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Produção de internações no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP, 1996-2003

Producción de internaciones en el Hospital de las Clínicas de la Facultad de Medicina de Ribeirão Preto, USP, 1996-2003

Resumos

A produção de internações hospitalares representa importante parcela da atenção à saúde tanto pela complexidade de ações quanto pelo volume financeiro empregado. Esta investigação, de cunho descritivo-exploratório, teve como objetivo identificar e descrever a produção física e financeira de internações hospitalares realizadas em um hospital-escola do interior paulista, no período 1996-2003, nas especialidades de clínica cirúrgica, clínica médica, pediatria e obstetrícia. Os dados foram coletados a partir de consulta a banco de dados oficiais da instituição estudada. No período, houve redução global de 8,5% na freqüência de internações e crescimento de 78,4%, nos recursos financeiros percebidos. A clínica cirúrgica, com procedimentos de maior remuneração, apresentou incremento nas internações; na obstetrícia houve menor variação na produção. A crescente incorporação tecnológica, demanda de usuários da região, migração de usuários do sistema de saúde suplementar para o SUS, podem justificar a variação de produção nas diferentes especialidades.

Hospitalização; Sistema Único de Saúde; Recursos em saúde; Sistemas de Informação Hospitalar


La producción de internaciones hospitalarias representa una importante índice de la atención prestada a la salud, tanto por la complejidad de acciones como por el volumen financiero empleado en ella. Esta investigación descriptiva y exploratoria, tuvo como objetivo identificar y describir la producción física y financiera de internaciones hospitalarias realizadas en un hospital escuela del interior paulista, en el período de 1996 a 2003, en las especialidades de clínica quirúrgica, clínica médica, pediatría y obstetricia. Los datos fueron recolectados a partir de consultas al banco de datos oficial de la institución estudiada. En el período, hubo una reducción global de 8,5% en la frecuencia de internaciones y un crecimiento de 78,4% en los recursos financieros recibidos. La clínica quirúrgica, con procedimientos de mayor remuneración, presentó un incremento en las internaciones; en la obstetricia hubo una menor variación en la producción. La creciente incorporación tecnológica, la demanda de usuarios de la región y, la migración de usuarios del sistema de salud suplementar para el SUS, pueden justificar la variación de producción en las diferentes especialidades.

Hospitalización; Sistema Único de Salud; Recursos en salud; Sistemas de Información en Hospital


Hospitalizations represent an important share of healthcare, due to both the complexity of actions and the financial volume applied. This descriptive-exploratory investigation had the purpose to identify and describing the physical and financial production of hospitalizations performed in a school hospital in the state of São Paulo, from 1996 to 2003, focusing the specialties of surgical clinic, medical clinic, pediatrics and obstetrics. Data collection was performed by searching the official databanks of the studied institution. In that period, a global 8.5% reduction in the frequency of admittances and a 78.4% increase in the financial resources were observed. Surgical clinic, with more expensive procedures, increased its admittances; the production in obstetrics showed the lowest variation. The increasing incorporation of technology, the demands from regional users and the migration of users from the supplementary system to the SUS may justify the variation of production in the different specialties.

Hospitalization; Single Health System; Health resources; Hospital Information Systems


ARTIGO ORIGINAL

Produção de internações no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP, 1996-2003* * Trabalho desenvolvido pelo Centro de Estudos e Pesquisas sobre Hospital e Enfermagem da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo

Producción de internaciones en el Hospital de las Clínicas de la Facultad de Medicina de Ribeirão Preto, USP, 1996-2003

Lucieli Dias Pedreschi ChavesI; Ana Maria LausII; Maria Luiza AnselmiIII

IEnfermeira. Professora Doutora do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil. dpchaves@eerp.usp.br

IIEnfermeira. Professora Doutora do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil. analaus@eerp.usp.br

IIIEnfermeira. Professora Associada do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil. anselmi@eerp.usp.br

Correspondência Correspondência: Lucieli Dias Pedreschi Chaves Departamento de Enfermagem Geral e Esp. (EERP/USP) Av. Bandeirantes, 3900 CEP 14040-902 - Ribeirão Preto, SP, Brasil

RESUMO

A produção de internações hospitalares representa importante parcela da atenção à saúde tanto pela complexidade de ações quanto pelo volume financeiro empregado. Esta investigação, de cunho descritivo-exploratório, teve como objetivo identificar e descrever a produção física e financeira de internações hospitalares realizadas em um hospital-escola do interior paulista, no período 1996-2003, nas especialidades de clínica cirúrgica, clínica médica, pediatria e obstetrícia. Os dados foram coletados a partir de consulta a banco de dados oficiais da instituição estudada. No período, houve redução global de 8,5% na freqüência de internações e crescimento de 78,4%, nos recursos financeiros percebidos. A clínica cirúrgica, com procedimentos de maior remuneração, apresentou incremento nas internações; na obstetrícia houve menor variação na produção. A crescente incorporação tecnológica, demanda de usuários da região, migração de usuários do sistema de saúde suplementar para o SUS, podem justificar a variação de produção nas diferentes especialidades.

Descritores: Hospitalização. Sistema Único de Saúde. Recursos em saúde. Sistemas de Informação Hospitalar.

RESUMEN

La producción de internaciones hospitalarias representa una importante índice de la atención prestada a la salud, tanto por la complejidad de acciones como por el volumen financiero empleado en ella. Esta investigación descriptiva y exploratoria, tuvo como objetivo identificar y describir la producción física y financiera de internaciones hospitalarias realizadas en un hospital escuela del interior paulista, en el período de 1996 a 2003, en las especialidades de clínica quirúrgica, clínica médica, pediatría y obstetricia. Los datos fueron recolectados a partir de consultas al banco de datos oficial de la institución estudiada. En el período, hubo una reducción global de 8,5% en la frecuencia de internaciones y un crecimiento de 78,4% en los recursos financieros recibidos. La clínica quirúrgica, con procedimientos de mayor remuneración, presentó un incremento en las internaciones; en la obstetricia hubo una menor variación en la producción. La creciente incorporación tecnológica, la demanda de usuarios de la región y, la migración de usuarios del sistema de salud suplementar para el SUS, pueden justificar la variación de producción en las diferentes especialidades.

Descriptores: Hospitalización. Sistema Único de Salud. Recursos en salud. Sistemas de Información en Hospital.

INTRODUÇÃO

A implementação e consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) associada à incorporação cada vez mais acentuada e rápida de novas tecnologias vêm requerendo dos profissionais de saúde, um conjunto de conhecimentos teóricos e técnico-operacionais relativos aos processos de gestão, que lhe permitam ampliar e consolidar novos espaços de atuação por meio de uma prática profissional crítica e competente.

Particularmente, o interesse em investigar as informações relativas às internações hospitalares, deve-se ao fato deste segmento ser altamente especializado, consumir considerável aporte de recursos financeiros e possuir especificamente um sistema de informações do Ministério da Saúde (MS) que possibilita a sistematização do processo de controle e avaliação das internações, além da sua representatividade na esfera da atenção e gestão em saúde.

Outro aspecto importante que justifica a opção por este estudo diz respeito à peculiaridade do município de Ribeirão Preto-SP no qual parte dos serviços de saúde está sob gestão da Secretaria Municipal de Saúde de Ribeirão Preto (SMS-RP) e, outra parcela dos serviços sob gestão estadual, através da Direção Regional de Saúde XIII (DRS-XIII), incluindo o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), reconhecida referência hospitalar. Assim, o sistema local de saúde constituído por serviços em duas esferas de gestão distintas, exige articulação e interlocução contínua entre gestores para atender às necessidades de saúde da população, segundo a capacidade instalada dos serviços, respectiva densidade tecnológica e ordenados em um complexo regulador.

Estudo desenvolvido em Ribeirão Preto-SP, no período de 1996-2003, sobre a produção física e financeira das internações nos hospitais sob gestão municipal, mostrou uma variação distinta, a cada ano, entre os prestadores e as diferentes especialidades médicas. Houve um aumento geral de 56% nas internações pagas; esta variação foi diferenciada entre os prestadores, com incremento em alguns e, decréscimo em outros; os valores financeiros tiveram crescimento de 156,3%. Entre as especialidades, a clínica cirúrgica representou no período, 41,8% das internações com o maior valor médio de Autorização Internação Hospitalar (AIH) (R$ 6.963,82)(1).

O conhecimento destes dados despertou interesse em investigar a produção de internações no HCFMRP-USP, hospital de ensino, terciário, referência loco-regional, com expressiva produção de internações, cuja complexidade requer de seu gestor a apropriação de ferramentas gerenciais, particularmente a informação, que permitam controlar, avaliar, ordenar e decidir para atingir resultados satisfatórios. Por outro lado, trata-se de hospital de referência também para munícipes de Ribeirão Preto, devendo ser entendido como parte integrante e integrada à rede de serviços.

Historicamente, a inserção dos hospitais universitários e de ensino no SUS tem se constituído em um dos desafios a serem enfrentados pelos gestores do sistema, pois a problemática envolvendo estas instituições perpassa pela definição do seu novo papel a ser desempenhado na saúde e na educação, na relação com o SUS (inserção, regulação e integração), nos desenhos organizacionais e de gestão (autonomia, eficiência, eficácia e gerencia), no modelo de financiamento.

Do ponto de vista assistencial, o papel destes hospitais no SUS foi claramente definido pelo Conselho Federal de Saúde, com o aval da Associação Brasileira dos Hospitais Universitários e de Ensino (ABRAHUE), cabendo-lhes a responsabilidade preponderante pelo atendimento em nível terciário(2).

Entretanto, é necessário avançar nos processos de discussão acerca do planejamento e da pactuação das ações considerando as necessidades de saúde loco-regionais, fortalecendo o papel dos gestores locais do SUS, particularmente na implementação de mecanismos de controle, regulação e avaliação em nível local(3).

Assim, o processo de gestão no âmbito local, particularmente no que diz respeito à produção de ações na área hospitalar, pressupõe objetivos para além da execução de mecanismos de controle de demanda, ou seja, exige processos de avaliação aprimorados que levem em conta o perfil sócio-demográfico e epidemiológico da população, a capacidade e condições técnico-operacionais dos serviços hospitalares, sejam eles próprios do SUS, conveniados ou contratados, a qualificação de seus profissionais, dentre outros. Estes elementos exigem que a gestão, do sistema local e do próprio hospital, produza e aproprie-se de um conjunto de informações que efetivamente venham subsidiar o planejamento, o monitoramento e a avaliação das ações de saúde desenvolvidas no âmbito do município.

Sob esta perspectiva ampliada da reorganização do sistema de saúde do município de Ribeirão Preto-SP na perspectiva do SUS, acredita-se que seja possível responder, a questões como: qual o volume da produção de internações por especialidade (clinica cirúrgica, clinica médica, obstetrícia e pediatria) e respectiva variação entre 1996 e 2003? Quanto tal produção (discriminada por especialidade) representa do montante financeiro percebido pelas internações faturadas pelo Sistema de Informação Hospitalar-SUS (SIH-SUS) no hospital estudado?

Acredita-se que as respostas a esses questionamentos possam trazer contribuições para a sistematização adequada dos dados, respectiva análise e interpretação acerca da produção e gastos em internações hospitalares, fornecendo ao gestor da instituição, subsídios para tomada de decisões. Particularmente, para o gestor local disponibiliza informações que podem contribuir para melhor condução e acompanhamento da organização e desempenho do sistema de saúde no município.

OBJETIVO

Identificar e descrever a produção física e financeira de internações hospitalares do HCFMRP-USP processadas pelo SIH-SUS, segundo o tipo de especialidade, no período 1996-2003.

MÉTODO

Esta investigação, de cunho descritivo e exploratório, de abordagem quantitativa, teve como campo de estudo o HCFMRP-USP, que a partir das informações da Ficha de Cadastro de Estabelecimentos de Saúde, pode ser caracterizado como hospital terciário, público e de ensino. Compõe-se de duas unidades: HC - Unidade Campus, um hospital geral com 604 leitos que atende demanda referenciada, de pacientes do SUS e de outros convênios, nas especialidades de clínica médica, cirúrgica, obstetrícia, pediatria e psiquiatria, em regime de atenção ambulatorial e de internação; HC - Unidade de Emergência (UE), um hospital geral, que atende demanda referenciada, prioritariamente terciária, de pacientes do SUS, em situação de Urgência ou Emergência, com 155 leitos nas especialidades de clínica médica, cirúrgica, obstetrícia, pediatria e psiquiatria, em regime de internação.

A escolha do período de estudo justifica-se porque coincide com o início da habilitação do município à gestão semiplena, quando Ribeirão Preto-SP assumiu a responsabilidade pela gestão local do sistema de saúde, incluindo as internações nos hospitais conveniados/contratados pelo SUS e tal fato representou uma reordenação do sistema de saúde local. Cabe destacar que embora o HCFMRP-USP não esteja sob gestão municipal este se constitui em importante referência loco-regional, responde às demandas e atende as necessidades de saúde da população e, portanto, deve estar inserido neste contexto de reorganização do sistema local de saúde.

A população de estudo constituiu-se por todas as internações hospitalares processadas, através do SIH-SUS, no HCFMRP-USP, no período de 1996-2003, nas especialidades de clínica médica, cirurgia, obstetrícia e pediatria.

Como técnica de coleta de dados foi utilizada a pesquisa documental, através de consulta ao banco de dados referente às internações hospitalares, disponibilizado pelo Grupo Executivo de Convênios do HCFMRP-USP (GECON).

Os dados foram coletados dos relatórios da produção mensal de internações e do respectivo pagamento autorizado em cada especialidade, em seguida foram agrupados por ano e em categorias de interesse, a saber: número de internações nas especialidades de clínica médica, cirurgia, obstetrícia e pediatria; valores monetários pagos (em reais) em cada especialidade a cada ano.

Os dados foram digitados, codificados, armazenados em um banco de dados estruturado no Microsoft Excel.

Para análise foi utilizada a estatística descritiva das variáveis estudadas e a discussão foi desenvolvida a partir do referencial teórico adotado, qual seja a reorganização do sistema de saúde no município na perspectiva do SUS.

O trabalho desenvolveu-se de modo a garantir o cumprimento dos preceitos da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(4)(Parecer da CEP do HCRP n. 9822/2006).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No HCFMRP-USP, foram realizadas no período de estudo, 1996 a 2003, 247.534 internações processadas/pagas pelo SIH/SUS. Para fins de remuneração cada internação corresponde a uma Autorização de Internação Hospitalar (AIH), que representa uma unidade de pagamento e não um usuário, já que este pode apresentar ao longo do período, várias internações e para cada uma delas haverá uma AIH correspondente. Portanto, AIH significa exatamente o quantitativo de unidades de pagamento efetuado pelo SIH-SUS e não o de usuários internados.

No período houve uma redução global de 8,5% na freqüência de internações, sendo que a partir de 2000 esta diminuição é mais evidente; em 2003 a produção de internações volta ao patamar de 2000. Quanto aos recursos financeiros, houve aumento de 78,4% no montante percebido pelo hospital no período, particularmente, nos anos de 1997, 1998 e 1999 observa-se expressivo incremento monetário.

De modo geral, no HCFMRP-USP, tanto a variação física quanto a financeira de internações hospitalares foi diferenciada daquelas ocorridas nos hospitais conveniados/contratados pelo SUS, sob gestão municipal em Ribeirão Preto-SP, nos quais houve um aumento geral de 56 % nas internações pagas e, no que se refere aos valores financeiros empregados para a remuneração das internações hospitalares houve um incremento de 156,3%(5). Entretanto, quando comparada à produção de internações no país, verifica-se que a variação física foi superior àquela ocorrida no Brasil como um todo que neste mesmo período diminuiu 1,9%; enquanto os valores financeiros tiveram variação semelhante à ocorrida no país os quais sofreram um aumento de aproximadamente 70%(6).

Interessante destacar que no município de Ribeirão Preto-SP, foi planejada no segundo semestre de 1999 mediante ajustes entre o HCFMRP-USP, a Direção Regional de Saúde XVIII (atual DRS XIII) e a Secretaria Municipal de Saúde de Ribeirão Preto a organização do fluxo de pacientes para os serviços hospitalares de referência, por meio de ações do atendimento pré-hospitalar e da Central Única de Regulação Médica (CURM)(7).

Ainda merece destaque a reordenação gerencial do HC-UE, que estava em curso desde 1999, com vistas à adoção de uma modalidade de gestão participativa, readequação da missão e objetivos da instituição, enfim, um processo de reorganização interna do Hospital e de sua inserção no sistema local de saúde, uma vez que não poderia ser sustentada uma situação na qual a taxa de ocupação ultrapassava 120%(7).

Questiona-se se a redução das internações no HCFMRP-USP pode, em parte, ser explicada pela criação da CURM e por esta reordenação gerencial do HC-UE, com parte da demanda que anteriormente era atendida no Hospital sendo deslocada para atendimento em hospitais sob gestão municipal, os quais tiveram expressivo incremento de produção no período. Embora não seja possível estabelecer uma relação direta entre os eventos elencados, evidencia-se a necessidade de a gestão local apropriar-se de informações que lhe permitam uma visão ampliada acerca do sistema local de saúde.

Analisando a produção de serviços ambulatoriais e de internação no município de Maceió foi constatado que no período de 1995 a 1998 as internações hospitalares sofreram um decréscimo. A relação de internações por habitante foi reduzida, provavelmente em razão do incremento de ações preventivas e de assistência básica, da implantação de maior controle e avaliação de AIH no município reduzindo o número de internações desnecessárias(8).

A Figura 1 sintetiza, no período, a produção de internações SUS nas diferentes especialidades médicas.


Quanto ao incremento financeiro, uma das explicações pode ser a recomposição da tabela SIH-SUS que vem ocorrendo a partir do final dos anos 90 para segmentos específicos entre eles: neurocirurgia, UTI, assistência ao parto e recém-nato, urgência e emergência. Estas áreas foram elencadas como prioritárias pelas três esferas de governo e são responsáveis pela variação positiva dos gastos em saúde(9).

A análise da utilização de serviços de saúde, notadamente das internações hospitalares, é um assunto importante para o Brasil, face ao grande volume de recursos empregados e à proposta do Sistema Único de Saúde (SUS) de atender a população brasileira de forma eqüitativa(10).

Aspectos financeiros podem influenciar o crescimento da produção de internação subestimando as reais necessidades de saúde da população, valorizando especialidades com remuneração maior, cujos procedimentos necessitam da incorporação de equipamentos, materiais e tecnologias, nas quais os próprios prestadores podem ser mais seletivos para internações que representem maior possibilidade de faturamento, em detrimento de especialidades que exigem maior volume de procedimentos relacionados ao processo de cuidar profissional(1).

Focalizando as especialidades básicas do SIH-SUS, a saber: clínicas médica, cirúrgica, obstétrica e pediátrica, os resultados mostram que a variação física e financeira é diferenciada entre elas conforme ilustra a Figura 2.


No período de estudo foram pagas 105.616 internações na especialidade de clínica cirúrgica, o equivalente a 42,7% do total de AIH pagas ao HCFMRP-USP, houve, portanto um aumento da ordem de 22% na freqüência de internações e, quanto aos valores monetários, esta especialidade foi responsável por 62,4% do total de recursos financeiros percebidos, tendo ocorrido um incremento da ordem de 89,6% no período.

Neste mesmo período, em hospitais sob gestão municipal esta especialidade correspondeu a 41,7% do total de AIH pagas pela Secretaria Municipal de Saúde de Ribeirão Preto (SMS-RP), apresentando um aumento de produção da ordem de 72,4% e, quanto aos recursos financeiros a variação financeira foi de 153,6%. No Brasil e no estado de São Paulo, o incremento no número de internações foi da ordem de 24,1% e 27,5%, respectivamente(5-6).

Uma particularidade da clínica cirúrgica diz respeito a uma demanda que, em geral, não poderia ser atendida em outro nível de atenção dentro do sistema de saúde que não o hospital e, vários procedimentos pertencentes a esta especialidade apresentam graus de incorporação tecnológica e complexidade superior a outras especialidades, tal fato é condizente com a situação do Hospital em estudo que é referência loco-regional para procedimentos de alto custo/complexidade. Destaca-se, entretanto, a necessidade de regulação do sistema de saúde com vistas a utilização racional dos recursos disponíveis, que em última análise implica em um acompanhamento pormenorizado da produção nesta especialidade com ações de avaliação e controle da complexidade dos procedimentos realizados, de modo que internações cirúrgicas de menor complexidade possam ser atendidos/referenciadas a hospitais secundários.

Há um grande aviltamento de pagamentos de serviços prestados pelo SUS, que penaliza acentuadamente procedimentos mais simples sejam clínicos, cirúrgicos ou laboratoriais. Comparando valores de pagamento da tabela SIH-SUS e da Tabela da Associação Médica Brasileira é possível constatar que em ambas, os procedimentos cirúrgicos são mais bem remunerados e, os procedimentos/tratamentos clínicos de doenças mais prevalentes na população como, por exemplo, insuficiência cardíaca, hipertensão arterial e diabetes, recebem uma remuneração inferior(11).

Em clínica médica, no período, foram pagas 86.131 internações correspondendo a 34,8% do total de AIH pagas à instituição estudada, houve uma diminuição na produção de internações da ordem de 20,1% e, esta especialidade foi responsável por 24,3% do total de recursos financeiros percebidos, tendo ocorrido um incremento financeiro de 71,1%.

Comparativamente, no mesmo período, nesta especialidade, houve um aumento de 60,7% na produção de internações e um incremento financeiro de 170,5% nos hospitais sob gestão municipal. No Brasil e no estado de São Paulo, entre 1996 e 2003, houve um decréscimo no quantitativo de internações em clinica médica da ordem de 8,9% e 9,7%, respectivamente(1,6).

Considerando que no valor financeiro pago está computada a alimentação, hotelaria, medicamentos, serviços profissionais médicos e de outras categorias, exames de apoio, diagnose e terapêuticos, pode-se dizer que a Tabela SIH-SUS privilegia a remuneração de procedimentos que empregam maior volume de equipamentos e outros aparatos tecnológicos do que as ações especificamente de natureza assistencial. Em contrapartida, as internações em clinica médica apresentam baixa remuneração, elevado consumo de medicamentos, possibilidade de permanência prolongada no hospital e ainda concentração significativa de ações e serviços da equipe de enfermagem, o que talvez implique em baixo retorno financeiro para os hospitais contratos/conveniados ao SUS(1).

Os resultados relativos à especialidade de clínica médica, na qual houve um decréscimo de produção em comparação à especialidade cirúrgica, podem ser questionados levando-se em consideração determinadas características populacionais, entre elas: o envelhecimento da população no município que acaba provocando maior demanda deste grupo etário para a especialidade e o crescimento de doenças crônico não-transmissíveis. Outro aspecto a ser destacado nesta especialidade diz respeito à concentração de procedimentos que demandam expressivo volume de cuidados assistenciais de profissionais da saúde em detrimento de outros recursos de maior densidade tecnológica.

A especialidade de clínica obstétrica foi responsável por 22.765 internações, correspondendo a 9,2% do total de AIH pagas ao hospital. Observa-se, no período diminuição na produção de internações da ordem de 37,2%, que corresponde a 3,2% do total de recursos financeiros percebidos e um incremento financeiro de 6%.

Em Ribeirão Preto, nos hospitais sob gestão municipal houve crescimento de internações em obstetrícia de 31,5% enquanto que na instituição estudada os dados evidenciam redução nesta especialidade. Dados relativos ao Brasil e ao estado de São Paulo, quanto à especialidade de obstetrícia, indicam decréscimo de 16,1% e 17,3%, respectivamente(5-6).

Uma possível explicação para a diminuição da produção na especialidade de obstetrícia foi a inserção no sistema local de saúde, no ano de 1998, de um hospital especializado em obstetrícia, levando a uma reorganização das referências para internação nesta especialidade tanto nos hospitais sob gestão municipal quanto no hospital sob gestão estadual e, o HCFMRP-USP tornou-se referência para atenção à gravidez/parto de alto risco.

Na clínica pediátrica foram realizadas 33.022 internações, equivalente a 13,3% do total de AIH pagas; houve um decréscimo da ordem de 8,5% na freqüência de internações. Quanto aos valores monetários, esta especialidade foi responsável por 10% do total de recursos faturados em AIH no HCFMRP-USP, com variação de 62,6% no montante de recursos financeiros percebidos no período.

No Brasil e no estado de São Paulo, o crescimento na produção de internações em pediatria foi de 10,1% e 13,7%, respectivamente e, para hospitais sob gestão municipal houve um incremento de produção de 31,4%(5-6).

Como possíveis explicações para a variação das internações em pediatria no município de Ribeirão Preto têm-se as mudanças de perfil de atendimento na especialidade de pediatria, em virtude do incentivo às ações preventivas e a forma de reorganização/reordenação do sistema local da saúde por um período prolongado, tendo ocorrido modificações no atendimento da rede básica e às políticas de saúde voltadas para a criança que modificou o perfil de morbi-mortalidade deste grupo populacional(1).

A reorganização do sistema de saúde e a adoção de políticas de atenção diferenciadas que pode interferir na produção de internações hospitalares. Como exemplo tem-se a atenção prioritária à saúde da criança, com a adoção de estratégia de ação nacional voltada para um grupo populacional vulnerável, tanto em conseqüência de situações peculiares do processo de crescimento e desenvolvimento quanto do próprio ambiente em que este processo ocorre, necessitando assim de uma atuação intersetorial que envolve tanto aspectos estritos de atenção à saúde quanto de educação, direitos e cidadania(1).

Assim, conforme vêm sendo apresentados os resultados e discussões é possível evidenciar que volume de internações e o respectivo montante de recursos financeiros despendidos justificam o acompanhamento/monitoramento pormenorizado desta produção. A Figura 3 sintetiza, em percentuais, a representatividade física e financeira, de internações no HCFMRP-USP, no período, nas especialidades médicas.


A atenção à saúde, ao longo do período estudado, incorporou recursos tecnológicos relativos à diagnose e terapia, tais como tomografia computadorizada, ressonância magnética, uso de stant, estudos eletro fisiológicos em cardiologia, marcapassos multisítios, implantação do SAMU, cirurgia por videolaparoscopia, dentre outros. Tal situação implica em aprimoramento de diagnósticos, mudança em protocolos de atendimento, alteração no perfil de internações assim como exige uma avaliação do impacto que o investimento financeiro e em tecnologia representa nos indicadores de saúde do município. Até o momento, porém, a avaliação de impacto da incorporação tecnológica não tem sido uma constante entre os gestores.

A ampliação de gastos em saúde e as limitações das fontes geradoras de recursos são temas freqüentes em discussões acerca do Sistema Único de Saúde, sendo recorrente a questão do uso racional dos recursos disponíveis para atender adequadamente às necessidades de saúde da população como uma alternativa de solução para esta questão. Entretanto, ainda hoje há evidencias que este problema não está equacionado havendo um distanciamento entre o plano das idéias e o cotidiano da gestão do sistema de saúde.

É relevante introduzir a análise de fatores econômicos, na gestão em saúde, como uma possibilidade de ampliar a qualidade da atenção à saúde e a capacidade social de responder às necessidades de saúde da população(12).

O avanço tecnológico, os custos crescentes dos serviços de atenção à saúde e a situação de escassez aguda de recursos a que estão submetidos os serviços públicos impõem aos seus dirigentes a utilização mais racional possível dos recursos existentes, aceitando que a eficiência deva constituir-se em um dos objetivos das organizações(13).

Nas instituições da saúde as questões relativas a custos e a perspectiva econômica do trabalho são importante, pois freqüentemente os recursos são escassos(14).

São inegáveis os avanços na incorporação de novas práticas e tecnologias na atenção à saúde; entretanto, diferentemente de outros setores da sociedade produtiva, na saúde, a oferta de recursos de maior complexidade tecnológica não descarta o uso daqueles de menor complexidade. Incrementar recursos tecnológicos pode significar maior consumo de recursos financeiros, que nem sempre têm impacto positivo, sustentável e mensurável na saúde individual e coletiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De modo geral, quanto à produção de internações hospitalares no HCFMRP-USP, no período de 1996 a 2003 pode-se afirmar que o incremento foi concentrado em clínica cirúrgica, especialidade que contempla procedimentos com maior remuneração.

Embora os dados relativos ao Brasil e ao estado de São Paulo para o período estudado apontem diminuição de internações, no hospital estudado, o comportamento desta atividade vem crescendo apenas na especialidade de clínica cirúrgica e, decrescendo nas demais.

Dentre as possíveis hipóteses que explicam a variação do número de internações no período, destacamos: a demanda de usuários dos municípios da região para utilização de serviços hospitalares em Ribeirão Preto; a migração de usuários do sistema de saúde suplementar para o público; a implementação de forma mais rigorosa do sistema de referência e contra-referência como instrumento de regulação adotado pelo hospital público estadual existente no município enquanto, na gestão local, esse mesmo mecanismo tem sido pouco fortalecido e sustentado para efetiva regulação das internações hospitalares.

A crescente incorporação tecnológica pode justificar o incremento financeiro observado na pesquisa. Não se questiona a importância dos avanços tecnológicos, entretanto é pertinente e adequado à sobrevivência do sistema de saúde, incrementar alternativas de maior abrangência, que envolvam tecnologias leves, diferentes modelos assistenciais, incentivos às ações de caráter coletivo que permitam o uso racional dos recursos financeiros disponíveis e a disponibilização de alternativas de solução. Concomitantemente há que se avaliar a incorporação de novas tecnologias de maneira ampla, considerando o custo-benefício e a cobertura assistencial à população como um todo.

Dada as peculiaridades do município, com serviços hospitalares em duas esferas de gestão distintas a análise da produção de internações hospitalares requer atenção diferenciada dos gestores tanto para garantir o uso racional de recursos disponíveis quanto para atender aos usuários de maneira eqüitativa, enfim para permitir uma visão ampliada acerca do sistema local de saúde. A variação diferenciada produção entre as especialidades, particularmente, clínica médica, requer um acompanhamento paralelo das ações, investimentos e resultados de programas de prevenção e controle de doenças crônicas não transmissíveis.

A complexidade crescente dos sistemas de saúde e o reconhecimento de que as necessidades de saúde são inesgotáveis passam a exigir processos de avaliação sistemáticos da relação entre os recursos utilizados e a prestação de serviços desenvolvidos. O gestor precisa, portanto, dispor/utilizar informações que lhe permitam responder a qualquer instante sobre, no mínimo, dois aspectos básicos do seu processo de condução: com que eficiência os serviços vêm sendo operacionalizados e qual o nível de eficácia atingido.

Recebido: 17/08/2007

Aprovado: 18/12/2007

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  • Correspondência:
    Lucieli Dias Pedreschi Chaves
    Departamento de Enfermagem Geral e Esp. (EERP/USP)
    Av. Bandeirantes, 3900
    CEP 14040-902 - Ribeirão Preto, SP, Brasil
  • *
    Trabalho desenvolvido pelo Centro de Estudos e Pesquisas sobre Hospital e Enfermagem da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Abr 2009
    • Data do Fascículo
      Mar 2009

    Histórico

    • Aceito
      18 Dez 2007
    • Recebido
      17 Ago 2007
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