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Percepção de enfermeiros sobre dilemas éticos relacionados a pacientes terminais em Unidades de Terapia Intensiva

Percepción de enfermeros sobre dilemas éticos relacionados a pacientes terminales en unidades de terapia intensiva

Resumos

O presente estudo teve por objetivos conhecer a percepção de enfermeiros sobre dilemas éticos existentes na assistência de enfermagem a pacientes terminais, no contexto da UTI de um hospital geral do município de São Paulo e o que é considerado para a tomada de decisão. O estudo foi realizado através de entrevistas com dez enfermeiros atuantes na UTI, utilizando uma abordagem qualitativa, conforme a análise de conteúdo. Foram encontrados dilemas éticos ligados a: diversidade de valores; presença dos pacientes terminais na UTI; incertezas sobre a terminalidade e limites de intervenção para prolongar a vida dos pacientes; discordância de tomadas de decisão; não aceitação do processo de morte pela família do paciente e a falta de esclarecimento da família e do paciente. Além disso, para tomar decisão frente aos dilemas éticos, ele considera os seus valores, a ética profissional, a empatia e o diálogo com os colegas.

Unidades de Terapia Intensiva; Ética; Doente terminal; Enfermagem


El presente estudio tuvo como objetivos conocer la percepción de enfermeros sobre dilemas éticos existentes en la asistencia de enfermería a pacientes terminales en el contexto de la UTI de un hospital de São Paulo y lo que se considera como la toma de decisiones. El estudio fue realizado desde una perspectiva cualitativa, utilizando el análisis de contenidos. Fueron entrevistados diez enfermeros actuantes en la UTI. El estudio mostró que los enfermeros encuentran dilemas éticos generados por diversos factores: diversidad de valores; presencia dem los pacientes terminales en la UTI; incertidumbre generada a raíz de la condición terminal; los límites de intervención para prolongar la vida; discordancia en la toma de decisiones; resistencia para aceptar el proceso de muerte por parte de la familia y la falta de esclarecimiento de la família y de los pacientes. Además, sus valores, la ética profesional, la empatía y el diálogo son tenidos en cuenta para tomar decisiones.

Unidades de Terapia Intensiva; Ética; Enfermo terminal; Enfermería


The purpose of this study was to learn about nurses' perception about ethical dilemmas in nursing care for terminal patients in the context of a general hospital ICU in the city of São Paulo, and what they take into account when making decisions. The study was performed through interviews with ten nurses working at the ICU, using a qualitative approach based on content analysis. Ethical dilemmas were found to be linked to: diversity of values; presence of terminal patients at the ICU; uncertainties about terminality and the limits of intervention to prolong the patients' lives; disagreements in decision-making; non-acceptance of the process of dying by the patients' families and the lack of clarifications for the patient and the family. In addition, the nurses consider their values, the professional ethics, empathy and dialogue with co-workers to make decisions in view of such ethical dilemmas.

Intensive Care Units; Ethics; Terminally ill; Nursing


ARTIGO ORIGINAL

Percepção de enfermeiros sobre dilemas éticos relacionados a pacientes terminais em Unidades de Terapia Intensiva

Percepción de enfermeros sobre dilemas éticos relacionados a pacientes terminales en unidades de terapia intensiva

Adriano Aparecido Bezerra ChavesI; Maria Cristina Komatsu Braga MassarolloII

IMestre. Docente da Universidade Cidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. enfadriano@yahoo.com.br

IIProfessora Associada do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. massaro@usp.br

Correspondência Correspondência: Maria Cristina K. B. Massarollo Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 - Cerqueira César CEP 05403-000 - São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

O presente estudo teve por objetivos conhecer a percepção de enfermeiros sobre dilemas éticos existentes na assistência de enfermagem a pacientes terminais, no contexto da UTI de um hospital geral do município de São Paulo e o que é considerado para a tomada de decisão. O estudo foi realizado através de entrevistas com dez enfermeiros atuantes na UTI, utilizando uma abordagem qualitativa, conforme a análise de conteúdo. Foram encontrados dilemas éticos ligados a: diversidade de valores; presença dos pacientes terminais na UTI; incertezas sobre a terminalidade e limites de intervenção para prolongar a vida dos pacientes; discordância de tomadas de decisão; não aceitação do processo de morte pela família do paciente e a falta de esclarecimento da família e do paciente. Além disso, para tomar decisão frente aos dilemas éticos, ele considera os seus valores, a ética profissional, a empatia e o diálogo com os colegas.

Descritores: Unidades de Terapia Intensiva.Ética. Doente terminal. Enfermagem.

RESUMEN

El presente estudio tuvo como objetivos conocer la percepción de enfermeros sobre dilemas éticos existentes en la asistencia de enfermería a pacientes terminales en el contexto de la UTI de un hospital de São Paulo y lo que se considera como la toma de decisiones. El estudio fue realizado desde una perspectiva cualitativa, utilizando el análisis de contenidos. Fueron entrevistados diez enfermeros actuantes en la UTI. El estudio mostró que los enfermeros encuentran dilemas éticos generados por diversos factores: diversidad de valores; presencia dem los pacientes terminales en la UTI; incertidumbre generada a raíz de la condición terminal; los límites de intervención para prolongar la vida; discordancia en la toma de decisiones; resistencia para aceptar el proceso de muerte por parte de la familia y la falta de esclarecimiento de la família y de los pacientes. Además, sus valores, la ética profesional, la empatía y el diálogo son tenidos en cuenta para tomar decisiones.

Descriptores: Unidades de Terapia Intensiva.Ética. Enfermo terminal. Enfermería.

INTRODUÇÃO

A terminalidade da vida é algo inerente a todo ser humano e, na atualidade, a questão do cuidado da vida humana no seu final tornou-se significativa em nossa sociedade, na área da saúde e, especialmente, na medicina(1). As raízes dessa problemática estão na tendência curativa dos tratamentos, no envelhecimento das populações, nas tendências de mercado, nas pressões culturais, na medicalização da vida, no aprimoramento humano e no progresso científico e tecnológico que contextualizam a origem dos fatores que compõem esta discussão(2).

Dentre essas causas, destaca-se o progresso científico e tecnológico que contribuiu para os avanços crescentes no emprego de recursos na manutenção da vida. Essas tecnologias e a sua disponibilidade em muitos países mostraram novas formas de tratamento e esperança para o enfrentamento de muitos problemas tornando possível estender os limites da vida.

Nesse sentido, as instituições hospitalares tornaram-se grandes espaços privilegiados para o desenvolvimento dessas tecnologias e, a partir da década de 50, sofreram um salto qualitativo, acompanhando o progresso científico da humanidade. Para facilitar o diagnóstico e o tratamento, houve um aumento do número de internações nos hospitais e entre os pacientes internados, havia os que necessitavam de cuidados mais específicos, pelo seu grau de complexidade e medidas de suporte para manutenção de suas vidas. Essas medidas de suporte (tecnologias) requeriam mão de obra cada vez mais qualificada e deram origem às Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). Segundo o Ministério da Saúde as UTIs:

São unidades hospitalares destinadas ao atendimento de pacientes graves ou de risco que dispõem de assistência médica e de enfermagem ininterruptas, com equipamentos específicos próprios, recursos humanos especializados e que tenham acesso a outras tecnologias destinadas a diagnóstico e terapêutica(3).

Esta definição mostra que entre as características desta unidade está a complexidade do cuidado prestado e o emprego de tecnologias que podem, algumas vezes, evidenciar em seu ambiente, o intervencionismo e o curativismo. Estes modelos têm como características a adoção de medidas que, freqüentemente, não permitem o cuidado em todos os seus aspectos.

É preciso resgatar de forma mais ampla o valor do cuidado que ficou em segundo plano ante a busca da cura das doenças(2), e que num sentido mais amplo, abrange aspectos humanos, espirituais e sociais. Estes cuidados são necessários à reabilitação dos pacientes, para que possam conviver com suas limitações, ou seja, mesmo que eles não tenham possibilidade terapêutica de cura clínica, que possam ter a sua condição de ser humano e ser social ativo, não apenas na dimensão biológica.

Uma assistência digna e humanizada, além do domínio das tecnologias empregadas nos pacientes em UTIs, é dotada de outras características(4):

[...] cuidar é mais que um ato ou momento de atenção, zelo e desvelo. É uma atitude. E por atitude, nessa situação, entende-se a fonte geradora de muitos atos que expressam a preocupação, a responsabilização radical e a aproximação vincular com o outro. Cuidar, portanto, configura uma atitude que possibilita a sensibilidade para com a experiência humana, reconhecendo o outro como pessoa e sujeito [...]

Este reconhecimento e sensibilidade para com o outro deve permear as ações de todos os profissionais para com os pacientes nas UTIs, pois encontram-se em estado de fragilidade física e, quase sempre, emocionalmente e espiritualmente sensibilizados. Entre os pacientes nas UTIs, existe um grupo distinto de pacientes, que é caracterizado pelo uso de muitos recursos tecnológicos, mas com resultados desanimadores, pois num determinado momento da evolução de sua doença, não é mais possível salvá-lo, sendo inevitável o processo de morte(5) - o que caracteriza os pacientes terminais, que são aqueles acometidos por uma doença de difícil tratamento, por um conjunto de situações em que se esgotam as possibilidades terapêuticas de cura ou para prolongar a vida de forma digna e, quando há uma disfunção irreversível do sistema nervoso central(6). Além disso, é o conjunto das condições e situações que levam os médicos a considerar o paciente em condição terminal. Também podemos considerar que não é tarefa fácil a definição de paciente terminal, e que mesmo a expressão terminal chega a ser complexa, pois é imprecisa. A dificuldade está na determinação de qual momento o paciente apresenta duas características: a incurabilidade e o fracasso terapêutico dos recursos médicos(5).

Parte desta dificuldade se dá pelos avanços científicos que permitiram aumentar o conhecimento sobre as doenças e os mecanismos da cura, porém, o aparato tecnológico encontrado nas UTIs revela dilemas éticos, que podem estar relacionados aos limites da ação terapêutica e na pluralidade dos valores das pessoas envolvidas. Os dilemas éticos estão presentes em todas as áreas de atuação dos profissionais da saúde e são situações com duas alternativas para o tratamento ou condução de um caso, justificadas tecnicamente, mas passíveis de questionamento moral ou social(7). Esta indagação acontece devido ao conjunto de comportamentos, hábitos, valores, cultura e as crenças expressas pelos seres humanos na sociedade(4).

Quando estas questões envolvem as relações com a vida, podemos qualificá-las como pertencentes à Bioética(8).

[...] o estudo sistemático das dimensões morais, incluindo a visão, a decisão, a conduta e as normas, das ciências da vida e da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto interdisciplinar(9) .

Uma das principais questões bioéticas nas UTIs está relacionada à manutenção da vida e aos cuidados prestados aos pacientes terminais. As pessoas que estão morrendo necessitam ser tratadas com dignidade e integridade, ou seja, que tenham garantidos os direitos a uma morte digna, que recebam cuidados contínuos e que seja respeitada a sua autonomia. Para que isso ocorra, são necessários profissionais que respeitem princípios como a justiça, a beneficência, a não maleficência e a autonomia na prestação da assistência(2).

Estes princípios são encontrados por muitos autores que têm citado a filosofia Hospice, com o intuito de prestar um cuidado digno aos pacientes terminais. A origem dos hospicesé do século IV da era cristã com o cuidado aos necessitados; sendo o hospitium o lugar onde se prestavam essas ações. O primeiro hospice foi fundado em 1842 em Lyon, na França e atendia a moribundos. Mais tarde, outros hospices foram fundados na Irlanda (1846) e Inglaterra (1885). E, finalmente, em 1967, através de Cecily Saunders, foi aberto o St. Christopher Hospice ao sul de Londres, que trazia as características principais dos cuidados paliativos: o controle da dor, a aceitação da morte como um processo natural da vida, os cuidados às necessidades psicológicas, sociais e espirituais do paciente e o controle dos sintomas de desordem orgânica do indivíduo(10).

Os cuidados paliativos fazem parte da assistência de enfermagem e os pacientes em fase terminal requerem do enfermeiro conhecimentos específicos sobre: manejo da dor, administração de analgésicos, sintomas clínicos comuns da fase final de muitas doenças, comunicação com o paciente, além da habilidade no trabalho em equipe, leitura e estudo de artigos e livros sobre o assunto e ainda a reflexão sobre o significado da morte e da terminalidade(11). Portanto, o cuidado específico de enfermagem a pacientes terminais no âmbito das UTIs é da competência do enfermeiro, incluindo tomada de decisões sobre esses cuidados e a participação em intervenções junto a esses pacientes.

Estas tomadas de decisão estão repletas [...] de situações que exigem uma análise detalhada do contexto sócio-cultural [...], visando o complexo processo de tomada de decisões técnicas ou éticas(12) e baseiam-se em habilidades, além de conhecimentos teóricos (com associação a experiências anteriores), profissionalismo, autonomia, valores pessoais, processamento das informações, confiança, auto-estima, dogmatismo e propensão para assumir riscos(13).

Os enfermeiros levam em consideração para sua tomada de decisão valores como honestidade, auto-controle, responsabilidade, tolerância, compreensão, solidariedade e condescendência; o que denota a influência das raízes históricas da profissão, a predominância de valores femininos e a necessidade de reconhecimento social, pessoal e profissional(14).

Não só os enfermeiros, mas todos os profissionais tem a necessidade do conhecimento dos elementos do processo de tomada de decisão, a sua discussão com os envolvidos, a avaliação das circunstâncias, os valores, os riscos e resultados prováveis, pois estão envolvidos diretamente nos cuidados prestados aos pacientes terminais(15) e ligados a todos os dilemas gerados por estes fatores.

OBJETIVOS

Conhecer a percepção de enfermeiros sobre dilemas éticos existentes na assistência de enfermagem a pacientes terminais, no contexto das UTIs de um hospital geral do município de São Paulo e o que é considerado pelos enfermeiros para a tomada de decisão frente a dilemas éticos.

MÉTODO

Local de estudo

O estudo foi realizado com enfermeiros de uma UTI geral adulto de um hospital privado de grande porte da cidade de São Paulo, do tipo II, conforme portaria nº 3432, de 12 de agosto de 1998 do Ministério da Saúde(3). É uma unidade que conta com 24 leitos, recebe pacientes clínicos crônicos e agudos, politraumatizados, pós-cirúrgicos de pequeno e grande porte, inclusive transplantados, o que a caracteriza como uma UTI especializada e conta com todos os equipamentos e condições preestabelecidos pela portaria.

Sujeitos do estudo

Os sujeitos da pesquisa foram enfermeiros com atuação profissional em UTI, há pelo menos um ano. Esse período foi estabelecido para que fizessem parte do estudo profissionais que já tivessem vivenciado situações que pudessem ter gerado dilemas éticos. O número de enfermeiros não foi pré-determinado, de acordo com o método adotado. Foram realizadas dez entrevistas observando a ocorrência de repetição dos conteúdos.

Coleta dos dados

A coleta dos dados foi realizada após a autorização da instituição e aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Parecer CEP n. 08.05) do hospital. Os dados foram coletados através de uma entrevista previamente agendada e com a permissão expressa dos sujeitos no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (inclusive sobre a utilização dos dados e do uso de aparelho eletrônico para gravação dos depoimentos).

Foi realizado um piloto com enfermeiros de UTIs de outras instituições, que se dispuseram voluntariamente a colaborar na pesquisa, com o objetivo de adequar as perguntas norteadoras na condução da entrevista e o ajuste de parâmetros do aparelho.

Após a realização do piloto, o roteiro para realização das entrevistas ficou composto, em sua primeira parte, de questões de caracterização do sujeito com informações referentes a: sexo, formação, tempo de atuação, cargo ou função na UTI, e outra composta por três perguntas norteadoras a respeito da vivência dos enfermeiros com pacientes terminais, a existência de dilemas éticos relacionados a estes doentes e o que eles consideravam para tomada de decisão frente aos dilemas. Cabe esclarecer que as entrevistas realizadas no piloto não foram utilizadas no estudo.

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Para alcançar os objetivos da pesquisa optamos pela abordagem qualitativa, por considerar que ela possibilita a melhor elucidação das questões norteadoras expostas na introdução do trabalho. Utilizamos, para isto, a análise de conteúdo(16).

Esta opção se deu através da escolha de um método que possibilitasse o descobrimento de experiências, crenças, valores, vivências e pensamentos dos enfermeiros que trabalham com pacientes terminais em UTIs, utilizando para isso, uma técnica metodizada, composta de passos seqüenciais e que, através da linguagem no discurso do sujeito da pesquisa, tem o material primordial para sua operacionalização.

A análise temática foi utilizada como forma de encontrar os temas presentes nos discursos dos sujeitos, as unidades de registro e a categorização. Para a seleção das unidades de registro, realizamos a exaustão da leitura dos discursos contidos nas entrevistas e, posteriormente, os recortes das unidades que representam um real significado para responder os objetivos propostos para este trabalho. Na categorização, utilizamos o critério semântico das palavras, com o objetivo de trazer o significado real das unidades registro.

O tratamento dos resultados foi feito pela inferência e interpretação dos conteúdos. A interpretação retoma o referencial teórico para a fundamentação e justificativa do estudo, e nos embasa para o correto sentido da análise(16).

Pelo estudo dos dados obtidos na primeira parte do questionário, pudemos verificar que os sujeitos da pesquisa são todos do sexo feminino, apresentam experiência profissional acima de quatro anos na UTI, exercem funções assistenciais e, do total de dez enfermeiros, nove possuem pós-graduação. Isto denota uma formação específica e experiência significativa dos enfermeiros do setor escolhido para a pesquisa. Essa caracterização representa algo importante na assistência aos pacientes terminais, já que é necessário um grande preparo destes profissionais na adoção de medidas de conforto e controle de complicações clínicas e de natureza humana(11).

Na segunda parte do questionário, através das respostas às perguntas norteadoras, observou-se que os enfermeiros trazem muitas vivências de situações que, para eles, possuem um sentido dilemático na assistência aos pacientes terminais.

Para melhor compreensão dos resultados, as unidades de significado foram agrupadas em duas categorias: Dilemas éticos e outros fatores relacionados à assistência aos pacientes terminais em UTI e Tomada de decisão frente a dilemas éticos.

A primeira categoria foi subdividida nas seguintes subcategorias: Fatores geradores de dilemas, Interferências na assistência de enfermagem ao paciente terminal, Considerações sobre a terminalidade, Sentimentos relacionados ao paciente terminal e Constatação da obstinação terapêutica.

Na primeira subcategoria,Fatores geradores de dilemas, os enfermeiros mostraram que os seus valores e crenças entram em choque com as ações realizadas com o paciente terminal. Os valores da sua classe profissional, de seus princípios religiosos, a convicção de que o paciente terminal deveria morrer no quarto junto à família e não na UTI, a própria determinação de quando o paciente torna-se terminal e a dúvida sobre até quando se deve investir geram conflitos íntimos que trazem o sentido dilemático da situação.

[...] a gente tem nossos valores, nossas crenças, é assim, tudo isso acaba confrontando e gerando dilemas [...]

Estes conflitos vivenciados pelos enfermeiros, relacionados a crenças e valores, podem estar associados a processos pessoais e sociais vivenciados hoje pela humanidade, advindos da pluralidade de valores(4) e da grande miscigenação cultural que presenciamos diariamente.

Para os enfermeiros, a sua responsabilidade profissionaltambém traz um sentido dilemático relacionado à assistência direta ao paciente terminal, contrariando os seus valores. A sua atividade profissional lhe causa dilemas, pois realiza ações contrárias a sua opinião, mas que são inerentes a sua profissão.

[...] porque às vezes tem paciente que quando você vê que entra pela porta da UTI, você já fala assim: porque? Só que você também tem um compromisso, uma responsabilidade ético-legal com esse paciente, você fala: também não posso deixar de assistir.

A ética profissional parece ser algo muito forte e fator norteador das condutas na assistência aos pacientes terminais. Porém, não deixa de ser um ponto de conflito íntimo, pois coloca o enfermeiro para refletir sobre suas condutas, responsabilidades e valores(17).

As relações com a família dos pacientes terminais trazem situações dilemáticas, geradas pela falta de esclarecimento das condutas e condições de tratamento do paciente terminal e a não aceitação da família do processo de morte do paciente.

[...] a gente acaba ficando naquele dilema de fala ou não fala para família, porque a própria equipe médica não fechou o prognóstico, não falou para família que não tem mais nada para ser oferecido, como que eu posso chegar para família e falar nisso [...]

Quando a comunicação e esclarecimento entre família, profissionais da saúde e pacientes é efetiva, ela apresenta fatores importantes para uma assistência mais humanizada, diminuindo os riscos de interpretações equivocadas, que se tornam geradoras de conflitos(18).

As Interferências na assistência de enfermagem ao paciente terminalparecem estar presentes em algumas perspectivas. A primeira está relacionada à organização do cuidado, onde a dinâmica da UTI nem sempre permite prestar uma assistência mais específica, com uma interação mais profunda entre enfermeiro, paciente e família; isto porque a estrutura física da UTI não permite uma acomodação contínua aos familiares.

[...] porque a gente não tem acomodação para deixar um acompanhante ali 24 hs [...]

Para manter uma boa assistência a estes pacientes, existe uma organização da escala, a realização de procedimentos que englobam o controle da dor, melhora do conforto e higiene. Entretanto, o isolamento do paciente na UTI é inevitável devido às acomodações e horários de visitas pre-estabelecidos, e também parece haver uma dificuldade de alguns enfermeiros na percepção da resposta consciente do paciente, o que pode interferir na avaliação e gerenciamento do cuidado.

[...] .você consegue fazer algumas coisas que somam benefícios para o paciente, você consegue acrescentar algum conforto, às vezes você consegue melhorar alguma coisa em termos de analgesia, controlar um pouquinho mais a dor do paciente, às vezes sedação, [...]

É complicado, e muitas vezes, na realidade da terapia intensiva, você tem um paciente que não te dá retorno, assim, é um paciente sedado, entubado, com múltiplas disfunções e então, é...você não consegue saber assim olha eu estou realmente conseguindo o que eu gostaria, o que eu acho que seria legal para ele [...]

Há referência sobre a dificuldade em se trabalhar com a terminalidade e que seria importante um preparo mais adequado da equipe para lidar com estes pacientes nesta situação, pois a sua assistência permanece até o momento da morte.

[...] além dos cuidados de enfermagem você não pode fazer mais nada para ele, cuidado médico terminou, cuidado de enfermagem continua até ele morrer [...]

Os pacientes terminais requerem cuidados que vão além da assistência técnica. Envolve questões culturais, étnicas, humanas, sociais, espirituais, etc. Isto requer dos profissionais de enfermagem um preparo muito maior e relacionado a uma filosofia de cuidado que contemple todas estas áreas, o cuidado Hospice(10).

Algumas considerações sobre a terminalidade e sentimentos relacionados ao paciente terminal foram apontadas pelos enfermeiros, como a dificuldade em trabalhar com o processo de morrer, o lidar com pacientes terminais, a impotência perante a morte, o desejo pela cura do paciente, o desgaste da família e empatia pela condição de morrer.

[...] tem aqueles pacientes que você guarda para sempre, você não esquece, mesmo que você queira esquecer, você não esquece [...]

[...] porque para a família é muito difícil isso, aceitar que assim, não tem mais o que fazer [...]

Alguns fatores auxiliam a aceitação da terminalidade, como a idade mais avançada dos pacientes e prestar o melhor cuidado possível.

[...] quando é uma pessoa mais idosa, parece que você aceita melhor a fase terminal dele [...]

[...] eu paro, penso e tento fazer o melhor dentro do que eu posso fazer, eu gosto sempre de fazer o que está ao meu alcance, o que está fora do meu também [...]

A proximidade com a dor e o sofrimento parecem provocar nos enfermeiros uma empatia importante para o vínculo terapêutico, o que proporciona uma melhor assistência de enfermagem, mas ao mesmo tempo um desgaste emocional íntimo ligado à dificuldade no lidar com a terminalidade.

Os discursos dos enfermeiros revelaram que algumas vezes os médicos realizam medidas que podem postergar o sofrimento e não trazem benefícios à condição clínica dos pacientes, constatando assim a obstinação terapêutica.

[...] você não está melhorando trazendo nenhum alívio, nenhum conforto, você não está trazendo nenhuma expectativa, nenhum alento para o paciente e mesmo para a família, e você tem que continuar fazendo coisas [...]

[...] o problema maior é às vezes, você ver assim que você está fazendo algo que é completamente infrutífero [...]

Ter que realizar ações que, no julgamento dos enfermeiros, não trazem benefícios ao paciente também gera conflitos éticos para eles. Isto é devido à discordância das condutas tomadas pela equipe médica, que comumente implicam na realização de procedimentos pelos profissionais de enfermagem. A avaliação da condição clínica do paciente e a mudança em seu quadro de saúde também podem dificultar a decisão pelas condutas a serem realizadas e ocorrer com maior freqüência o quadro de distanásia(1).

A segunda categoria, Tomada de decisão frente a dilemas éticos, está dividida em duas subcategorias: Fatores que influenciam a tomada de decisão e o Processo de tomada de decisão.

Na primeira subcategoria foram identificados quatro fatores importantes: o esclarecimento da família e do paciente, postura profissional dos enfermeiros e médicos, as dificuldades referidas e os valores e princípios dos enfermeiros.

O esclarecimento da família e do paciente, segundo os enfermeiros, é importante para a tomada de decisão o que a torna muito mais legítima para o enfrentamento do dilema.

[...] Então, deixar ele ciente da forma que a gente pode estar falando, sem estar invadindo o espaço médico, estar deixando a família ciente do quadro, de uma forma mais tranqüila, sem também causar muito stress...

Quanto mais se respeitar a autonomia do paciente e a participação dos familiares na discussão da evolução do quadro clínico e condutas prognósticas, maior será o sucesso da humanização do atendimento a este doente.

Segundo os enfermeiros, a sua postura profissional e dos médicos deveria ser a de compartilhar com a equipe multiprofissional seus dilemas a fim de minimizar os conflitos gerados por decisões isoladas ou por problemas de comunicação. O diálogo entre médicos, família, pacientes e outros profissionais deve ser mais frequente respeitando a decisão do paciente, evitar o abandono advindo da falta de preparo em lidar com a morte, assumindo uma postura de aceitação e empatia pelo paciente.

É muito a opinião de cada um, não tem um, tipo um caderninho falando a conduta que você deve tomar sobre isso. É que, questionar o assunto, discutir, seria uma das formas, [...]

Também exitem algumas dificuldades referidas pelos enfermeiros para tomada de decisão. Estão relacionadas à divergência de opiniões entre as equipes multiprofissionais, à ausência de discussão de casos com os enfermeiros, ao vínculo criado com o paciente terminal e ao fato de terem que lidar com os sentimentos e percepções diferentes da família.

[...] acho que assim, um desses dilemas seria essa, essa assim, condução dos casos de maneiras assim divergentes, de acordo com o pensamento de cada equipe. Então assim, isso para enfermagem é uma situação que eu acredito que cause alguns dos dilemas.

Os valores e princípios são utilizados como fatores no processo de tomada de decisão, que foram identificados como o raciocínio lógico, os próprios princípios, o processo reflexivo e a fé religiosa.

[...] Olha eu procuro muito... eu assim sou religiosa, então eu procuro muito me apegar na fé, eu acho que Deus existe sim cada caminho dele e é aquele momento daquela pessoa você tem que aceitar.

Estes valores, por vezes, podem ajudar ou dificultar os enfermeiros no processo decisório devido aos conflitos internos gerados pelas diferenças culturais e sociais entre eles, familiares, pacientes e outros profissionais(14).

Na segunda subcategoria, o processo de tomada de decisão, foram encontrados quatro agentes: o paciente, a família, a equipe médica e os enfermeiros.

No discurso dos enfermeiros observamos que a participação da família é importante para o processo decisório ser bem sucedido.

[...] o paciente pode ser considerado um paciente terminal, mas ele não, não se vê como, então assim, primeiro se ele se vê dessa maneira e o que ele quer, também assim o que a família quer nesse sentido e aí eu acho que assim, o que seria desejável, o que seria o ideal, uma coisa é sempre pouco desenvolvida, paciente, família, a equipe assistente [...]

Porém, o processo é dificultado devido ao apego, à dificuldade da família em lidar com a morte.

Então, eu já vi casos que a família é... respeitou, não; nós não queriamos ver mais sofrer, [...] A família decidiu, não eu quero que faça tudo, tal, tal, tal, mesmo que prolongue por um mês, dois meses, mas faz [...]

O desejo do paciente deve fundamentalmente ser respeitado, mas sua autonomia pode ser cerceada pelas medidas invasivas de suporte clínico, pela própria família ou pelos médicos.

[...] Porque a gente observa que a família acaba decidindo muito, então olha eu quero que entube, eu quero que faça tudo, eu quero que prolongue-se a vida do paciente, mais assim, porque a família quer, muitas vezes, mas o paciente, pouco ele opina sobre isso [...]

A preservação da autonomia dos pacientes é fundamental para se manter os princípios básicos da bioética que embasa as discussões geradas pelas condições da vida do ser humano em todo o seu ciclo vital, principalmente no seu processo de morte(8).

Foi referido pelos enfermeiros que na maior parte das vezes as decisões dos médicos praticamente são desvinculadas dos outros profissionais, ficando a sua decisão nem sempre atrelada à família e ao paciente.

[...] a tomada de decisão cabe muito ao médico e a equipe médica assistente.

[...] então o médico quando vê que não tem mais possibilidades da terapêutica, ele senta com a família, discute com a família, fala toda a gravidade do caso e quais os caminhos que seriam seguidos. E eles mesmos em conjunto resolvem, assim a enfermagem não tem uma participação ativa, [...]

E a participação dos enfermeiros no processo de tomada de decisão não é efetivo, mas recebem diretamente o impacto disso e usam, entre outros fatores, da empatia e diálogo informal com outros enfermeiros para tomar suas decisões perante os dilemas.

[...] Eu acho que, na minha opinião, você mesmo tem que tomar essa decisão, você tem que se conscientizar, que você não pode ter esse tipo de dilema, você tem que estar, eu acho, assim, que você tem sempre que se ver no lugar daquela pessoa que como fosse você, como seria.[...]

[...] a gente discute entre a gente. Mas não tem nada assim oficial de ter outro profissional de ter alguém que encabeça [...]

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi possível verificar através dos resultados que existem dilemas éticos de enfermeiros relacionados à pacientes terminais na UTI, contudo estes dilemas têm um caráter conflituoso no seu íntimo de forma pessoal e individualizada, do que de caráter coletivo e relacionado à dualidade de possibilidades decisórias em condutas com o paciente(7). Estes dilemas envolvem fatores relacionados a experiências e valores pessoais, às relações com outros profissionais, com a família e o paciente terminal e a própria dinâmica da assistência a pacientes terminais na UTI. Nesse sentido, é importante que os enfermeiros busquem aumentar a reflexão e a discussão sobre o assunto, a fim de encontrar caminhos para aprimorar o seu agir ético em cada ação ou relação interpessoal com os participantes da questão dilemática.

Os enfermeiros não participam ativamente do processo de tomada de decisão relacionado às ações com os pacientes terminais, mas consideram que a participação da família e de outros profissionais, e o respeito pelo desejo do paciente são importantes no processo decisório. Quando as situações dilemáticas envolvem o seu agir, os enfermeiros levam em conta os seus valores, a ética profissional, a empatia e o diálogo com os colegas para tomar decisões.

É importante que os enfermeiros tenham uma maior fundamentação teórica dos conjuntos de princípios éticos que compõem a base necessária para o delicado processo de tomada de decisão. E se torna fundamental a sua participação, cabendo a eles, a reflexão sobre como implementar ações na sua prática assistencial, em conjunto com os outros membros da equipe multiprofissional(19) e que envolvem não só os dilemas relacionados aos pacientes terminais, mas inclusive, a humanização do atendimento na UTI.

Os dilemas éticos relacionados aos pacientes terminais na UTI devem continuar existindo, pois a cada dia surgirão novas situações que merecerão o empenho cada vez maior de todos os profissionais para a sua compreensão, e o enfermeiro, como membro da equipe multiprofissional, deve estar presente neste processo a fim de colaborar para o desenvolvimento de uma assistência cada vez mais humana e ética.

Recebido: 06/08/2006

Aprovado: 24/06/2008

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  • Correspondência:

    Maria Cristina K. B. Massarollo
    Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 - Cerqueira César
    CEP 05403-000 - São Paulo, SP, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Abr 2009
    • Data do Fascículo
      Mar 2009

    Histórico

    • Aceito
      24 Jun 2008
    • Recebido
      06 Ago 2006
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