Acessibilidade / Reportar erro

Adaptação cultural e validação do instrumento The Bowel Function in the Community para o Brasil

Adaptación cultural y validación del instrumento The Bowel Function in the Community para Brazil

Resumos

Estudos sobre hábito intestinal, considerando cultura, hábitos alimentares e de vida entre outros, não existem no Brasil. O objetivo deste artigo é apresentar o The Bowel Function in the Community, ferramenta específica para avaliação do hábito intestinal das populações, adaptado e validado para o Brasil. O processo de adaptação cultural incluiu tradução, retrotradução e avaliação por comitê de especialistas, obtendo-se uma versão traduzida do instrumento, posteriormente submetida a análises que atestaram a validade de conteúdo do mesmo. A confiabilidade inter-observadores e estabilidade (teste-reteste) foram confirmadas por níveis de concordância de boa a excelente e de moderada a excelente para a maioria das questões e agrupamentos do instrumento. Concluiu-se que a versão adaptada do instrumento pode ser aplicada em nosso meio para dar continuidade ao processo de validação, bem como para ampliar o conhecimento do hábito intestinal na população brasileira.

Defecação; Comparação transcultural; Enfermagem; Estudos de validação


Estudios sobre el hábito intestinal, considerando la cultura, los estándares de alimentación y de vida, no existen en Brasil. El objetivo del artículo es presentar The bowel function in the community, como una herramienta para evaluar el habito intestinal de las poblaciones, ya adaptado y validado en Brazil. El proceso de adaptación cultural ha incluido la traducción, traducción inversa y evaluación por comité de expertos. La versión traducida fue sometida a análisis que han confirmado su validez de contenido. La fiabilidad entre observadores y estabilidad fueron confirmadas a través de los niveles buenos a excelentes y moderados a excelentes, respectivamente, para la mayoría de las preguntas y de los grupos del instrumento. En conclusión, la versión adaptada del instrumento puede ser usada en nuestro país, permitiendo continuar su proceso de validación como obtener más datos a cerca del hábito intestinal de la población brasileña.

Defecación; Comparación transcultural; Enfermería; Estudios de validación


Studies about bowel habit, considering culture, dietary and life patterns, do not exist in Brazil. The aim of this article is to present The Bowel Function in the Community, as a specific tool to assess the bowel function in populations, adapted and validated in Brazil. The process of cultural adaptation and validation included translation, back translation and evaluation by a committee of specialists. The obtained version was submitted to analysis which confirmed its content validity. Inter rater reliability and stability were ratified through good to excellent and moderate to excellent levels of agreement respectively for almost all of instrument´s questions and groups. In conclusion, the adapted and validated version of The Bowel Function in the Community tool may be applied in our country to continue the validation process and to obtain more information about the bowel habits in Brazilian population.

Defecation; Cross-cultural comparison; Nursing; Validation studies


ARTIGO ORIGINAL

Adaptação cultural e validação do instrumento The Bowel Function in the Community para o Brasil

Adaptación cultural y validación del instrumento The Bowel Function in the Community para Brazil

Rita de Cássia DomanskyI; Vera Lúcia Conceição de Gouveia SantosII

IEnfermeira estomaterapeuta (TiSOBEST). Doutor em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Hospital Universitário da Universidade Estadual de Londrina. Docente do Colegiado de Enfermagem da UniFil - Centro Universitário Filadélfia. Londrina, PR, Brasil. rita.domansky@uel.br

IIEnfermeira estomaterapeuta (TiSOBEST). Professora Associada do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. veras@usp.br

Correspondência Correspondência: Vera Lucia CG Santos Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 - Cerqueira César CEP 05403-000 - São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

Estudos sobre hábito intestinal, considerando cultura, hábitos alimentares e de vida entre outros, não existem no Brasil. O objetivo deste artigo é apresentar o The Bowel Function in the Community, ferramenta específica para avaliação do hábito intestinal das populações, adaptado e validado para o Brasil. O processo de adaptação cultural incluiu tradução, retrotradução e avaliação por comitê de especialistas, obtendo-se uma versão traduzida do instrumento, posteriormente submetida a análises que atestaram a validade de conteúdo do mesmo. A confiabilidade inter-observadores e estabilidade (teste-reteste) foram confirmadas por níveis de concordância de boa a excelente e de moderada a excelente para a maioria das questões e agrupamentos do instrumento. Concluiu-se que a versão adaptada do instrumento pode ser aplicada em nosso meio para dar continuidade ao processo de validação, bem como para ampliar o conhecimento do hábito intestinal na população brasileira.

Descritores: Defecação. Comparação transcultural. Enfermagem. Estudos de validação.

RESUMEN

Estudios sobre el hábito intestinal, considerando la cultura, los estándares de alimentación y de vida, no existen en Brasil. El objetivo del artículo es presentar The bowel function in the community, como una herramienta para evaluar el habito intestinal de las poblaciones, ya adaptado y validado en Brazil. El proceso de adaptación cultural ha incluido la traducción, traducción inversa y evaluación por comité de expertos. La versión traducida fue sometida a análisis que han confirmado su validez de contenido. La fiabilidad entre observadores y estabilidad fueron confirmadas a través de los niveles buenos a excelentes y moderados a excelentes, respectivamente, para la mayoría de las preguntas y de los grupos del instrumento. En conclusión, la versión adaptada del instrumento puede ser usada en nuestro país, permitiendo continuar su proceso de validación como obtener más datos a cerca del hábito intestinal de la población brasileña.

Descriptores: Defecación. Comparación transcultural. Enfermería. Estudios de validación.

INTRODUÇÃO

O hábito intestinal varia entre as pessoas, sendo difícil o estabelecimento de padrões de normalidade. Esta variação não ocorre apenas de um indivíduo para outro, mas também no mesmo indivíduo e em momentos diferentes da vida. Pode ser afetado pela dieta, pelo estresse, por medicamentos, por doenças e comorbidades, inclusive por padrões sociais e culturais entre outros(1).

Já na década de 1960, os estudos preocupavam-se em distinguir a freqüência do hábito intestinal em pessoas saudáveis, mencionando-se uma vez ao dia(2) ou 3 a 11 evacuações por semana(3). Nos anos 80 foram incluídos dois outros aspectos, até hoje considerados fundamentais na avaliação do hábito intestinal normal, como a consistência e a fácil exoneração do conteúdo fecal em vez da freqüência das evacuações(4). Vê-se, portanto, que o limite entre a normalidade e a anormalidade para o hábito intestinal continua indefinido e, mesmo em estudos amplos e criteriosos sobre o tema, em populações aparentemente saudáveis(5-6), os autores não chegaram a um consenso.

Ainda assim, os estudos têm indicado que 94 a 100% da população sadia apresentam entre até três evacuações por dia e três evacuações por semana e que a freqüência evacuatória, consistência das fezes, ausência de dor ou esforço para evacuar, sensação de evacuação completa e sensação de prazer integram a definição de hábito intestinal normal(7-8).

No Brasil, não existem estudos sobre o hábito intestinal, ao serem considerados fatores como a cultura, os hábitos de vida e os hábitos alimentares entre outros, mencionados nos estudos americanos. Tampouco se dispõem de estudos epidemiológicos sobre a constipação intestinal (CI) e a incontinência anal (IA) ou outros distúrbios funcionais gastrointestinais e, embora publicações internacionais sejam úteis, não caracterizam a população brasileira.

A inexistência de publicações brasileiras que tratam desse tema motivou a realização da adaptação cultural e validação do único instrumento localizado na literatura acerca desse tema, o The Bowel Function in the Community, ferramenta objetiva de avaliação do padrão de funcionamento intestinal na comunidade.

O objetivo deste artigo é apresentar o The Bowel Function in the Community, como ferramenta objetiva de avaliação do hábito intestinal na comunidade, adaptado para o Brasil.

THE BOWEL FUNCTION IN THE COMMUNITY

O instrumento The Bowel Function in the Community foi desenvolvido por Reilly e colaboradores, na unidade de pesquisa em gastroenterologia da Mayo Clinic, Minnesota(9). É composto de 70 questões, agrupadas por especificidade: hábito intestinal geral (16 questões); perda de fezes (13 questões); sintomas urinários (13 questões); história de doenças anorretais e histórico cirúrgico (12 questões); uso de serviços médicos (4 questões) e fatores de risco para doenças anorretais (5 questões). No estudo original, seis questões não foram incluídas nesses agrupamentos e seus respectivos resultados também não foram apresentados. O instrumento foi desenvolvido, originalmente, para ser auto-administrável e não permite o cálculo de escores, sejam parciais nos agrupamentos seja total da escala. Desse modo, a interpretação é feita a partir da análise das respostas em cada agrupamento, buscando-se caracterizar o padrão ou padrões intestinais segundo critérios internacionais.

Para sua validação, os autores aplicaram-no junto a 94 pacientes atendidos em ambulatórios de gastroenterologia e coloproctologia, sendo 75 deles submetidos a um re-teste em até seis semanas, por correio (34) e por telefone (41), esta feita por médico especialista e considerada como padrão-ouro. O índice de concordância de Kappa (k) foi utilizado tanto para a verificação da confiabilidade interobservadores - onde foram comparadas as respostas do instrumento auto-preenchido com as alcançadas via correio - como para a validade concorrente, obtida através da comparação das respostas do instrumento, através do autopreenchimento, e as conseguidas pelo telefone. Os resultados apresentados pelos autores indicaram boa aceitação e compreensão do instrumento, com valores de k entre 0,03 e 1 para a confiabilidade teste-reteste e entre 0,27 e 1 para a validade concorrente, ambas com Intervalo de Confiança de 95%.

PROCEDIMENTOS DE ADAPTAÇÃO CULTURAL E VALIDAÇÃO PARA O BRASIL

Para a adaptação do The Bowel Function in the Community para o Brasil, os pesquisadores(10) obtiveram autorização dos autores do instrumento e as aprovações do Comitê de Ética da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (Processo no 370/2004/CEP/EEUSP) e do hospital onde o mesmo foi aplicado para atestar as propriedades de medida.

A adaptação cultural baseou-se em métodos propostos por autores nacionais(11) e internacionais(12). Inicialmente, o instrumento original foi traduzido por um tradutor profissional de língua inglesa, com igual fluência na língua portuguesa e conhecedor dos objetivos da pesquisa. A retrotradução da versão em português para o inglês foi executada por outro profissional de língua inglesa, também com fluência na língua portuguesa, e não conhecedor dos objetivos da pesquisa. A revisão e comparação das versões original, traduzida e retrotraduzida foram feitas por um comitê de cinco especialistas em coloproctologia, bilíngües, e visou à análise das equivalências semântica, idiomática, cultural e conceitual das três versões.

A versão obtida foi, então, submetida a 26 indivíduos da população geral, subdivididos em três agrupamentos seqüenciais: pré teste 1 (PT1), com 10 indivíduos, por meio de entrevista e autopreenchimento; grupo focal (GF), com 6 indivíduos; e pré-teste 2 (PT2), com 10 indivíduos, também por meio de entrevista e auto-preenchimento. Todos foram selecionados aleatoriamente e possuíam características semelhantes às da população geral. Ao final - após cada grupo receber o produto do grupo anterior com as sugestões atualizadas - obteve-se a versão considerada adequada para a próxima etapa do processo, ou seja, análise das propriedades de medida do instrumento.

As propriedades de medida da versão adaptada foram testadas em amostra da população geral onde se analisaram a confiabilidade interobservadores e a estabilidade ou confiabilidade teste-reteste. Ressalta-se que a validade de conteúdo - também proposta como propriedade de medida a ser avaliada - foi atestada ainda na primeira etapa, por intermédio da análise da adequação dos itens do instrumento em representar o universo hipotético do conteúdo, em proporções corretas(13), pelo comitê de especialistas. Embora seja possível calcular o índice de validade de conteúdo - que indica a extensão da concordância entre os especialistas, considera-se que, ao final, deve-se confiar nos seus julgamentos subjetivos(13).

A aplicação clínica deu-se junto a uma amostra consecutiva de 356 trabalhadores de setores administrativos de um hospital público de ensino, em atividade, no período de 28 de junho a 16 de julho de 2004. Adotaram-se como critérios de elegibilidade: ter idade igual ou superior a 18 anos; ter condições físicas e mentais para participar do estudo, respondendo à entrevista; ser funcionário da diretoria administrativa e aceitar participar do estudo.

A coleta de dados foi realizada pelas pesquisadoras e seis alunas do curso de graduação em enfermagem da Universidade Estadual de Londrina, submetidas à capacitação para obtenção da padronização dos procedimentos de coleta, por meio de entrevista. Desse modo, após aplicação simultânea e independente do instrumento, em sua versão adaptada, pelas pesquisadoras e entrevistadoras, em quatro indivíduos não pertencentes à amostra, as alunas foram consideradas aptas para a coleta de dados quando obtiveram, no mínimo, 80% de concordância com as anotações de uma das pesquisadoras.

A partir da seleção dos sujeitos, para aqueles que aceitaram participar do estudo, as entrevistas foram agendadas e ocorreram individualmente, em ambiente privativo, no horário e local de trabalho. Quando o indivíduo não se encontrava no local e horário estabelecidos previamente, as entrevistadoras retornavam até três vezes para efetivar a entrevista, antes do indivíduo ser considerado excluído da amostra.

Para avaliar a confiabilidade interobservadores, estabeleceram-se as primeiras 120 entrevistas realizadas pelas entrevistadoras e pela pesquisadora, que preencheram os questionários de maneira simultânea e independente. Para a avaliação da confiabilidade teste-reteste, dentre os 356 entrevistados, 120 indivíduos foram sorteados visando à reaplicação do questionário, feita pelas mesmas entrevistadoras, uma semana depois da primeira entrevista.

A análise descritiva utilizou média, desvio-padrão e amplitude de variação (mínimo – máximo). Para avaliação do nível de concordância entre as respostas tanto para a análise da confiabilidade interobservadores como para o teste-reteste, utilizou-se o índice de Kappa (k). Os valores de k variam de –1 (total discordância) a +1 (concordância completa) e, neste estudo, adotou-se como categorização: k < 0,00 = concordância inexistente; k entre 0,00 e 0,19 = concordância fraca; k entre 0,20 e 0,39 = concordância regular; k entre 0,40 e 0,59 = concordância moderada; k entre 0,60 e 0,79 = concordância boa; k entre 0,80 e 1,00 = concordância excelente(14). O nível de significância estatística foi fixado em 5%.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Finalizadas as fases de tradução e retrotradução do instrumento, a análise das versões original e traduzidas pelos membros do comitê de especialistas gerou níveis de concordância de 100% para 36 (52%) das 69 questões do instrumento e de 80% para as demais trinta e três (48%). As sugestões foram consideradas e alteradas no instrumento.

A questão 69 - que trata da escolaridade da clientela pesquisada - sofreu modificações em seu conteúdo desde o início do processo de tradução, para adequar-se àquela estabelecida pelo Ministério da Educação e Cultura, em nosso país. Alguns dos medicamentos mencionados na questão 17 não são comercializados no Brasil sendo, então, alterados para produtos existentes em nosso mercado, incluindo a água morna com amido de milho, fórmula caseira amplamente usada.

Na fase de pré-teste - subdividida em pré-teste 1, grupo focal e pré-teste 2 - todos os participantes foram selecionados aleatoriamente, possuindo as características semelhantes às da população geral, alvo desta pesquisa. No pré-teste 1 (PT1), com duração média de 20 minutos para a entrevista, os indivíduos não apresentaram dificuldades em responder ao questionário, fazendo poucas sugestões de natureza semântica e idiomática, para melhorar a compreensão das questões, que foram incorporadas. Do grupo focal (GF), participaram seis indivíduos diferentes do PT1, em encontro de 90 minutos de duração. Esses sugeriram apenas a inclusão da expressão marque um X no cabeçalho das questões 31, 32 e 33, o que foi feito. Já no pré-teste2 (PT2), em que participaram 10 indivíduos diferentes do PT1 e GF, a duração da entrevista também foi de 20 minutos. Nesta fase não houve sugestões para modificações no instrumento.

Com a finalização da 1ª etapa do estudo obteve-se a versão adaptada do instrumento, empregada na etapa de aplicação clínica para a validação das suas propriedades de medida.

Dentre os 356 indivíduos que compuseram a amostra total, 44% eram homens e 56% mulheres; a idade variou de 24 a 70 anos; 76% eram brancos; 69% eram casados. Quanto ao nível de escolaridade, 37% tinham ensino médio completo e 22%, ensino fundamental incompleto. Dos entrevistados, 44% tinham remuneração entre quatro e seis salários mínimos e 36% ganhavam até três salários mínimos.

Para a verificação da confiabilidade interobservadores, a sub-amostra constituiu-se de 120 indivíduos, dos quais 65% eram mulheres, com idade entre 24 a 68 anos; 74% eram brancos e 67% casados; 38% possuíam ensino médio e 43%, fundamental; sendo que 41% recebiam entre um a três salários mínimos. Das 63 questões consideradas para esta análise, 77,7% obtiveram um nível excelente de concordância entre os observadores, isto é, entre as entrevistadoras e as pesquisadoras. Os índices de k por agrupamentos, o Intervalo de Confiança de 95% e o valor de p para a confiabilidade interobservadores estão demonstrados na Tabela 1.

Para a análise da confiabilidade teste-reteste, dos 120 submetidos à segunda entrevista, depois de uma semana, 53% eram mulheres, com idade variando entre 29 e 67 anos; 71% brancos e 70% casados; 46% tinham ensino médio completo e 23%, o ensino fundamental incompleto; 44% dos entrevistados recebiam entre quatro e seis salários mínimos e 32%, até três salários mínimos. Os níveis de concordância (k) obtidos mostram que 33% das 63 questões apresentaram k entre 0,40 e 0,60 (concordância moderada) e, ao somarem-se os níveis de concordância bom e excelente (k entre 0,61 e 1,00), têm-se 27% das questões (Tabela 1).

Para as questões não inseridas nos agrupamentos, obtiveram-se índices de k = 0,000 para a questão 29; k = 0,3424 a 0,4568 para a questão 31; k = 0,6033 a 0,7245 para a questão 32; k = 0,7070 a 0,8355 para a questão 33 e de 0,3865 para a questão 68, todos com p<0,0001.

Em síntese, pode-se afirmar que o instrumento, em sua versão adaptada (ApêndiceApêndice), foi bem aceito e compreendido pelos sujeitos desta investigação, de maneira facilitada pela técnica da entrevista o que, certamente, minimizou os problemas oriundos do desconhecimento do conteúdo e das interpretações da pergunta ou da resposta. Os índices de Kappa inferiores a 0,40 provavelmente estão relacionados à baixa prevalência do evento na população investigada ou pela presença de respostas que podem ser avaliadas como inadequadas ou mesmo estar ausentes, em função de embaraço frente à pergunta. Deve-se considerar que o tema tratado no questionário - hábito intestinal - pode trazer constrangimento dos entrevistados, principalmente diante de entrevistadores mais jovens, mesmo previamente treinados, além do caráter transversal do estudo, ou seja, que envolve encontro único entre ambos, entrevistador e entrevistado. Tais ocorrências podem constituir limitação do estudo e deverão ser investigadas posteriormente. Por outro lado, quando eventos de vida são avaliados em dois momentos diferentes, a estabilidade pode sofrer algum tipo de alteração e inferir na mensuração, principalmente se a cobertura corresponder aos doze meses anteriores(13), como neste caso.

Além dessas considerações em nosso meio não existem estudos considerados padrão ouro sobre o tema, o que permitiria ampliar não somente a discussão dos resultados aqui obtidos como o número de propriedades de medida testadas, gerando avaliação mais acurada do instrumento, em sua versão adaptada. Certamente, modificações devem ser consideradas para aplicações futuras, cujas considerações também foram mencionadas pelos autores(9).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de adaptação cultural e validação do instrumento The Bowel Function in the Community constituiu o primeiro passo para o desenvolvimento de um projeto que visa a avaliar o hábito intestinal em comunidades da população brasileira, permitindo a identificação dos padrões de funcionamento intestinal, com vistas ao estabelecimento de um padrão ouro.

O restrito número de propriedades de medida testadas, relacionadas principalmente à confiabilidade, podem levar o crítico a desconsiderar a validação da versão adaptada desse instrumento para a língua portuguesa. Ressalta-se, no entanto, que os resultados aqui obtidos somam-se àqueles alcançados e demonstrados no estudo original(9).

No Brasil, o agrupamento perda de fezes do instrumento já foi utilizado em estudo(15) sobre prevalências das incontinências urinária, anal e combinada em amostra estratificada por conglomerado da população de Pouso Alegre, em Minas Gerais; e o instrumento na íntegra, em estudo(16) que avaliou o hábito intestinal da população urbana de Londrina (PR).

Cumpre lembrar ainda que o processo de validação é contínuo, isto é, quanto mais evidências puderem ser reunidas de que um instrumento está medindo o que deve medir, maior a confiança que os pesquisadores terão em sua validade e utilização(13).

Recebido: 13/07/2009

Aprovado: 24/08/2009

  • 1. Domansky RC, Santos VLCG. O que precisamos conhecer sobre o hábito intestinal. Rev Estima. 2008;6(1):19-21.
  • 2. Connell AM, Hilton C, Irvine G, Lennard-Jones JE, Misiewicz JJ. Variation of bowel habit in two population samples. Br Med J. 1965;2(5470):1095-9.
  • 3. Martelli H, Devroede G, Arhan P, Duguay C, Dornic C, Faverden C. Some parameters of large bowel motility in normal man. Gastroenterology. 1978;75(4):612-8.
  • 4. Ruben BD. Public perceptions of digestive health and disease survey findings and communications implications. Pract Gastroenterol. 1986;10(2):35-42.
  • 5. Cruz GMG. Propedêutica da constipação intestinal. In: Cruz GMG. Coloproctologia: propedêutica geral. São Paulo: Revinter; 1999. p. 656-82.
  • 6. Freitas JA, Tacla M. Constipação intestinal e fecaloma. In: Dani R. Gastroenterologia essencial. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan; 2001. p. 336-344.
  • 7. Bassotti G, Bellini M, Pucciani F, Bocchini R, Bove A, Alduini P, et al. An extended assessment of bowel habits in a general population. World J Gastroenterol. 2004;10(5): 713-6.
  • 8. Dantas RO. Diarréia e constipação intestinal. Medicina (Ribeirão Preto). 2004;37(3/4): 262-6.
  • 9. Reilly WT, Talley NJ, Pemberton JH, Zinsmeister AR. Validation of questionnaire to assess fecal incontinence and associated risk factors. Dis Colon Rectum. 2000;43(2): 146-56.
  • 10. Domansky RC, Santos VLCG. Cross-cultural adaptation and validation of the Portuguese version of The Bowel Function in the Community instrument. J Wound Ostomy Continence Nurs. 2007;34(6):671-7.
  • 11. Falcão DM, Ciconelli RM, Ferraz MB. Translation and cultural adaptation of quality of life questionnaires: an evaluation of methodology. J Rheumatol. 2003;30 (3)79-85.
  • 12. Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000;25(24):3186-91.
  • 13. Polit DF, Benck CT, Hungler BP. Fundamentos de pesquisa em enfermagem: métodos, avaliação e utilização. 5Ş ed. Porto Alegre: Artmed; 2004.
  • 14. Landis JR, Koch GG. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics. 1977;33(1):159-74.
  • 15. Santos CRS. Prevalência das incontinências urinária e anal na população urbana de Pouso Alegre MG [dissertação na Internet] São Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2008. [citado 2009 maio 15]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7139/tde-07052009-104824/
  • 16. Domansky RC. Avaliação do hábito intestinal e fatores de risco para a incontinência anal na população geral [tese na Internet]. São Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2009. [citado 2009 jul. 2]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7139/tde-23062009-094830/

Apêndice

  • Correspondência:
    Vera Lucia CG Santos
    Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 - Cerqueira César
    CEP 05403-000 - São Paulo, SP, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Dez 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Recebido
      13 Jul 2009
    • Aceito
      24 Ago 2009
    Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: reeusp@usp.br