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Família como categoria de análise e campo de investigação em enfermagem

Familia como categoria de análisis y campo de investigación en enfermeria

Resumos

O crescente corpo de informações sobre família presente na literatura de enfermagem significa progresso neste campo de conhecimento. As contribuições da pesquisa de enfermagem sobre família incluem a experiência da doença, o contexto de cuidado e intervenções. A ampliação da pesquisa sobre família em enfermagem torna imperativa a reflexão acerca da qualidade da pesquisa considerando a complexidade inerente aos estudos de família. Pesquisar famílias representa mais do que definir um grupo peculiar de estudo. O objetivo deste artigo é discutir aspectos teóricos e metodológicos que devem ser considerados quando o pesquisador planeja pesquisar a família. As reflexões e os desafios da pesquisa sobre família apresentados são frutos de um processo de investigação sobre famílias e doenças que vivenciamos em nosso grupo de pesquisa ao longo de mais de uma década.

Enfermagem da família; Pesquisa em enfermagem; Família


El creciente cuerpo de información sobre familia presente en la literatura de enfermería significa progreso en este campo del conocimiento. Las contribuciones de la investigación de enfermería sobre familia incluyen la experiencia de la enfermedad, el contexto del cuidado y las intervenciones. La expansión de la investigación sobre familia en enfermería hace necesaria la reflexión sobre la calidad de la investigación, teniendo en cuenta la complejidad inherente a los estudios de familia. Investigar familias representa algo más que definir un grupo peculiar de estudio. El objetivo de este trabajo es discutir aspectos teóricos y metodológicos que deben considerarse cuando el investigador planea estudiar la familia. Las reflexiones y los desafíos de la investigación sobre familia presentados, son el resultado de un proceso de investigación sobre familias y enfermedades que vivenciamos en nuestro grupo de investigación durante más de una década.

Enfermeria de la familia; Investigación en enfermería; Familia


The increasing information about family in nursing literature expresses the progress in this area of knowledge. The research contribution on family nursing has included the illness experience, and both the context of care and interventions. The increase of family research in nursing studies demands consideration regarding the research quality, in view of the complexity of the studies that deal with family. Researching family represents more than defining a unique group of study. The aim of this study was to discuss theoretical and methodological aspects which should be taken into account by the researchers in their work with families. The reflections and challenges when studying family and illness have been described in this work and represent our 10-year experience investigating families and illnesses in our research group.

Family nursing; Nursing research; Family


ESTUDO TEÓRICO

Família como categoria de análise e campo de investigação em enfermagem

Familia como categoria de análisis y campo de investigación en enfermeria

Margareth ÂngeloI; Regina Szylit BoussoII; Lisabelle Mariano RossatoIII; Elaine Buchhorn Cintra DamiãoIV; Aline Oliveira SilveiraV; Ana Márcia C. Mendes CastilhoVI; Maria Cristina Pauli da RochaVII

IEnfermeira. Professora Titular do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. Coordenadora do Grupo de Estudos em Enfermagem e Família - GEENF. angelm@usp.br

IIEnfermeria. Professor Associado do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. szylit@usp.br

IIIEnfemeira. Professor Doutor do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. rossato@usp.br

IVEnfemeira. Professor Doutor do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. buchhorn@usp.br

VEnfemeira. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. alinenf@usp.br

VIEnfemeira. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. amcm@usp.br

VIIEnfemeira. Mestranda do Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. rocha.mcp@usp.br

Correspondência Correspondência: Margareth Ângelo Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 - Cerqueira César CEP 05403-000 - São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

O crescente corpo de informações sobre família presente na literatura de enfermagem significa progresso neste campo de conhecimento. As contribuições da pesquisa de enfermagem sobre família incluem a experiência da doença, o contexto de cuidado e intervenções. A ampliação da pesquisa sobre família em enfermagem torna imperativa a reflexão acerca da qualidade da pesquisa considerando a complexidade inerente aos estudos de família. Pesquisar famílias representa mais do que definir um grupo peculiar de estudo. O objetivo deste artigo é discutir aspectos teóricos e metodológicos que devem ser considerados quando o pesquisador planeja pesquisar a família. As reflexões e os desafios da pesquisa sobre família apresentados são frutos de um processo de investigação sobre famílias e doenças que vivenciamos em nosso grupo de pesquisa ao longo de mais de uma década.

Descritores: Enfermagem da família. Pesquisa em enfermagem. Família.

RESUMEN

El creciente cuerpo de información sobre familia presente en la literatura de enfermería significa progreso en este campo del conocimiento. Las contribuciones de la investigación de enfermería sobre familia incluyen la experiencia de la enfermedad, el contexto del cuidado y las intervenciones. La expansión de la investigación sobre familia en enfermería hace necesaria la reflexión sobre la calidad de la investigación, teniendo en cuenta la complejidad inherente a los estudios de familia. Investigar familias representa algo más que definir un grupo peculiar de estudio. El objetivo de este trabajo es discutir aspectos teóricos y metodológicos que deben considerarse cuando el investigador planea estudiar la familia. Las reflexiones y los desafíos de la investigación sobre familia presentados, son el resultado de un proceso de investigación sobre familias y enfermedades que vivenciamos en nuestro grupo de investigación durante más de una década.

Descriptores: Enfermeria de la familia. Investigación en enfermería. Familia.

INTRODUÇÃO

Família tem sido há muito tempo um foco central para a prática e a pesquisa de enfermagem. O crescimento da enfermagem da família no Brasil tem início, de maneira sistemática, nas universidades a partir da década de 90, com esforços direcionados à pesquisa e ao ensino da especialidade. Vários enfermeiros começaram a estudar famílias experienciando doenças, em particular famílias em hospitais, sobretudo em pediatria e obstetrícia. Os estudos focalizando famílias ou membros das famílias, utilizando referenciais teóricos e metodológicos disponíveis na época, geraram evidências significativas que guiaram o desenvolvimento de conhecimento sobre famílias e enfermagem da família no Brasil(1).

Para melhor compreender o contexto de produção nacional de enfermagem relacionada à família, numa busca bibliografia via base de dados BIREME (http://www.bireme.br) realizada em julho de 2009, foram encontradas 545 pesquisas, sendo 383 artigos (70,27%), 138 teses ou dissertações (25,32%), 24 monografias (4,04%) Em relação ao período de publicação ou produção está assim distribuída: 1970-1980: 6 pesquisas (1,10%); 1981-1990: 19 pesquisas (3,48%); 1991-2000: 134 pesquisas (24,58%); 2001-2009: 386 pesquisas (70,82%).

O crescente corpo de conhecimento presente na literatura de enfermagem significa progresso neste campo de conhecimento. As áreas de contribuição da pesquisa com famílias podem ser organizadas em (a) experiência da doença, que descreve o significado da doença para a família e o impacto da doença na vida cotidiana, (b) contexto de cuidado, que se refere ao cenários onde o cuidado acontece e onde a unidade familiar se encontra no processo de cuidado ao familiar doente e (c) intervenções, que compreendem os estudos indicativos de estratégias de trabalhos com a família em situações de doença. Vale destacar que a produção mais expressiva de produção sobre família hoje em enfermagem localiza-se na área de experiência de doença.

Examinar o progresso na produção deste conhecimento, demanda uma reflexão acerca da complexidade inerente aos estudos de família visto que a literatura de enfermagem provê somente algumas poucas orientações sobre o processo de pesquisa. Embora métodos de pesquisa com famílias sejam similares aos encontrados em estudos em outras áreas, como sociologia, psicologia entre outras, há importantes diferenças que necessitam ser consideradas. As principais diferenças entre a pesquisa sobre famílias e a pesquisa social e comportamental em geral são: (a) famílias são sistemas de indivíduos, (b) definir família é problemático, (c) membros da família ocupam múltiplos papéis e status simultaneamente, (d) muitos comportamentos da família são privados e ocultos e (e) todos nós temos preconcepções sobre famílias e vida familiar(2).

O crescente interesse dos profissionais envolvidos com saúde da família no Brasil tem ampliado a prática da pesquisa sobre família em enfermagem e nas demais disciplinas da saúde. Analisando esta década de intensa produção de pesquisa sobre família em enfermagem, entendemos que é necessário desencadear uma discussão sobre a qualidade da pesquisa produzida, sobretudo em termos de seus componentes inerentes à família como unidade de análise. A análise das pesquisas realizadas pelo Grupo de Estudos em Enfermagem e Família (GEENF), que constitui um processo de investigação sobre famílias e doenças que vivenciamos em nosso grupo de pesquisa ao longo de mais de uma década, foi o ponto de partida de reflexões importantes e indicação de desafios da pesquisa sobre família que consideramos oportuno partilhar com os demais pesquisadores.

Tomar a família como categoria de análise é mais complexo do que estudar indivíduos. Esta complexidade decorre do fato de que há mais pessoas a serem estudadas e avaliadas na família, e que a família como um todo e os relacionamentos são também categorias de análise. Muitos dos problemas e armadilhas potenciais nos projetos de pesquisa sobre famílias envolvem os desafios em medir relacionamentos e famílias(3) e da fragilidade conceitual e teórico-metododológica no planejamento da pesquisa com famílias(4).

Assim, o objetivo deste artigo é discutir aspectos teóricos e metodológicos que consideramos importantes quando o pesquisador planeja pesquisar a família.

A PERGUNTA DA PESQUISA

Antes de iniciar um projeto o pesquisador deve formular um conjunto de perguntas, que se relacionem verdadeiramente à saúde e a conceitos pertinentes a área de família. Família é uma complexa área de conhecimento que envolve expressões peculiares, cujo domínio deve estar refletido no foco e na pergunta da pesquisa. Comumente estudos abordam temas e conceitos inerentes à área de família, sem indicar aproximação ao que este significa e sem apresentar a pergunta que desencadeou a pesquisa. Expressões como dinâmica familiar e funcionamento familiar são comumente encontradas nos textos sem maiores esclarecimentos, tanto conceituais quanto metodológicos. O que significa, por exemplo, focalizar a dinâmica familiar em um estudo? A pergunta deve ser explicitada no estudo, pois indica a lógica teórica do estudo, sua relevância para a área de conhecimento e relaciona à coerência do desenho da pesquisa. As perguntas variam de acordo com o status de conhecimento e de desenvolvimento um campo particular(5) e servem para impulsionar a produção do conhecimento na área. Aqui estão alguns exemplos de perguntas formuladas nas pesquisas do GEENF: (a) quais os significados que a família atribui às interações vivenciadas no contexto de hospitalização da criança(6)? (b) quais são as dimensões do ser mãe na experiência do diagnóstico do câncer do filho(7)? (c) como é a dinâmica familiar na experiência do transplante hepático pediátrico?(8).

A linguagem utilizada nos relatos de pesquisas reflete o nível de compreensão que o pesquisador tem sobre conceitos relativos a família. Esta consciência e vocabulário são incomuns na prática, pois muitos projetos estão sustentados em concepções pessoais sobre família e não área de conhecimento que é a família. Desenvolver novo vocabulário e ampliar a consciência em relação aos comportamentos da família, representa o primeiro passo para garantir a qualidade da pesquisa de enfermagem sobre família.

A UNIDADE DE ANÁLISE

Um aspecto fundamental em um estudo sobre família é a definição da unidade de análise. A pesquisa de família lida com diferentes unidades de análise e a confusão em relação à sua clareza pode comprometer o produto da pesquisa.

A distinção existente entre a pesquisa de indivíduos e pesquisa de famílias tem sido apresentada na literatura para mobilizar a atenção dos pesquisadores à consideração apropriada da família como categoria de análise(9-12). O artigo Unifying distinctions for nursing research with persons and families(11) continua sendo o mais consistente na elucidação entre indivíduos, membros da família e unidade familiar no domínio da pesquisa. A tipologia desenvolvida pela autora tem sido aplicada de maneira bastante consistente nas pesquisas. Os quatro focos de interesse são: (a) o indivíduo, como membros da família, onde a família serve como contexto e a ênfase está no fenômeno individual; (b) o indivíduo como parte de um sub-grupo familiar, no qual tanto indivíduos como relacionamentos são estudados, tendo a família como contexto; (c) famílias como um grupo, que tem a família como foco e (d) indivíduos e famílias, onde o foco pode ser dois ou mais níveis do sub-sistema, que inclui indivíduos, relacionamentos e famílias(11).

Pesquisa de família é aquela compreendida e operacionalizada para possibilitar a compreensão da unidade familiar. A pesquisa que considera as respostas individuais de membros da família é denominada pesquisa relativa à família. Ambas constituem pesquisa sobre família e contribuem para o conhecimento sobre família(10).

A distinção é importante e juntamente com os pressupostos conceituais e teóricos sobre família, estabelecem a unidade de análise para a coleta e análise dos dados.

Tradicionalmente as pesquisas na área de enfermagem da família têm sido realizadas tendo o indivíduo como unidade de análise. Uma das importantes fragilidades dos estudos publicados diz respeito à definição da unidade de análise. O que se pode compreender sobre a unidade de análise quando o estudo indica como sujeitos do estudo familiares de pacientes portadores de um câncer, sem determinar quem são estes indivíduos e que relação possuem com a área de conhecimento família? Membros da família são indivíduos com propriedades de indivíduos. Grupos familiares são grupos com propriedades de grupos. Membros da família não podem ser permutados por grupos familiares, embora freqüentemente sejam tratados como se fossem(5).

Podemos ilustrar com exemplos de unidades de análise em nossos estudos: (a) pesquisas de família, que determinaram como foco de estudo famílias de crianças hospitalizadas, o que resultou na busca por grupos familiares específicos. Nestas a unidade de análise foi a totalidade da família(8, 13-15) ou uma díade específica, como o casal(16), (b) pesquisas relativas à família, cujos dados foram buscados com membros específicos da família e a unidade de análise foi individual(7,17).

Decidir por usar dados provenientes do indivíduo, membro da família ou do grupo familiar depende da pergunta da pesquisa. Acessar o processo familiar por meio de dados provenientes de um único membro da família, é um processo possível, porém bastante complexo que exige que o pesquisador articule conceitual e analiticamente o indivíduo à unidade familiar. O aspecto conceitual de unidade de análise em pesquisa de família deve ser muito bem compreendido e estudado pelo pesquisador. A clareza e a consistência das informações quanto à unidade de análise na pesquisa com famílias é fundamental, pois determina dimensões e variáveis específicas da análise do estudo. Uma decisão precisa sobre a unidade de análise da pesquisa é o segundo passo para garantir a qualidade da pesquisa.

OS MÉTODOS UTILIZADOS NA PESQUISA COM FAMÍLIAS

Tendo sido definida a pergunta da pesquisa e de quem serão obtidos os dados, é necessário definir como os dados serão coletados. Os métodos usados na pesquisa de família são típicos dos utilizados na pesquisa em enfermagem em geral. Atualmente, como ocorre na área de enfermagem em geral, há nota-se um predomínio de estudos qualitativos nos estudos de família. A pesquisa qualitativa é altamente compatível com estudos de família, uma vez que a pesquisa qualitativa nos oferece uma janela para os processos familiares, através da qual podemos observar padrões de interação e processo de negociações de papéis e relacionamentos familiares(18). Independente da metodologia utilizada, o aspecto que pretendemos ressaltar refere-se à consideração que o pesquisador faz em relação às decisões tomadas para a obtenção dos melhores dados, coerentes com o foco do estudo e a unidade de análise. As perguntas formuladas à unidade familiar devem determinar coerência em termos conceituais, de procedimentos de pesquisa. Há perguntas que o pesquisador deve formular nesta etapa da preparação da pesquisa, como: é possível avaliar diretamente a unidade de interesse? Como posso acessar? Tais perguntas levarão o pesquisador a considerar inúmeras formas de aproximação aos dados, por exemplo, se o fenômeno pode ser observado diretamente, se os membros da família envolvidos podem responder a perguntas separadamente ou se necessária observar as interações dos membros da família.

Considerar alternativas para gerar os melhores dados sobre o fenômeno estudado na família evidencia o domínio do pesquisador sobre família e sua complexidade enquanto fenômeno social. É fato evidente na literatura que a entrevista é estratégia mais comum de acessar dados sobre famílias, uma vez que aproximação a muitos fenômenos se dá por meio do discurso oral. O problema está presente na formulação das perguntas, que muitas vezes não considera a unidade de análise do estudo. A depender do foco de interesse, se é o indivíduo ou família e o tipo de dados que se busca, adquire características apropriadas. A complexidade na família reside na sua concepção como sistema de relações e no fenômeno das interações. Assim, o estudo de famílias requer métodos e perspectivas adequadas à complexidade e subjetividade. Se o estudo pretende conhecer a experiência de um membro da família que tenha um papel específico na situação, informantes individuais são apropriados. No entanto se o que se busca é a dinâmica ou propriedades emergentes da família, pode não ser suficiente solicitar a um indivíduo que descreva a experiência da família. Os pesquisadores ganham grande compreensão dos fenômenos familiares quando buscam respostas de múltiplos membros da família. Como obter dados relacionais é um desafio que os pesquisadores na área de família necessitam aprender a manejar.

A este respeito é importante considerar que os processos de aproximação da família para coleta de dados são facilitados pelo nível de habilidades técnicas e de conhecimento que o pesquisador possui no trabalho com famílias. Observar o grupo familiar é uma habilidade complexa, que requer a capacidade de ouvir as palavras faladas pelos membros da família, bem como a capacidade de simultaneamente observar interações(9). Da mesma forma, identificar o melhor momento de fazer perguntas circulares durante uma entrevista, também é outra habilidade que depende do domínio da área de conhecimento especializado que é a família. As questões circulares são direcionadas Às explicações do problema estudado e auxiliam na obtenção de informações sobre relacionamentos entre indivíduos, fatos, crenças e idéias. Estas estratégias devem ser consideradas no planejamento da pesquisa, evidenciando a coerência com a unidade da análise selecionada. É importante apresentar o desenho da pesquisa que busca gerar dados individuais(6-7, 17) ou da unidade familiar(8, 15, 19). É necessária a descrição detalhada das estratégias utilizadas na obtenção e análise dos dados, para que o processo de pesquisar famílias torne-se cada vez mais bem compreendido.

O pesquisador deve estar apto a responder o que torna o método selecionado adequado à análise pretendida? Como sabe que a entrevista realizada com a família foi satisfatória? Como ter certeza de que as idéias que surgiram, de fato representam a experiência do entrevistado? A segurança do pesquisador e o preparo para responder a perguntas desta natureza consistem no terceiro passo para a qualidade da pesquisa com famílias.

DESAFIOS PARA O PESQUISADOR

A enfermagem da família é uma área nova que vem avançando em termos de conhecimentos teóricos, sendo considerada ainda um ideal, em lugar de uma prática dominante. Para que cresça e se firme como área do saber é preciso que desenvolva modelos teóricos que dêem sustentação à sua prática(13). Assim as pesquisas necessitam abordar temas relevantes aptos a sustentarem a prática e ajudarem a fortalecer as famílias em suas experiências de sofrimento na situação de doença.

Concluindo este breve espaço de reflexão, pensamos que dois importantes desafios se apresentam ao pesquisador nos dias de hoje e em particular na área de enfermagem da família:

1. Aprimorar a qualidade da pesquisa sobre família.

2. Tornar as evidências da pesquisa sobre famílias relevantes ao público que a consome.

Para tanto, algumas estratégias se impõem no processo de qualificação do conhecimento produzido em enfermagem da família:

• Estimular o treinamento dos pesquisadores, sobretudo para a pesquisa qualitativa com famílias. Família é uma área de estudo especializada e família é um fenômeno complexo, subjetivo e privado. O pesquisador necessita estar apto a apreender a família como sistema de relações.

• O estudo de famílias requer métodos e perspectivas adequada à complexidade e subjetividade presentes na família: Deve-se selecionar o método adequado à unidade de análise, documentando todo o processo de seleção dos métodos e as decisões tomadas nele e tornando esse processo transparente ao leitor ou consumidor da pesquisa

• Comunicar o que a pesquisa pode oferecer e pode fazer, destacando as implicações que os resultados trazem para a prática.

• Rever e analisar criticamente os estudos realizados, pois existam abordagens que talvez necessitem ser retomadas e estudos mais antigos serem repetidos, com novas abordagens e conceitos mais adequados ao contexto presente.

• Ampliar as áreas que demandam pesquisa, dentre elas: (a)impacto da doença sobre a família, (b) impacto da família sobre a doença, (c) técnicas de avaliação da família, (d) intervenções com famílias e (e) relacionamento entre profissional e família

• Relembrar por que fazemos pesquisa com famílias, nesta era baseada em evidências. Estudamos famílias porque queremos provocar alguma mudança nas vidas e nos lares de famílias que lutam para dar sentido à vida invadida pela doença e porque um aspecto importante da intervenção de enfermagem é o alívio do sofrimento. Neste movimento de construção de uma área de conhecimento, ainda parece válida a reflexão apresentada há mais de uma década: O que mais dificulta o desenvolvimento do conhecimento é não existirem dúvidas. E é este aspecto que percebo como um desafio para a área de enfermagem da família: desejar compreender a verdade existente nas situações do cotidiano. Sem fascínio, sem mistério, seja porque se considera dominada a verdade, seja porque não exista o despertar para a existência de uma verdade, não há porque procurar qualquer coisa(20).

Recebido: 15/09/2008

Aprovado: 23/10/2009

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  • Correspondência:
    Margareth Ângelo
    Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 - Cerqueira César
    CEP 05403-000 - São Paulo, SP, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      23 Out 2009
    • Recebido
      15 Set 2008
    Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
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