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Estratégia de Saúde da Família no Sistema de Saúde Suplementar: convergências e contradições

Estrategia de la Salud de la Familia en el Sistema de Seguro de Salud: convergencias y contradicciones

Resumos

Pesquisa qualitativa que evidencia as convergências e contradições na implementação da Estratégia de Saúde da Família no Sistema de Saúde Suplementar no município de São Paulo. Identifica o conceito de saúde da família de profissionais da saúde de nível superior de uma empresa de autogestão; identifica as possibilidades e limites vivenciados pelos profissionais na implementação da ESF na empresa. Foram realizadas entrevistas com 14 profissionais e feita análise de conteúdo. O conceito de saúde da família parece transitar entre o modelo hegemônico, curativo, e o modelo idealizado de atenção integral à saúde com bases nas ações de promoção da saúde, porém vinculadas sempre à prevenção de doenças, ao trabalho multidisciplinar, à lógica da diminuição dos custos do sistema. Foram identificadas contradições que dificultam a implementação de propostas baseadas na Promoção à Saúde. São necessários investimentos de ordem política, organizacional, financeira e, fundamentalmente, na formação e educação permanente dos profissionais.

Saúde da família; Atenção primária à saúde; Promoção da saúde


La investigación, de naturaleza cualitativa, se ha basado en las evidencias de las convergencias y las contradicciones en la puesta en práctica de la estrategia de la salud de la familia (ESF) en el sistema suplementario de la salud en la ciudad de São Paulo (Brasil). Identificación del concepto de salud de la familia de los profesionales de formación superior de una institución de autogestión y identificación de las maneras del funcionamiento de estos profesionales en el ESF; identificación de las posibilidades y los límites que han sido vivenciados por estos profesionales en la puesta en práctica de la estrategia de salud de la familia en la institución. Han sido hechas encuestas con 14 profesionales y los análisis del contenido de las contestaciones. Los datos demuestran que el concepto de salud de la familia parece estar ubicado entre el modelo hegemónico y el modelo idealizado de la atención integral a la salud, con sus bases en las acciones de la promoción de la salud. No obstante la estrategia se la tenga como uno de sus rasgos la prevención de las enfermedades, el trabajo multidisciplinario, así como la lógica de la reducción de los costes del sistema. Han sido identificadas contradicciones que hacen contradictoria la puesta en práctica las acciones basadas en la promoción de la salud. Se concluye que hacen falta inversiones del orden político, societário, monetario y, sobre todo, en la formación y la educación permanente de los profesionales.

Salud de la familia; Atención primaria de salud; Promoción de la salud


A qualitative research shows the convergences and contradictions at the implementation of the Family Health Strategy (FHS) at the Supplemental Health System at São Paulo city-Brazil. Identify the concept of family health by upper formation professionals of a self management company and understand the performance ways of these professionals at FHS and to identify the possibilities and the limits lived by these professionals at the implementation of the FHS at the company. There were made interviews with 14 professionals and the content analysis was made. The results show that the concept of family health seems to transit between the hegemonic model and the idealized model of integral attention to health, with its bases at health promotion actions, however always linked with illnesses prevention, multidisciplinary work, and the logic of the reduction of the costs of the system. Despite the search for new forms of customer service, contradictions had been identified that make it difficult the implementation of proposals based on the Health Promotion. There are necessary investments of politic kind, organizational, financial, and fundamentally, at the formation and permanent education of the professionals.

Family health; Primary health care; Health promotion


ARTIGO ORIGINAL

Estratégia de Saúde da Família no Sistema de Saúde Suplementar: convergências e contradições* * Extraído da dissertação "Estratégia de saúde da família no sistema de saúde suplementar: convergências e contradições de uma nova proposta", Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2008.

Estrategia de la Salud de la Familia en el Sistema de Seguro de Salud: convergencias y contradicciones

Mary Lopes ReisI; Vilanice Alves de Araújo PüschelII

IEnfermeira. Mestre em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem em Saúde do Adulto da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. marylore6@hotmail.com

IIEnfermeira. Professora Doutora do Departamento de Enfermagem Médico Cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. vilanice@usp.br

Correspondência Correspondência: Mary Lopes Reis Rua Marselhesa 625, apto. 41 - Vila Mariana CEP 04020-060 - São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

Pesquisa qualitativa que evidencia as convergências e contradições na implementação da Estratégia de Saúde da Família no Sistema de Saúde Suplementar no município de São Paulo. Identifica o conceito de saúde da família de profissionais da saúde de nível superior de uma empresa de autogestão; identifica as possibilidades e limites vivenciados pelos profissionais na implementação da ESF na empresa. Foram realizadas entrevistas com 14 profissionais e feita análise de conteúdo. O conceito de saúde da família parece transitar entre o modelo hegemônico, curativo, e o modelo idealizado de atenção integral à saúde com bases nas ações de promoção da saúde, porém vinculadas sempre à prevenção de doenças, ao trabalho multidisciplinar, à lógica da diminuição dos custos do sistema. Foram identificadas contradições que dificultam a implementação de propostas baseadas na Promoção à Saúde. São necessários investimentos de ordem política, organizacional, financeira e, fundamentalmente, na formação e educação permanente dos profissionais.

Descritores: Saúde da família. Atenção primária à saúde. Promoção da saúde.

RESUMEN

La investigación, de naturaleza cualitativa, se ha basado en las evidencias de las convergencias y las contradicciones en la puesta en práctica de la estrategia de la salud de la familia (ESF) en el sistema suplementario de la salud en la ciudad de São Paulo (Brasil). Identificación del concepto de salud de la familia de los profesionales de formación superior de una institución de autogestión y identificación de las maneras del funcionamiento de estos profesionales en el ESF; identificación de las posibilidades y los límites que han sido vivenciados por estos profesionales en la puesta en práctica de la estrategia de salud de la familia en la institución. Han sido hechas encuestas con 14 profesionales y los análisis del contenido de las contestaciones. Los datos demuestran que el concepto de salud de la familia parece estar ubicado entre el modelo hegemónico y el modelo idealizado de la atención integral a la salud, con sus bases en las acciones de la promoción de la salud. No obstante la estrategia se la tenga como uno de sus rasgos la prevención de las enfermedades, el trabajo multidisciplinario, así como la lógica de la reducción de los costes del sistema. Han sido identificadas contradicciones que hacen contradictoria la puesta en práctica las acciones basadas en la promoción de la salud. Se concluye que hacen falta inversiones del orden político, societário, monetario y, sobre todo, en la formación y la educación permanente de los profesionales.

Descriptores: Salud de la familia. Atención primaria de salud. Promoción de la salud.

INTRODUÇÃO

O artigo mostra os resultados da pesquisa que teve como finalidade evidenciar a implementação da Estratégia de Saúde da Família no Sistema de Saúde Suplementar no município de São Paulo, a partir da percepção dos profissionais.

Mudanças vêm ocorrendo no setor saúde relacionadas ao desenvolvimento técnico-científico; à informatização e à tecnologia que têm permitido tratamentos diferenciados, embora coexista a preocupação com os custos dos serviços; à transição demográfica; ao envelhecimento da população; ao aumento das doenças crônico-degenerativas(1). A instituição das políticas neoliberais, na década de 90, imprimiu transformações relacionadas à diminuição da responsabilidade do Estado e redução da oferta de serviços básicos à população, com prejuízo, principalmente, das áreas de educação e saúde(2-3), no Brasil e em outros países(4-10). Além de possibilitar a atuação do setor privado na área da saúde e a organização de um sistema assistencial privado(2).

Desse movimento, o Brasil regulamentou o setor privado de saúde(11) que passou a ser denominado Sistema de Saúde Suplementar. Este tem seus serviços financiados por empresas, por pessoas físicas e pelo SUS. Compreende um amplo, diversificado e conflituoso conjunto de interesses de vários setores, por ser constituído de cinco tipos de organizações: Medicina de grupo, Cooperativas médicas, Planos próprios das empresas (autogestão), Seguros de saúde e Filantropia(12).

A regulamentação da atuação direta do setor privado no sistema de saúde apresentou, entre outras conseqüências e desafios, aumento direto na demanda por novas formas de prestar os serviços de maneira efetiva e auto-sustentável.

Exatamente desse processo de estruturação de novos modelos de atenção à saúde, no espaço da empresa privada que este trabalho foi desenvolvido. Ressalta-se que uma das pesquisadoras por atuar em uma dessas empresas e conhecer bem a sua dinâmica vivenciou a implantação de uma Estratégia de Saúde da Família (ESF) na empresa que foi inovadora pela possibilidade de imprimir mudanças no modelo predominantemente curativo e de propor ações visando à promoção da saúde que é conceituada como o processo que busca possibilitar que indivíduos e comunidades ampliem o controle sobre os determinantes da saúde e obtenham melhoria de sua saúde, o que representa um novo paradigma no modo de compreensão e enfrentamento dos problemas de saúde(13).

Nesse sentido, foi realizada busca em base de dados (MEDLINE), a partir da associação dos descritores health model, private sector, family practice e comprehensive health care, identificando-se que as experiências de reforma dos modelos de atenção à saúde no setor privado apontam para a necessidade de investir na Atenção Primária e integrar os diversos níveis de complexidade, porém limitam-se à atuação de médicos de família ou generalistas e disponibilidade de clínicas de atenção primária. Nessa busca, não se encontrou informações sobre experiência de Equipes de Saúde da Família no setor privado.

OBJETIVOS

• Identificar o conceito de saúde da família de profissionais da saúde de nível superior de uma empresa de autogestão do Sistema de Saúde Suplementar;

• Apreender as formas de atuação desses profissionais na Estratégia de Saúde da Família;

• Identificar as possibilidades e os limites vivenciados pelos profissionais na implementação da ESF na empresa.

MÉTODO

Trata-se de um estudo qualitativo. Optou-se pela estratégia de estudo de caso, dado o ineditismo e a contextualização do objeto estudado(14).

A pesquisa foi realizada com profissionais de nível superior das quatro Equipes de Saúde da Família de uma empresa privada de autogestão no município de São Paulo, que de maneira pioneira no Brasil implantou a ESF em 2005. Estas equipes, distribuídas nas regiões Leste, Oeste, Norte e Sul do município, eram compostas de médico de família, nutricionista, enfermeiro, psicólogo e assistente social, além de técnicos de enfermagem. Cada região possuía também um gestor local.

Foram sorteados, de maneira aleatória, e entrevistados profissionais de cada uma das categorias das quatro equipes, atuando no mínimo há seis meses na ESF da empresa, sendo utilizado um instrumento para caracterização sócio-demográfica e para apreender o conceito de saúde da família dos profissionais, a descrição de um dia de trabalho, a percepção da atuação dos profissionais na Estratégia e da implementação da Estratégia na empresa. Foi considerado o critério de saturação dos dados para finalização da coleta. O projeto foi autorizado pelo Comitê de Ética da Escola de Enfermagem da USP (Processo n° 629/2007/CEP-EEUSP) e pela empresa. Para a análise dos dados, foi realizada a análise de conteúdo(15) do material transcrito obtido das entrevistas, sendo construídas as categorias apresentadas a seguir. Para ilustrar as categorias são apresentados alguns depoimentos logo após algumas categorias. Os dados foram discutidos à luz do referencial da promoção da saúde e da literatura revisada.

RESULTADOS

Foram entrevistados quatorze profissionais que atuavam na ESF, sendo três enfermeiros, três gerentes de Módulo (dois psicólogos e um assistente social), dois assistentes sociais, dois médicos de família, dois nutricionistas e dois psicólogos.

A maioria é do sexo feminino (71%). Predominam as faixas etárias entre 31 e 40 anos e maiores de 50 anos (36%), seguidas pela faixa etária de 41 a 50 anos (21%). Seis profissionais estavam formados há mais de vinte anos e seis formados entre dez e dezenove anos e dois formados há seis anos. Apenas dois profissionais possuíam experiência prévia em Saúde da Família e um possuía residência em Saúde da Família, o que lhe conferia experiência acadêmica e de estágio. Os demais (79%) possuíam experiência na área de saúde no atendimento hospitalar, ambulatorial ou domiciliar. Oito sujeitos realizaram especialização em áreas específicas como administração hospitalar, gestão de serviços de saúde, terapia intensiva, Home Care, entre outros e quatro em Saúde Pública e Saúde Coletiva. Das capacitações realizadas pela empresa, onze haviam participado da Sensibilização para a Estratégia de Saúde da Família e seis haviam realizado o Curso Básico em Saúde da Família.

A análise de conteúdo das respostas dos profissionais possibilitou construir categorias relacionadas ao Conceito de Saúde da Família, às Formas de Atuação Profissional na Estratégia e à Implementação da Estratégia na Empresa: Limites e Possibilidades.

O Conceito de Saúde da Família dos profissionais participantes da pesquisa está fundamentado no modelo hegemônico de saúde, que é curativo e pautado na prevenção de doenças, no trabalho individual e isolado, na equipe desarticulada, no foco no indivíduo e na doença.

[...] ele tem uma formação mais antiga [... ] Ele é muito aquela coisa é... só do corpo mesmo, só das doenças [...]. Ele vai comigo fazer as visitas, só que ele faz a parte médica e eu faço o emocional...

No entanto, há expressões que denotam que há também um conceito que está em processo de elaboração e pautado na promoção da saúde, no trabalho multidisciplinar e com foco no indivíduo, na família e no seu contexto de vida.

Eu entendo que é um modelo assistencial, que visa não só o atendimento do indivíduo, mas da sua família e do meio que ele vive, que tem vários princípios, de cuidar do indivíduo ao longo da sua vida, de estar próximo, de acompanhar, de saber o meio em que ele vive, as interveniências também em cima dele.

Evidencia-se, desse modo, que há desafios da transição do modelo de saúde adotado e que influenciam o conceito de saúde da família dos profissionais e estes se expressam pelas iniciativas de superação do modelo curativo (hegemônico), pela ampliação da visão da pessoa, como cidadão, com bagagem pessoal e cultural, com uma história.

Para mim a estratégia é um movimento de contra cultura da saúde.

[...] é um trabalho que você tem que estar dentro... você não está sozinha, você está sempre com uma equipe e que o seu olhar é voltado para esse cidadão, numa visão de integrá-lo também [...] olhando o meio em que ele vive, o que ele faz, o que ele traz de bagagem pessoal, de história. O trabalho nessa estratégia é você conseguir ter essa visão do todo, que eu acho que é bem difícil.

Contempla realmente o atendimento do indivíduo em toda a sua totalidade, tanto o indivíduo como a família [...] a gente tem uma lógica de atendimento onde a gente não vê a pessoa fragmentada, a gente procura dentro de uma abordagem sistêmica, compreender que sistema é aquele, quais são os conceitos, qual é a cultura que essa pessoa traz e não ver o indivíduo como a gente vê, no ambiente hospitalar.

No que diz respeito à categoria Formas de Atuação Profissional na Estratégia, apesar de que tenham sido relatadas algumas experiências de trabalho em equipe, as expressões dos sujeitos demonstram que o processo de trabalho, com maior ou menor intensidade, está organizado na lógica da demanda espontânea, por meio de atendimentos individuais e fragmentados, em parte atendendo apenas às metas de indicadores estatísticos de quantidade de atendimento. Por vezes, a equipe se vê respondendo à demanda do usuário por ações focadas na doença e na cura, desgastada pelas tentativas de adesão às ações de promoção propostas e mal sucedidas.

A equipe vem toda falando da estratégia e toda hora você descobre alguém que está falando alguma coisa que não faz. Fala que acredita e não faz. A coisa do multiprofissional, da interdisciplinaridade, eles ainda fazem cada um o seu. É uma somatória, mas não é troca ainda, cada um tem o seu conhecimento.

Bom, eu acho assim, cada profissional incluído nesse trabalho, a gente ainda está um pouquinho focado no próprio desenvolvimento do seu trabalho. Então eu ainda vejo o profissional dentro da estratégia um pouquinho solitário, a gente ainda não está conseguindo fazer um trabalho de equipe realmente, [...] Então eu acho que tanto o nutricionista, o psicólogo, o médico, o enfermeiro, o assistente social, cada um ainda está assim: '- Eu vou fazer porque isso daqui eu conheço, então eu desenvolvo as minhas tarefas ali, tal.' [...] eu vejo ações um pouco isoladas [...] porque a gente ainda não conseguiu desenvolver, talvez, essa habilidade de trabalhar de uma forma multidisciplinar [...]

Bom, a equipe mesmo, eu te falei, é a equipe nuclear, que é a técnica de enfermagem e o médico. Assim, esta equipe nuclear durante o dia faz os atendimentos, o reatendimento dessa população cadastrada, porque dentro do plano da empresa existem indicadores que precisam ser atingidos.

De outro modo, os participantes da pesquisa explicitaram aspectos favoráveis do trabalho que vem sendo desenvolvido desde a implantação da ESF, que já constituem avanços ao trabalho, quando realizado em equipe, o que só foi possível constatar em um contexto favorável que inclui a continuidade da equipe inicial, gestão participativa local e busca pelo desenvolvimento pessoal por meio da participação em atividades de educação continuada e educação permanente.

Quanto à categoria Implementação da ESF na Empresa: Limites e Possibilidades foram identificados Limites relacionados ao Trabalho da Equipe e à Gestão e à Política da Empresa. No que diz respeito ao Trabalho da Equipe, foram identificadas expressões indicando que o trabalho parece ainda estar centralizado no médico que, por sua vez, encontra-se isolado do restante da equipe e parece haver uma (in)especificidade do papel profissional relacionada às dificuldades para a definição e clareza sobre o que cada profissional tem a desenvolver no trabalho da equipe, provocando uma reação que centraliza e mantém o foco na especialidade de cada um, na área em que possui maior domínio. A falta de planejamento conjunto e de coordenação de cuidados também é outro fator limitante para o desenvolvimento do trabalho da equipe. A equipe percebe que não dá conta da coordenação de cuidados e as atividades acabam sendo focadas na doença.

A proposta de ter a equipe multi é extremamente importante, mas ainda a figura do médico tem um peso muito forte... entendo que seja importante que este profissional tenha o seu peso, mas até em relação às outras disciplinas, existe uma condescendência. Então, se eu estou discutindo um caso e o médico traz uma linha de percepção – Olha, então esse caso tem tal problema, ele toma tal medicação, a gente está propondo tal procedimento, existe uma conivência das outras áreas, no sentido de... assim... a opinião do médico prevalece.

Em relação aos Limites relacionados à Gestão e à Política da Empresa, foram apresentados os seguintes aspectos: a) a redução do tempo destinado ao primeiro atendimento dos profissionais de saúde; b) os entraves burocráticos e as mudanças de gestores; c) o contexto político; d) a cultura do modelo curativo; e) a ambivalência nos modelos de atenção à saúde; f) a sensação de incerteza quanto ao modelo a ser desenvolvido; g) a centralização das decisões dos programas a serem implantados e das suas formas de implementação, o que muitas vezes não atendem às necessidades e realidades locais; h) a falha na comunicação e divulgação da Estratégia na própria empresa; i) o baixo investimento financeiro; j) a falta de política de cargos e salários.

Quanto às Possibilidades de Implementação da ESF na Empresa foram citadas: a) a construção conjunta do trabalho, por meio de uma mesma equipe que inicia o cadastramento, o vínculo com os usuários atendidos, com a comunidade local, e realiza o planejamento, implementação e avaliação das ações de saúde voltadas àquele público; b) o fato da equipe dar continuidade à assistência permite o seguimento clínico da pessoa assistida, condição esta necessária para o êxito das ações propostas; c) o perfil socioeconômico dos usuários mais homogêneo, restringindo assim os riscos e condições externas ao sistema de saúde que influenciam negativamente na saúde das pessoas; d) as possibilidades de suporte de atendimento domiciliar e da política farmacêutica diminuem os limites de intervenção das equipes e possibilitam maior resolutividade às questões de saúde que extrapolam o campo de atuação da ESF; e) a empresa é considerada pelos sujeitos da pesquisa com uma posição diferenciada no mercado de saúde no país, pela estrutura organizacional e de processos que possui; f) o orçamento pré-determinado para a estruturação dos serviços próprios da empresa facilita na divulgação e na implementação das ações planejadas, dando maior credibilidade à decisão tomada; g) a disponibilidade de diretrizes concretas para o trabalho das equipes, aliadas ao perfil da população assistida o que permite maior agilidade, avaliação e obtenção de resultados; h) o planejamento das ações para o atendimento à população por meio da organização da demanda espontânea e do agendamento prévio; i) o Curso Básico em Saúde da Família proposto pela empresa e instituído no bojo da capacitação mínima oferecida aos integrantes das equipes foi citado como um importante instrumento de reflexão e subsídio para as ações; j) a articulação da equipe na ESF é fundamental para que as ações propostas e planejadas sejam colocadas em prática.

DISCUSSÃO

Os resultados quanto ao perfil sócio-demográfico dos participantes da pesquisa divergem de algumas pesquisas que tratam do perfil profissional de médicos e enfermeiros que atuam no Programa de Saúde da Família (PSF) do Sistema Único de Saúde (SUS) que são, em sua maioria, constituídos por jovens e recém-formados(16).

Há necessidade de investimento na formação dos profissionais e na educação permanente voltada para a atuação na Estratégia de modo a ultrapassar a visão hospitalocêntrica, focada nas especialidades e os estudos encontrados convergem nesse sentido(17). Assim, fica reforçado o importante papel da empresa em possibilitar o desenvolvimento dos profissionais, bem como promover parcerias com instituições de ensino visando ao apoio, à formação e à construção de políticas e inovações na área da saúde(18), uma vez que a operacionalização de mudanças na atuação profissional depende da possibilidade de reflexão e apreensão de novas práticas.

Embora os profissionais tenham como referência o conceito de saúde da família do modelo curativo, eles apresentaram também um conceito teoricamente baseado na promoção da saúde sem, contudo, apresentarem as condições necessárias para a sua operacionalização na Estratégia de Saúde da Família da empresa. Pode-se inferir que provavelmente estejam mobilizados internamente para a mudança, porém não encontram as condições concretas para sua efetivação, até pela própria formação no modelo curativo. O conceito de saúde da família parece, portanto, associado à prevenção de doença e promoção da saúde com enfoque behaviorista(19).

Na verdadeira formação de conceitos, um conceito só aparece quando os traços abstraídos são sintetizados novamente e a síntese abstrata daí resultante torna-se o principal instrumento do pensamento(20). Identificou-se nas expressões dos participantes da pesquisa que existem elementos que influenciam o processo de elaboração do conceito pelos profissionais, elementos esses característicos dos dois modelos de assistência à saúde com os quais convivem: o curativo e o de promoção da saúde, embora este ainda seja idealizado.

Os achados relacionados aos desafios da mudança para a transição de modelo de saúde que leva em consideração a integralidade do sujeito do cuidado convergem com pesquisas encontradas na literatura(17,18). A inadequada formação dos profissionais é uma das principais limitações para a operacionalização de estratégias de reorganização da atenção primária(17). Autoras(21), analisando os desafios da implantação do PSF na rede pública de São Paulo, reconheceram que a formação e perfil profissional desejados não seriam encontrados prontos e deveriam ser construídos ao longo do processo.

Os achados da pesquisa reforçam as constatações de que a mudança da prática de saúde não ocorre de forma automática ao implantar programas e propostas inovadoras(22). Falta incluir os sujeitos envolvidos no processo, usuários e profissionais, de forma a promover um ambiente de troca tal que permita a mudança almejada(23) .

A interface entre gestão, planejamento e processos de mudança é explicitada por autor(24), para quem o planejamento é uma ferramenta importante para a mediação de processos de mudança e a forma de gestão adotada e praticada no interior de organizações e equipes influencia diretamente no planejamento que dê conta das necessidades e expectativas dos atores envolvidos no processo de assistência à saúde. Analisando-se o perfil de competências dos gestores de Unidades Básicas de Saúde em São Paulo, foi verificada a evidência de que

o despreparo do gestor influencia diretamente o modo de operacionalização das estratégias e a dinâmica das equipes envolvidas nos serviços, contribuindo para a ineficácia e ineficiência dos processos(25).

Autoras(26) chamam a atenção para a importância de clareza quanto ao papel dos gerentes locais e suas relações com o projeto de saúde, para que possam contribuir, efetivamente, para a construção das reformas necessárias.

Quanto aos indicadores utilizados para mensuração de resultados do trabalho das equipes da ESF, com vistas ao aumento da eficiência e eficácia, deve-se levar em consideração que os diversos atores e organizações envolvidas não têm os mesmos recursos, interesses ou competências para engajamento nos projetos de cooperação no sistema(27).

Em resposta ao contexto de mercado em que se encontra a Saúde Suplementar, além de um histórico de organização e ações voltadas ao curativo, a Agência Nacional de Saúde (ANS) tem incentivado a mudança e qualificação do setor. Para isso, lançou em 2006 um Manual(28) norteador das ações das empresas, porém não contempla orientações quanto à organização mínima para que tais ações sejam realizadas, nem tampouco trata da questão da relação com a rede credenciada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos resultados desta pesquisa, é possível identificar um movimento, ainda que incipiente, por parte da empresa de saúde do Sistema de Saúde Suplementar, no sentido de implementar novas formas de prestar atendimento aos seus usuários, que sejam distintas daquelas até então realizadas. No entanto, para a compreensão em profundidade desse processo, são necessárias análises que não sejam superficiais e apressadas dadas à complexidade das interações organizacionais quando relacionadas à estrutura e ao funcionamento do Sistema de Saúde Suplementar no Brasil. É possível perceber também, que nenhuma empresa, seja ela de autogestão ou não, per si, dará conta de uma cultura de utilização consumista de produtos ofertados livremente no mercado de saúde instalado. Há que se ter apoio de instituições reguladoras de maior governabilidade, que dêem respaldo às ações que condizem com um modelo de atenção integral à saúde.

As instituições de ensino superior desempenham função primordial nesse processo, ao preparar e formar os futuros profissionais da saúde para atender a essa dissociação entre a formação para uma prática baseada no paradigma biomédico e a demanda por um modelo de atenção integral ao sujeito com foco no modelo de promoção da saúde.

Assim, somente uma ação conjunta dos distintos setores da sociedade - instituições de ensino, empresas de gestão e instituições governamentais - poderá convergir para uma prática que supere o movimento contraditório que ora se configura nos espaços das ações inovadoras no Sistema de Saúde Suplementar.

Recebido: 15/09/2009

Aprovado: 16/11/2009

Apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP

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  • Correspondência:
    Mary Lopes Reis
    Rua Marselhesa 625, apto. 41 - Vila Mariana
    CEP 04020-060 - São Paulo, SP, Brasil
  • *
    Extraído da dissertação "Estratégia de saúde da família no sistema de saúde suplementar: convergências e contradições de uma nova proposta", Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2008.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      16 Nov 2009
    • Recebido
      15 Set 2009
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