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Revisão sistemática sobre aventais cirúrgicos no controle da contaminação/infecção do sítio cirúrgico

Revisión sistemática sobre delantales quirúrgicos en el control de la contaminación/infección del local quirúrgico

Resumos

O avental cirúrgico é confeccionado com materiais de tecido e não-tecido. O estudo teve como objetivo verificar se há evidências científicas, pela revisão sistemática, que fundamentem a prática do uso de aventais em cirurgias, conforme seu material de confecção. Consideraram-se estudos básicos de intervenção, que investigaram a contaminação e ou a infecção do sítio cirúrgico com uso de aventais cirúrgicos reutilizáveis e ou de uso-único, utilizando como população pessoas submetidas a cirurgias, em situações reais ou simuladas, em qualquer período, sem limitação de idioma. Para localizar os estudos, utilizou-se estratégia de busca nas bases de dados eletrônicas. Constata-se, com isso, dificuldade de isolar o objeto de intervenção de outros inúmeros fatores que podem interferir nos desfechos, em estudos desta natureza. Dois estudos (E1, E2) obtiveram forte evidência de recomendação, concluindo pela não diferença de contaminação e infecção do sítio cirúrgico entre aventais e campos de tecido e não-tecido.

Infecção da ferida operatória; Roupa de proteção; Controle de infecções


El delantal quirúrgico confeccionado con materiales de tejido y no-tejido. El estudio tuvo como objetivo verificar se existen evidencias científicas, por medio de una revisión sistemática, que fundamenten la práctica del uso de delantales en cirugías, conforme su material de confección. Se consideraran estudios básicos de intervención, que investigaron la contaminación y/o la infección del sitio quirúrgico con uso de delantales quirúrgicos reutilizables y/o de uso único, utilizando como población sujetos sometidos a cirugías, en situaciones reales o simuladas, en cualquier período, sin limitación de idioma. Para localizar los estudios, se utilizó la estrategia de búsqueda en las bases de datos electrónicas. Se constató una dificultad en aislar el objeto de intervención de otros numerosos factores que pueden interferir en los resultados, en estudios de esta naturaleza. Dos estudios (E1, E2) obtuvieron una fuerte evidencia de recomendación, concluyendo por no diferenciar la contaminación e infección del sitio quirúrgico entre delantales e indumentaria quirúrgica de tejido y no-tejido.

Infección de herida operatoria; Ropa de protección; Control de infecciones


Surgical scrubs are made with both fabric and non-fabric material. The study aimed to observe whether there is scientific evidence, according to the systematic review, that supports the practice of wearing scrubs in surgeries, according to the material they are made of. Basic intervention studies were considered, which investigated contamination and/or infection of the surgical site with the use of either reusable or single-use surgical scrubs, using people submitted to surgeries as the study population, either in real or simulated situations, at any period, without any language limitations. The strategy of searching electronic databases was used to find studies. With this, difficulties in isolating the object of intervention from countless other factors that can interfere in the outcomes were identified in studies of this type. Two studies (E1 and E2) showed strong evidence for the recommendation. In conclusion, there is no difference in contamination and infection of the surgical site between fabric and non-fabric scrubs.

Surgical wound infection; Protective clothing; Infection control


ARTIGO DE REVISÃO

Revisão sistemática sobre aventais cirúrgicos no controle da contaminação/infecção do sítio cirúrgico* * Extraído da dissertação "Revisão sistemática sobre o uso de aventais cirúrgicos conforme o material de confecção no controle da contaminação/infecção do sítio cirúrgico", Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2007.

Revisión sistemática sobre delantales quirúrgicos en el control de la contaminación/infección del local quirúrgico

Juliane Cristina BurgattiI; Rúbia Aparecida LacerdaII

IEnfermeira da Educação Continuada do Hospital do Servidor Público Municipal. Especialista em Centro Cirúrgico e Centro de Material. Mestre em Enfermagem. São Paulo, SP, Brasil. juliburgatti@uol.com.br

IILivre-Docente do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. rlacerda@usp.br

Correspondência Correspondência: Juliane Cristina Burgatti Rua Apotribu, 264, Apto. 62 - Pq. Imperial CEP 04302-000 - São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

O avental cirúrgico é confeccionado com materiais de tecido e não-tecido. O estudo teve como objetivo verificar se há evidências científicas, pela revisão sistemática, que fundamentem a prática do uso de aventais em cirurgias, conforme seu material de confecção. Consideraram-se estudos básicos de intervenção, que investigaram a contaminação e ou a infecção do sítio cirúrgico com uso de aventais cirúrgicos reutilizáveis e ou de uso-único, utilizando como população pessoas submetidas a cirurgias, em situações reais ou simuladas, em qualquer período, sem limitação de idioma. Para localizar os estudos, utilizou-se estratégia de busca nas bases de dados eletrônicas. Constata-se, com isso, dificuldade de isolar o objeto de intervenção de outros inúmeros fatores que podem interferir nos desfechos, em estudos desta natureza. Dois estudos (E1, E2) obtiveram forte evidência de recomendação, concluindo pela não diferença de contaminação e infecção do sítio cirúrgico entre aventais e campos de tecido e não-tecido.

Descritores: Infecção da ferida operatória. Roupa de proteção. Controle de infecções

RESUMEN

El delantal quirúrgico confeccionado con materiales de tejido y no-tejido. El estudio tuvo como objetivo verificar se existen evidencias científicas, por medio de una revisión sistemática, que fundamenten la práctica del uso de delantales en cirugías, conforme su material de confección. Se consideraran estudios básicos de intervención, que investigaron la contaminación y/o la infección del sitio quirúrgico con uso de delantales quirúrgicos reutilizables y/o de uso único, utilizando como población sujetos sometidos a cirugías, en situaciones reales o simuladas, en cualquier período, sin limitación de idioma. Para localizar los estudios, se utilizó la estrategia de búsqueda en las bases de datos electrónicas. Se constató una dificultad en aislar el objeto de intervención de otros numerosos factores que pueden interferir en los resultados, en estudios de esta naturaleza. Dos estudios (E1, E2) obtuvieron una fuerte evidencia de recomendación, concluyendo por no diferenciar la contaminación e infección del sitio quirúrgico entre delantales e indumentaria quirúrgica de tejido y no-tejido.

Descriptores: Infección de herida operatoria. Ropa de protección. Control de infecciones

INTRODUÇÃO

Apesar do avanço tecnológico na área de centro cirúrgico e do maior conhecimento sobre fatores de risco de infecção hospitalar, nas últimas décadas, as taxas de infecção do sítio cirúrgico (ISC) ainda são altas. Várias são as medidas de controle e prevenção de ISC recomendadas. As mais reconhecidas estão reunidas nas Diretrizes de Recomendações de Controle de Infecção do Sítio Cirúrgico do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), de 1999. Nelas, são considerados fatores de risco intrínsecos e extrínsecos. Os primeiros se relacionam ao paciente: idade, tipo de cirurgia, patologia de base, patologias associadas, entre outras. Os segundos se referem aos procedimentos assistenciais: técnica cirúrgica, preparo pré-operatório, ambiente, paramentação cirúrgica, antibioticoprofilaxia, entre outras(1).

Dentre os fatores extrínsecos, destaca-se a paramentação cirúrgica, que é constituída de gorro, máscara, luva esterilizada, óculos de proteção, propé, uniforme privativo, campos e aventais cirúrgicos esterilizados. A principal finalidade do uso dos aventais e campos cirúrgicos é prevenir a transferência de microrganismos da pele da equipe cirúrgica e do próprio paciente para a ferida operatória e, conseqüentemente, reduzir o risco de sua contaminação e de ISC(2-3).

Com relação à ocorrência de ISC, não há consenso na literatura do uso de avental cirúrgico reutilizável ou de uso-único. Tal situação suscitou a necessidade de buscar evidências científicas pela revisão sistemática sobre a contaminação da ferida operatória ou de ocorrência ISC com o uso de aventais cirúrgicos de tecido e não-tecido, durante a realização de cirurgias.

OBJETIVO

Verificar se há evidências, que fundamentem cientificamente, a prática do uso de aventais em cirurgias, conforme seu material de confecção.

MÉTODO

Tipo de estudo

Tratou-se de estudo de revisão sistemática da literatura científica desenvolvido conforme as recomendações propostas pela Colaboração Cochrane, organização internacional sem fins lucrativos responsável por preparar, manter e assegurar o acesso às revisões sistemáticas na área da saúde(4).

Questão do estudo

A questão do estudo é o primeiro passo da revisão sistemática e funciona como a bússola de um navegador, ao buscar a direção apropriada, neste caso, a resposta que se deseja obter(4). A questão elaborada foi: Qual é a eficácia dos aventais cirúrgicos, conforme seu material de confecção, no controle da contaminação e ou infecção do sítio cirúrgico?

Critérios de inclusão e exclusão

A partir da questão desta investigação foram considerados para a revisão sistemática apenas estudos básicos de intervenção, que investigaram a contaminação e ou a infecção do sítio cirúrgico com uso de aventais cirúrgicos reutilizáveis e ou descartáveis, utilizando como população pessoas submetidas a cirurgias, em situações reais ou simuladas. Foram, portanto, excluídos estudos primários laboratoriais (do tipo análise microbiana de barreiras), estudos secundários, publicações referentes a cartas ao leitor, duplicatas e réplicas, editais, comentários e opiniões, análise de literatura sem revisão sistemática com ou sem metanálise. Considerou-se, também, qualquer período, sem limitação de idioma.

Amostragem

Fontes de busca dos estudos

As buscas orientaram-se, inicialmente, pelas bases eletrônicas consideradas pelos centros internacionais de prática baseada em evidência (PubMed/MEDLINE, EMBASE, COCHRANE, CINAHL, LILACS), referências dos estudos incluídos e pesquisa manual na Revista da Sociedade Brasileira de Enfermeiros de Centro Cirúrgico e Centro de Material (SOBECC).

Estratégia de busca nas bases de dados eletrônicas

A base de dados eletrônica, como o MeSH (Medical Subject Headings Section) da PubMed/MEDLINE, conta com 22995 descritores, e o DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) da BIREME com 26851 descritores. Os termos encontrados, mais próximos da pergunta desta pesquisa, foram: surgical wound infection (infecção da ferida cirúrgica), postoperative infection (infecção pós-operatória),protective clothing (vestuário de proteção), clothing (vestuário), textiles (têxteis), bedding and linens (roupas de cama, mesa e banho), operating room (sala de operação), cotton (algodão), disposable equipment (equipamento descartável).

Para os descritores não indexados foram utilizados termos dos próprios artigos científicos, conforme eram encontrados, que foram: single-use clothing (vestuário de uso-único) e reusable clothing (vestuário reutilizável), woven clothing (vestuário de tecido), non-woven clothing (vestuário de não tecido), staff clothing (vestuário da equipe), surgical wound contamination (contaminação da ferida cirúrgica), surgical site infection (infecção do sítio cirúrgico), surgical gowns (aventais cirúrgicos), operative gowns (aventais operatórios), disposable gowns (aventais descartáveis), garments(paramentação), operating room personnel(pessoal da sala de operação), drapes (campos cirúrgicos). A combinação desse último descritor deve-se ao fato de vários estudos analisarem concomitantemente aventais e campos cirúrgicos.

Uma condição básica para uma busca bem-sucedida é a utilização de cruzamento de palavras-chave, como a estratégia PICO, onde: P= Population (população ou situação clínica), I= Intervention (intervenção), C= Comparasion (comparação) e O= Outcome (desfecho)(5). Aplicou-se tal estratégia neste estudo, considerando os artigos booleanos AND e OR entre as características do PICO.

Seleção dos estudos

Os estudos foram buscados pela primeira revisora desta investigação. Todos aqueles obtidos a partir dos descritores utilizados foram avaliados pelos títulos e resumos. Nos casos em que os títulos e resumos não eram suficientes para definir sua primeira seleção, buscou-se a íntegra da publicação.

Após a identificação de todos os estudos a partir dos descritores, procedeu-se à análise para sua pré-seleção, de acordo com a questão norteadora e os critérios de inclusão previamente definidos. Essa etapa foi realizada separadamente por dois revisores - a autora dessa investigação e sua orientadora, que extraíram independentemente os dados.

Posteriormente, ocorreu uma reunião de consenso, com o objetivo de decidir a inclusão e a exclusão das pesquisas pré-selecionadas. Tal procedimento visou a controlar vieses (bias) ou erros, garantindo maior segurança na seleção. Os estudos incluídos foram analisados conforme formulário previamente elaborado e receberam um código com o objetivo de facilitar a leitura e sua identificação: E1, E2, E3 etc.

Análise dos dados

Elaborou-se um instrumento para extração dos dados, os quais estão dispostos em Quadros e Tabelas, seguidos de descrições. As Tabelas foram apresentadas com números absolutos e percentuais.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O embasamento para esta evidência pautou-se na busca e análise, por meio de revisão sistemática, de pesquisas básicas já realizadas, as quais totalizaram 12 publicações, encontradas em bases eletrônicas, principalmente, o PubMed/MEDLINE. A busca pelas referências bibliográficas das publicações selecionadas não foi necessária, pois todas as de interesse à questão da investigação já haviam sido identificadas pelas bases eletrônicas. Nenhum estudo foi encontrado por pesquisa manual.

A base eletrônica que proporcionou a maior quantidade de publicações foi a PubMed/MEDLINE (1697), seguida pela COCHRANE (248), CINAHL (173), EMBASE (59) e LILACS (0). Encontraram-se estudos repetidos nas diversas bases de dados, portanto foram pré-selecionados 20 estudos, que atenderam aos critérios de inclusão. Após a leitura na íntegra desses 20 artigos pela primeira e segunda revisora foram excluídos 08, constituindo uma amostra de 12 estudos.

Os dados apresentados no Quadro 1 (Anexo) apresentam uma síntese panorâmica de todos os estudos incluídos, bem como avaliação de sua qualidade por meio de duas escalas: Escala de Jadad(6) e os níveis de evidência do Centro de Medicina Baseada em Evidências de Oxford adaptada(7). A primeira é aplicada em ensaios clínicos e analisa 3 critérios: randomização, cegamento e razões para perda ou exclusão de participantes (quando houver). A escala varia de 0 a 5, sendo considerados como de alta qualidade aqueles que obtêm pontuação igual ou acima de 3(6).


Na outra escala, a classificação dos estudos é baseada nos níveis de evidência dos estudos do Centro de Medicina Baseada em Evidências de Oxford, associada ao controle de variáveis de risco para ISC(7).

Embora o componente específico de análise desta revisão seja o avental cirúrgico, somente um estudo (E5) utilizou-o isoladamente como objeto de intervenção. Os demais correlacionaram-no principalmente com campos cirúrgicos (E1, E2, E3, E6, E7, E9, E10, E11).

Outra questão diz respeito aos tipos de materiais de confecção dos aventais e outros componentes da paramentação cirúrgica investigados. Não houve coincidência entre os estudos sob análise, ou seja, não houve utilização dos mesmos materiais, seja para grupos de tecido, seja de não-tecido. Além disto, os tipos de materiais não foram sempre minuciosamente descritos, ora restringindo-se ao nome comercial daqueles de não-tecido e ora não discriminando a composição dos de tecido. Com relação aos de tecido, a composição das tramas foi variada ou, por vezes, nem mesmo foi descrita. Por fim, nenhum estudo sob análise considerou freqüências de reuso, ou seja, de reprocessamentos dos aventais de tecido.

É sabido que há o desgaste e a perda progressiva de capacidade de barreira de materiais de tecido, de acordo com o número de reprocessamentos. Em um estudo(8), o efeito da lavagem sobre as propriedades de barreira de cinco aventais cirúrgicos de tecidos reutilizáveis foi avaliado com zero, vinte e cinco e cinqüenta lavagens. Como resultado constatou-se que quanto maior o número de lavagens, tanto maior o desgaste do tecido, reduzindo sua habilidade de repelir a líquidos e de prevenir passagem de microrganismos, excetuando um tipo de tecido, que não aumentou sua permeabilidade a bactérias, depois das lavagens(8).

Por outro lado, tese brasileira que avaliou a barreira microbiana de campos de tecido utilizados para embalagens de artigos odonto-médico-hospitalares obteve efetiva barreira microbiana, desde o primeiro uso e até o sexagésimo quinto reprocessamento (lavagens e esterilizações). O tecido destes campos era duplo e composto de 100% algodão, sarja T1, correspondendo à padronização da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), para embalagens de artigos. O teste baseou-se na metodologia alemã, DIN (Deutches Institut fur Neamurg), n.58.953-parte 6, utilizada para testar a barreira microbiana de embalagens. O procedimento do teste consistiu em instilar 100 µl de suspensão bacteriana de Staphylococcus aureus ATCC(5) n. 25923 10(7-8) ufc/ml sobre a embalagem e checar a passagem de microrganismos testes para uma Placa de Petri agar-sangue, simulando a condição prática do dia-a-dia(9) .

É evidente que materiais mais porosos, sobretudo de tecido, constituem barreiras menos efetivas, principalmente sob condições úmidas. É uma questão polêmica, entretanto, reconhecer se sua perda de barreira pela umidade constitui condição direta para a passagem de microrganismos. O tamanho da molécula de água é muito menor do que a maioria das bactérias conhecidas. Uma dissertação brasileira obteve manutenção de esterilidade a bactérias de materiais molhados/úmidos após autoclavação e armazenamento(10).

Quanto ao desfecho, todos os estudos atenderam à questão desta revisão, ao terem analisado contaminação e ou ISC. A análise apenas da contaminação apresenta a vantagem de não ser necessário controlar diversas variáveis que constituem fatores de risco de ISC em cirurgia, além da presença de microrganismos. Entre estes fatores, destacam-se aqueles intrínsecos, ou seja, que dizem respeito à susceptibilidade individual do paciente. Por outro lado, o desfecho final de interesse é, obviamente, a ISC, uma vez que a presença de contaminação não é garantia suficiente para sua evolução. O mais desejável, portanto, seria a análise dos dois tipos de desfechos.

Sabidamente, porém, os resultados não são suficientes para definir tal evidência. É preciso reconhecer a qualidade das investigações desenvolvidas, conforme a proposta desta revisão sistemática. Esta qualidade foi buscada de dois modos: quanto ao tipo de investigação e à validade interna.

Os tipos de investigações mais freqüentemente utilizados foram: ensaio clínico controlado randomizado (33,3%), correspondendo aos estudos E1, E2, E5, E8. Empatado em freqüência (33,3%) veio o controle histórico ou não concorrente, nos estudos E3, E6, E7, E11. Seguiram-se o ensaio clínico não controlado (sem grupo controle), nos estudos E4 e E12, o ensaio clínico controlado não randomizado (E10) e o observacional de resultado terapêutico (E9).

Os ensaios clínicos controlados aleatórios, após as revisões sistemáticas de ensaios clínicos com metanálise, são considerados os melhores tipos de investigações, pelos principais centros de práticas baseadas em evidência e diretrizes de recomendações clínicas. Sob esta classificação, os estudos E1, E2, E5 e E8 são considerados, portanto, de melhor qualidade que os demais.

Mesmo nos melhores tipos de investigação, porém, erros sistemáticos de seleção, condução, seguimento e detecção podem ocorrer, determinando vieses (bias) nos resultados ou inferências. Tais vieses interferem na validade interna dos estudos. Conforme o Handbook da Colaboração Cochrane, eles dizem respeito a: a) diferenças significativas nos grupos de comparação (viés de seleção), cuja randomização é usada para prevenir esse tipo de erro; b) cuidados iguais ou mesma exposição a todos os outros fatores, além da intervenção de interesse (viés de condução), cujo mascaramento é usado para evitar esse tipo de erro; c) perdas ou exclusões de pessoas incluídas no estudo (viés de seguimento) que devem ser explicitados; d) modo de verificação dos desfechos (viés de detecção ou diagnóstico). A análise de tais fatores diz respeito à validade interna do estudo(11).

A Escala de Jadad, também aplicada neste estudo, objetiva avaliar possíveis vieses de seleção, condução e seguimento, considerando os critérios de randomização, cegamento e razões para perda ou exclusão de participantes. A partir destes critérios, somente os estudos E1 e E2 são considerados de alta qualidade, por terem obtido pontuações 5 e 4, respectivamente. Esta qualidade é demonstrada em ambos os estudos, que distribuíram os pacientes para os grupos controle e experimental sob a forma aleatória, bem como os pacientes e pesquisadores envolvidos desconheciam o tipo de avental cirúrgico utilizado durante a cirurgia. Destaca-se, também, no E1 a descrição de perda de participantes e seus motivos. Os demais estudos obtiveram pontuação abaixo de 3(6).

No outro recurso utilizado para avaliar estes estudos, que associou o controle de variáveis de risco para ISC com os níveis de evidência do Centro de Medicina Baseada em Evidências de Oxford adaptada(7), a maioria deles foi classificada na categoria de evidência B, ou seja, moderada, variando de B2- (E3, E4, E6, E7, E10, E11, E12) a B3- (E9). Apenas quatro são fortemente recomendados, por terem se enquadrado no grau de recomendação A, sendo o nível de evidência A2- (E1, E2, E5, E8).

Os estudos E1 e E2 novamente aparecem classificados na melhor categoria de recomendação (A). Aparecem também no melhor nível de evidência os estudos E5 e E8 (A2-).

Considerando os resultados destes quatro melhores estudos, os E1, E2, E5 e E8, que analisaram a contaminação da ferida operatória, não obtiveram diferença significativa entre uso de material de tecido e não-tecido. E os estudos E1 e E2, que analisaram a ISC, também não obtiveram diferença significativa de sua ocorrência entre uso de material de confecção de tecido e não-tecido.

Recomenda-se que estudos desta natureza, além de utilizar os delineamentos de investigações considerados o padrão-ouro pela epidemiologia clínica (ensaio clínico randomizado), seria desejável estratificar a amostra, previamente à randomização, permitindo grupos de pacientes os mais semelhantes possíveis quanto às variáveis de risco. Ou, então, análise estatística de sua distribuição entre os grupos controle e experimental.

As variáveis extrínsecas e intrínsecas analisadas pelos estudos incluídos estão nas Tabela 1 e 2, a seguir.

Na Tabela 1, constata-se que os fatores extrínsecos mais controlados pelos estudos foram tipo de cirurgia (12), antibioticoprofilaxia (9), duração da cirurgia e equipe cirúrgica (7). Dentre os estudos com desfecho de contaminação, predominaram os fatores tipo de cirurgia, ventilação da SO, equipe cirúrgica, movimentação na SO e antibioticoprofilaxia. Os fatores antibioticoprofilaxia, tipo de cirurgia, duração da cirurgia e equipe cirúrgica, também com maior freqüência de controle, devem-se ao fato de que tais estudos acompanharam o desfecho de ISC.

Quanto ao tipo de cirurgia, apesar de ter ocorrido controle de sua distribuição entre os grupos e serem da mesma especialidade, porém nem sempre eram do mesmo tipo e potencial de contaminação. Cirurgias de tipos diferentes, ainda que de mesma especialidade, determinam duração e condução diferentes, podem acarretar variações da permeabilidade das barreiras microbiológicas e da carga de contaminação microbiana. Já, cirurgias de mesmo tipo e duração semelhantes, porém realizadas em locais com microbiota residente, esta passa a ser, sabidamente, a principal fonte de contaminação da ferida e de ISC(2), dificultando estabelecer o valor isolado do objeto sob intervenção.

Pela Tabela 2, as variáveis intrínsecas, relacionadas à susceptibilidade individual para o desenvolvimento da ISC, foram controladas por poucos estudos. As mais freqüentemente consideradas - idade (6) e sexo (6) - constituem, justamente, as que não apresentam evidências científicas(2). Já, as condições individuais de saúde, fatores considerados relevantes, foram controladas pela minoria dos estudos: avaliação de doenças pré-existentes (E1, E2), estado nutricional (E1), índice de massa corpórea (E2) e ASA (E1).

Dentre as variáveis controladas pelos E1 e E2 encontram-se aquelas recomendadas com melhores categorias de evidência pelo CDC, além dos fatores de predição de risco, que são: duração da cirurgia, tipo de cirurgia e pontuação ASA ou identificação de susceptibilidade individual pré-existentes (diabetes, estado nutricional, ASA).

CONCLUSÃO

Considerando a amostra desta revisão sistemática (12 estudos), destacaram-se dois estudos (E1, E2) de forte evidência de recomendação. Ambos, porém, se referem aos aventais e campos cirúrgicos, conjuntamente, concluindo sobre a não diferença de contaminação e ou infecção do sítio cirúrgico entre materiais de tecido e não-tecido. Além de terem utilizado o desenho de pesquisa clínica considerado o padrão-ouro para estudos de intervenção - ensaio clínico randomizado, apresentam uma alta validade interna, constatada pelo uso de duas escalas de qualidade: Jadad(6) e de Controle de Infecção Cirúrgica (EQCIC), adaptada(7).

A não semelhança de forma de intervenção e de controle de variáveis entre os estudos analisados não possibilitou a metanálise.

A contribuição desta investigação para a implementação da prática baseada em evidências, especificamente buscando a resposta desta pergunta de pesquisa, que independe tanto das crenças e preferências do paciente quanto das experiências do profissional enfermeiro, mostrou-se necessária para apontar qualidade, lacunas e falhas nos artigos analisados. Mas também permite ao pesquisador avaliação prévia de variáveis externas explicitadas anteriormente, possibilitando a reflexão sobre qual a fração etiológica da variável avental cirúrgico, conforme o material de confecção, no desfecho de infecção do sítio cirúrgico.

Recebido: 16/08/2007

Aprovado: 01/04/2008

Anexo - Clique para ampliar

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  • Correspondência:
    Juliane Cristina Burgatti
    Rua Apotribu, 264, Apto. 62 - Pq. Imperial
    CEP 04302-000 - São Paulo, SP, Brasil
  • *
    Extraído da dissertação "Revisão sistemática sobre o uso de aventais cirúrgicos conforme o material de confecção no controle da contaminação/infecção do sítio cirúrgico", Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2007.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Abr 2009
    • Data do Fascículo
      Mar 2009

    Histórico

    • Aceito
      01 Abr 2008
    • Recebido
      16 Ago 2007
    Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
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