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Educação permanente de profissionais de saúde em instituições públicas hospitalares

Educación en el trabajo de los profisionales de la salud en hospitales públicos

Resumos

Estudo exploratório-descrito cujos objetivos foram identificar, caracterizar e analisar as atividades educativas desenvolvidas com profissionais de saúde, à luz das concepções de integralidade, trabalho em equipe e educação permanente. A coleta de dados ocorreu em três hospitais do Município de São Paulo, através de entrevista dirigida a informantes-chave, representantes de todas as categorias profissionais. As entrevistas foram gravadas e transcritas, as informações sistematizadas em categorias operacionais e armazenadas em banco de dados. Os resultados mostram que predominaram atividades educativas voltadas às ações de recuperação da saúde, com participação de profissionais de áreas específicas, revelando um distanciamento da concepção de integralidade e de trabalho em equipe. Concluiu-se que as ações de educação dos profissionais de saúde reiteram o modelo clínico de assistência individual, com fragmentação das ações. Recomenda-se que elas sejam repensadas como estratégia integradora de saberes, capazes de promover a integralidade na atenção hospitalar.

Educação continuada; Recursos humanos em saúde; Capacitação em serviço; Unidades hospitalares; Recursos humanos em hospital


Estudio exploratorio-descriptivo cuyos objetivos fueron identificar, caracterizar y analisar las actividades educativas desarrolladas con profisionales de la salud, a la luz de concepciones de integralidad, trabajo en equipo y educación permanente.La colecta de datos ocurrió en tres hospitales del Municipio de São Paulo, a través de entrevista dirigida a informantes-clave, representantes de todas las categorías profisionales. Las entrevistas fueron grabadas y transcritas, las informaciones sistematizadas en categorías operacionales y almacenadas en banco de datos. Los resultados muestran que predominaron las actividades educativas hacia acciones de recuperación de la salud, con participación de profisionales de áreas específicas, revelando un distanciamiento de la concepción de integralidad y de trabajo en equipo. Concluyóse que las acciones de educación de los profisionales de salud reiteran el modelo clínico individual, con fragmentación de las acciones en las categorías profisionales. Estas acciones deberían ser repensadas como estrategia integradora de saberes, capazes de promover la integralidad en la atención hospitalaria.

Educación continuada; Recursos humanos en salud; Capacitación en servicio; Unidades hospitalarias; Personal de hospital


The objectives of this descriptive exploratory study were to identify, characterize and analyze educational activities developed with health professionals based on integrality, teamwork and permanent education. Data collection was carried out in three hospitals of the city of São Paulo, by means of key-informant interviews, representing all the professional categories. Interviews were recorded and transcribed, information was systematized into operational categories and storage in data bank. The results showed that educational activities aiming actions to recover health with the assistance of professionals of specific areas, revealed a distance from the integrality conception and team work. It was concluded that actions aiming education of health professionals emphasizes the individual clinical model, with fragmented actions of professional categories. So, we suggest reconsidering the integrated strategies of knowledge to promote integrality of hospital attention.

Education; Health manpower; Inservice training; Hospital units; Personnel hospital


ARTIGO ORIGINAL

Educação permanente de profissionais de saúde em instituições públicas hospitalares

Educación en el trabajo de los profisionales de la salud en hospitales públicos

Daisy Maria Rizatto TronchinI; Vera Lucia MiraII; Marina PeduzziIII; Maria Helena Trench CiamponeIV; Marta Maria MelleiroV; Jaqueline Alcântara Marcelino da SilvaVI; Adriana Marques da SilvaVII; Jaqueline Maria de Sousa SoaresVIII

IProfessora Doutora do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. daisyrt@usp.br

IIProfessora Doutora do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. vlmirag@usp.br

IIIProfessora Associada do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. marinape@usp.br

IVProfessora Titular do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. mhciamp@usp.br

VProfessora Doutora do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. melleiro@usp.br

VIEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Especialista em Laboratório de Ensino do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. jaqueline.alca@usp.br

VIIDoutoranda da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Enfermeira do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octávio Frias de Oliveira. São Paulo, SP, Brasil. enfadriana@usp.br

VIIIMestranda da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Enfermeira do Serviço de Educação Continuada do Hospital e Maternidade São Luiz. São Paulo, SP, Brasil. jsoares@saoluiz.com.br

Correspondência Correspondência: Daisy Maria Rizatto Tronchin Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 - Cerqueira César CEP 05403-000 - São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

Estudo exploratório-descrito cujos objetivos foram identificar, caracterizar e analisar as atividades educativas desenvolvidas com profissionais de saúde, à luz das concepções de integralidade, trabalho em equipe e educação permanente. A coleta de dados ocorreu em três hospitais do Município de São Paulo, através de entrevista dirigida a informantes-chave, representantes de todas as categorias profissionais. As entrevistas foram gravadas e transcritas, as informações sistematizadas em categorias operacionais e armazenadas em banco de dados. Os resultados mostram que predominaram atividades educativas voltadas às ações de recuperação da saúde, com participação de profissionais de áreas específicas, revelando um distanciamento da concepção de integralidade e de trabalho em equipe. Concluiu-se que as ações de educação dos profissionais de saúde reiteram o modelo clínico de assistência individual, com fragmentação das ações. Recomenda-se que elas sejam repensadas como estratégia integradora de saberes, capazes de promover a integralidade na atenção hospitalar.

Descritores: Educação continuada. Recursos humanos em saúde. Capacitação em serviço. Unidades hospitalares. Recursos humanos em hospital.

RESUMEN

Estudio exploratorio-descriptivo cuyos objetivos fueron identificar, caracterizar y analisar las actividades educativas desarrolladas con profisionales de la salud, a la luz de concepciones de integralidad, trabajo en equipo y educación permanente.La colecta de datos ocurrió en tres hospitales del Municipio de São Paulo, a través de entrevista dirigida a informantes-clave, representantes de todas las categorías profisionales. Las entrevistas fueron grabadas y transcritas, las informaciones sistematizadas en categorías operacionales y almacenadas en banco de datos. Los resultados muestran que predominaron las actividades educativas hacia acciones de recuperación de la salud, con participación de profisionales de áreas específicas, revelando un distanciamiento de la concepción de integralidad y de trabajo en equipo. Concluyóse que las acciones de educación de los profisionales de salud reiteran el modelo clínico individual, con fragmentación de las acciones en las categorías profisionales. Estas acciones deberían ser repensadas como estrategia integradora de saberes, capazes de promover la integralidad en la atención hospitalaria.

Descriptores: Educación continuada. Recursos humanos en salud. Capacitación en servicio. Unidades hospitalarias. Personal de hospital.

INTRODUÇÃO

Estudos que focam as macro-tendências descrevem que, na próxima década, as mudanças no ambiente externo continuarão afetando a dinâmica das organizações. Em decorrência a isso, os modelos de gestão do trabalho deverão ser adaptados e antecipar-se a essas mudanças, constituindo demandas específicas para os gestores dos serviços, particularmente, os de saúde, na rede pública. Consideradas as interfaces existentes entre a gestão do trabalho e a formação escolar, entende-se que as referidas demandas irão determinar os rumos e as competências essenciais que marcarão a formação universitária, a educação profissional e a educação no trabalho no Sistema Único de Saúde (SUS).

A década de 2006 a 2015, definida como a de Recursos Humanos em Saúde (RHS), visa a problemática detectada no cenário global e define princípios norteadores e metas para os países da América Latina e do Caribe(1). Assim, os observatórios de RHS, na 7ª Reunião Regional em 2005, Toronto-Canadá, buscaram gerar consenso sobre estratégias e políticas para enfrentar os desafios da próxima década, destacando a necessidade de mobilizar vontades políticas, recursos e atores institucionais para contribuir com o desenvolvimento dos RHS e o acesso universal aos serviços de saúde de qualidade para todos(2).

O referido documento aponta que a melhora da capacidade técnica para a gestão e formação de RHS está relacionada à necessidade de se desenvolver a educação interprofissional, que permita incrementar a organização de serviços na modalidade do trabalho em equipe(3-4). Entende-se que a política pública nacional de educação permanente em saúde (EPS) está em consonância com esta proposta, por preconizar a articulação multiprofissional da gestão setorial, atenção à saúde, controle social e instituições formadoras, através da educação ancorada no processo de trabalho na perspectiva da integralidade.

A proposta de EPS origina-se, na década de 1980, a partir de iniciativas da Organização Pan-Americana da Saúde para o desenvolvimento dos RHS(5). Em 2003, no Brasil, o Ministério da Saúde (MS) criou a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde visando reordenar a lógica de formação dos trabalhadores de saúde e definir a Política Nacional de EPS instituída pela portaria GM/MS 198/04.

A política de EPS tem o objetivo de constituir uma rede de ensino-aprendizagem no exercício de trabalho no SUS para a formação e desenvolvimento dos trabalhadores, pautada nas necessidades de saúde dos usuários/população. Para a institucionalização dessa política foram criados os pólos de EPS como um dispositivo de articulação interinstitucional, para reunir gestores, instituições formadoras, serviços de saúde, conselhos de saúde, movimentos sociais, movimentos estudantis e entidades de trabalhadores da saúde. Por meio dos pólos, buscou-se agregar diferentes atores para que participassem ativamente da condução local do sistema de saúde, voltando-se para a gestão e educação no SUS(6).

A EPS foi reafirmada pela portaria GM/MS 1996/07 que define sua condução local por meio da criação de comissões de integração permanente entre os serviços de saúde e as instituições de ensino (CIES) no âmbito estadual e regional sob coordenação dos Colegiados de Gestão Regional(7) para adequá-la às diretrizes e ao regulamento do Pacto pela Saúde(8). Este pacto reforça a necessidade de avançar na implementação da política nacional de EPS como política de recursos humanos (RH) para o SUS com foco na valorização do trabalho em saúde, dos trabalhadores e da integralidade.

Esta se refere à articulação das ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde; à apreensão ampliada e contextualizada das necessidades de saúde dos usuários e população e à organização dos serviços integrados em rede de atenção à saúde, com articulação das ações no trabalho em equipe interprofissional e interdisciplinar e na intersetorialidade(9).

Frente a essas considerações e acreditando na relevância da educação no trabalho, aqui referida, especificamente, aos profissionais de saúde inseridos nos serviços da rede pública de atenção à saúde, realizou-se o presente estudo.

OBJETIVO

Identificar, caracterizar e analisar as atividades educativas desenvolvidas com profissionais de saúde em hospitais, à luz das concepções de integralidade, trabalho em equipe e educação permanente.

MÉTODO

Foram estudados os três hospitais públicos de uma região do Município de São Paulo, com cerca de 400.000 habitantes que, contava com 22 serviços de saúde públicos: 14 unidades básicas de saúde (UBS), quatro serviços especializados (SE), três hospitais e um pronto socorro.

Essas instituições caracterizam-se como hospitais gerais, porém com perfil diverso, ora identificados por letras. A é um hospital universitário com 258 leitos, 1.837 trabalhadores, 1088 profissionais de saúde, 183 enfermeiros e 478 auxiliares e técnicos de enfermagem. B é um hospital de ensino estadualizado com 120 leitos, 972 trabalhadores, 637 profissionais de saúde, 58 enfermeiros e 262 auxiliares de enfermagem e C é um hospital da rede municipal com 81 leitos, 354 trabalhadores, 301 profissionais de saúde, 36 enfermeiros 154 auxiliares de enfermagem.

A coleta de dados foi realizada de abril a novembro de 2006, referente aos dados do ano de 2005. Como, até meados de 2006, não havia registro sistematizado das atividades educativas de trabalhadores de saúde nas instâncias de gestão da região, utilizou-se a entrevista dirigida com informantes-chave, representantes de todas as categorias profissionais, indicados pelos dirigentes dos serviços, por conhecerem a dinâmica de trabalho e os processos educacionais desenvolvidos no período. A cada um foi solicitado que relatasse as atividades educativas de trabalhadores de saúde realizadas no respectivo serviço, considerando as variáveis: nome da atividade educativa, tema, conteúdo abordado, público alvo, estratégia de ensino, local de desenvolvimento da atividade, de quem partiu a demanda e avaliação da atividade. Foram entrevistados 53 informantes-chave, 16 no hospital A, 20 no hospital B, 17 no hospital C. As entrevistas foram gravadas, transcritas e as informações sistematizadas em categorias operacionais.

As categorias de análise foram elaboradas para cada variável acima referida, sendo que a Categoria Tema foi construída com base nas informações das variáveis nome, tema e conteúdo abordado na atividade educativa, a saber: Assistencial: técnica e recuperação da saúde, Assistencial: promoção e/ou prevenção da saúde, Assistencial: recuperação e promoção e/ou prevenção da saúde, Gerencial e Promoção à saúde do trabalhador, Interação e relacionamento interpessoal, Temas diversos externos à instituição: simpósio, congresso e similares, Temas diversos internos à instituição: reuniões, troca de saberes, entre outros. As demais variáveis foram categorizadas conforme segue: Público alvo: enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem, auxiliares e técnicos de enfermagem, trabalhadores de enfermagem e médicos, todos os trabalhadores do serviço, equipes de trabalho, comunidade; Estratégia de ensino: tradicional, participativa e mista; Local de realização da atividade: interno (no serviço), externo (fora do serviço), externo/comunidade (fora do serviço, na comunidade); De quem partiu a demanda: interno (no serviço), externo (fora do serviço).

A análise foi realizada à luz das concepções de integralidade da saúde, trabalho em equipe e educação permanente. Também, empregou-se a estatística descritiva com medidas de tendência central.

A pesquisa foi aprovada pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da USP (processo nº423/2006/CEP-EEUSP) e da Secretaria Municipal de Saúde (parecer nº034/2005 CAAE:0020.0.162.000-05), bem como pelos diretores dos serviços estudados e todos os sujeitos de pesquisa foram consultados e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Em relação às características dos profissionais de saúde constatou-se a predominância do sexo feminino nas três instituições. No Hospital A, a idade média foi de 41 anos (dp±10,8), tempo médio de trabalho no serviço de 12 anos (dp± 10) e 52,8% de nível superior e 47,2% de nível médio. No B, a idade média foi de 42,1 anos (dp±10,4), média de 9,1 anos (dp±14,5) de trabalho no serviço, 51% nível superior e 49% de nível médio. O Hospital C apresentou média de idade de 43,2 anos (dp±10,4) e tempo médio de trabalho de 10 (dp±16,7), 45,2% nível superior e 54,8% de nível médio.

Os profissionais das instituições apresentaram semelhança na idade e tempo de trabalho, quanto ao grau de escolaridade, o nível superior predominou nas instituições A e B e o nível médio na C.

As atividades educativas totalizaram 629 nos três estabelecimentos de saúde, das quais 363 (57,7%) foram desenvolvidas no Hospital A, 163 (25,9%) no B e 103 (16,4%) no C. Considerando o número de profissionais de saúde, observou-se a relação de 0,33 no Hospital A; 0,25 no B e 0,34 no C.

Pelos achados da Tabela 1, verificou-se que o tema da atividade educativa predominante nas três instituições foi o assistencial, com ênfase nas dimensões técnica e de recuperação à saúde, sendo na A 38,5%, na B 35,6% e na C 25,2%. Em seguida encontrou-se a categoria Gerencial e Promoção à saúde do trabalhador, correspondendo a 28,6% na A, 26,4% na B e 19,4% na C.

Na Tabela 2 observou-se que os maiores percentuais relativos ao público alvo - equipe multiprofissional, corresponderam a 26,2%, 28,8% e 23,3% nos hospitais A, B e C, respectivamente.

Nas atividades dirigidas aos profissionais de nível superior houve, nos Hospital A e B, predomínio na categoria enfermeiro (26,2% e 4,9%), enquanto que no C o maior percentual foi para a categoria médico (9,7%). No nível médio, os percentuais mais elevados encontraram-se na categoria de técnico e auxiliar de enfermagem, sendo 2,2% no A, 0,6% no B e 8,7% no C. Destaca-se que a equipe de enfermagem esteve presente em 11,8% no A, 9,8% no B e 11,6% no C, nas atividades educativas.

No que tange à origem da demanda, constatou-se que 50,4% foi no âmbito interno; isto é, equipe e setores específicos, chefias, bem como as iniciativas individuais dos profissionais.

As atividades foram realizadas, na maioria das vezes, na própria instituição 54,5% na A e 38,8% na C. A instituição B, apresentou a mesma freqüência – 33,3% de realização em locais interno e externo. Nessa variável houve 19,6% de dados não informados no total das três instituições.

No que se refere às estratégias de ensino adotadas houve predominância das tradicionais, 33,1% na A, 32,5% na B e 28,2% na C, tais como aulas expositivas e palestras.

Das atividades educativas analisadas, observou-se que foram realizadas avaliações em apenas 16,5% no Hospital A, 17,8% no B e 29,1% no C. Não foram avaliadas 38,8% no Hospital A e 17,8% no B. Destaca-se o alto número de atividades cujos entrevistados não souberam informar a respeito da avaliação, 44,6% no A, 64,4% no B e 70,9% no C. Dentre as atividades avaliadas, foram citadas como técnicas mais freqüentes a avaliação de desempenho e a avaliação escrita.

DISCUSSÃO

Os resultados evidenciaram um perfil de ações educativas distante da concepção de integralidade, pois nos três hospitais predominaram atividades da temática assistencial voltada para a técnica e a recuperação da saúde. As categorias que se referem às ações educativas orientadas para a promoção e/ou prevenção e para a recuperação e promoção e/ou prevenção, representaram 4,9%.

Assim, chama atenção a fragilidade da abordagem integral da saúde nos processo educativos dos profissionais que executam e se responsabilizam pela assistência e cuidado dos usuários, visto que a literatura ao reconhecer o caráter polissêmico da integralidade, assinala como um dos seus sentidos mais fortes a articulação das ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde.

O escasso debate em torno da atenção integral, também, está expresso no baixo investimento em temas relacionados à interação social e ao relacionamento interpessoal, que aparece decrescente nos hospitais A, B e C. Um segundo sentido atribuído à integralidade refere-se à apreensão ampliada e contextualizada das necessidades de saúde dos usuários, que requer escuta e diálogo por parte dos profissionais, ou seja, o desafio do aprendizado permanente para se colocar em relação com usuários de forma a lhes transmitir confiança, compromisso e genuíno interesse, para além do domínio de saberes e intervenções pertinentes a cada singular necessidade de cuidado.

Recente análise das tendências da assistência hospitalar destaca o fracionamento do cuidado como um componente que reflete o corporativismo e o privilégio dado aos hospitais nas políticas sociais de saúde, que reiteram o modelo assistencial intervencionista e de medicalização, ignorando a necessidade de integração de ações de promoção e prevenção às de recuperação da saúde(10).

Os resultados sobre o público alvo das atividades educativas reiteram a frágil presença das concepções correlatas de integralidade e trabalho em equipe nos hospitais estudados, pois há uma expressiva presença de ações orientadas para as áreas profissionais específicas e dentre essas, aquelas voltadas para os profissionais de nível superior em detrimento do pessoal de nível médio.

Por um lado, 26,8% das atividades têm como público alvo as áreas especificas, tais como dentista, enfermeiro, farmacêutico, médico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, por outro, 26,4% das ações são voltadas a profissionais de diferentes áreas conjuntamente. Isso poderia argumentar a favor da integração do trabalho em equipe, se não houvesse tão desigual investimento na educação continuada/permanente dos profissionais de nível médio, visto que juntos, farmácia, laboratório e enfermagem somam 11,6% das atividades educativas. Nesse sentido, também se destaca a discrepância do montante de ações educativas orientadas para enfermeiros e para auxiliares e técnicos de enfermagem, pois esses respondem, em grande parte, pelas ações de cuidados diretos aos usuários, necessitando apropriarem-se do saber da enfermagem assim como os enfermeiros.

Dentre os profissionais universitários, destacam-se as porcentagens de ações dirigidas aos enfermeiros e aos farmacêuticos, que se entende como expressão de políticas de treinamento e desenvolvimento das respectivas áreas no hospital A.

O predomínio de atividades educativas com origem interna da demanda nos três hospitais, assim como de atividades realizadas na própria instituição nos serviços A e C, por um lado, assinala na direção da política pública de EPS, que supõe ações educativas de profissionais pautadas nas necessidades de saúde dos usuários e no cotidiano de trabalho. A literatura com enfoque crítico dessa temática assinala para a "tomada de consciência de que o homem educa-se a partir da realidade que o cerca e em interação com outros homens"(11). Relatório da OMS(4) corrobora com esta concepção apontando que cursos isolados, ministrados fora do ambiente de trabalho têm um histórico pobre como modificadores da prática correntes dos trabalhadores. Em contraposição a esta interpretação dos resultados, entende-se que a ênfase na demanda interna também está relacionada à prática de levantamento de necessidades através das comissões de infecção hospitalar, questionários e avaliação de desempenho dos profissionais(12) e à reprodução do modelo assistencial biomédico, voltado para a primazia da assistência hospitalar, ou seja, para dentro do próprio hospital.

Nesse sentido, recomenda-se a participação dos hospitais públicos da região na CIES, colaborando com sua expertise nas ações de recuperação da saúde e aproveitando as experiências acumuladas das demais instituições construindo estratégias integradoras de saberes e práticas na perspectiva da integralidade, do trabalho em equipe e da EPS.

No movimento de integração que os resultados do estudo mostraram como necessário, acrescenta-se à discussão acerca das estratégias de ensino, visto o predomínio das tradicionais em especial, aulas expositivas, painéis e similares. Estratégias participativas estimulam os profissionais a construírem, a partir de seu referencial e contexto de trabalho, novos saberes pertinentes à apreensão e atenção a uma esfera mais ampla de necessidades dos usuários e do serviço com eficiência e eficácia das ações.

A avaliação de resultados dos programas de capacitação são os aspectos menos desenvolvidos nas propostas de educação e, embora reconhecida sua importância, sua efetiva realização e alocação de recursos é secundária. Essa avaliação tem como função primordial a busca do aperfeiçoamento das ações; funciona como um mecanismo que integra e dá continuidade à trajetória crítica dos projetos, reduzindo as distâncias entre as fontes de financiamento(13). Além disso, é essencial compreender as variáveis que, efetivamente, afetam o resultado do treinamento no trabalho, para que os responsáveis possam intervir no processo, tornando-o mais efetivo(14) .

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa mostrou que, nos hospitais estudados, predominaram atividades educativas orientadas à execução de técnicas e à recuperação da saúde, voltadas para as áreas especificas, sobretudo aos profissionais de nível superior, com a utilização de estratégias de ensino tradicionais e escassas experiências de avaliação. Evidenciou-se, assim, prática educativa de profissionais de saúde que reitera o modelo clínico de assistência individual e a fragmentação das ações, e se coloca distante das concepções e proposições da política pública de saúde orientada pela integralidade, trabalho em equipe interprofissional e interdisciplinar e EPS.

Reconhecendo que essa abordagem integral está em construção no país, recomenda-se que essa perspectiva seja tomada como horizonte normativo compartilhado, para a integração dos hospitais na rede de atenção à saúde, a articulação dos saberes das diversas áreas profissionais e disciplinas e, em especial, o diálogo com profissionais – usuários e população – serviço.

Recebido: 15/09/2009

Aprovado: 01/12/2009

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  • Correspondência:
    Daisy Maria Rizatto Tronchin
    Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 - Cerqueira César
    CEP 05403-000 - São Paulo, SP, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      01 Dez 2009
    • Recebido
      15 Set 2009
    Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
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