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Familiares de portadores de transtorno mental: vivenciando o cuidado em um centro de atenção psicossocial

Familiares de portadores de trastorno mental: experimentando el cuidado en un centro de atención psicosocial

Resumos

Esta investigação teve por objetivo apreender como os familiares de portadores de transtorno mental têm convivido com um serviço de saúde mental. Foi utilizado o método exploratório/descritivo, de natureza qualitativa. Como instrumento de coleta de dados, utilizou-se uma entrevista semiestruturada, sendo sujeitos dessa pesquisa seis familiares que já conviviam há mais de três anos com o adoecimento psíquico. A análise dos dados permitiu inferir que os familiares que acompanham o usuário têm de lidar com um aprendizado que adquiriram na vivência cotidiana e são sujeitos à rejeição de membros da família e da comunidade; com relação ao centro de atenção psicossocial, os familiares se sentem acolhidos em suas queixas, recebendo um atendimento singular; porém, desconhecem os mecanismos para a sua participação social, o que aponta para uma deficiência do serviço, à medida que este deve estimular formas de inserção na comunidade, e da ampliação dos direitos de cidadania dos usuários.

Saúde mental; Família; Serviços de saúde mental


Esta investigación tuvo por objetivo aprender como los familiares de portadores de trastorno mental han convivido con un servicio de salud mental. Fue utilizado el método exploratorio/descriptivo, de naturaleza cualitativa. Como instrumento de recolección de datos se utilizó la entrevista semiestructurada, siendo sujetos de esta investigación seis familiares que ya convivían hace más de tres años con la enfermedad psíquica. El análisis de los datos permitió inferir que los familiares que acompañan al usuario tienen que lidiar con un aprendizaje que adquirieron en la vivencia cotidiana y están sujetos al rechazo de los miembros de la familia y de la comunidad; con relación al centro de atención psicosocial, los familiares se sienten acogidos en sus quejas, recibiendo una atención singular, sin embargo, desconocen los mecanismos que permiten su participación social. Lo que apunta para una deficiencia del servicio en la medida que este debe estimular formas de inserción en la comunidad y de ampliación de los derechos de ciudadanía de los usuarios.

Salud mental; Familia; Servicios de salud mental


This study aimed at learning how relatives of patients with mental disorders have experienced dealing with a mental health care service. The exploratory and descriptive method was used with a qualitative approach. Data collection was performed using semi-structured interviews. Subjects were six family members who had been living for over three years with the process of having a mentally ill relative. Data analysis allowed us to infer that relatives who closely follow the patient had to deal with the knowledge acquired from their day-to-day experience and were subject to rejection by other family and community members. As regards the psychosocial care center, the relatives felt welcomed in their complaints, receiving a unique treatment; however, they did not know the mechanisms for social participation, which points to a deficiency in the service as it should stimulate forms of insertion into the community and the strengthening of the patients' rights as citizens.

Mental health; Family; Mental health services


ARTIGO ORIGINAL

Familiares de portadores de transtorno mental: vivenciando o cuidado em um centro de atenção psicossocial

Familiares de portadores de trastorno mental: experimentando el cuidado en un centro de atención psicosocial

Vânia Moreno

Professora Doutora Assistente do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho". Botucatu, SP, Brasil. btmoreno@terra.com.br

Correspondência Correspondência: Vânia Moreno Rua Miguel Catharino, 481 - Jd. Panorama CEP 18608-210 - Botucatu, SP, Brasil

RESUMO

Esta investigação teve por objetivo apreender como os familiares de portadores de transtorno mental têm convivido com um serviço de saúde mental. Foi utilizado o método exploratório/descritivo, de natureza qualitativa. Como instrumento de coleta de dados, utilizou-se uma entrevista semiestruturada, sendo sujeitos dessa pesquisa seis familiares que já conviviam há mais de três anos com o adoecimento psíquico. A análise dos dados permitiu inferir que os familiares que acompanham o usuário têm de lidar com um aprendizado que adquiriram na vivência cotidiana e são sujeitos à rejeição de membros da família e da comunidade; com relação ao centro de atenção psicossocial, os familiares se sentem acolhidos em suas queixas, recebendo um atendimento singular; porém, desconhecem os mecanismos para a sua participação social, o que aponta para uma deficiência do serviço, à medida que este deve estimular formas de inserção na comunidade, e da ampliação dos direitos de cidadania dos usuários.

Descritores: Saúde mental. Família. Serviços de saúde mental.

RESUMEN

Esta investigación tuvo por objetivo aprender como los familiares de portadores de trastorno mental han convivido con un servicio de salud mental. Fue utilizado el método exploratorio/descriptivo, de naturaleza cualitativa. Como instrumento de recolección de datos se utilizó la entrevista semiestructurada, siendo sujetos de esta investigación seis familiares que ya convivían hace más de tres años con la enfermedad psíquica. El análisis de los datos permitió inferir que los familiares que acompañan al usuario tienen que lidiar con un aprendizaje que adquirieron en la vivencia cotidiana y están sujetos al rechazo de los miembros de la familia y de la comunidad; con relación al centro de atención psicosocial, los familiares se sienten acogidos en sus quejas, recibiendo una atención singular, sin embargo, desconocen los mecanismos que permiten su participación social. Lo que apunta para una deficiencia del servicio en la medida que este debe estimular formas de inserción en la comunidad y de ampliación de los derechos de ciudadanía de los usuarios.

Descriptores: Salud mental. Familia. Servicios de salud mental.

INTRODUÇÃO

As mudanças que vêm ocorrendo na saúde mental têm inserido os portadores de transtorno mental e seus familiares como protagonistas de um processo que busca inovar as formas de atenção e também contam com a parceria dos profissionais de saúde mental, que atuam nos diversos cenários visando atender esta população a pautar-se no acolhimento, no estabelecimento de vínculos, na responsabilização e na ética do cuidado.

A assistência psiquiátrica foi marcada pela exclusão da família no acompanhamento do seu familiar durante sua internação psiquiátrica. Uma das causas prováveis para o adoecer mental seria a negligência dos familiares com as questões morais e educação falha. Devido a isso, o tratamento proposto foi o isolamento social, vigilância e distribuição do tempo em instituições psiquiátricas que buscavam, através de uma rotina rígida, com normas inflexíveis, proporcionar uma reeducação ao alienado mental. Cabia, pois, à instituição hospitalar, garantir um ambiente que se balizasse pela disciplina(1).

A família deveria comparecer ao hospital psiquiátrico quando o paciente estivesse com seu distúrbio psíquico em fase de remissão, para evitar, assim, transtornos que prejudicassem o plano de tratamento proposto pelos médicos. Portanto, mantinha-se a mesma afastada do cuidado ao enfermo mental.

Desta forma, a família ficou estigmatizada e, como conseqüência, há um grande contingente de população moradora em instituições psiquiátricas, devido à ruptura dos vínculos familiares ou aqueles se tornaram frágeis em decorrência da diminuição da comunicação entre seus membros e a instituição, além da escassa orientação sobre o adoecimento psíquico. Porém, com as transformações que ocorreram no modelo assistencial em saúde mental a partir do final da década de 70, no século passado, a família foi convidada a participar ativamente de uma nova forma de conceber e tratar o portador de sofrimento psíquico.

A portaria SNAS 224/92, sobre os serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico, em suas diretrizes, contempla as questões da: universalidade, hierarquização, regionalização e integralidade das ações; indica que os serviços devem oferecer uma diversidade de métodos e técnicas visando o atendimento assistencial; a multiprofissionalidade, a participação social com ênfase na importância da formulação de políticas de saúde mental e no controle social. Define que os órgãos gestores locais são os responsáveis pela complementação da presente portaria e pelo controle da avaliação dos serviços prestadores(2).

Com relação aos Núcleos e Centros de Atenção Psicossocial (NAPS/CAPS), eram previstas, com relação ao atendimento da família, atividades que visassem a integração do doente mental na comunidade e sua inserção social(2).

Passados dez anos e, com a implantação dos serviços diários, a Portaria GM 336/02 atualiza a Portaria 224 e estabelece as modalidades de serviços dos centros de atenção psicossocial (CAPS) conforme suas características e com as seguintes atribuições: responsabilização pela organização da demanda e da rede de cuidados em saúde mental no âmbito de seu território; papel regulador na porta de entrada na rede de assistência; coordenar as atividades de supervisão em unidades hospitalares psiquiátricas por delegação do gestor local, supervisionar e capacitar as equipes de atenção básica, entre outras(2).

As atividades propostas pela Portaria 336, a serem desenvolvidas com a família, são as mesmas previstas na Portaria 224/92(2). Trata-se de uma atividade proposta ao grupo de familiares que busca criar laços de solidariedade entre seus membros participantes, para discutirem problemas comuns, enfrentarem situações difíceis e receberem orientação sobre o diagnóstico e participação no projeto terapêutico(3).

Desta forma, pode-se entender que, pela Portaria 336, houve uma ampliação do papel da equipe que compõe o CAPS através do entendimento de que estes profissionais possuem capacitação técnica para articular-se com os demais serviços de atenção em saúde mental e atenção básica; porém, não valoriza o papel político-jurídico na efetivação da participação social e na formulação de políticas de saúde mental e controle social, como estavam previstas na Portaria 224.

É importante ressaltar que os CAPS têm permanecido mais em sua função técnico-assistencial, ampliando com dificuldade seu papel de implementador de inovações no modelo de atenção em saúde mental. Demonstram fragilidade, quanto à diversificação das ações de qualificação do cuidado e modificações do imaginário social quanto às questões de rejeição em relação à loucura(4).

E, apesar de os centros de atenção psicossocial significarem avanços com relação à implantação dos serviços, não podem ser considerados como um resultado final para a Reforma Psiquiátrica, que é um processo em curso e que tem de ser avaliado no Campo da Saúde Mental e da Atenção Psicossocial em suas quatro dimensões: a teórico-conceitual, que diz respeito ao contexto epistemológico, ou seja, como tem sido compreendido o transtorno mental, utilizando o paradigma positivista ou entendendo como um processo de experenciar o sofrimento. É esta compreensão que alicerça a dimensão técnico-assistencial, pois é como os serviços se constituem e lidam com as pessoas, com espaços de subjetividade e socialibilidade(5).

A dimensão jurídico-política diz respeito à construção da cidadania através da aprovação das leis e decretos, mas implica também mudar mentalidades, atitudes, crenças e relações sociais. E na dimensão sociocultural convidamos para uma discussão a sociedade civil, com o intuito de atingir o imaginário social sobre a doença mental, a loucura, o papel do hospital psiquiátrico a partir de manifestações artísticas, culturais, esportivas, entre outras. É fundamental a participação dos próprios sujeitos envolvidos: usuários, familiares, associações envolvidas na defesa do portador de sofrimento psíquico e seus familiares, profissionais de serviços e comunidade(5).

Para realizar este estudo, utilizou-se como referência de família um espaço indispensável para garantir a sobrevivência e a proteção de seus membros, independente da forma como vem se estruturando. Propicia os aportes afetivos e materiais necessários ao desenvolvimento de seus componentes. Desempenha um papel decisivo na educação informal e formal onde são absorvidos os valores éticos, humanitários e laços de solidariedade. A família está inserida em um contexto sociocultural; incluído aí o sistema profissional e popular de cuidado, onde ocorrem as trocas, influenciadas por eles e, também, influenciando-os em suas relações(6-7).

OBJETIVO

O objetivo desta investigação é apreender como os familiares de usuários de um centro de atenção psicossocial compreendem seu papel no tratamento do portador de transtorno mental e, enquanto sujeitos, como visualizam sua participação social.

MÉTODO

A investigação é de abordagem qualitativa, tipo descritivo exploratório, pois permitiu ampliar os conhecimentos com relação à família e sua vivência em um serviço territorial de saúde mental(8).

Primeiramente, utilizou-se um questionário para obter os seguintes dados pessoais: idade, sexo, grau de escolaridade e grau de parentesco. Como estratégia de coleta de dados, utilizou-se uma entrevista mediada pelas seguintes questões: como o familiar visualiza o papel da família no cuidado ao usuário; quais as facilidades e dificuldades que encontram em se relacionar com o serviço de saúde; a participação efetiva da família nos serviços de saúde e contribuição para melhorar a assistência ao usuário nos serviços de saúde.

As entrevistas foram realizadas após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP, of. 575/2004. Os entrevistados foram informados a respeito da pesquisa para então consentirem em participar da mesma.

As entrevistas foram realizadas no CAPS, no período de outubro e novembro de 2005. Para a realização deste estudo, elegeram-se familiares que estavam há mais de três anos acompanhando o usuário em serviços de saúde mental e que foram considerados pela equipe de saúde, como aqueles que são tidos como referência para esclarecimentos quanto aos eventos ocorridos no cotidiano ou para orientação do tratamento. As entrevistas foram gravadas em fita k7.

O campo empírico desta investigação, o CAPS, iniciou seu funcionamento em outubro de 1999, vinculado a um hospital psiquiátrico estadual, sendo responsável pela população de 38 municípios que compõem a Divisão Regional de Saúde.

Para a análise dos dados, foi utilizada a análise temática que é uma das modalidades de análise de conteúdo(9). Inicialmente as fitas foram transcritas e, na primeira etapa, foram realizadas leituras sucessivas com vistas ao agrupamento de elementos, idéias ou expressões contidas na fala dos entrevistados, permitindo organizar o material segundo as questões teóricas norteadoras. Na segunda etapa, foi possível elaborar os núcleos de sentido e a aproximação dos núcleos de sentido com a bibliografia disponível e com a experiência da pesquisadora, que permitiu a análise das informações(9).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram sujeitos desta pesquisa seis familiares, sendo dois irmãos, dois pais, uma esposa e uma filha; a idade variou de 20 a 71 anos. E quanto ao grau de escolaridade, os familiares mais idosos possuem o ensino fundamental incompleto, e entre os adultos jovens, o ensino fundamental, médio e superior incompleto; todos residentes em Botucatu.

A análise dos dados permitiu construir as seguintes temáticas: o papel da família no cuidado com o portador de transtorno mental, a família e a sua relação com o centro de atenção psicossocial, a família do portador de transtorno mental e sua participação social, que serão apresentados a seguir.

O papel da família no cuidado com portador de transtorno mental.

Os familiares apontam para a importância no acompanhamento ao portador de transtorno mental, dando apoio, tendo paciência e aprendendo a lidar com os comportamentos apresentados:

F3 - O papel da família, principalmente em casa, nós temos um comportamento muito, incentivo a eles, porque já faz quase onze anos que a gente convive com esse tipo de coisa [...] aquele modo de dizer, vivendo e aprendendo [...] a maneira que a gente procura ajuda, e nós como a gente convive com pessoas assim tem que ter uma paciência, aquela paciência.

F5 - A família é a estrutura do paciente, tem que ter paciência em primeiro lugar, acho que o cuidado, a proteção, demonstrar carinho, é difícil, chega um momento que afeta os próprios familiares, até mais o familiar do que o próprio paciente, tem que estar sempre atento cuidando, protegendo.

A família busca suprir as necessidades do portador provendo afeto e principalmente paciência no relacionamento, tendo que aprender a lidar com a situação. Neste caso, predominam os laços de solidariedade, pois todos os membros da família têm que se organizar frente ao processo de adoecimento psíquico(6-7).

Nos depoimentos, no entanto, emerge a questão da sobrecarga da família que ainda vê o portador como aquele com baixa autonomia para a realização de atividades em sua vida, precisando ser monitorado ou protegido(10).

F4 - Acho importante a família ajudar, porque, para começar, eles não são capazes de se cuidar sozinhos. Tem que ter alguém para cuidar, é cansativo para a gente, tem hora que dá vontade de largar tudo e desistir porque não vai mudar em nada.

A fala deste familiar aponta que o portador é desqualificado pela família que não entende o transtorno mental e sua forma de experenciar o sofrimento. Assim, o cuidado torna-se um fardo à medida que o portador é considerado uma pessoa sem autonomia, sem mudanças de atitudes, tornando-se difícil o relacionamento cotidiano. Esta forma de entendimento do comportamento advém do desconhecimento do processo de adoecer e das possibilidades da reinserção social a partir de um tratamento alicerçado em projetos de vida.

Dois familiares/cuidadores apontam a fragilidades dos vínculos afetivos dos outros membros da família, ou mesmo a rejeição.

F1 - Se ela não tivesse rejeição, ela podia estar bem melhor. Ela não é uma pessoa normal, ela é doente desde os 18 anos. Fez a oitava série, trabalhava; então eu acho que ela sente muita falta de muita gente da família.

F2 - Eu vejo que a D assim, quando existe preocupação dela assim... mas como de outras pessoas da família, ela dá uma melhorada, quando ela tem período de abandono ela cai, então, as famílias mudassem a maneira de ver, eu também tinha essa maneira de ver como a D fosse um estorvo, fosse uma coisa, e não é assim, você pode conviver.

Na fala desses irmãos, pode-se notar que a sobrecarga fica maior para quem cuida do portador, na medida em que os outros familiares acabam se afastando e pouco se relacionando com o usuário.

O familiar percebe que esse afastamento prejudica o usuário, pois o mesmo se sente abandonado e rejeitado. Repete-se na família o que muitas vezes acontece na comunidade.

Pode-se avaliar, pelas falas dos familiares, a importância de os serviços substitutivos auxiliarem as famílias, fornecendo uma escuta para suas dificuldades e dúvidas em relação ao enfrentamento do adoecimento de seu familiar e nas mudanças necessárias a serem potencializadas na convivência com a comunidade onde está inserida(7).

Nos depoimentos dos familiares, encontramos ainda marcas da dimensão epistemológica onde os saberes se encontram alicerçados nos comportamentos que exigem proteção à doença mental indicando a periculosidade e a desqualificação do portador de transtorno mental. Desconstruir essa forma de conceber o sofrimento psíquico é a tarefa que está colocada nos cenários da saúde(5).

A família e a sua relação com o centro de atenção psicossocial

Os familiares entrevistados apontaram em suas falas a importância do tratamento do serviço substitutivo em que o processo de trabalho está pautado no acolhimento. Referem uma atenção singular a cada familiar.

F2- Facilidade assim... qualquer hora que você possa ligar, eles estão dispostos a atender, e também esclarecimento ajuda, apoio que você tem é importante. Mas assim o que é mais importante, no CAPS, eu acho que é importante o pessoal do CAPS que me ensinou um pouco a compreender melhor a D, ficou mais fácil de lidar com ela. Com o contato com eles, a gente aprendeu um pouquinho mais.

F4- Toda a facilidade do mundo, eles me atendem na hora que eu preciso, eu ligo por telefone, eles estão sempre prontos para atender, até hoje não tive problema nenhum. Só tive facilidade de ser atendida aqui. Quando ele esta com problemas, eles procuram ajudar, sempre prontos.

F6- Eu encontrei bastante facilidade, foi bom para o A. Ele teve internado no C. (hospital psiquiátrico) várias vezes, ele tinha muitas crises lá, no C. era de semana em semana, internava ele, depois ele foi para o CAPS, foi internado só mais uma vez no C. depois não foi mais, então deu uma boa melhora.

Os familiares falam do acolhimento da equipe do CAPS frente às necessidades apresentadas, quer seja, esclarecimento, orientação ou ser atendido no momento de que está precisando, o que permite ao familiar se sentir cuidado. Como também aprendem a lidar com situações que anteriormente levariam à internação psiquiátrica.

O acolhimento constitui-se uma estratégia para atender às necessidades dos usuários e familiares, capaz de estabelecer uma nova relação. O encontro acontece mediado por uma queixa; porém, existe uma escuta ofertada pelo serviço. É um espaço de encontro, intercessão, negociação entre trabalhadores, usuários e familiares, sendo uma etapa do processo de trabalho enquanto possibilidade de estabelecer uma rede de conversação(11).

E ainda existe uma relação de porta aberta com os usuários e familiares de forma a proporcionar atenção a todas as pessoas que chegam ao serviço para validar sua fala, disponibilizando-se para entender a intermitência da experiência do sofrimento psíquico, tendo como pressuposto a agilidade no atendimento da dor, e a escuta para as distintas formas de expressão da demanda(12).

Ao validar a fala dos familiares, ensina-se a família a também validar a fala do portador de sofrimento psíquico:

F2- Eu já respeito muito mais a individualidade da D do que antes, tem que aprender isso daí, e começar do zero, a gente começa sendo assim ou abandona ou você acolhe demais e acaba podando. Então é o meio termo, até você chegar num ponto de equilíbrio e saber quando realmente você tem que agir, você tem que deixar que ela... isso daí é uma coisa difícil, o familiar tem que aprender, com o apoio do CAPS.

As inovações no campo da saúde mental implicam a possibilidade da escuta do outro sendo ele usuário, familiar ou mesmo profissionais de saúde. Nesse movimento, todos os envolvidos aprendem novas formas de convivência.

O serviço deve proporcionar um espaço de mutualidade e de partilha com os familiares:

F2- Eu acho assim que a participação da família, ela tem que ser feita de qualquer maneira, não adianta deixar para o CAPS resolver o problema. Tem que ser parceria. E comunicação entre a família e o CAPS é importante. Não só o CAPS, mas qualquer outro serviço.

Diferentemente da internação psiquiátrica, onde os familiares pouco participam do projeto terapêutico do usuário, em relação ao CAPS, há necessidade de parcerias, pois serviço e familiares estão convivendo diariamente com o portador.

Em relação à família, o CAPS oferta também grupo de familiares como uma maneira de participação no tratamento:

F2- O meio seria reunião... a reunião semanal que eles fazem, seria uma maneira de você expressar o que você está passando e também de receber informações.

F6- Acho que isso que a gente participa dando apoio para ele, indo nas reuniões que o CAPS faz, sempre atualizado com que o CAPS faz.

O grupo de família é um espaço de trocas de experiências onde os participantes se identificam com os problemas dos outros, podendo refletir sua própria realidade. A possibilidade de ouvir as dificuldades advindas da convivência diária proporciona a identificação e permite um alívio para a sensação de isolamento, muito presente nas famílias com a construção de um grupo como espaço de referência, experimentação e trocas solidárias(13).

A família, sentindo-se participante do tratamento no centro de atenção psicossocial, indica o papel de voluntário:

F1- Eu podia até ser voluntária, sempre gostei, sempre fiz inscrição, não me chamaram, até agora não chamaram, tenho sonho de ser voluntária de um lugar para ajudar. Colaborar com as pessoas.

F6- Eu acho que até conversando como já falei, tem muito tempo que minha mãe tem essa depressão, acho que até se eu pudesse conversar com familiares de outros pacientes que estão no início para esclarecer, às vezes a pessoa fala aí é frescura e é tudo da doença porque é difícil no começo, conviver com isso, porque até nessa parte, chegar, conversar com familiares novos, usuários, até mesmo conversar com o paciente, é uma parte que poderia estar colaborando. Voluntariado mesmo, vir só com o familiar e conversar.

Esta é uma das propostas elaboradas para a família, que se torna um agente transformador participante das atividades do serviço, internas como nos projetos de trabalho e externas em ações comunitárias de integração social. Os familiares deveriam ser considerados pela equipe de tratamento dos CAPS como parceiros de um novo modelo de atenção em saúde mental(12).

Os familiares, ao se dispor à prática do voluntariado, partilham práticas de vida com aqueles que ainda apresentam pouco entendimento do processo do adoecer psíquico.

Retomando a dimensão técnico-assistencial, percebe-se que o serviço está pautado no acolhimento, que proporciona aos familiares uma escuta singular, baseada no diálogo e nas trocas de informações necessárias(5). E ainda, os familiares mostram-se dispostos a contribuir para a melhoria do serviço.

A família do portador de transtorno mental e a participação social

Ao investigar os familiares e os serviços de saúde, inicialmente pudemos perceber que as famílias se sentem isoladas quando não estão inseridas em um serviço de saúde mental que lhes oferecem o acolhimento.

Ao se vincularem ao CAPS, podemos notar que o serviço passa a ser a rede social destas famílias que, até então, não contavam com um espaço para as suas necessidades(14).

Porém, buscamos conhecer também o que os familiares reconhecem como meio de participação na comunidade, enquanto espaço de negociação e luta pelos direitos do portador de sofrimento psíquico. Perguntou-se a quem deveria se reportar para qualquer problema que fosse além da competência do CAPS. Deparamo-nos com o desconhecimento:

F1- Eu acho que as famílias das pessoas que estão em tratamento, o governo, eu não sei o CAPS é do governo? O governo também, a família de quem freqüenta aqui, eu acho isso.

F2- Não saberia aonde... seria na Secretaria da Saúde Municipal, Estadual? acho que não. Eu já fui procurar o serviço estadual aqui, funciona ao lado do P. Acho que seria ali; se tivesse que fazer alguma queixa, eu acho assim que essas coisas assim, para a maioria da população não está acessível, porque, por exemplo, se eu tivesse alguma queixa ou sugestão, não fosse trazer aqui para o CAPS, sobre a D, eu iria lá, mais não saberei com quem falar lá, entende? E nem existe esclarecimento para entender.

Os familiares desconhecem qual a instância governamental que realiza a gestão do centro de atenção psicossocial em questão, porém, afirmam que esse desconhecimento ocorre em todos os serviços de saúde.

Isso aponta para uma fragilidade na proposta do CAPS, na medida em que seu projeto envolve a articulação com os serviços no sentido de organizar a demanda e de criar uma rede de cuidados em saúde mental e ainda, atuar frente à comunidade, para possibilitar melhora na compreensão da doença mental e sensibilidade por novas práticas de assistência.

Cabe apontar que o CAPS, segundo a Portaria 336, configura-se como o articulador de ações, visando organizar a demanda e a rede de cuidados em saúde mental no âmbito do território partindo da atenção básica até as unidades hospitalares(2).

Ao realizar estas ações, o CAPS deve também prever atividades de suporte social que visem ao exercício de direitos civis através da formação de associação de usuários ou familiares(15). É através das associações que os familiares poderão ser ouvidos nas várias instâncias que visem à participação social, como o Conselho Municipal de Saúde.

No município em que foi realizada esta investigação, há 13 anos funciona uma Associação de usuários, familiares e trabalhadores de saúde mental, que tem como objetivo promover ações que busquem a cidadania dos usuários e seus familiares através da inclusão social(14).

Um familiar propõe como forma de aproximação com a comunidade uma campanha de esclarecimento:

F2- [...] hoje quem sabe uma campanha de saúde, de campanha de esclarecimento como é feito com o cigarro, ajudasse ela, as pessoas, mas a dificuldade é preconceito mais e essa mentalidade que a gente tem que eu mesmo tinha que a D é uma pessoa ruim, que o doente mental, é uma pessoa perigosa, extremamente perigosa, e nem sempre é assim, na verdade você pode ser rico, mas eles podem ser mais rico que você, é mais ou menos por aí, agora eu acho que assim, a maneira como a pessoa está encarando só o familiar é que muda quem não tem esse problema acaba tendo uma visão preconceituosa, não é só um problema da família e um problema de todo mundo.

Esse familiar, ao sugerir uma campanha de esclarecimento, traz à tona a importância da comunicação quando buscamos mudar formas de conceber e tratar o portador de sofrimento psíquico e, também, a problemática situação da rejeição a que são submetidos os portadores de sofrimento psíquico.

No campo da atenção psicossocial e sua dimensão jurídico-política, refere à construção da cidadania, pois é necessário refletir que em conjunto com as leis vigentes, precisamos mudar mentalidades, atitudes, crenças e relações sociais. Que, se articuladas à dimensão sociocultural, trazem a discussão para a sociedade civil visando atingir o imaginário social sobre a doença mental. Os serviços de saúde mental devem utilizar as manifestações artísticas, culturais, esportivas, entre outras, com os próprios sujeitos envolvidos: usuários, familiares, associações envolvidas na defesa do portador de sofrimento psíquico e seus familiares, profissionais de serviços para sensibilizar a comunidade(5).

Ampliar estas dimensões é um desafio que se apresenta ao CAPS, campo empírico desta investigação. Porém, temos que considerar a realidade deste serviço que ainda continua Estadual, o que implica atender uma população heterogênea quanto a sua procedência, o que dificulta colocar em prática os pressupostos da territorialidade e convivência cotidiana com realidades diversas como estão constituídos os municípios que integram esta região.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao buscarmos conhecer a realidade vivida por familiares de portadores de sofrimento psíquico, pudemos encontrar em suas falas a importância da família no acompanhamento do portador de sofrimento psíquico, as formas de lidar com o adoecimento e a rejeição que enfrentam dentro da própria família e da sociedade que ainda não conseguem aceitar aquele que tem um comportamento diferente.

O CAPS constitui-se para esses familiares um espaço de acolhida, proporciona uma nova maneira de conviver, permite trocas afetivas, estende sua rede social e possibilita experenciar, de forma compartilhada, o cuidado a ser prestado ao usuário.

Em nossa investigação, apreendemos com os familiares a necessidade de ampliar recursos que modifiquem a maneira como o portador de transtorno mental é visualizado pela comunidade, que desconhece os mecanismos de participação para reivindicar seus direitos e de seus familiares. Apontamos a necessidade de o serviço articular-se com uma rede de cuidados, dos quais os familiares podem ser atores-sujeitos, fundamentos para a implantação de novos rumos na assistência.

Indicamos também que o serviço em questão busque meios de efetivar sua visibilidade frente à comunidade, como forma de garantir os avanços necessários para a implementação de uma nova forma de ver e cuidar o portador de sofrimento psíquico, com os recursos e serviços já existentes no município.

Recebido: 30/04/2008

Aprovado: 10/10/2008

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  • Correspondência:

    Vânia Moreno
    Rua Miguel Catharino, 481 - Jd. Panorama
    CEP 18608-210 - Botucatu, SP, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Set 2009
    • Data do Fascículo
      Set 2009

    Histórico

    • Aceito
      10 Out 2008
    • Recebido
      30 Abr 2008
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