescrição estabelecida pelo seu médico. Significa que deve existir uma aliança terapêutica entre médico e cliente, na qual são reconhecidas não apenas a responsabilidade específica de cada um no processo, mas também de todos os que estão envolvidos (direta ou indiretamente) no tratamento(4). Assim, todo o imenso investimento na pesquisa e desenvolvimento de drogas anti-retrovirais, bem como na tecnologia necessária para o acompanhamento da eficácia desta terapia poderão ser perdidos, se não forem elaboradas e padronizadas algumas estratégias que visem aumentar a adesão do cliente portador de HIV/aids ao tratamento(4).

Apesar dos avanços terapêuticos, estima-se que 10 a 20% dos clientes que iniciam o tratamento não conseguem suprimir a viremia de forma satisfatória após alguns meses de terapia (falha virológica primária) e cerca de 20 a 50% dos que apresentam boa resposta inicial apresentarão falha virológica após um ano de tratamento (falha virológica secundária), e a taxa de resposta virológica aos tratamentos subseqüentes progressivamente é menor. A falha terapêutica, principalmente por resistência às drogas, é um fenômeno esperado, e um número crescente de clientes já se encontra sem opções de medicamentos anti-retrovirais. A adesão inadequada é a causa mais freqüente de falha do tratamento, pois o uso dos medicamentos em doses subótimas ou de forma irregular acelera o processo de seleção de cepas virais resistentes(5).

O uso dos anti-retrovirais no tratamento da aids trouxe melhora significativa na qualidade de vida das pessoas portadoras do HIV, contribuindo para que a aids passe a ter características de uma doença crônica, mas apesar do grande beneficio gerado por esta terapêutica, restam ainda dificuldades a serem superadas, dentre elas, a adesão da pessoa portadora ao tratamento.

Diversos fatores influenciam a vida cotidiana do portador HIV que faz uso da terapia. Somente este pode caracterizar, realmente, tal influência no processo de gerir o tratamento durante a sua existência e a não-descoberta da cura. Nesse sentido, enfatizar que a adoção de medidas que possam minimizar a vulnerabilidade do indivíduo ao adoecimento, tem de ser decidida, tomando como referência as motivações, as dúvidas elaboradas pelos portadores(4).

As diversas nuanças que norteiam a adesão aos anti-retrovirais constituem-se em motivação para a realização desta pesquisa que teve como objeto de investigação a percepção dos portadores do HIV/aids sobre a adesão à terapêutica medicamentosa. Os seguintesobjetivos foram elaborados:

• Conhecer as representações sociais dos portadores do HIV/aids sobre a terapêutica medicamentosa;

• Analisar a relação entre a percepção do portador do HIV/aids sobre a terapêutica medicamentosa e a motivação para aderir a ela.

MÉTODO

A Teoria das Representações Sociais

Tomando como base os pressupostos das representações sociais espera-se que o estudo ao acessar as representações das pessoas portadoras do HIV sobre os modos de fazer a gestão cotidiana desse agravo à saúde revele os aspectos que influenciam na vulnerabilidade do processo de adoecimento. O HIV e suas repercussões no organismo continuam um espaço privilegiado para elaboração de representações, espaço assegurado muitas vezes pelas incertezas em relação a dinâmica da epidemia.

As representações sociais são fenômenos complexos sempre ativados e em ação na vida social e em sua riqueza como fenômeno, descobrimos diversos elementos: informativos, cognitivos, ideológicos, normativos, crenças, valores, atitudes, opiniões, imagens etc, que são organizados sempre sob a aparência de um saber que diz algo sobre o estado da realidade. As representações expressam aqueles (indivíduos ou grupos) que as forjam e dão uma definição específica ao objeto representado. Estas definições que são partilhadas pelos membros de um mesmo grupo constroem uma visão de consenso da realidade para esse grupo. Mesmo que esta visão, possa entrar em conflito com a de outros grupos, ela é um guia para as ações e trocas cotidianas(6).

As pessoas portadoras do HIV/Aids trazem através das suas representações contribuições para que pensemos o problema investigado, pois, as representações elaboradas formam uma concepção de vida e orientam as suas ações para o enfrentamento da vulnerabilidade ao adoecimento conseqüente do HIV.

As Etapas Metodológicas do Estudo

Trata-se de estudo ancorado na abordagem qualitativa. Essa forma mostrou-se a mais adequada, uma vez que trabalhou com indivíduos que convivem com uma doença ainda estigmatizante, que necessita de um tratamento marcado por dúvidas sobre sua eficácia e difícil aceitação, muitas vezes, por quem a possui e pelos seus pares. Portanto é um tema que envolve concepções, opiniões, crenças e atitudes com relação à vida e tratamento dos pacientes.

Ao optar por esse caminho, a intenção foi a de permitir aos sujeitos que convivem com a condição de ser soropositivo ao HIV, doentes ou não, de se sentirem protagonistas nesse cenário e, além disso, revelar as nuanças de aceitação ou não da terapêutica ofertada pelos serviços de saúde.

A pesquisa qualitativa objetiva, em geral, provocar o esclarecimento de uma situação para a tomada de consciência pelos próprios pesquisadores dos seus problemas e das condições que os geram, a fim de elaborar os meios e estratégias para resolvê-los(7).

Os sujeitos do estudo foram nove portadores do vírus da imunodeficiência humana que iniciaram o tratamento com as drogas anti-retrovirais. Eles se encontravam hospitalizados nas enfermarias do serviço de doenças infecciosas e parasitárias de um hospital público na cidade de Juiz de Fora. Durante o tempo de realização das entrevistas (julho a setembro), houve dezenove internações nas enfermarias feminina e masculina destinadas a doenças infecciosas. Somente foram incluídos no estudo os pacientes internados, devido ao fato de que o ambulatório da instituição no período da coleta de dados encontrar-se em processo de reestruturação. No entanto, ressalta-se que todos os sujeitos do estudo fazem acompanhamento no ambulatório da instituição cenário desse estudo.

Para garantir o anonimato, os sujeitos foram nomeados com pseudônimos. Conforme portaria 196/96(8),estabelecida pelo Ministério da Saúde sobre pesquisas envolvendo seres humanos, o estudo foi submetido à análise do Comitê de Ética e Pesquisa em Humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora, tendo como nº identificador: 3900752004. Além da garantia do anonimato, o sujeito do estudo foi orientado de que sua participação poderia ser encerrada a qualquer momento caso desejasse, sem que houvesse qualquer prejuízo a sua pessoa.

Os dados foram colhidos utilizando-se de uma entrevista semi-estruturada. É uma técnica através da qual o entrevistado tem a oportunidade de discorrer livremente sobre o tema. Os entrevistados foram informados sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos e justificativas, momento em que puderam, então, decidir por sua participação ou não no referido estudo. De posse das informações, o termo de consentimento livre e esclarecido era assinado, o sujeito autorizando a gravação da entrevista e sua posterior divulgação.

Posteriormente, o material transcrito obtido através das entrevistas permitiu a definição do tema de análise: a adesão ao tratamento medicamentoso em seus aspectos dificultadores e as motivações para a gestão do tratamento. A análise está ancorada nos autores que discutem a dinâmica das representações sobre o tratamento com os anti-retrovirais.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A categoria extraída dos dados, sobre a qual será direcionada a análise foi nomeada de a adesão ao tratamento medicamentoso: os aspectos dificultadores e as motivações para a gestão do tratamento.

Com o advento dos anti-retrovirais no tratamento da aids, em 1985, observou-se uma melhora significativa na qualidade de vida dos portadores. O aumento da sobrevida de pessoas soropositivas ao HIV/aids, após a utilização de drogas anti-retrovirais, tem sido demonstrado por meio da realização de diversos estudos. A redução da incidência de doenças associadas constitui um outro resultado igualmente importante do uso da terapia combinada e da profilaxia primária com anti-retrovirais(9).

O principal objetivo da terapia anti-retroviral é retardar a progressão da imunodeficiência e/ou restaurar, tanto quanto possível, a imunidade, aumentando o tempo e a qualidade de vida da pessoa infectada(5). E isso é demonstrado pelo depoimento a seguir, de como o paciente consegue perceber os benefícios apresentados pelos medicamentos anti-retrovirais, quando o tratamento é realizado de forma correta:

O bom é fazer certinho, por que aí a pessoa vive bem, tá! (Amizade).

Porém, apesar do grande benefício gerado por esta terapêutica, e reconhecida pelo portador do HIV, restam ainda muitas dificuldades a serem superadas. Uma delas é a adesão do cliente ao tratamento medicamentoso.

A presença do HIV ou da aids é representada por um conjunto de sintomas que caracterizam a doença e que, de algum modo, indicam a necessidade de buscar o serviço de saúde, constituindo-se em um evento indesejável que ameaça e, às vezes, modifica radicalmente a vida das pessoas infectadas(10).

Vários fatores estão diretamente relacionados à adesão e, dentre os principais motivos pelos quais os pacientes soropositivos ao HIV relacionam ao abandono do seu tratamento com os anti-retrovirais são: os efeitos colaterais, as perdas afetivas, o conflito entre tomar remédios e hábitos de vidas e a imposição do tratamento pelo médico(11).

O esquema terapêutico prescrito, incluindo o número de medicamentos, suas formas e horários, está associado à não-adesão, mesmo quando o medicamento é fornecido. Esse é um dos principais fatores relacionados aos medicamentos que interferem no tratamento com anti-retrovirais, pois os esquemas terapêuticos normalmente são complicados e exigem um grande empenho por parte do cliente, que precisa adaptar sua alimentação, horários e ritmo diário para cumprir o tratamento. O recorte do depoimento fala da dificuldade de ingerir uma grande quantidade de medicamentos como fator dificultador da adesão:

Acho que é seis de uma vez só. É muito comprimido [...] é muito difícil (Tranqüilidade).

Em alguns casos, a maneira de operacionalizar o uso regular dos medicamentos torna-se impossível quando se considera a atividade laboral da pessoa portadora:

eu tenho trabalho. Tem vez que tô ocupado e não posso tomar. Aí eu tomo mais tarde. Se o patrão precisa de algum trem, não posso falar que vou tomar remédio (Tranqüilidade).

A responsabilidade com o trabalho e a necessidade financeira são maiores do que a necessidade de cuidar da saúde. Tal fato pode ser comprovado pelo depoimento:

Na época, eu vim aqui e até falei com o médico e fiquei de voltar novamente, mas como sou motorista, aí não pára, aí demorou pra eu poder voltar. Eu não agüentava mais os remédios e precisava viajar [...] No princípio, eu tinha resistência, pois os primeiros me fizeram muito mal, aí eu não podia nem trabalhar, aí foi que eu parei [...] Na época, trabalhar e fazer o tratamento era difícil (Amor).

É oportuno considerar que a ocorrência de um agravo à saúde produz limitações que, com freqüência, repercutem no desenvolvimento das atividades profissionais e, conseqüentemente, na própria sobrevivência das pessoas. Sob essa ótica, a doença representa a incapacidade para o trabalho e não somente dano ao corpo biológico. Muitas vezes os indivíduos protelam a procura de um serviço de saúde para realizar o diagnóstico ou o tratamento na tentativa de evitar a piora de suas condições de vida(12).

Se a pessoa portadora tiver que optar em se alimentar adequadamente ou que a família toda se alimente, ela acaba escolhendo a segunda opção. A falta de condições financeiras, até para se alimentar, uma vez que o tratamento exige uma alimentação adequada que possa minimizar os efeitos colaterais, é um fator desanimador. O depoimento de Amizade traz tal preocupação:

eu não tava alimentando direito não [...] eu tô com anemia, então isso ajuda bastante os remédios fazê mal [...] Às vezes não tenho dinheiro para comer bem [...] tenho 4 filhos, né! (Amizade).

Outro aspecto gerador de dificuldade para a não-adesão é a rotina imposta para o seguimento da terapêutica:

também não posso beber, não posso ficar na rua muito na folga, pois tenho que ir tomar remédio (Tranqüilidade).

Essa percepção sobre a mudança na rotina diária também é revelada no recorte do depoimento seguinte:

os remédios me prendem, né! Não passeio [...] Então como faz? O remédio que eu tomo precisa ficar na geladeira (Esperança).

Os sujeitos, com uso constante de anti-retrovirais, sentem que os medicamentos constituem a prisão a que estão submetidos, que suas vidas estão diretamente ligadas aos horários, esquemas e dosagens exigidos pelos medicamentos. A gestão cotidiana do tratamento mostra-se difícil, não só pela quantidade de remédios ou os seus efeitos indesejáveis, mas também pelo tempo que deve ser disponibilizado para a efetivação da terapêutica. Essa não adesão deve ser entendida, como o não-seguimento de todos os passos da terapêutica, e por subdoses em horários e dias a priori definidos pela vontade do sujeito soropositivo(10).

As representações sobre a doença e seu modo de enfrentamento ressaltam a adesão aos anti-retrovirais como fator relevante, mas também trazem as repercussões dos efeitos colaterais causados como um obstáculo de difícil, mas necessária superação como é enfatizado pelo sujeito do estudo:

Moça eu não sei explicar, eu fico esquisito. Eu sinto muito enjôo, fico esquisito, mas tenho que usar (Respeito).

Essas dificuldades realçam a decisão da pessoa portadora do HIV em mudar seu ritmo de vida para gerir e aceitar certos efeitos adversos. Situação evidenciada também no depoimento a seguir:

Eu tomei por quinze dias, mais eu comecei a inchar muito na barriga. Eu tenho hepatite c e por causa disso os medicamentos fizeram ela inchar muito. Deu até falta de ar, aí os médicos falaram que ia trocar para outros para não mexer com meu fígado [...] Não senti dor nenhuma, nem mal estar, só depois que eu comecei a inchar muito o fígado, aí eu comecei a me sentir muito mal. Senti mal estar, o estomago inchar, falta de ar [...] aí tive que parar com o remédio [...] Eu vejo as pessoas passando mal por causa deles, mas espero que comigo isso não aconteça. Vou ter que esperar pra ver (Auto-Estima).

Apesar dos avanços na elaboração dos medicamentos, os efeitos colaterais dos anti-retrovirais são cada vez mais freqüentes e, em grande parte, são os principais responsáveis pela descontinuação da terapia. O desenvolvimento de neuropatia, hepatotoxidade, pancreatite, lipodistrofia, diabetes, dislipidemia, osteoporose e acidemia lática estão entre as complicações que podem piorar consideravelmente a qualidade de vida do indivíduo infectado pelo HIV. Cabe lembrar, ainda, que são inúmeras as interações medicamentosas, sendo algumas responsáveis pela perda da eficácia da terapia antiretroviral(5).

Diarréia, distúrbios gastrintestinais (como vômito e náuseas) e rash (manchas avermelhadas pelo corpo) são os efeitos colaterais mais freqüentes causados pelos anti-retrovirais. Já a lipodistrofia é um efeito colateral causado pelo uso prolongado de alguns anti-retrovirais, cuja característica é a mudança na distribuição de gordura do corpo. A interferência com o metabolismo dos lipídeos e toxicidade mitocondrial, associadas ao uso de inibidores da protease e inibidores da transcriptase reversa, respectivamente, parecem estar envolvidos na patogênese da lipodistrofia(5).

No caso da lipodistrofia, a melhor forma de se prevenir é praticar exercícios físicos regularmente, além de manter uma alimentação saudável e com pouca gordura. Algumas pessoas chegam a parar os remédios na esperança de conseguir diminuir este problema. Mas sabe-se que o acúmulo de gordura no abdômen e na nuca, e a falta de gordura nas pernas, nos braços e na face dificilmente regridem somente com a parada dos remédios(5).

Mesmo para a pessoa portadora que não teve reações relacionadas ao uso dos anti-retrovirais, existe a preocupação tomando como referencia o que ela sabe sobre o tratamento e por compartilhar a experiência com quem vive no cotidiano os efeitos colaterais dos medicamentos:

Eu via como uma outra paciente que estava aqui passava mal e reclamava deles, mas espero que não aconteça comigo (Auto-Estima).

Nos discursos desses sujeitos existe a preocupação com o não seguimento da terapêutica, mas nem sempre gera a tomada de atitude em relação a necessidade de segui-la, mesmo que tenham a informação de que as interrupções podem gerar outras dificuldades na redução da vulnerabilidade ao adoecimento.

Ah [...] eu parei, depois eu comecei de novo. Agora comecei de novo. Eu parava e voltava [...] Porque eu usava droga, bebida. Aí eu parava de usar para fazer essas estripulias [...] Eu ficava internada, doente. Aí eu tomava o remédio correndo [...] O Médico falou que essas recaídas é porque eu parei muitas vezes (Solidariedade).

De vez em quando eu cismo e não tomo [...] E isso vai prejudicando, vai aumentando o vírus de novo [...] Penso, mas eu paro e volto, entendeu. Mas dessa vez eu parei muito tempo. Parei mais de 1 mês. Eu fico preocupada, mas meu organismo está tão cansado da droga que ele não está agüentando mais. Eu sei que preciso, mas não consigo (Esperança).

A situação de constante reinício do tratamento, além de não propiciar o efeito terapêutico desejado, pode contribuir para o desenvolvimento de resistência viral às drogas utilizadas. Esse desenvolvimento de resistência e a subseqüente perda da ação das drogas contra o HIV constituem a barreira primária para a eficácia do tratamento a longo prazo. Há que se considerar a habilidade do vírus em produzir mais cópias de si mesmo e, ao fazer isso, gerar mutações espontâneas do genoma viral(5).

Pela complexidade no manejo dos medicamentos, há a necessidade de conhecimento a respeito para que sejam feitas as indicações no momento certo: trocas necessárias, esclarecimentos sobre efeitos colaterais e, principalmente, que o usuário fique sensibilizado para ter adesão ao tratamento sem o qual não haverá progressos(5). A terapia, portanto, não deve ser iniciada até que os objetivos e a necessidade de adesão ao tratamento sejam entendidos e aceitos pelo indivíduo.

Vale ressaltar que, quando o portador do vírus da aids inicia o tratamento medicamentoso, ele pode estar confirmando para a sociedade que está infectado e que necessita de se tratar para continuar a viver. Tal fato pode ocasionar situações de preconceito:

Eu contei para ela e ela contou para todo mundo que eu estava doente e tomava remédios (Esperança).

Essa percepção da pessoa portadora do HIV/Aids pode levar a mesma a assumir de fato sua soropositividade, ou esconder os remédios e o tratamento das outras pessoas, ou, abandonar o tratamento:

Tem que tomar os remédios e não vou tomar na frente dos outros amigos, né! Vão achar que estou morrendo (Perseverança).

Buscando evitar situações geradoras de preconceitos, as pessoas portadoras do HIV selecionam cuidadosamente as pessoas que podem tomar conhecimento em determinada circunstancias da sua condição de saúde, entendem que omitir o fato de que tomam os remédios, evitam a estigmatização, ao mesmo tempo em que ocultam sua doença.

O medo da discriminação faz com que os usuários escondam os medicamentos ou retirem os rótulos dos frascos para evitar que as pessoas do seu convívio profissional ou familiar desconfiem ou descubram a sua enfermidade(13).

Outro aspecto para a não-adesão ao tratamento é a perspectiva iminente de morte. Embora enfrentem os efeitos colaterais, a rotina, o preconceito, o desânimo surge também diante da perspectiva de que o tratamento oferecido ainda não traz a cura e, sim, podem apenas estar prolongando a vida:

Porque eu não quero mais adoecer e esses medicamentos vão prolongar minha vida, então eu só posso aceitar [...] fazer o que né? Então eu vou tentar. Eu quero melhorar por isso vou tomar os remédios (Auto-Estima).

Enfrentar todos esses desgastes físicos e sociais, para alguns, não valem a pena, uma vez que a cura definitiva não será alcançada:

Você sente isso tudo e ainda mesmo assim pode morrer. Minha companheira tratava direito e morreu. Essas coisas te desanima, pois você sabe que agora ou mais pra diante você também vai morrer (Perseverança).

Imaginar a morte como um fardo prestes a desabar sobre nosso destino é insuportável. Conviver com a impressão de que ela nos espreita é muito angustiante(14). Assim, pensar em excesso sobre a doença é imediatamente relacionado ao desânimo, produzindo efeitos no corpo e sendo considerado um acelerador no processo de morte(15). Portanto, é necessário também que o profissional entenda que a gestão cotidiana da doença pelo indivíduo doente é feita baseando-se mais nos critérios sociais que nos ligados à área médica. Isso significa que os regimes de controle e tratamento não são automaticamente aceitos, mas, são avaliados pelos doentes tomando por base suas conseqüências.

Torna-se, porém, importante ressaltar a ambigüidade de que essa sensação iminente de morte pode acarretar em outros doentes. Alguns, por se sentirem dessa maneira, fazem desse sentimento um ponto motivador para a adesão ao tratamento medicamentoso. A convicção nos efeitos positivos do tratamento leva os sujeitos a acreditarem que a terapia é a única maneira de a vida deles. O que essa convicção pode ser decorrência da intensa propaganda sobre os efeitos positivos dos anti-retrovirais e sobre os grandes investimentos feitos na área de fármacos específicos. O tratamento com anti-retrovirais veio como uma grande esperança para quem está acometido pelo vírus do HIV. Embora existam fatores que dificultem a adesão, há aqueles que motivam os portadores a aderirem ao tratamento medicamentoso.

A aids é representada pelos usuários como uma luta constante. Esses sujeitos percebem a necessidade de saírem do campo de contemplar o que antes parecia não viver, para acreditarem na possibilidade de vencer a doença(10). Com todas as dificuldades, eles conseguem enxergar que o tratamento com os anti-retrovirais traz benefícios quando realizado corretamente.

O principal objetivo da terapia anti-retroviral é retardar a progressão da imunodeficiência e/ou restaurar, tanto quanto possível, a imunidade, aumentando o tempo e a qualidade de vida da pessoa infectada(5). Os sujeitos acreditam, então, que essa é a única forma de se continuar a viver e relatam ser também importante associar os medicamentos a mudanças de hábitos:

Eu vou me cuidar mais, não pegar friagem, beber, fumar. Mas tomar os remédios é o principal (Auto-Estima).

A percepção da condição de ser soropositivo parece simbolizar uma oportunidade de revisão da vida em relação ao outro e a si mesmo. É como se, nesse contexto, muitas vezes conflituoso, surgissem forças capazes de mudar a direção para uma tomada de posição em relação à vida, ou seja, a possibilidade de sair de um estado em que não havia forças de mobilização para mudanças. Os sujeitos revelam suas forças mobilizadoras para a tomada de posição em relação à doença e à vida(12). É importante considerar que, nada transforma mais o homem quanto a constatação de que seu fim está perto(14).

Dessa forma, o diagnóstico da infecção pelo HIV impulsiona a pessoa a refletir sobre seus padrões de comportamento, suas crenças e valores. A reflexão pode desencadear mudanças no comportamento individual e, assim, minimizar a vulnerabilidade ao adoecimento(16).

Um outro ponto encontrado para a adesão ao tratamento medicamentoso foi a vontade de continuar a viver, de lutar pela vida:

Para conseguir esticar mais um cadinho, sabe?! Se não toma, aparece muita complicação. Aí como se diz, serve pra ajudar, dar mais força, né?! (Amizade).

Embora haja dificuldades na adesão ao tratamento, para os sujeitos a luta vale a pena:

Eles é que me fez melhorar e faz com que eu esteja aqui. Preciso deles, senão morro [...] Olha moça, eu sou novo e quero viver. Não consigo mais trabalhar, não tive filhos, mulher, vivo na cama, mas quero viver. E os remédios me fazem viver (Respeito).

A doença ao se manifestar pode impor não somente as modificações na organização concreta da vida, mas colocar igualmente em curso o sentido da existência dos indivíduos, da imagem que eles têm deles mesmos e as explicações que eles dão.

Torna-se um ponto importante, no momento da adesão, a não-imposição do tratamento pelos profissionais, o qual precisa ser aceito pela pessoa portadora do HIV como algo positivo e o qual não deve ser encarado apenas como indicação médica. O profissional tem um papel importante na mediação da aceitação do tratamento junto a pessoa portadora, que parece responder melhor a proposta de adesão quando bem orientado e acompanhado:

É um [...] excelente, muito carinhoso, atencioso. Sem contar a atenção que eu recebo no Hospital-Dia. Me deram muito apoio e carinho, me ajudam até hoje, aí eu tenho forças para fazer o tratamento (Amor).

Para uma melhor observância terapêutica, é necessário que o profissional perceba qual é o significado da soropositividade para o paciente, que seja capaz de identificar os momentos de maior vulnerabilidade para o abandono do tratamento, que saiba qual o grau de apoio e de acolhimento de que esse doente pode contar, e como a instituição acolhe esse doente(11). A conversa estabelecida entre o profissional e paciente não deve ser unidirecional, na medida em que as dores do outro o afetam e o envolvem solidariamente sem impor ou julgar, mas esclarecendo, informando, dialogando, compartilhando compreensão e confiança.

A boa relação entre profissional de saúde e usuário é considerada como um dos principais componentes da adesão. Assim, no momento da comunicação do diagnóstico, é importante que o profissional de saúde leve em consideração as reações e informe sobre as novas possibilidades de tratamento e os recursos atualmente disponíveis que, se acessados, abrem outras perspectivas de vida para as pessoas infectadas(17).

Portanto, o relato do cliente parece ser, neste momento, consideravelmente, mais preciso do que a avaliação médica. Fazer perguntas específicas, sem julgamento, pode maximinizar a oportunidade de obter informações úteis para a aderência ao tratamento. Não se pode negar que é um processo difícil, pois decifrar intenções contidas no que diz a pessoa doente e seus familiares talvez seja o mais difícil na medicina(17).

O suporte da família permite uma melhor administração da situação, caso a doença esteja efetivamente instalada. Além disso, os familiares, muitas vezes, são a razão para a realização do tratamento:

Depois da revolta comecei a pensar nas outras pessoas que gosta de mim [...] a principal é minha mãe. Aí tive vontade de viver. O tratamento é pra o doente viver mais [...]. Ninguém faz o tratamento se não quer viver mais. Até agora eu quero [...] (Perseverança).

A preocupação com a criação dos filhos e a oportunidade de vê-los crescer produz uma força interior para se continuar a lutar pela existência, conforme fica evidenciado na fala:

agora eu tenho que tratar, pois tenho filhos e neto que sofrem quando eu adoeço (Auto-Estima).

Perceber a importância do tratamento, que poderia dar uma melhor sobrevida, não garante a aceitação do mesmo por parte dos usuários, que buscam outros sentidos para associá-los ao desejo pessoal de viver. A família na fala desses usuários constitui-se em fator mobilizador para a adesão a terapia anti-retrovial. Portanto, precisam ser considerados pelos cuidadores, que devem identificá-los através do conhecimento do ser cuidado e buscar inseri-los nesse processo de tratamento.

Aqueles doentes que conseguem mobilizar recursos tanto individuais como sociais para enfrentar as situações, adaptam-se melhor a sua nova condição. Nesse contexto, a família e os amigos exercem uma função fundamental, assim como os profissionais responsáveis pela assistência à saúde. Quaisquer que sejam os recursos disponíveis nos serviços de saúde, estes não serão devidamente utilizados se o usuário não for acolhido pelos profissionais(18).

A religião é referida como um fator importante de motivação para a adesão,pois a busca da espiritualidade fornece uma base de apoio para que as pessoas vivam suas vidas e até mudem sua forma de levar a vida:

Depois que a gente conhece Jesus a vida da gente muda (Solidariedade).

As crenças religiosas são importantes, porém não se pode desconsiderar a possibilidade de o portador sentir-se tão protegido pela religião que resolva abandonar o tratamento, ou acreditar que o tratamento seja desnecessário e será abençoado com a cura. A assistência de enfermagem deve assegurar o respeito às crenças e à fé individual, exercitado através do fortalecimento e da valorização de práticas relacionadas à vida espiritual das pessoas.

Os portadores do vírus HIV, que estão em tratamento, acabam por desenvolver estratégias de enfrentamento da doença e dos sacrifícios a que estão sujeitos. Logo é importante o apoio, não só de profissionais e familiares, mas de toda a sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo possibilitou perceber que a aids é uma doença que traz para a vida da pessoa muitos sentimentos, despertando medo, preconceito e incertezas. A pesquisa destacou, sobremaneira, que a prevenção ainda é pensada como responsabilidade do outro.

Nesse contexto, entra o tratamento medicamentoso como uma esperança de prolongar a existência. No início, os usuários possuem muita esperança, como se fosse algo que pudesse resolver seus problemas. Com a utilização dos remédios específicos, começam a sentir que, por traz dos benefícios, há também malefícios que são difíceis de serem superados. Necessitam encontrar formas de enfrentamento para que continuem a busca pela vida. Portanto, como para os sujeitos do estudo aderir ao tratamento é um momento de grande significado, em que fatores como efeitos colaterais, vida social prejudicada, dificuldades financeiras e preconceitos são difíceis de serem superados, é fundamental que, para conseguir tal adesão, busquem outras motivações como família, filhos, vontade de viver, medo de morrer e religião.

Aceitar que a adesão ao tratamento pelo portador do HIV/aids inclui a atuação de todos e que a não-adesão, conseqüentemente, também é responsabilidade de todos. Não é aceitável, pois, culpabilizar o indivíduo apenas e, sim, conhecer e compreender suas dificuldades. Assim, aderir ao tratamento passa por uma relação entre usuário, serviço de saúde e profissionais de saúde, na qual o usuário deve ser colocado como sujeito dessa ação, porque o tratamento, na maioria das vezes, é conduzido no domicílio.

Recebido: 09/08/2007

Aprovado: 06/06/2008

  • 1. Herzlich C, Adam P. Sociologia da doença e da medicina. Bauru: EDUSC; 2001
  • 2
    Boletim Epidemiológico AIDS/DST. Brasília: Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. 2006/2007;4(1).
  • 3. Chequer P, Sudo E, Vitória MAA, Cunha C, Veloso VG. Impacto da terapia anti-retroviral. [texto na Internet]. Brasília; 2004. [citado 2004 jan.13]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/31impacto_terapia.pdf
  • 4. Vitória MAA. Conceitos e recomendações básicas para melhorar a adesão ao tratamento anti-retroviral [texto na Internet]. Brasília; 2004. [citado 2004 jan.13]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/assistencia/adesaoarv.html
  • 5
    Brasil. Ministério da Saúde. Coordenação Nacional de DST/AIDS. Guia de tratamento: recomendações para terapia anti-retroviral em adultos e adolescentes infectados pelo HIV. Brasília; 2006.
  • 6. Jodelet D Representações sociais. Rio de Janeiro: Ed.UERJ; 2001. Representações sociais: um domínio em expansão; p. 17-44.
  • 7. Chizzotti A. Pesquisa em ciências humanas e sociais. São Paulo: Cortez; 2000.
  • 8. Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 196, de 10 de outubro de 1996. Dispõe sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Bioética. 1996;4(2 Supl):15-25.
  • 9. Guimarães MDC. Estudo temporal das doenças associadas à Aids no Brasil: 1980-1999. Cad Saúde Pública. 2000;16 Supl 1:21-6.
  • 10. Silva GA. Da aparência à essência: o cuidado no cotidiano do portador do HIV [tese]. São Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2003.
  • 11. Pereira GC, Arruda A. As representações sociais da soropositividade e sua relação com a observância terapêutica. Cienc Saúde Coletiva. 2005;10(1):151-62.
  • 12. Berlinguer G. A doença. São Paulo: Hucitec; 1998.
  • 13. Tunala L, Paiva V. Fatores psicossociais que dificultam a adesão das mulheres portadoras do HIV aos cuidados de saúde. In: Teixeira PR, Paiva V, Shimma E, organizadores. Tá difícil de engolir? Experiências de adesão ao tratamento anti-retroviral em São Paulo. São Paulo: NEPAIDS; 2000. p. 83-113.
  • 14. Varella D. Por um fio. São Paulo: Companhia das Letras; 2004.
  • 15. Neves LAS, Gir E. Mães portadoras do HIV/Aids: percepções acerca da severidade da infecção. Rev Esc Enferm USP. 2007;41(4):613-8.
  • 16. Ferraz AF. Aprender a viver de novo: a singularidade de experiência de tornar-se portador do HIV e doente com Aids [tese]. São Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 1998.
  • 17. Meneghin P, Bochembuzio L. Humanização na assistência de enfermagem ao portador do HIV: entendendo os sentimentos do paciente ao receber o diagnóstico. Mundo Saúde. 2000;24(4):291-97.
  • 18. Stefanelli MC, Gualda DMR, Ferraz AF. A convivência familiar do portador do HIV e do doente com AIDS. Fam Saúde Desenv. 1999;1(1/2):67-74.
  • Correspondência:
    Girlene Alves da Silva
    Rua Irineu Marinho, 365 - Apto. 904/Daniela - Bom Pastor
    CEP 36021-580 - Juiz de Fora, MG, Brasil
  • *
    Extraído da monografia de conclusão de curso "A percepção do portador do HIV/AIDS sobre o tratamento medicamentoso", Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Juiz de Fora, 2005.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Recebido
      09 Ago 2007
    • Aceito
      06 Jun 2008
    Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: reeusp@usp.br