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Indicadores clínicos e pré-hospitalares de sobrevivência no trauma fechado: uma análise multivariada

Indicadores clínicos y prehospitalarios de supervivencia al trauma cerrado: un análisis multivariado

Resumos

O objetivo do estudo foi identificar os indicadores clínicos e pré-hospitalares associados à sobrevivência de vítimas de trauma fechado. Foram utilizadas a análise de sobrevivência de Kaplan Meier, e de Riscos Proporcionais de Cox, para analisar a associação de 33 variáveis ao óbito precoce e tardio, propondo modelos multivariados. Os modelos finais até 48h pós-trauma evidenciaram altos coeficientes de risco promovidos pelas lesões abdominais, Injury Severity Score >25, procedimentos respiratórios avançados e compressões torácicas pré-hospitalares. No modelo até 7 dias, a pressão arterial sistólica na cena do acidente, se menor de 75mmHg, foi associada a maior risco de óbito e se ausente, foi associada ao mais elevado risco de óbito após 7 dias. A reposição de volume pré-hospitalar apresentou efeito protetor em todos os períodos. Os resultados sugerem que a magnitude da hipoxemia e da instabilidade hemodinâmica diante da hemorragia, influenciaram de forma significante o óbito precoce e tardio desse grupo de vítimas.

Traumatismo múltiplo; Sobrevivência; Modelos de riscos proporcionais; Acidentes de trânsito


El objetivo del estudio fue identificar los indicadores clínicos y prehospitalarios asociados a la supervivencia de víctimas de trauma cerrado. Fueron utilizados el Análisis de Supervivencia de Kaplan-Meier y de Riesgos Proporcionales de Cox para examinar la asociación de 33 variables respecto de la muerte temprana y tardía, proponiéndose modelos multivariados. Los modelos finales hasta 48 horas post trauma mostraron altos coeficientes de riesgo promovidos por las lesiones abdominales, Injury Severity Score > 25, procesos respiratorias avanzados y compresiones torácicas prehospitalarias. En el modelo hasta 7 días, la presión arterial sistólica en la escena del accidente, cuando resultó inferior a 75mmHg, se asoció con mayor riesgo de muerte y, en caso de ausencia, se asoció con el mayor riesgo de muerte posterior a 7 días. La reposición de volumen prehospitalario mostró un efecto protector en todos los períodos. Los resultados sugieren que la magnitud de la hipoxemia y la inestabilidad hemodinámica debida a la hemorragia influyeron de manera significativa en la muerte temprana y tardía en este grupo de víctimas.

Traumatismo múltiple; Supervivencia; Modelos de riesgos proporcionales; Accidentes de tráfico


The aim of the study was to identify the clinical and prehospital indicators associated to the survival of blunt trauma victims. The Kaplan Meier survival analysis and the Cox proportional hazards model were used to analyze the association of 33 variables to early and late death, proposing multivariate models. The final models until 48 hours post-trauma showed high rates of risk promoted by abdominal injuries, Injury Severity Score > 25, advanced respiratory procedures and prehospital chest compressions. In the model up to 7 days, a systolic blood pressure in accident site lower than 75mmHg was associated with increased risk of death, and if absent it was associated with higher risk of death after 7 days. The prehospital volume replacement showed a protective effect in all periods. Results suggest that the magnitude of hypoxemia and hemodynamic instability due to bleeding had a significant influence on early and late death in this group of victims.

Multiple trauma; Survival; Proportional hazards models; Accidents, traffic


ARTIGO ORIGINAL

Indicadores clínicos e pré-hospitalares de sobrevivência no trauma fechado: uma análise multivariada* * Extraído da tese "Predeterminantes de sobrevivência em vítimas de acidentes de transporte submetidas a atendimento pré-hospitalar de suporte avançado à vida", Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, 2005.

Indicadores clínicos y prehospitalarios de supervivencia al trauma cerrado: un análisis multivariado

Marisa Aparecida Amaro MalvestioI; Regina Marcia Cardoso de SousaII

IDoutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Enfermeira da Divisão de Desenvolvimento e Pesquisa do SAMU 192 - São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. mmalvestio@prefeitura.sp.gov.br

IIProfessora Livre-Docente do Departamento de Enfermagem Médico Cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. vian@usp.br

Correspondência Correspondência: Marisa Aparecida Amaro Malvestio Rua Jaraguá, 858 - Bom Retiro CEP 01129-000 - São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

O objetivo do estudo foi identificar os indicadores clínicos e pré-hospitalares associados à sobrevivência de vítimas de trauma fechado. Foram utilizadas a análise de sobrevivência de Kaplan Meier, e de Riscos Proporcionais de Cox, para analisar a associação de 33 variáveis ao óbito precoce e tardio, propondo modelos multivariados. Os modelos finais até 48h pós-trauma evidenciaram altos coeficientes de risco promovidos pelas lesões abdominais, Injury Severity Score >25, procedimentos respiratórios avançados e compressões torácicas pré-hospitalares. No modelo até 7 dias, a pressão arterial sistólica na cena do acidente, se menor de 75mmHg, foi associada a maior risco de óbito e se ausente, foi associada ao mais elevado risco de óbito após 7 dias. A reposição de volume pré-hospitalar apresentou efeito protetor em todos os períodos. Os resultados sugerem que a magnitude da hipoxemia e da instabilidade hemodinâmica diante da hemorragia, influenciaram de forma significante o óbito precoce e tardio desse grupo de vítimas.

Descritores: Traumatismo múltiplo. Sobrevivência. Modelos de riscos proporcionais. Acidentes de trânsito.

RESUMEN

El objetivo del estudio fue identificar los indicadores clínicos y prehospitalarios asociados a la supervivencia de víctimas de trauma cerrado. Fueron utilizados el Análisis de Supervivencia de Kaplan-Meier y de Riesgos Proporcionales de Cox para examinar la asociación de 33 variables respecto de la muerte temprana y tardía, proponiéndose modelos multivariados. Los modelos finales hasta 48 horas post trauma mostraron altos coeficientes de riesgo promovidos por las lesiones abdominales, Injury Severity Score > 25, procesos respiratorias avanzados y compresiones torácicas prehospitalarias. En el modelo hasta 7 días, la presión arterial sistólica en la escena del accidente, cuando resultó inferior a 75mmHg, se asoció con mayor riesgo de muerte y, en caso de ausencia, se asoció con el mayor riesgo de muerte posterior a 7 días. La reposición de volumen prehospitalario mostró un efecto protector en todos los períodos. Los resultados sugieren que la magnitud de la hipoxemia y la inestabilidad hemodinámica debida a la hemorragia influyeron de manera significativa en la muerte temprana y tardía en este grupo de víctimas.

Descriptores: Traumatismo múltiple. Supervivencia. Modelos de riesgos proporcionales. Accidentes de tráfico.

INTRODUÇÃO

Inúmeras variáveis interferem no resultado de sobrevivência dos pacientes de trauma fechado. São variáveis que envolvem a gravidade do evento traumático, as condições clínicas e as lesões sofridas pelas vítimas, somados ainda, aos modelos de atendimento pré e intra-hospitalar recebido(1-3).

Essa multiplicidade de fatores dificulta a demonstração estatística da associação entre o resultado e uma ou mais variáveis e, portanto, dificulta a determinação de indicadores prognósticos no trauma fechado, principalmente os indicadores da fase pré-hospitalar que se resumem a um período muito curto da assistência(2).

Na busca pela determinação dessa associação, é comum a utilização da análise de mortalidade como método estatístico(4-5), no entanto esse tipo de análise privilegia o resultado dicotômico viver ou morrer e não permite a observação do impacto das variáveis ao longo do tempo até o resultado.

O uso da análise de sobrevivência pode permitir essa observação, pois, a variável dependente passa a ser o tempo até a ocorrência do óbito e, as variáveis independentes, são os diversos fatores que podem interferir na ocorrência desse evento ao longo do tempo(6-9). Essa abordagem permite evidenciar os indicadores prognósticos que se relacionam com o óbito precoce ou tardio de acordo com espaços temporais determinados, segundo o interesse científico.

No estudo do trauma, esse tipo de análise foi utilizada para a avaliação de resultados de pacientes com traumatismo crânio-encefálico (TCE)(6-7) e de pacientes gravemente traumatizados(8), porém, nesses estudos, com exceção da intubação na cena do acidente, não foram consideradas as intervenções ou variáveis relativas à avaliação da vítima no período pré-hospitalar.

A proposta deste estudo é identificar os fatores que influenciaram a sobrevivência de um grupo de vítimas de trauma fechado, atendidas por um mesmo modelo de atenção pré e intra-hospitalar, sob a técnica estatística da análise de sobrevivência, na perspectiva de favorecer o aparecimento de evidências sobre o impacto das variáveis clínicas e pré-hospitalares ao longo do tempo decorrido após o trauma, propondo um modelo multivariado que explique a sobrevivência dessas vítimas e revele risco para o óbito.

MÉTODO

Estudo retrospectivo longitudinal utilizando dados da fase pré e intra-hospitalar de 175 vítimas de acidente de transporte ocorridos na cidade de São Paulo/Brasil, entre abril de 1999 e março de 2003 e autorizado pelo processo 274/2002/CEP/EEUSP e pelo ofício 015/2003/CEP da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo. Todas as vítimas tinham entre 12 e 65 anos, apresentavam Revised Trauma Score para triagem (RTSt) <11 na cena do acidente e foram atendidas e transportadas por uma equipe de suporte avançado à vida (SAV) do serviço municipal de atendimento pré-hospitalar (APH), até uma unidade hospitalar terciária.

Os dados foram colhidos das fichas de APH, dos prontuários hospitalares das vítimas e, quando necessário, do laudo de necropsia. Os critérios de inclusão das vítimas neste estudo foram estabelecidos com o propósito de compor um grupo de estudo com mecanismo de trauma semelhante, alteração fisiológica detectada ainda na fase pré-hospitalar e que, por demandarem maiores recursos médicos e tecnológicos na sua assistência, receberam atendimento de SAV e encaminhamento a hospitais terciários.

As variáveis analisadas perante o tempo de sobrevivência das vítimas foram:

a)Variáveis Clínicas: sexo, idade, mecanismos do trauma (veículo da vítima, posição da vítima no veículo e tipo de impacto), repercussão fisiológica na cena do acidente e a gravidade do trauma.

b)Variáveis pré-hospitalares: tempo consumido nas diferentes fases do APH (tempo resposta, tempo de cena e tempo total) e procedimentos realizados. Os procedimentos de APH considerados foram:

• Suporte respiratório básico: oxigenioterapia, cânula de Guedel e aspiração;

• Imobilizações: colar cervical, prancha longa e imobilização de membros;

• Suporte circulatório básico: reanimação cardiorrespiratória (RCP) e curativos;

• Suporte respiratório avançado: intubação orotraqueal (IOT), ventilação percutânea transtraqueal (VPT), punção e/ou drenagem torácica;

• Suporte circulatório avançado: acesso venoso, infusão de solução cristalina para reposição volêmica (> ou < que 1000 ml) e medicamentos administrados.

Os intervalos de tempo foram analisados considerando pontos de corte em 10 minutos de resposta ou de cena e intervalos de 30 e 60 minutos de tempo total.

A repercussão fisiológica do trauma na cena do acidente, foi avaliada por meio do RTSt total (variando de 0 a 12 pontos, sendo zero o pior resultado e os valores <10 críticos) e parcial, (pressão arterial sistólica, freqüência respiratória e escala de coma de Glasgow) e pela flutuação desses parâmetros até a unidade hospitalar (subtração do valor de chegada ao hospital pelo valor de chegada à cena). A flutuação positiva foi considerada uma indicação de melhora na condição fisiológica da vítima na fase de APH. Se negativa, a flutuação apontou para uma piora na condição inicial. A ausência de flutuação foi considerada como a manutenção do quadro.

Para estabelecer a gravidade global dos pacientes utilizou-se o Injury Severity Score (ISS)(10) e a Maximum Abbreviated Injury Scale (MAIS)(11) .O ISS foi categorizado em 1 a <16 (trauma leve), 16 a <25 (trauma moderado) e >25 (trauma grave). A MAIS(11) segundo a região corpórea, (face, cabeça, pescoço, tórax, abdome, coluna, MMSS, MMII e superfície externa) foi utilizada para expressar a gravidade global das lesões por região corpórea. Qualquer lesão de MAIS>3 foi considerada grave; foram moderadas as lesões de MAIS=2 e leve, as de MAIS=1.

A variável dependente foi o tempo de sobrevivência após o acidente, analisada segundo os intervalos de interesse: até 6 horas, até 12 horas, até 24 horas, até 48 horas, até 7 dias e até a alta hospitalar, se superior a 7 dias. Não foram considerados os óbitos ocorridos após a alta hospitalar.

A Análise de sobrevivência de Kaplan Meier (ASKM), foi utilizada para determinar as variáveis associadas à sobrevivência a cada intervalo, (teste de Log rank, p<0,05). Considerou-se evento, o óbito por trauma e censura, os pacientes que estavam vivos ou tiveram alta até cada um dos intervalos de interesse(9).

As variáveis selecionadas pela análise de ASKM, foram submetidas à análise multivariada pelo Modelo de Regressão de Riscos Proporcionais de Cox(9) (MRRPC), (teste de Wald, p<0,05), que apresenta uma estimativa do efeito de uma variável independente sobre a sobrevivência, depois de ajustada pela estimativa do efeito de outras variáveis, permitindo estimar o risco de óbito de um grupo de indivíduos, dado a presença de diferentes variáveis prognósticas(9).

O processo de modelagem foi o forward selection, iniciando com as variáveis relativas a procedimentos e ao RTS, seguindo-se a modelagem com as variáveis relativas a gravidade do trauma. As variáveis foram retiradas do modelo, quando não alcançaram associação estatisticamente significativa. O modelo final apresentado é o de melhor significância estatística e clareza clínica. Na análise estatística foi utilizado o programa SPSS 10.0.

Ressaltamos que a análise retrospectiva utilizada nesse estudo impõe algumas limitações como as falhas ou ausências de anotação que não podem ser minimizadas, principalmente na fase pré-hospitalar, onde o ambiente da cena é inóspito e concorre para a dificuldade na anotação e a perda de pacientes que, mesmo procurados após 3 buscas sistemáticas, não foram localizados em alguma das fases do estudo.

RESULTADOS

Do total de 175 pacientes, 86,9% eram do sexo masculino, a maioria na faixa etária entre 20 e 39 anos (61,1%) com média de 31,9 anos (dp 11,3; med 30), 45,1% das vítimas eram pedestres, 30,9% eram motociclistas e 18,9%, ocupantes de automóveis. Dentre aquelas que se encontravam em algum tipo de veículo, 36,4% receberam impacto frontal e 27,1% receberam impacto lateral; os demais tipos de impactos foram menos freqüentes.

Em média, o tempo resposta do APH foi de 8,6min (dp 6,3min), o tempo de cena 20,2 min (dp 11,7 min) e o tempo total 41,0 min (dp 17,7 min), sendo que 84,6% das vítimas chegaram ao hospital de destino em menos de 60 minutos após o trauma.

Dentre os procedimentos de SBV, as imobilizações foram as mais freqüentes (98,9%). O uso de oxigenioterapia foi necessário em 96,0% das vítimas. As manobras de compressão torácica foram executadas em 16 vítimas (9,2%). A punção venosa periférica para reposição volêmica ou medicações foi o procedimento de SAV mais freqüente, (92,0%), sendo os cristalóides isotônicos em volumes inferiores a 1000ml, a mais freqüente opção para reposição de volume, 70,7% (Ringer lactato 57,9%). O uso de medicamentos foi descrito em apenas 33,1% das vítimas, sendo os psicotrópicos e sedativos os mais comuns (16,0%). Os procedimentos avançados em vias aéreas foram realizados em 38,2% das vítimas, sendo a IOT, a intervenção mais freqüente.

A média do RTSt na cena foi 8,8 (dp 3,2; med 10). Vítimas com RTSt<10 somaram 57,1%. A flutuação do RTSt foi observada em 54,3% das vítimas (39,4% com flutuação positiva). A Escala de Coma de Glasgow (μ 9,2; dp 4,2; med 9) apresentou o maior número de vítimas com flutuação, tanto positiva (19,4%) como negativa (12,0%).

Quanto ao ISS, (μ 19,4, dp 14,1; med 17; min 1; max 57), as vítimas com ISS <16 somaram 39,4% e as de trauma grave (>25), 37,2%.

Os segmentos corpóreos mais freqüentemente atingidos foram a cabeça, membros inferiores e a superfície externa (Tabela 1). Valores na MAIS de 4 e 5 foram observados em vítimas com lesões na região da cabeça, tórax, abdome e MMII.

Considerando-se a associação entre lesões de diferentes segmentos corpóreos, uma análise adicional, demonstrou a ocorrência de 22 vítimas que apresentaram TCE associado a traumatismo abdominal (com mortalidade de 81,8%) e 26 casos de TCE simultâneo à trauma torácico (com 80,7% de óbitos), além de 11 vítimas com lesões na cabeça, tórax e abdome, (com 100% de óbitos).

Observa-se na Tabela 2, que do total de vítimas da amostra, 63 (36,0%) morreram, sendo que 32 óbitos (50,8%) aconteceram nas primeiras 6h e 13 (20,6%) após 7 dias do acidente. Até a 1ª hora após o trauma, houve 7 óbitos (11,1%).

Na ASKM aplicada às 33 variáveis descritas (Tabela 3), 11 variáveis pré-hospitalares e 5 variáveis clínicas, apresentaram associação estatisticamente significante com a sobrevivência em todos os intervalos avaliados; 3 variáveis foram associadas a intervalos específicos e 14 não foram associadas estatisticamente à sobrevivência. As variáveis estatisticamente associadas foram selecionadas para a modelagem com a técnica de MRRPC.

A Tabela 4 mostra que os modelos finais envolveram 3 variáveis pré-hospitalares além de outras 3 variáveis clínicas.

Os modelos finais para os intervalos até 48h, foram compostos pelas mesmas variáveis prognósticas e evidenciaram, por meio dos mais elevados coeficientes de risco para o óbito, a importância crescente do segmento abdominal durante esse período. Nesta fase, destacaram-se também, o alto risco de óbito das vítimas que necessitaram de procedimentos respiratórios avançados ou compressões torácicas na fase de APH; a importância da gravidade global do trauma e o efeito protetor da reposição volêmica.

No intervalo até 7 dias, houve perda de significância das compressões torácicas no modelo ajustado e a inclusão de outro componente circulatório, a PAS na cena do acidente, que se inferior a 75mmHg foi associada a maior risco de óbito nesse intervalo e se ausente, foi associada ao mais elevado risco de óbito após 7 dias. A reposição de volume manteve seu efeito protetor em todos os períodos.

Vítimas submetidas à procedimentos respiratórios avançados, apresentaram 8,8 vezes maior risco para o óbito em relação as demais até 12 horas após o acidente de transporte. Após esse período, a necessidade de realização de procedimentos respiratórios avançados, aumentou continuadamente o risco de óbito até a primeira semana após o acidente, quando alcançou o valor de 10,9 vezes.

Nos modelos finais até 48h, as vítimas com lesões abdominais de MAIS>3 apresentaram uma tendência de crescimento dos coeficientes de regressão. As vítimas de MAIS 1 e 2 apresentam coeficientes significantes somente a partir dos intervalos até 24h.

Os coeficientes ajustados de risco de óbito da variável ISS apresentaram significância durante todo o período de análise. O coeficiente máximo foi alcançado no intervalo até 24h (p=0,002).

DISCUSSÃO

Assim como apresentado neste estudo, desde 1983 a Distribuição Trimodal de Óbitos por Trauma(12) já acena para a importância de se considerar o tempo entre o trauma e o óbito na determinação dos fatores associados a esse resultado.

Para a descrição da distribuição trimodal, o autor(12) apresentou os resultados de uma amostra de traumatizados de diferentes etiologias e com resultado fatal submetidos a análise de mortalidade, concluindo que os óbitos se distribuíram em 3 intervalos de tempo. O primeiro pico, com as mortes ocorridas nos primeiros minutos, ainda na cena do acidente, em razão de graves lesões no encéfalo, coração, tórax ou aorta, (45%). A mortes ocorridas até 60 minutos após o trauma, compuseram o segundo pico com 34%, e foram associadas a ocorrência de hemopneumotórax, lesões a vísceras pélvicas e abdominais, hematoma extra e subdural ou fraturas de ossos longos. As mortes após vários dias ou semanas em razão a infecções ou falência de múltiplos órgãos formaram o terceiro pico, com cerca de 20% do total de óbitos(12).

No entanto, apesar da similaridade na proposta e no envolvimento das lesões abdominais e torácicas, no presente estudo, a associação das lesões na cabeça com os óbitos, só foi obtida na fase tardia pós-trauma (7 dias) e mesmo considerando que a cabeça tenha sido o segmento percentualmente mais atingido e as lesões de MAIS 4 e 5 tenham sido comuns nesse segmento (36%), isso não repercutiu na entrada da variável no modelo final de nenhum intervalo.

O envolvimento mais tardio do TCE com os óbitos e das lesões de tórax, abdome, membros inferiores e superfície externa, com os óbitos desde a fase mais precoce até períodos tardios pós-trauma, já foi demonstrado por outros estudos que utilizaram a estratégia estatística da análise de sobrevivência(6,8), alertando para a associação provável das causas hemorrágicas com o resultado negativo até tardiamente. Pesquisadores(1) afirmam que pacientes com TCE podem se beneficiar da estabilização na cena do acidente, particularmente, dos procedimentos de otimização da oxigenação e circulação, que auxiliam na prevenção da lesão secundária em razão da hipóxia ou do edema cerebral atrasando o óbito.

Tempo é um fator crítico no atendimento ao traumatizado(1-2,4), porém o tempo consumido na fase pré-hospitalar não foi associado à sobrevivência na análise univariada de Kaplan Meier em qualquer dos intervalos (Tabela 3), mesmo considerando pontos de corte aceitos internacionalmente como os 10 minutos de platina na cena(1) ou os intervalos de 30(1) e 60 minutos de tempo total, chamada hora de ouro(13). A composição mais homogênea do grupo já justificada no método, pode ter concorrido para esse resultado, favorecendo a associação estatística de outras variáveis de maior interesse clínico.

No geral, os modelos multivariados apresentados no estudo atual refletiram o relacionamento sinérgico entre a ocorrência da hipoxemia, da instabilidade hemodinâmica e da hemorragia sobre a ocorrência dos óbitos, confirmando que esses fatores e suas repercussões se constituem nos maiores inimigos(14) do traumatizado.

Nos modelos finais, os procedimentos respiratórios avançados e os circulatórios básicos, representados respectivamente pela IOT e pelas manobras de compressão torácica externa na fase pré-hospitalar, resultaram em coeficientes de alto risco para o óbito.

Outros estudos(1-2,4) já demonstraram a baixa sobrevivência de vítimas submetidas a IOT, porém não justificaram o abandono do procedimento. A IOT precoce permite a correta expansão dos pulmões e evita o shunt intra-pulmonar, atrasando os efeitos adversos da hipóxia(3). A interpretação clínica dessa variável do modelo é a de que a vítima necessitou do procedimento diante da repercussão do trauma e é essa necessidade que implica em risco e não a realização do procedimento. A IOT deve ser reconhecida como um fator prognóstico indicativo de alto risco para o óbito, dada sua indicação em situações já complexas, ratificando que a hipóxia e a hipoperfusão provocadas pelo trauma grave são de alto risco para o óbito, mesmo sob intervenção.

Ainda assim, é preciso considerar que o alto índice de óbitos após IOT, também pode estar relacionado às dificuldades de intubação na cena do acidente, ao atraso para a realização do procedimento ou mesmo, à ventilação mal realizada e/ou agressiva pós-IOT, com hiperventilação(3) e portanto, fora dos parâmetros internacionais de assistência(13). A análise das dificuldades no procedimento de IOT e da tomada de decisão para a realização do procedimento, bem como, da técnica de ventilação após a IOT e suas implicações é uma interessante perspectiva de estudo.

Na amostra analisada, dentre as 16 vítimas em PCR submetidas a procedimentos de RCP na cena, duas sobreviveram (12,5%). Embora os guidelines internacionais(13) não recomendem a RCP pré-hospitalar em vítimas de trauma fechado dada a baixa viabilidade das vítimas e o risco imposto aos profissionais, os resultados ora apresentados e, os resultados de outro estudo recente(15) demonstraram significativo percentual de sobreviventes, reacendendo a discussão sobre essa recomendação. Na prática clínica esses resultados indicam que, exceto nos casos de morte óbvia, as equipes devem incorporar em seus protocolos o investimento em procedimentos de RCP na cena, na busca da maximização da sobrevivência de vítimas de trauma fechado.

O valor prático do ISS ou da MAIS para guiar a terapia é limitado. No entanto, a utilização dessas escalas, permitiu conhecer os segmentos corpóreos que se relacionam com a sobrevivência e esse reconhecimento pode alterar protocolos de abordagem desses pacientes.

Considerando a análise das variáveis clínicas sob a técnica multivariada, nessa amostra, o comprometimento do abdome parece ter sido preponderante para o resultado negativo, assim como o ISS com ponto de corte no valor >25, que produziu bom ajuste dos modelos. Essa combinação de variáveis clínicas parece ter expressado melhor a gravidade do quadro clínico em detrimento da repercussão fisiológica expressa pelo RTSt e das lesões de outros segmentos corpóreos específicos como a cabeça.

Nos acidentes de transporte, as lesões abdominais são resultantes de alterações rápidas de velocidade, que podem levar a ruptura de vasos e vísceras e proporcionar sangramentos de intensidade variável(13). No politraumatizado, diante dos múltiplos segmentos atingidos, os sinais discretos de alteração fisiológica provocados por esse sangramento, podem dificultar, atrasar ou sublimar o diagnóstico das lesões abdominais até períodos tardios(13). Por essa razão, a chave para o atendimento ao trauma abdominal é manter alto índice de suspeição para esse tipo de lesão(13).

Ainda que os óbitos por trauma abdominal sejam considerados evitáveis(13,16), o envolvimento marcante do segmento abdominal nos modelos apresentados, pode estar relacionado justamente a falta de reconhecimento da existência da lesão, a presença de hemorragia e a ausência de intervenções apropriadas ao diagnóstico, ao tratamento e ao controle de suas complicações. Dentre as complicações destacam-se o choque e a síndrome compartimental abdominal, muito comum nas reposições de volume muito agressivas que acontecem na fase inicial do atendimento e que repercutem tardiamente no resultado de sobrevivência(17).

O uso de cristalóides na reposição de volume é muito enfatizado na abordagem precoce do traumatizado como forma de combater o choque, ainda que esse recurso não corrija o evento inflamatório sistêmico provocado pela hipoperfusão(13,18) .

Os modelos finais de regressão demonstraram que ambas as categorias de volume reposto na fase pré-hospitalar foram relacionadas a menor risco para o óbito em todos os intervalos. Esse efeito protetor e linear indica que o benefício alcançado com esse procedimento pode influenciar os resultados por períodos mais longos.

A abordagem da relação entre o volume reposto na fase de APH e a sobrevivência de paciente de trauma ainda é pouco clara(13), porém atualmente, para os traumas fechados, há uma tendência internacional de apoio ao uso de volumes menores na reposição volêmica pré-hospitalar até o tratamento cirúrgico ser possível, com o objetivo de prevenir o re-sangramento e a hemodiluição que são condições clínicas propícias ao choque(1-2,5,13,16).

A entrada da variável PAS inicial (na cena do acidente) nos modelos dos dois últimos intervalos ratifica a hipótese de que a instabilidade hemodinâmica já na cena do acidente, pode comprometer a evolução do quadro a longo prazo, constituindo-se em um importante indicador de gravidade.

Pesquisadores(19) já demonstraram que a mortalidade associada a instabilidade hemodinâmica detectada precocemente, está relacionada a falência de múltiplos órgãos devido a produção de grande variedade de mediadores químicos que resultam em um estado que favorece a coagulação e influencia a mortalidade de pacientes com múltiplos traumas. Assim como ocorrido no presente estudo, os autores demonstraram que a mortalidade causada por essa instabilidade pode aparecer em uma distribuição bimodal, com um primeiro pico nos primeiros 3 dias e um segundo pico entre o 5º e o 7º dia, justificando a entrada da variável no modelo após 48h e sua permanência até os períodos mais tardios.

Atualmente, pesquisadores internacionais(17-19) têm defendido protocolos mais agressivos de abordagem do choque no paciente de trauma fechado, tanto na fase pré-hospitalar quanto à chegada do pronto socorro, para evitar o hipoperfusão e seus efeitos devastadores e reconhecidamente determinantes para a sobrevivência.

A incorporação das tecnologias de monitoração minimamente invasiva do choque, hoje reservadas a UTI, têm sido estimuladas nos prontos socorros, na busca da detecção precoce da hipoperfusão(17-19). Essas tecnologias envolvem a medida seriada de parâmetros hemodinâmicos para a avaliação do progresso da disfunção sistêmica como a gasometria arterial, a medida da hemoglobina e do lactato arterial, o tempo de protombina e tromboplastina e ainda, a medida da pressão venosa central, do debito urinário e da saturação arterial e venosa.

Esse monitoramento diagnóstico, associado às técnicas cirúrgicas e de radiologia intervencionista tem melhorado os resultados de sobrevivência em países desenvolvidos e sua implementação precoce, podem compor uma importante mudança na estratégia de abordagem do choque e é um desafio técnico e político para países em desenvolvimento(16-18).

CONCLUSÃO

Os resultados sugerem que a magnitude da hipoperfusão e sua persistência foram os fatores que influenciaram de forma significante o óbito precoce e tardio desse grupo de vítimas de trauma fechado e com repercussão fisiológica na cena do acidente. Os modelos multivariados demonstraram que foram indicadores prognósticos apenas as variáveis de intervenção com maior relação com a manutenção da vida e as categorias relativas de gravidade do quadro, indicando que as variáveis interagem de forma sinérgica na determinação do resultado. Estes resultados podem auxiliar na elaboração de protocolos de intervenção voltados para a melhor abordagem do trauma fechado na busca de melhores resultados de sobrevivência.

Recebido: 05/08/2008

Aprovado: 22/04/2009

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  • Correspondência:
    Marisa Aparecida Amaro Malvestio
    Rua Jaraguá, 858 - Bom Retiro
    CEP 01129-000 - São Paulo, SP, Brasil
  • *
    Extraído da tese "Predeterminantes de sobrevivência em vítimas de acidentes de transporte submetidas a atendimento pré-hospitalar de suporte avançado à vida", Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, 2005.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Recebido
      05 Ago 2008
    • Aceito
      22 Abr 2009
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