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A construção de tecnologias de atenção em saúde com base na promoção da saúde

La construción de tecnologías en salud basadas en la promoción de la salud

Resumos

Este artigo de reflexão discute as bases teórico-metodológicas da Promoção da Saúde e seu potencial na construção de tecnologias de caráter emancipatório, bem como a complexidade de pesquisas de avaliação de ações nesse campo. Para tanto, descreve e analisa um projeto de promoção de desenvolvimento infantil, construído segundo as bases da Promoção da Saúde na vertente crítica e implementado por equipes de saúde da família em regiões prioritárias no município de São Paulo, e pesquisas de avaliação de suas tecnologias e estratégias de implantação. Conclui que o referencial da Promoção da Saúde contribuiu para reorientação das ações dos profissionais para a atenção integral e fortalecimento dos potenciais de saúde das crianças e famílias e que as pesquisas de avaliação de ações no campo da Promoção demandam instrumentos e abordagens múltiplos, que possibilitem abranger a complexidade de processos e resultados das ações.

Promoção da saúde; Saúde pública; Saúde da família; Avaliação de Programas e Projetos de saúde


El artículo discute la contribución de las bases teóricas y metodológicas de la promoción de la salud y tecnologías hacia la emancipación del sujeto. También plantea la complejidad de investigaciones para evaluar las acciones en este campo. Se describió y analizó un proyecto para de promoción del desarrollo infantil elaborado con base en los principios de la promoción de la salud en su vertiente crítica. El proyecto se desarrolló en regiones prioritarias de la ciudad de São Paulo a cargo de equipos de salud de la familia. Las investigaciones relativas a este proyecto evaluaron las tecnologías y estrategias de implementación. Se concluyó que la adopción de los principios de la promoción de la salud ha contribuido en la reorientación de las prácticas de los profesionales sanitarios con vistas a la atención integral y el fortalecimiento de salud de los niños y sus familias. Las investigaciones para evaluar las acciones a nivel de la promoción de la salud requieren instrumentales y abordajes variados, a fin de abarcar la complejidad de los procesos involucrados y sus resultados.

Promoción de la salud; Salud pública; Salud de la familia; Evaluación de Programas y Proyectos de Salud


The article describes a reflection about the implication of the theoretical and methodological bases of Health Promotion to the development of empowerment technologies. It also discusses the complexity of caring out researches to evaluate the actions in this field. We initiated with a description of a protocol on child development focused on the critical bias of Health Promotion principles. The protocol was implemented by family health teams in critical regions of São Paulo city. The researches linked to the protocol evaluated used technologies and the strategies for its implementation. The results pointed that frameworks of Health Promotion contributes to the comprehensive care and strengthening of children and families health. Researches for evaluating the actions in Health Promotion require a variety of approaches, to cover the complexity of the processes and outcomes.

Health promotion; Public health; Family health; Program evaluation


RELATO DE EXPERIÊNCIA

A construção de tecnologias de atenção em saúde com base na promoção da saúde* * Extraído dos projetos desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa "Modelos Tecno-Assistenciais e a Promoção da Saúde" da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.

La construción de tecnologías en salud basadas en la promoción de la salud

Anna Maria ChiesaI; Lislaine Aparecida FracolliII; Maria De La Ó Ramallo VeríssimoIII; Elma Lourdes Campos Pavone Zoboli IV; Lívia Keismanas de ÁvilaV; Alfredo Almeida Pina de OliveiraVI

IEnfermeira. Professora Associada do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. amchiesa@usp.br

IIEnfermeira. Professora Associada do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. lislaine@usp.br

IIIEnfermeira. Professora Doutora do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. mdlover@usp.br

IVEnfermeira. Professora Doutora do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. elma@usp.br

VEnfermeira. Enfermeira. Professora Doutora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. liviakeis@hotmail.com

VIEnfermeiro. Mestre em Enfermagem. Docente da Faculdade de Campo Limpo Paulista. Campo Limpo Paulista, SP, Brasil. alfredopina@usp.br

Correspondência Correspondência: Anna Maria Chiesa Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 - Cerqueira César CEP 05403-000 - São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

Este artigo de reflexão discute as bases teórico-metodológicas da Promoção da Saúde e seu potencial na construção de tecnologias de caráter emancipatório, bem como a complexidade de pesquisas de avaliação de ações nesse campo. Para tanto, descreve e analisa um projeto de promoção de desenvolvimento infantil, construído segundo as bases da Promoção da Saúde na vertente crítica e implementado por equipes de saúde da família em regiões prioritárias no município de São Paulo, e pesquisas de avaliação de suas tecnologias e estratégias de implantação. Conclui que o referencial da Promoção da Saúde contribuiu para reorientação das ações dos profissionais para a atenção integral e fortalecimento dos potenciais de saúde das crianças e famílias e que as pesquisas de avaliação de ações no campo da Promoção demandam instrumentos e abordagens múltiplos, que possibilitem abranger a complexidade de processos e resultados das ações.

Descritores: Promoção da saúde. Saúde pública. Saúde da família. Avaliação de Programas e Projetos de saúde.

RESUMEN

El artículo discute la contribución de las bases teóricas y metodológicas de la promoción de la salud y tecnologías hacia la emancipación del sujeto. También plantea la complejidad de investigaciones para evaluar las acciones en este campo. Se describió y analizó un proyecto para de promoción del desarrollo infantil elaborado con base en los principios de la promoción de la salud en su vertiente crítica. El proyecto se desarrolló en regiones prioritarias de la ciudad de São Paulo a cargo de equipos de salud de la familia. Las investigaciones relativas a este proyecto evaluaron las tecnologías y estrategias de implementación. Se concluyó que la adopción de los principios de la promoción de la salud ha contribuido en la reorientación de las prácticas de los profesionales sanitarios con vistas a la atención integral y el fortalecimiento de salud de los niños y sus familias. Las investigaciones para evaluar las acciones a nivel de la promoción de la salud requieren instrumentales y abordajes variados, a fin de abarcar la complejidad de los procesos involucrados y sus resultados.

Descriptores: Promoción de la salud. Salud pública. Salud de la familia. Evaluación de Programas y Proyectos de Salud.

BASES TEÓRICO-METODOLÓGICAS DA PROMOÇÃO DA SAÚDE: UMA BREVE INTRODUÇÃO

O campo da Promoção da Saúde tem sido descrito como um novo e promissor paradigma na saúde, dada a amplitude de suas abordagens teórico-metodológicas, configurando sua complexidade e suas principais bases conceituais, a saber: a ênfase na integralidade do cuidado e na prevenção de agravos à saúde; o compromisso social com a qualidade de vida; e a adoção da participação como planejamento e avaliação dos processos. Com tais bases, a Promoção da Saúde dá suporte à reorganização do trabalho em saúde, para que este se constitua como uma forma de resposta social organizada aos problemas e necessidades de saúde de uma dada população.

Por ser um campo teórico-metodológico aplicado, as diferentes concepções de Promoção da Saúde influenciam as formas de operacionalização desses conceitos e implicam a necessidade de revisar continuamente a abrangência de seu corpo conceitual para responder às transformações históricas e sociais em constante curso.

Nesse sentido, a compreensão dos processos políticos que influenciam os projetos de Promoção da Saúde permite entender diferenças significativas entre as diversas propostas apresentadas no seu âmbito. A análise de ações de promoção de saúde possibilita classificá-las em quatro grupos distintos(1), visualizados na Figura 1.


No modelo acima(1), as bases teóricas da Promoção da Saúde circulam entre pólos opostos que vão da subjetividade a objetividade e de teorias regulatórias até teorias sociais que pregam as transformações radicais. As interfaces entre esse pólos vão desenhar grupo de ações consideradas radicais, radical estruturalista, humanista e tradicional funcionalista.

As ações Radicais partem do entendimento da distribuição desigual de poder da sociedade que a caracteriza como opressiva e alienante. Os problemas de saúde se originam nas instituições sociais que, ao definirem valores, afetam a consciência humana. Nessa perspectiva, a forma de superação da ordem social está no desenvolvimento comunitário, no empowerment comunitário e no estímulo à auto-descoberta.

Nas ações Radicais-estruturalistas, a abordagem teórica está baseada no entendimento de que os conflitos sociais estão fundamentados na distribuição desigual de renda, poder e oportunidade para os diferentes grupos sociais. As intervenções para a promoção da saúde delineadas segundo essa visão abarcam fundamentalmente o desenvolvimento de políticas públicas.

As ações Tradicionais-funcionalistas fundamentam-se no entendimento de sociedade a partir de valores comuns, em que a humanidade pode ser entendida a partir das ciências naturais, com as doenças, hábitos e estilos de vida e comportamentos incorretos como origem dos problemas de saúde. Portanto, as intervenções para a promoção da saúde se caracterizam pela modificação das atitudes individuais e pela adoção de estilos de vida saudáveis.

No grupo de ações Humanistas, a sociedade se constitui a partir da subjetividade dos indivíduos e suas regras são criadas, sustentadas e modificadas por meio das relações entre as pessoas. Os problemas de saúde se configuram como mudanças nos significados atribuídos à pessoa para sua identidade e ação e as intervenções se direcionam na melhoria da comunicação e no sentido do autoconhecimento(2-4).

Mais recentemente, as reflexões sobre o conceito de saúde e sua articulação com os outros âmbitos da vida, deram suporte para a construção de outro modelo teórico para a compreensão da Promoção da Saúde. O modelo de Labonte(5), apresentado na Figura 2, representa um conceito dialético para a saúde e o bem-estar. Tal modelo destaca a existência de dimensões e interfaces que expressam a complexidade e a dinamicidade contida no processo saúde-doença, a partir da lógica do paradigma crítico da Promoção da Saúde.


Esse novo modelo(5-6) extrapola a abordagem biomédica (centrada na doença) e comportamental (com ênfase nos fatores de risco e estilos de vida) das ações em saúde, agregando a positividade dos modelos antecessores às perspectivas sócio-ambiental e emocional, intrínsecas ao processo saúde-doença. O diagrama mostra as dimensões da saúde individual, bem como as intersecções entre elas, que representam o alcance do poder do indivíduo para controlar e alterar os determinantes de sua saúde. A intersecção de todas as dimensões expressa o bem-estar possível em um determinado momento histórico dentro de um contexto macro-estrutural da sociedade.

Conforme o diagrama anterior, as três dimensões da saúde são: a Física ou Energia vital - relacionada ao grau de vitalidade que o corpo biológico dispõe para realizar as atividades da vida diária; a Emocional ou Projeto de vida - representa as emoções, aspirações e desejos, que incidem sobre o significado e o sentido de viver projetado pelo indivíduo; a Social ou Vida comunitária - expressa os relacionamentos e interações do indivíduo em seu entorno, por meio das representações e demais instituições sociais(5).

A intersecção das dimensões da saúde ressalta os campos de ação da Promoção da Saúde em conjunto com indivíduos e grupos: Controle sobre a vida - implica na ampliação do poder social dos grupos para exercer sua liberdade e participar socialmente para transformar a realidade; Habilidades para fazer o desejado - compreende a capacidade que o indivíduo apresenta para tomar decisões que resultem em sua auto-realização e outras conquistas pessoais; Relações sociais - contempla o potencial individual e/ou grupal de construir redes sociais, ter e manter relações participativas e solidárias com familiares, amigos, vizinhos, representantes comunitários e governamentais.

O trabalho dos profissionais de saúde na perspectiva da Promoção pode ser fortalecido se considerar também outros conceitos teóricos explicativos das dimensões anteriormente descritas e acrescentadas ao modelo de Labonte: Resiliência, construindo espaços sociais diante das adversidades, a fim de desfrutar boas experiências no contexto de vida e trabalho; Autonomia, abrangendo a relação da vitalidade física com o projeto de vida, para atribuir um sentido positivo ao viver; e Empowerment comunitário, abarcando os projetos futuros dos indivíduos no interior das relações sociais para gerar processos de transformação sobre os condicionantes e determinantes da vida(6).

DESENVOLVENDO PROJETOS DE EXTENSÃO E PESQUISA EM PROMOÇÃO SAÚDE: O DESAFIO DO PROJETO JANELAS

Durante a implantação da Estratégia Saúde da Família no município de São Paulo, foi criado e implementado o Projeto Nossas Crianças: Janelas de Oportunidades(7). com base no referencial de Promoção da Saúde preconizado por Labonte. Esse projeto constituiu-se como intervenção inovadora dada à necessidade de novas tecnologias de atenção, na ótica da Promoção e complementares às práticas curativas já consagradas, e como uma tecnologia em saúde cuja finalidade era desencadear um movimento de valorização do sujeito profissional e não de subordiná-lo ao trabalho. Visando atender à população infantil com maior demanda de cuidados, foi implantado nas regiões mais carentes do município, nas quais os indicadores de saúde infantil apresentavam-se mais fragilizados.

Em consonância com as bases teórico-metodológicas da Promoção da Saúde, o Projeto Janelas envolveu parceria entre a Secretaria Municipal de Saúde, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e instituições com experiência em trabalhos comunitários com famílias, como a Pastoral da Criança, a Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA) e a ONG Monte Azul.

O Janelas visou integrar ações em diferentes níveis e influenciar uma ampla gama de fatores relacionados ao desenvolvimento da criança a partir do cuidado diário e das oportunidades que ela recebe no cotidiano, com vistas a seu desenvolvimento integral, complementando a abordagem tradicional, centrada na avaliação de habilidades e marcos de desenvolvimento.

Para tanto, ele propôs uma estrutura sistemática de acompanhamento dos cuidados oferecidos pelas famílias e outros cuidadores às crianças menores de 6 anos, desde o período gestacional, possibilitando aos profissionais organizar sua atenção às famílias para reforçar aspectos favoráveis e promover a melhoria dos cuidados, segundo seja necessário.

Considerando o cuidado como um dos determinantes do desenvolvimento infantil, os conceitos que subsidiaram o Projeto Janelas assentam-se sobre os seguintes pilares: a Promoção da Saúde como campo norteador; a importância da estimulação nos primeiros anos de vida; a centralidade da família no cuidado da criança; a importância do desenvolvimento infantil no escopo do monitoramento da saúde; o compromisso do setor público na garantia da estimulação adequada da criança; a organização das ações de seguimento do desenvolvimento a partir de uma nova abordagem; os saberes oriundos das experiências de trabalho com famílias carentes.

Tais pilares voltam-se à construção da clínica ampliada(8) na atenção à saúde infantil, uma vez que compreendem o compromisso ético, de responsabilidade com as famílias na produção do cuidado à criança, a atuação em equipe e intersetorial, e a revisão de tecnologias e ações de saúde, com apoio de outros setores e conhecimentos.

Os conteúdos do projeto abarcam as áreas de alimentação, higiene, prevenção de acidentes, amor e segurança, brincadeira, direitos e participação, abordados de formas diversas em dois documentos de autoria interdisciplinar: a) a ficha para o acompanhamento dos cuidados familiares, utilizada nas consultas de saúde; b) a cartilha denominada Toda Hora é Hora de Cuidar, um recurso de aproximação dos agentes comunitários e equipes de saúde aos conteúdos do cuidado, que está disponível on line em http://www.unicef.org/brazil/pt/todahoracartilha.pdf (9).

Como parte essencial da proposta de aplicação das tecnologias do Janelas, foi desenvolvido um curso de formação para os profissionais de saúde com a finalidade de potencializar a utilização dos materiais, estruturado a partir da educação emancipatória(10-11). Produziu-se também o manual Toda Hora é Hora de Cuidar, com conteúdos sobre os temas e sugestões práticas de estratégias participativas e emancipatórias de operacionalização com as famílias. Disponível on line em http://www.unicef.org/brazil/pt/manualtodahora.pdf.

Após um ano de implantação das ações do projeto em várias unidades de saúde da família, na rede pública do município de São Paulo, realizaram-se pesquisas para avaliação do Janelas, do tipo avaliação tecnológica em saúde(12), entendendo que os instrumentos do Janelas constituem-se em tecnologia mediada pelo conhecimento, atitude, compromisso e responsabilidade do profissional, enquanto base para as práticas transformadoras e superação do modelo biomédico no cuidado de saúde. O referencial teórico adotado foi o da Avaliação em Saúde na perspectiva da Promoção(5).

As pesquisas destacaram como principais contribuições do Janelas ter evidenciado: a pertinência da aplicabilidade dos conceitos de promoção em projetos de atenção básica; a pertinência qualitativa dos processos de parceria e construção coletiva dos produtos cartilha, manual e ficha(7,10-11,13-15); a pertinência do processo de formação e instrumentalização dos profissionais com base em metodologias emancipatórias(10-11, 14); a importância do respaldo da rede de suporte técnico e social do Projeto Janelas durante o momento de disseminação e identificação dos problemas com o uso dos novos materiais; a valorização dos conteúdos sobre promoção da saúde e desenvolvimento infantil pelos profissionais(14) e pelas famílias(15); bem como a adequação dos próprios produtos que constituem as tecnologias em questão(14-15).

Dada a fase inicial de implantação à época das pesquisas, não foi possível verificar impactos nas formas de cuidado e consequentes benefícios ao desenvolvimento infantil. Por outro lado, constatou-se que o projeto estimulou e apoiou o protagonismo dos profissionais de saúde no diálogo com as famílias acerca do cuidado efetivo para o melhor desenvolvimento da criança(7). Isso ocorreu por duas razões principais: 1) os materiais e conteúdos do Janelas foram percebidos como instrumentais para as ações de Promoção da Saúde e aproximação efetiva com as famílias e, portanto, adotados na prática pelos profissionais preocupados em atender suas necessidades de maneira integral e ampliada(13-14); 2) as estratégias de formação participativa e emancipatória apoiaram a construção coletiva e criativa dos projetos locais de implantação do Janelas, potencializando sua capacidade de gerar mudanças e satisfação com as práticas(13).

Cabe destacar que a realização das pesquisas trouxe importantes contribuições para análise dos referenciais teórico-metodológicos frente às pesquisas sobre Promoção da Saúde. Confirmou a necessidade de diferentes abordagens metodológicas e diferentes técnicas de pesquisa para aproximação à complexidade das intervenções nesse campo, que articulem obtenção e análise de dados objetivos e subjetivos, mediante estratégias quantitativas e qualitativas, além de adequação da linguagem dos instrumentos de coleta dada a diversidade dos atores sociais envolvidos no processo.

Outro aspecto verificado foi que as metodologias para pesquisa de efetividade da promoção da saúde precisam ainda articular a avaliação de processos e resultados, uma vez que os resultados com a população alvo das ações de saúde só podem ser constatados num espaço temporal de longo prazo. Além disto, o impacto das ações desenvolvidas não ocorre apenas no âmbito do setor saúde, o que demanda domínio de conhecimentos de outras áreas para definir onde e como identificar, coletar e analisar os dados. Nesse sentido, há ainda necessidade de aperfeiçoar instrumentos de investigação e quadros teóricos que façam jus à complexidade dos fenômenos e que propiciem abordagem de qualidade às ações de Promoção da Saúde, adensando a produção emergente voltada para a clínica ampliada nos serviços de saúde.

PERSPECTIVAS FUTURAS SOBRE A PESQUISA E A PRÁTICA DA PROMOÇÃO DA SAÚDE

Como eixo para as práticas do SUS, a Promoção da Saúde reforça como objetivos essenciais a produção de saúde e co-construção da capacidade de ação autônoma para os sujeitos envolvidos: trabalhadores e usuários(16). Para tanto, surgem como demandas a instauração de processos geradores de autonomia e de apropriação da complexidade do novo objeto por estes sujeitos. As questões de relacionamento humano, essenciais para a construção e consolidação de trocas autônomas e emancipatórias, mostram-se bastante fragilizadas no SUS(17). Os espaços de escuta, como conselhos e conferências, são dissociados do cotidiano dos profissionais. Os técnicos, arvorados em seus saberes e conhecimentos, assumem que sabem o que as pessoas precisam, especialmente os mais vulneráveis.

A Promoção da Saúde tem sido erroneamente colocada em prática através de intervenções "ortopédicas" nas comunidades, receitando mudanças de estilo de vida. As práticas educativas, ou preventivas, muitas vezes até confundidas com a promoção, operam como se os únicos saberes existentes e válidos fossem dos técnicos. E, assim, tanto a clínica quanto as ações de saúde de cunho coletivo e comunitário, desenvolvidas nos serviços de saúde, são ainda, predominantemente, prescritivas e restritas(16,18).

A experiência do projeto Janelas mostrou que a incorporação de instrumentos baseados na construção do empowerment e da autonomia da população e, ainda, o uso de tecnologias leves no trabalho em saúde são capazes de redirecionar o olhar do profissional das carências para os potenciais de saúde presentes nos usuários (e suas famílias). Mostrou ainda que a promoção da saúde requer ações intersetoriais que envolvam não só os indivíduos, mas as famílias e a comunidade, bem como a importância de se garantir recursos didático-pedagógicos facilitadores de aprendizagem que auxiliem o diálogo entre profissionais e famílias. Estes recursos, mais do que transmitir informações, precisam se ocupar do empowerment das comunidades e do protagonismo dos sujeitos no cuidado a sua saúde(10-11,16).

Outra lição aprendida com o Janelas refere-se aos processos educativos dos profissionais de saúde. Concluiu-se que estes devem ser contínuos, fundamentados no respeito aos outros e tomar a rede de conversações com vistas a estabelecer pactos entre equipe e a família para ações e/ou mudanças fortalecedoras da saúde, ou para melhor lidar com situações de doença. É importante ressaltar que práticas profissionais baseadas nestes pressupostos aumentam a probabilidade de vínculo e adesão aos cuidados em saúde, pois se radicam numa relação de confiança mútua e efetivam a imprescindível ampliação da clínica na atenção básica(10-11). Com a ampliação da clínica, efetivar-se-á a complexa exigência de considerar o sujeito (usuários e profissionais) em sua singularidade, integralidade e inserção sociocultural, como protagonistas do processo de cuidado. As peculiaridades da promoção da saúde no âmbito do SUS requerem o redirecionamento da prática clínica e também do equacionamento ético. Ambos têm de ser desfocados do hospitalocentrismo e da alta especialização que marcam a conformação do sistema de saúde e a formação dos profissionais deve incorporar a riqueza da biografia das vidas dos protagonistas do cuidado: as pessoas(19).

Recebido: 15/09/2009

Aprovado: 03/11/2009

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  • Correspondência:
    Anna Maria Chiesa
    Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 - Cerqueira César
    CEP 05403-000 - São Paulo, SP, Brasil
  • *
    Extraído dos projetos desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa "Modelos Tecno-Assistenciais e a Promoção da Saúde" da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Recebido
      15 Set 2009
    • Aceito
      03 Nov 2009
    Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
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