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A participação acadêmica e sua influência na vida profissional segundo a percepção de enfermeiros

La participación académica y su influencia en la vida profesional de acuerdo a la percepción de los enfermeros

Resumos

O trabalho teve como objetivo a compreensão da participação na vida acadêmica e sua relação com a vida profissional, segundo a percepção de enfermeiros que a vivenciaram. O estudo foi realizado com base nos pressupostos da pesquisa qualitativa, modalidade do fenômeno situado, fundamentado na Fenomenologia. Os sujeitos que participaram desse estudo foram sete enfermeiros egressos, entrevistados utilizando-se a questão norteadora Como você percebe o participar na vida acadêmica em relação à vida profissional. Mediante análises ideográfica e nomotética resgataram-se os seguintes temas: Instituição de Ensino - Formadora de Recursos Humanos, Instituição Assistencial - Acolhedora de Recursos Humanos e a Relação Instituição de Ensino e Instituição Assistencial. Há compreensão de que apesar de constituírem modalidades distintas, participação acadêmica e participação profissional estão inter-relacionadas, desvelando a inegável relação instituição de ensino e instituição assistencial, como espaços para vivências do processo participativo.

Enfermagem; Estudantes de enfermagem; Participação cidadã


El trabajo tuvo como objetivo comprender la participación en la vida académica y su relación con la vida profesional, de acuerdo a la percepción de enfermeros que la vivenciaron. El estudio fue realizado con base en el marco teórico de la investigación cualitativa, modalidad de fenómeno situado, fundamentado en la Fenomenología. Los sujetos que participaron de este estudio fueron siete enfermeros graduados, entrevistados utilizándose la pregunta orientadora Cómo usted percibe la participación en la vida académica en relación a la vida profesional. Mediante un análisis ideográfico y nomotética se obtuvieron los siguientes temas: Institución de Enseñanza - Formadora de Recursos Humanos, Institución Asistencial - Acogedora de Recursos Humanos y la Relación Institución de Enseñanza e Institución Asistencial. Se percibió que se comprende que a pesar de constituir modalidades distintas, la participación académica y la participación profesional están interrelacionadas, revelando la innegable relación entre la institución de enseñanza e la institución asistencial, como espacios para vivencias del proceso participativo.

Enfermería; Estudiantes de enfermería; Participación ciudadana


This study had the purpose to understand academic participation and its relation with the professional life, according to the perception of nurses who experience it. The study was based on the precepts of qualitative research and the modality of the phenomenon, or Phenomenology. The subjects who participated in this study were seven egress nurses, interviewed with the guiding question How do you see the participation in academic life in relation to professional life? The following themes were registered, according to ideographic and nomothetic analyses: Educational Institution - producer of human resources, Healthcare Institution - receiver of human resources, and the relationship between the Educational Institution and the Healthcare Institution. It is understood that, in spite of being distinct modalities, academic participation and professional participation are inter-related, unveiling the undeniable relationship between the Educational Institution and the Healthcare Institution, with space for experiencing the participative process.

Nursing; Students, nursing; Citizen participation


ARTIGO ORIGINAL

A participação acadêmica e sua influência na vida profissional segundo a percepção de enfermeiros* * Extraído da tese "A participação acadêmica e sua influência na vida profissional: uma percepção de enfermeiros", Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2005.

La participación académica y su influencia en la vida profesional de acuerdo a la percepción de los enfermeros

Sueli Fátima SampaioI; Paulina KurcgantII

IEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Titular da Faculdade de Enfermagem da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Campinas, SP, Brasil. sueli_sampaio@uol.com.br

IIProfessora Titular do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. kurcg@usp.br

Correspondência Correspondência: Sueli Fátima Sampaio Av. Governador Pedro de Toledo, 638/64 - Bonfim CEP 13070-752 - Campinas, SP, Brasil

RESUMO

O trabalho teve como objetivo a compreensão da participação na vida acadêmica e sua relação com a vida profissional, segundo a percepção de enfermeiros que a vivenciaram. O estudo foi realizado com base nos pressupostos da pesquisa qualitativa, modalidade do fenômeno situado, fundamentado na Fenomenologia. Os sujeitos que participaram desse estudo foram sete enfermeiros egressos, entrevistados utilizando-se a questão norteadora Como você percebe o participar na vida acadêmica em relação à vida profissional. Mediante análises ideográfica e nomotética resgataram-se os seguintes temas: Instituição de Ensino - Formadora de Recursos Humanos, Instituição Assistencial - Acolhedora de Recursos Humanos e a Relação Instituição de Ensino e Instituição Assistencial. Há compreensão de que apesar de constituírem modalidades distintas, participação acadêmica e participação profissional estão inter-relacionadas, desvelando a inegável relação instituição de ensino e instituição assistencial, como espaços para vivências do processo participativo.

Descritores:Enfermagem. Estudantes de enfermagem. Participação cidadã

RESUMEN

El trabajo tuvo como objetivo comprender la participación en la vida académica y su relación con la vida profesional, de acuerdo a la percepción de enfermeros que la vivenciaron. El estudio fue realizado con base en el marco teórico de la investigación cualitativa, modalidad de fenómeno situado, fundamentado en la Fenomenología. Los sujetos que participaron de este estudio fueron siete enfermeros graduados, entrevistados utilizándose la pregunta orientadora Cómo usted percibe la participación en la vida académica en relación a la vida profesional. Mediante un análisis ideográfico y nomotética se obtuvieron los siguientes temas: Institución de Enseñanza - Formadora de Recursos Humanos, Institución Asistencial - Acogedora de Recursos Humanos y la Relación Institución de Enseñanza e Institución Asistencial. Se percibió que se comprende que a pesar de constituir modalidades distintas, la participación académica y la participación profesional están interrelacionadas, revelando la innegable relación entre la institución de enseñanza e la institución asistencial, como espacios para vivencias del proceso participativo.

Descriptores:Enfermería. Estudiantes de enfermería. Participación ciudadana

INTRODUÇÃO

No Brasil é possível identificar a desigualdade de acesso à educação e à saúde como decorrentes de crises econômicas, políticas e sociais, sendo que a Enfermagem, profissão caracterizada pela divisão social e técnica do trabalho, desenvolve sua prática, reforçando a prestação de uma assistência de forma fragmentada e desprovida do aspecto social e transformador.

Na área da Educação, cabe salientar a trajetória do ensino de Enfermagem relacionada às bases estruturais da sociedade. Assim, a partir dos anos 60, com a intenção de proteger resultados acumulativos de capital, o país adota rigorosa repressão política, aperfeiçoando um modelo econômico concentrador de renda(1), que perdura, aproximadamente vinte anos, quando então tem início o processo de abertura política no país.

Entende-se que numa sociedade de classes, como a brasileira, sejam empreendidos esforços para a qualidade do ensino e da assistência à saúde, através de luta política, com a participação de profissionais, professores e alunos, articulados à luta mais ampla das camadas oprimidas. Isto acontece na busca de conquistar melhores condições de vida rumo a uma sociedade onde a democracia não seja privilégio de uma minoria e onde o saber não seja arma de exploração e dominação, mas instrumento de libertação do homem(2).

Assim, a visualização da Enfermagem como prática social, requer o posicionamento dos enfermeiros como agentes políticos e não apenas como agentes técnicos desprovidos de caráter questionador, de apreensão concreta da realidade e da compreensão própria de seu papel como transformador da sociedade.

A enfermagem, como outras profissões da saúde, ainda tem contribuído com a legitimação de políticas sociais pouco democráticas, tornando ela própria refém desses processos excludentes. Investir no exercício crítico-reflexivo para reconstruir práticas, mitos e conservadorismos, por meio do conhecimento inovador e da participação, politizando a prática profissional nos espaços em que se insere, pode significar a partilha de poderes pela intervenção crítica e criativa de sujeitos em contextos sócio-históricos específicos, ampliando cidadanias e práticas sociais(3).

O caráter participativo que não limita o profissional a expectador dos acontecimentos a sua volta, pode caracterizar o salto de qualidade na relação do enfermeiro com o mundo em que vive, não reduzindo sua prática a procedimentos técnicos, objetivos e alheios ao contexto social, mas como uma prática política e, portanto, profundamente carregada de valores(4).

A partir do conceito de que participar é informar, comunicar, ter ou tomar parte em(5) é possível compreender a abrangência da proposta de informar, como pertencente a um processo de comunicação que, entre outras coisas, prevê o tomar parte em, ou seja, estar presente de forma efetiva e comprometida. Assim compreende-se que a relação interpessoal surge como alavanca, no processo de participar.

A relação interpessoal na equipe de saúde sofre os reflexos da divisão social e técnica do trabalho, características do sistema capitalista, o que impede a organização e participação dos trabalhadores de forma integrada no processo de cuidar em saúde, levando à fragmentação e hierarquização dos profissionais, pela influência das questões referentes à produtividade e competitividade. No entanto, a participação se faz presente como uma forma de resistência necessária a mudanças do status quo, impulsionando os que assim a entendem, como propósito de luta por melhores condições de trabalho e busca da melhoria contínua na prestação da assistência à saúde.

Assim, como formas de participação, ocupando espaços de discussão estão não só a individual, através da exposição verbal ou escrita de idéias, mas a de caráter coletivo que prevê um interagir com outros indivíduos em movimentos sociais e/ou políticos. Portanto, de uma forma ou de outra, no caso específico dos processos de assistência à saúde, é inevitável que outros atores sociais participem ideológica e politicamente de projetos relacionados ao sistema de saúde vigente no país.

Ampliando e incorporando a esta conceituação o termo política como habilidade no trato das relações humanas(6), torna-se possível caracterizar o indivíduo político como aquele que através do processo de comunicação toma parte em alguma coisa e possui a habilidade de relacionar-se com os outros.

O homem político pode ser visto como aquele que tem consciência histórica sabe dos problemas e busca soluções, não aceita ser objeto, ou seja, quer comandar seu próprio destino, portanto é ator, não expectador; é criativo, não produto(6).

Uma grande parcela das pessoas admite o significado de política como o aspecto relacionado a poucos privilegiados, no espaço do poder. No entanto, após assumi-la como instrumento para organização de um caminho para a participação, passa a ser compreendida como inerente ao processo de conquista de espaços. A própria participação é tida como um processo de conquista, em si mesma, não existindo como dádiva ou espaço preexistente, mas somente na medida de sua própria conquista(7).

O interesse pelo tema participação na vida profissional do enfermeiro nos remete a três momentos importantes. O primeiro, como acadêmica e representante de classe, permitiu vivenciar conflitos inerentes à participação em um grupo heterogêneo, proveniente de grupos sociais distintos com diferentes expectativas e necessidades escolares. Tal experiência proporcionou uma situação de alerta, na tentativa de apreender, compreender e superar algumas contradições que se apresentavam.

O segundo momento foi vivenciado no cotidiano profissional e marcado pela inquietação, quando da inserção dos enfermeiros no mundo do trabalho. Observavam-se as dificuldades que o enfermeiro enfrentava ao tentar formas coletivas de trabalho com elementos de outras profissões. E, o terceiro momento se deu na atividade docente, pela percepção e confirmação da incipiente participação estudantil nos assuntos relativos à instituição formadora e ao próprio ensino.

Assim, tornou-se inquietante conhecer a forma de inserção e participação do enfermeiro no mundo do trabalho. Parece que apesar de instrumentalizado tecnicamente para a assistência carece, o enfermeiro, do entendimento de seu papel como possível agente transformador de uma dada realidade social. Na maioria das vezes tende a assumir comportamentos tímidos, claudicantes, tendendo ao conformismo, desconhecendo por onde iniciar suas lutas, tendendo ao imobilismo ou quem sabe até compactuando com as formas estruturais de poder reforçando a estrutura vigente. As dificuldades em participar, concretamente, de seu grupo de trabalho não ajudam a explicitar a serviço de quem coloca sua prática.

A compreensão de que qualquer prática social não é neutra, assinala a Enfermagem, como profissão, não reduzida à consecução de procedimentos técnicos objetivos e alheios ao contexto social. Ela é, e sempre será, uma prática política(4).

OBJETIVO

Considerando os princípios da prática da Enfermagem e as instituições como espaços de conflitos que reproduzem ou modificam esta prática e, acreditando ser a participação uma das molas propulsoras para a concretude de um comportamento de atitudes transformadoras, foi proposto como objetivo do estudo a compreensão da participação na vida acadêmica e sua relação com a vida profissional, segundo a percepção de enfermeiros que a vivenciaram.

MÉTODO

Os princípios do modelo científico para compreensão do mundo social incluem a intersubjetividade, compreendendo as questões sociais como significativas, a racionalidade e a interacionalidade, onde as ações e interações obedecem a regras e costumes, conhecendo meios, fins e resultados(8).

Entendendo a pesquisa qualitativa como uma alternativa metodológica e considerando seu sentido lato, ou seja, pesquisa que produza dados descritivos através de palavras escritas ou verbalizadas, bem como comportamentos observáveis, há bibliografias(9-10), que apontam características consideradas básicas na metodologia qualitativa, a saber: o ambiente natural é a fonte de dados, no qual o pesquisador deve participar de forma direta e prolongada; os dados coletados e os resultados são expressos através de descrições, de acordo coma percepção de um fenômeno contextualizado; a preocupação está em verificar o fenômeno enquanto processo expresso na realização de atividades, procedimentos e interações do cotidiano; a atenção está essencialmente voltada para como os indivíduos percebem as coisas e sua própria vida, ou mais especificamente como percebem as questões enfocadas no estudo; o fenômeno é percebido a partir de um processo intuitivo, o que não significa ausência de referencial teórico; o estudo a partir de um ambiente natural torna o fenômeno inserido holisticamente e de forma compreensível, de acordo com o contexto cultural, ambiental e social e; não há seqüência rígida das etapas, bem como preocupação com dados estatísticos e tamanhos da amostra.

A opção pela abordagem qualitativa de pesquisa, influenciada pelas características apontadas, possibilitou o despertar para conhecer e compreender a questão participação na vida de enfermeiros.

Qualitativo refere-se à experiência humana, sentida, vivida, processada, no seu contexto próprio, nas diversas situações sociais(9).

Dentre os métodos de uso mais freqüente na abordagem qualitativa de pesquisa, optamos pela fenomenologia como método de pesquisa que permite descrever experiências vividas de maneira fiel; questionar constantemente as conseqüências de quaisquer pressupostos e hipóteses; compreender as formas e os meios que permitem ao ser humano adquirir experiência; interpretar o mundo e atuar dentro dele e descrever acuradamente, a experiência do fenômeno em estudo e não gerar teorias ou modelos para desenvolver explicação geral(9).

A Fenomenologia considerada dentro das Ciências Sociais como Sociologia da Vida Cotidiana, tem sua fundamentação metodológica na filosofia de Husserl e consistência sociológica em Schutz. Nela, o mundo da vida cotidiana é tido como o espaço onde o homem se situa com suas angústias e preocupações em intersubjetividade com seus semelhantes.

Edmund Husserl propõe a construção de uma ciência para experiências vividas, a essência através do fenômeno, sendo este como aquilo que surge para uma consciência, como resultado de uma interrogação. Fenômeno é, então, tudo o que mostra, se manifesta, se desvela ao sujeito que o interroga(11).

A fenomenologia focaliza a experiência vivida e sua significação, através da definição de uma região de inquérito, compreendendo: a descrição através da obtenção de discurso dos sujeitos sobre uma situação vivida cotidianamente, buscando a essência do fenômeno através de seus elementos estruturais. Não há fatos, nem causas, mas fenômenos que se manifestam em si mesmos, tais como são vivenciados pelos sujeitos. Os conhecimentos são subjetivos do sujeito, em determinado lugar e sob determinado ponto de vista; a redução através da seleção das partes da descrição considerada essenciais para a compreensão do fenômeno. Há um isolamento, uma colocação entre parênteses do objeto da consciência, ou seja, das coisas e das emoções. Não há julgamentos, pressupostos e pré-conceitos, pois estes são colocados em suspensão _ epoché(12). Assim, o resultado se dá através das unidades de significado e da compreensão do conjunto de asserções, ou seja, do que é essencial para a existência da consciência do fenômeno.

Conforme propõem alguns autores(11) a fenomenologia é

[...] um caminho selecionado pelo pesquisador e que tem significado para ele [...], que atende às propostas de postura do pesquisador, com sua visão de mundo, com o seu eu situado no mundo.

Assim a vertente fenomenológica na modalidade estrutura do fenômeno situado parece estar estreitamente ligada aos propósitos do estudo, uma vez que através das descrições da experiência dos sujeitos da pesquisa, surgirá o fenômeno, uma vez que a descrição é o relato de alguém que sabe sobre alguma coisa para alguém que não sabe, ou seja, o pesquisador não sabe o que se passa com o sujeito em termos de participação até que este descreva o que se passa com ele, em termos de vivência.

Apesar de não partir de pressupostos teóricos e hipóteses preestabelecidas, o referencial teórico sobre participação subsidiou a análise da experiência relatada pelos sujeitos. Relatar a experiência da participação, na vida dos sujeitos é buscar compreender, sem generalizar, a descrição da experiência vivida.

A indagação é desvelar, o mundo-vida, as experiências dos enfermeiros que tiveram participação política concreta e efetiva, no tempo de estudante, e sua influência na vida profissional. Esta vivência foi identificada a partir de um contato prévio com professores, de maneira individual, que lembravam de alunos que participavam da vida acadêmica e os apontaram como possíveis sujeitos para a pesquisa, que posteriormente à indicação delimitaram-se, pela repetição de alguns nomes, sete sujeitos, cinco egressos dos Cursos de Graduação em Enfermagem de uma Universidade privada e dois de uma Universidade Pública.

A técnica, após explicitação dos objetivos do trabalho foi entrevista semi-estruturada, norteada pela seguinte indagação Como você percebe o participar na vida acadêmica em relação à vida profissional? O relato foi gravado, após aquiescência e assinatura do termo de Consentimento Livre e Esclarecido do entrevistado, no qual foram garantidos o sigilo e o anonimato dos sujeitos. As entrevistas, realizadas, individualmente, foram posteriormente transcritas.

A análise das descrições, baseada nas etapas da análise qualitativa do fenômeno situado, propostas(12) foram: o sentido do todo, a descrição das unidades de significado, as transformações das expressões do sujeito em linguagem do pesquisador e a síntese das unidades de significado.

Foi realizada a análise ideográfica de cada um dos discursos e a análise nomotética dos discursos na sua totalidade.

Para a análise ideográfica dos sete discursos, os mesmos foram transcritos e enumerados de um a sete em números romanos. Após várias leituras dos discursos, buscou-se anular pré-conceitos ou julgamentos a respeito dos conteúdos e apreendeu-se o todo (epoché), identificaram-se as modificações de significado nas situações vivenciadas e relatadas pelos enfermeiros, destacando-se as unidades de significado que desvelavam o fenômeno pesquisado, negritando-as e enumerando-as uma a uma em algarismos arábicos.

A partir de uma proposta(13) foi estabelecido um quadro analítico, composto por três colunas e denominado de redução fenomenológica, onde foram transcritas as unidades de significado identificadas nos discursos, seguindo a seqüência numérica estipulada nos depoimentos.

Desta forma, em uma coluna foram apresentadas as Unidades de Significado-Linguagem do Sujeito, de acordo com o relato do discurso. No centro, na coluna identificada como Primeiras Elucidações, buscou-se desvendar palavras e significados que surgiram na descrição, utilizando-se, para tal, o dicionário e a compreensão do pesquisador. Na terceira coluna, denominada de Unidades de Significado-Linguagem do Pesquisador, foram registradas as expressões que foram transformadas na linguagem do pesquisador, enfocando o fenômeno situado e que se pode compreender como a redução fenomenológica propriamente dita.

Em seqüência, buscou-se agrupar as Unidades de Significado, que tinham sofrido a redução fenomenológica e que mantinham uma correlação com um mesmo tema.

Em seguida, foi realizado o agrupamento mais amplo, onde as Unidades de Significado dos sete discursos, de maneira global, no documento identificado como Agrupamentos das Unidades de Significado Interpretadas, do qual emergiram três temas: Instituição de Ensino - Formadora de Recursos Humanos, no quase encontram referências quanto ao vivencial do professor e do aluno no processo, participação e questões intervenientes da organização institucional e da sociedade; Instituição Assistencial - Acolhedora de Recursos Humanos, que estabelece a relação entre os sujeitos envolvidos, a organização institucional e a sociedade e a A Relação Instituição de Ensino e Instituição Assistencial, que compreende a relação existente entre a vivência da participação na vida acadêmica e a postura profissional participativa.

Após análise ideográfica, onde a busca foi de compreensão individual das descrições, emergindo as unidades de significados interpretadas, foi realizada a análise nomotética. Assim, foram agrupadas as unidades de significado dos sete discursos, conforme os temas encontrados, permitindo a análise das mesmas com a identificação das convergências e divergências apresentadas e possibilitando a compreensão da estrutura do fenômeno situado.

DISCUSSÃO

O fenômeno interrogado e desvelado, neste trabalho, foi a relação existente entre a participação política na vida acadêmica e sua projeção na vida profissional.

Os enunciados dos discursos demonstrados pela análise ideográfica e nomotética revelam que os entrevistados destacam o professor e aluno, como sujeitos envolvidos no processo ensino-aprendizagem, representam e influencia, de forma positiva, a adesão ao processo participativo.

A escola como espaço para o encontro de indivíduos com diferentes formações sociais e escolares, passa a ter papel marcante nas experiências do participar, sendo que a educação pode ser vista como atividade social, onde o processo ensino-aprendizagem abarca os sujeitos envolvidos, professor e aluno, numa relação interpessoal, caracterizando-se assim num ato social.

A postura adotada pelo professor é assinalada como interveniente para a vinculação dos alunos ao processo participativo. Assim, a experiência do professor, sua prática pedagógica ou a sensibilidade que demonstra na sua ação profissional, podem determinar, ou não, a aderência dos alunos ao processo participativo.

A postura do aluno também é revelada como alavanca, ou não, para a sua vinculação ao processo participativo. Depreende-se que as leituras reflexivas da realidade e a defesa de interesses coletivos criam o vínculo. Em contrapartida, a representação estudantil em caráter oficial pode ser uma opção que dificulta o vínculo do aluno ao processo participativo.

Há que se reconhecer, também, que a opção pela representação estudantil oficial, encontra-se incompatível com a realidade escolar do aluno, onde o mesmo tem seu tempo praticamente preenchido pela sala de aula, onde o saber é apresentado pronto e acabado, não ocorrendo espaço para a geração de outra forma de construção de conhecimentos, que se apresente, também como importante na formação do aluno.

Os enfermeiros percebem causas que determinam a adoção ou não de uma postura participativa e consideram, como determinantes ao processo participativo, aquelas que são desveladas na vivência participativa como estudante. Já as que não vinculam o estudante ao processo participativo são reveladas devido à exposição pessoal, que a representação estudantil oficial determina; à dificuldade de relacionamento interpessoal entre o corpo docente, e ainda, pelas condições físicas do aluno-trabalhador em participar ativa e efetivamente do processo participativo.

Talvez, o aluno se encontre tão influenciado pelas estruturas do poder vigente, o que torna conflitante ser diferente, apontar irregularidades, questionar, discordar, vislumbrar outros caminhos, fazer oposição a aquilo que já está posto e determinado, como certo, pronto e acabado.

Os professores provenientes de diferentes grupos ideológicos, os quais convivem em um mesmo espaço e compartilham uma mesma tarefa, necessitariam buscar e assumir coletivamente o projeto que orienta sua práxis. Isso implicaria um debate de crenças e valores, para que não ocorresse a ocultação de diferenças ideológicas, pois as mesmas poderiam permitir a descoberta de caminhos alternativos para a prática docente.

A organização institucional de ensino, como formadora de recursos humanos é desvelada como condição necessária para o vínculo ao processo participativo. A autoridade na organização garante autonomia para a elaboração de projetos, organização de atividades e estabelecimento de representação estudantil em caráter oficial, criando possibilidades de vincular o aluno ao processo participativo.

Resgata-se ainda, que a organização institucional pode criar estratégias que vão desde a sala de aula até à explicitação dos objetivos do projeto político-pedagógico, o que facilita o processo participativo dos sujeitos envolvidos.

As escolas que explicitam o projeto político-pedagógico que embasa as decisões acadêmico-administrativas e as práticas cotidianas podem representar um avanço pela não ocultação ou dissimulação dos verdadeiros valores que determinam os eixos formadores, os conteúdos privilegiados e as formas de aprendizagem e avaliação adotadas.

Compreende-se que a escola deveria ser um espaço de relações sociais, onde saberes e valores organizados influenciam a experiência vivenciada pelos alunos, propiciando a formação de um profissional com preparo para futuras ações transformadoras, com resistência a sistemas adversos, não se acomodando a estruturas postas e impostas, mas assumindo uma postura comprometida com as questões da profissão e da própria sociedade.

Depreende-se que a sociedade ou movimentos nela inseridos (o estudantil) são condições em situações de conjuntura, que representam possibilidades para a implementação do processo participativo.

CONSIDERAÇÒES FINAIS

Os enfermeiros pesquisados percebem que na instituição assistencial, os sujeitos envolvidos e suas relações, vinculam-se à vivência da participação na vida acadêmica, bem como ao processo de formação que ultrapassa a competência técnica, como fatores que garantem a legitimidade do enfermeiro na sua prática profissional pela postura participativa que assumem no processo de trabalho. Assim, posturas participativas acadêmicas e profissionais tornam-se fatores predisponentes para o desenvolvimento pessoal e profissional.

Portanto, o processo de formação pode instrumentalizar os egressos com competência técnica e política, o que permitiria ao enfermeiro, assumir postura condizente e consciente com o seu saber-fazer e de acordo com as reais necessidades da clientela.

A sociedade é percebida como integrante da instituição assistencial, uma vez que a Enfermagem como prática social pode mobilizar ou alienar o enfermeiro para o processo participativo. Especificamente no campo do trabalho, tem sido evidenciadas a necessidade de um trabalhador com consciência crítica e com capacidade para questionar e não só reproduzir respostas. Dessa forma, a questão social, muitas vezes, acaba por reproduzir a relação de subordinação, onde, pela dominação do saber e do poder, é determinada a vinculação, ou não, dos indivíduos ao processo participativo.

Apesar de constituírem modalidades distintas, a participação acadêmica e a participação profissional, estão inter-relacionadas, desvelando uma inegável relação instituição de ensino e instituição assistencial, como espaços para o processo participativo.

As práticas desenvolvidas tanto na instituição de ensino, como na instituição assistencial são influenciadas pelas variáveis: pessoas, atividades, relações, estrutura e tecnologia, tendo nos fatores sociais, políticos e econômicos, a determinação da dinâmica organizacional, do desenvolvimento do indivíduo e da sua própria prática.

Recebido: 10/08/2007

Aprovado: 16/04/2008

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  • Correspondência:
    Sueli Fátima Sampaio
    Av. Governador Pedro de Toledo, 638/64 - Bonfim
    CEP 13070-752 - Campinas, SP, Brasil
  • *
    Extraído da tese "A participação acadêmica e sua influência na vida profissional: uma percepção de enfermeiros", Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2005.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Abr 2009
    • Data do Fascículo
      Mar 2009

    Histórico

    • Aceito
      16 Abr 2008
    • Recebido
      10 Ago 2007
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