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Abandono do tratamento de tuberculose em co-infectados TB/HIV

Abandono del tratamiento de la tuberculosis en coinfectados TB/HIV

Resumos

Este estudo objetivou analisar os motivos que levam os pacientes coinfectados TB/HIV a abandonar o tratamento da TB e conhecer a conduta da equipe de saúde frente a esse abandono. A abordagem foi qualitativa. Utilizou-se a entrevista semiestruturada, aplicada a quarenta e cinco profissionais que atuam em uma Unidade de Referência no Pará. Após análise temática, foram construídas duas unidades: fatores relacionados aos doentes que dificultam adesão ao tratamento da TB; e fatores relacionados ao serviço que contribuem para o abandono. Mostrou-se, com relação aos pacientes, que a baixa condição socioeconômica foi o fator mais frequente que propicia o abandono. Também efeitos adversos dos medicamentos, uso de drogas lícitas, e pouca motivação pessoal facilitam esse desfecho. Quanto ao Serviço, as questões relacionadas à estrutura física, organização do processo de trabalho e acesso mostraram-se relevantes para não adesão. Os resultados apontam para a necessidade de alterar as práticas desenvolvidas nos Serviços.

Tuberculose; Doenças endêmicas; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; Recusa do paciente ao tratamento; Equipe de assistência ao paciente


Este estudio objetivó analizar los motivos que llevan a los pacientes coinfectados de TB/VIH a abandonar el tratamiento de la TB y conocer la conducta del equipo de salud frente a dicho abandono. El abordaje fue cualitativo. Se utilizó la entrevista semiestructurada, aplicada a cuarenta y cinco profesionales que actúan en una Unidad de Referencia en Pará. Luego del análisis temático fueron construidas dos unidades: factores relativos a los enfermos que dificultan su adhesión al tratamiento de la TB y factores relativos al servicio que contribuyen al abandono. Se demostró, con respecto a los pacientes, que la baja condición socio-económica fue el factor más frecuente que propicia el abandono. También los efectos adversos de los medicamentos, el uso de drogas lícitas y la poca motivación personal facilitan ese desenlace. Respecto del Servicio, las cuestiones relacionadas a la estructura física, organización del proceso de trabajo y acceso mostraron relevancia para la no adhesión. Los resultados apuntan a la necesidad de alterar las prácticas desarrolladas en los Servicios.

Tuberculosis; Enfermedades endémicas; Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida; Negativa del paciente al tratamiento; Grupo de atención al paciente


This study aimed at analyzing the reasons that patients co-infected with tuberculosis and HIV leave the treatment of tuberculosis and to know the conduct of the health team toward that abandonment. The study, using a qualitative approach, performed semi-structured interviews on 45 professionals working at a referral health center in Pará state. Two units emerged based on the thematic analysis: patient-associated factors that make TB treatment adherence difficult; and service-associated factors that contribute to treatment abandonment. It was found that, in terms of the patients, that their low socioeconomic condition was the most common factor that led to abandonment. Other factors that led to this outcome included the adverse drug effects, the use of illegal drugs, and poor personal motivation. Regarding the service, issues related to the physical structure, working process organization and accessibility were also relevant to their non-adherence. Results show there is a need to change the practices performed at the health care services.

Tuberculosis; Endemic diseases; Acquired Immunodeficiency Syndrome; Treatment refusal; Patient care team


ARTIGO ORIGINAL

Abandono do tratamento de tuberculose em co-infectados TB/HIV

Abandono del tratamiento de la tuberculosis en coinfectados TB/HIV

Ivaneide Leal Ataide RodriguesI; Larissa Lima MonteiroII; Régia Hevelline Barros PachecoIII; Sílvio Éder Dias da SilvaIV

IEnfermeira. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora Assistente da Universidade do Estado do Pará. Belém, PA, Brasil. ilar@globo.com IIEnfermeira da Secretaria de Saúde do Estado do Pará. Belé, PA, Brasil. larenf@yahoo.com.br IIEnfermeira Pós-Graduada em Enfermagem em Clinica Cirúrgica pela Universidade do Estado do Pará. Belém, PA, Brasil. regiapacheco@yahoo.com.br IVDoutorando do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina. Professor Assistente da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal do Pará. Membro do Grupo de Estudos de História do Conhecimento de Enfermagem (GEHCE) e do Grupo de Pesquisa: Educação, Políticas e Tecnologia em Enfermagem da Amazônia (EPOTENA). Belém, PA, Brasil. silvioeder2003@yahoo.com.br/silvioeder@ufpa.br

Correspondência Correspondência: Ivaneide Leal Ataide Rodrigues Trav. Bom Jardim, 996 - Jurunas CEP 66.025-180 - Belém, PA, Brasil

RESUMO

Este estudo objetivou analisar os motivos que levam os pacientes coinfectados TB/HIV a abandonar o tratamento da TB e conhecer a conduta da equipe de saúde frente a esse abandono. A abordagem foi qualitativa. Utilizou-se a entrevista semiestruturada, aplicada a quarenta e cinco profissionais que atuam em uma Unidade de Referência no Pará. Após análise temática, foram construídas duas unidades: fatores relacionados aos doentes que dificultam adesão ao tratamento da TB; e fatores relacionados ao serviço que contribuem para o abandono. Mostrou-se, com relação aos pacientes, que a baixa condição socioeconômica foi o fator mais frequente que propicia o abandono. Também efeitos adversos dos medicamentos, uso de drogas lícitas, e pouca motivação pessoal facilitam esse desfecho. Quanto ao Serviço, as questões relacionadas à estrutura física, organização do processo de trabalho e acesso mostraram-se relevantes para não adesão. Os resultados apontam para a necessidade de alterar as práticas desenvolvidas nos Serviços.

Descritores: Tuberculose. Doenças endêmicas. Síndrome de Imunodeficiência Adquirida. Recusa do paciente ao tratamento. Equipe de assistência ao paciente.

RESUMEN

Este estudio objetivó analizar los motivos que llevan a los pacientes coinfectados de TB/VIH a abandonar el tratamiento de la TB y conocer la conducta del equipo de salud frente a dicho abandono. El abordaje fue cualitativo. Se utilizó la entrevista semiestructurada, aplicada a cuarenta y cinco profesionales que actúan en una Unidad de Referencia en Pará. Luego del análisis temático fueron construidas dos unidades: factores relativos a los enfermos que dificultan su adhesión al tratamiento de la TB y factores relativos al servicio que contribuyen al abandono. Se demostró, con respecto a los pacientes, que la baja condición socio-económica fue el factor más frecuente que propicia el abandono. También los efectos adversos de los medicamentos, el uso de drogas lícitas y la poca motivación personal facilitan ese desenlace. Respecto del Servicio, las cuestiones relacionadas a la estructura física, organización del proceso de trabajo y acceso mostraron relevancia para la no adhesión. Los resultados apuntan a la necesidad de alterar las prácticas desarrolladas en los Servicios.

Descriptores: Tuberculosis. Enfermedades endémicas. Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida. Negativa del paciente al tratamiento. Grupo de atención al paciente.

INTRODUÇÃO

A tuberculose (TB) é uma doença antiga, contudo, consiste ainda em um grande problema de saúde pública, não só no Brasil como também no mundo. O aumento da incidência da TB está relacionado a diversas causas, entre elas: pobreza e desigualdade social; negligência e/ou inadequação do diagnóstico e tratamento dos casos novos; pouca informação sobre a doença; variações demográficas; impacto da infecção pelo HIV. Falhas no controle global da TB com programas de controle pouco efetivos tem contribuindo para mortalidade e multidroga resistência(1).

O Brasil é o décimo oitavo colocado no ranking dos países com maior carga de tuberculose no mundo. Em 2007 o percentual de cura no país, foi de 77 % com 6,9 % de abandono(2) . Nesse mesmo ano foram notificados 72.800 novos casos da doença, com um coeficiente de Incidência de 38.2/100.000 habitantes e ocorrência de 4.5 mil mortes. Sendo que 70% dos casos estão concentrados em 315 dos 5.565 municípios brasileiros. As maiores incidências estão nos Estados do Rio de Janeiro (73,27 por 100 mil), Amazonas (67,60), Pernambuco (47,79), Pará (45,69) e Ceará (42,12). A região Centro-Oeste é a que apresenta a menor taxa do país - em Goiás, são 9,57 por 100 mil habitantes(3). Nos últimos anos, o maior impacto negativo no controle da TB foi observado nas grandes cidades, em virtude da piora das condições sócio-econômicas. Na região sudeste, área de maior taxa de co-infecção com o vírus da imunodeficiência humana (HIV), os dados são mais alarmantes(4).

A desistência do tratamento contra a TB é freqüente, tornando-se um sério problema no Brasil, principalmente quando esse abandono ocorre em pacientes com co-morbidade TB/HIV. Estudos realizados no Brasil mostram índices de abandono que variam 38%(5) a 42%(6) , sendo estas taxas extremamente elevadas, uma vez que o Ministério da Saúde preconiza como aceitável apenas 5% de abandono(7). Considera-se abandono, o doente que depois de iniciado o tratamento deixou de comparecer à Unidade de Saúde por mais de trinta dias consecutivos, após data aprazada para o retorno(7). O abandono do tratamento é considerado um dos principais obstáculos e desafios para o combate à doença, tendo como conseqüência direta o aumento do custo do tratamento, da mortalidade e das taxas de recidiva, além de facilitar o desenvolvimento de cepas de bacilos resistentes. Geralmente os fatores associados ao abandono estão relacionados ao doente, à modalidade do tratamento empregado e aos Serviços de Saúde(8).

As condutas da equipe de saúde tem alta relevância para o sucesso do tratamento, visando esclarecer ao paciente a natureza da sua doença, duração do tratamento, a importância da regularidade no uso das drogas e as graves conseqüências advindas da interrupção do tratamento. O acompanhamento com psicólogo, as doses supervisionadas dos medicamentos e os exames bacteriológicos mensais são ações da equipe que beneficiam o alcance da cura da TB, possibilitando maior sobrevida com qualidade aos pacientes acometidos pela co-infecção TB/HIV e evitando o óbito.

Em outubro de 1998 o Ministério da Saúde lançou o Plano Nacional de Combate a Tuberculose (PNCT), trazendo entre outras metas a implantação da estratégia DOTS (Directly Observed Treatment Short Course) que compreende um conjunto de medidas definidas e recomendadas pela Organização Mundial de Saúde, baseadas em cinco pilares: compromisso político no controle da TB, disponibilidade de diagnóstico por baciloscopia, abastecimento regular dos medicamentos, eficiente Sistema de Informação e tratamento diretamente observado Em diversos países com taxas de cura abaixo de 50% (China, Peru, Bangladesh), a adoção dessa estratégia elevou essas taxas para índices entre 80% a 95%(9).

Esta pesquisa trata da atuação da equipe de saúde frente ao abandono do tratamento de TB em pacientes com co-infecção TB/HIV, uma vez que os esforços empreendidos pelas políticas públicas e pelos profissionais que atuam no tratamento da doença, na maioria das vezes, tem tido pouco sucesso para mudar o cenário da tuberculose como problema de saúde pública. Em pacientes infectados com HIV, a assistência da equipe de saúde deve ser mais atenciosa e cuidadosa, pois os pacientes precisam ser incentivados a completar o esquema de tratamento da TB para obter a cura, alcançando uma maior sobrevida e evitando a transmissão para outras pessoas.

Desta forma este estudo tem como objetivos: analisar por meio da visão da equipe de saúde de uma Unidade de Referência os motivos que levam os pacientes de tuberculose com co-morbidade TB/HIV a abandonar o tratamento da TB e conhecer qual a conduta da equipe de saúde frente a esse abandono.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa qualitativa(10) realizada na Unidade de Referência Especializada em Doenças Infecciosas e Parasitárias Especiais (URE-DIPE) em Belém, Centro de Referência para clientela do Estado do Pará, onde é realizado o tratamento de pessoas com HIV e co-infecção TB/HIV. A URE-DIPE realiza atendimento de segunda à sexta-feira das 8:00 às 19:00h e funciona há dezenove anos oferecendo assistência multiprofissional, incluindo médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, farmacêuticos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, nutricionistas e técnicos de enfermagem. Conta também com o serviço Hospital DIA, funcionando no mesmo horário da Unidade. Na URE tratamento dos casos de co-infecção TB/HIV é feito de forma autoadministrada, embora o PNCT tenha adotado o tratamento supervisionado (DOTS) como forma de aumentar a probabilidade de cura dos doentes.

A realização da pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade do Estado do Pará e pela direção da URE-DIPE.

Participaram do estudo 45 profissionais, sendo 06 assistentes sociais, 09 enfermeiros, 06 médicos, 04 psicólogos e 20 técnicos de enfermagem que atuam nos turnos matutino e vespertino e atendem aos clientes com co-morbidade TB/HIV. Os depoimentos foram obtidos por meio de entrevista semi-estruturada mediante roteiro de perguntas abertas.

Foi feito o primeiro contato com os profissionais na Unidade convidando-os para participar da pesquisa e agendadas as entrevistas com aqueles que concordaram em colaborar com a mesma. Elas foram realizadas na própria URE em seu horário de trabalho. A todos foi apresentado o termo de consentimento livre e esclarecido com informações sobre os objetivos da pesquisa e como a mesma seria desenvolvida. Para respeitar o anonimato e resguardar a identificação, cada entrevistado escolheu um pseudônimo, buscando dessa de forma a atender as normas éticas da pesquisa. Cabe ressaltar que ao iniciar as entrevistas foi explicado aos participantes a necessidade do uso de gravador, para facilitar o registro, na íntegra, dos depoimentos e a posterior transcrição.

As informações foram trabalhadas por meio da análise temática que propicia conhecer uma realidade por meio das comunicações de indivíduos que tenham vínculo com a mesma(10).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Como resultado da análise dos depoimentos foram construídas duas unidades temáticas assim denominadas: fatores relacionados aos doentes que dificultam a adesão ao tratamento da tuberculose e fatores relacionados serviço que contribuem para o abandono do tratamento da tuberculose.

Fatores relacionados aos doentes que dificultam a adesão ao tratamento da tuberculose

Essa unidade foi elaborada a partir do agrupamento de alguns fatores relacionados aos pacientes, que segundo os depoentes, propiciam a interrupção do tratamento, sejam motivos individuais ligados às condições sócio-econômicos, culturais ou aquelas que dizem respeito ao próprio paciente tais como: efeitos colaterais dos medicamentos, uso de drogas lícitas e falta de motivação.

As baixas condições sócio-econômicas são os motivos mais freqüentes que levam ao abandono do tratamento de TB.

[...] muitos pacientes têm as condições sócio-econômicas muito baixas, às vezes não tem alimentos, e dizem: como é que eu vou tomar remédio se eu não tenho dinheiro para comer [...] (Flor de Liz).

[...] precárias condições sócio-econômicas também fazem o paciente abandonar o tratamento ele não tem como se alimentar, a falta de estudo da maioria faz com que abandonem [...] (Médico da SESPA).

Para os sujeitos deste estudo, os fatores sócio-econômicos interferem de forma significativa para o abandono do tratamento da TB, uma vez que os mesmos relataram que a baixa escolaridade e a falta de recursos financeiros são importantes fatores que levam a interrupção do tratamento. Esses fatores se manifestam na percepção que os doentes têm dos problemas de saúde e interferem em sua adesão aos procedimentos terapêuticos(11).

Efeitos colaterais dos tuberculostáticos aparecem como o segundo fator mencionado que influenciam na interrupção do tratamento de TB, seja por reações menores (náuseas, vômitos, diarréia) ou pela ocorrência de hepatite medicamentosa

[...] a quantidade de comprimidos [...] facilita o abandono, os anti-retrovirais trazem uma série de efeitos colaterais, associado com os efeitos adversos dos tuberculostáticos, o paciente reclama muito dos efeitos [...] ( Ana).

[...] os transtornos nos primeiros dias das medicações provocam o abandono, [...] ficam geralmente com problemas de gastrite, vômitos, diarréia, e param o tratamento [...] (Zinha).

A maior parte dos pacientes submetidos ao tratamento de TB consegue completar no tempo recomendado sem sentir qualquer efeito colateral, porém quando esse tratamento está associado com o tratamento anti-retroviral, as interações medicamentosas e as reações adversas são maiores se comparadas aos indivíduos HIV negativo, pois a infecção pelo vírus HIV predispõe mais a ocorrência de efeitos adversos. Em virtude disso, é importante considerar que a adesão adequada em ambos os esquemas, é um grande desafio para o paciente, quando realizados concomitantemente, devido à elevada quantidade de comprimidos a serem ingeridos ao dia e à ocorrência de efeitos colaterais, particularmente nas primeiras semanas de tratamento. Por conta disso a escolha do esquema anti-retroviral deve ser realizada avaliando o risco de intolerância, toxicidade e capacidade de adesão do paciente, considerando inclusive a possibilidade de postergar seu inicio naqueles pacientes com quadros de imunodeficiência menos grave(12).

Um terceiro fator importante e freqüente é o uso de drogas lícitas promovendo o abandono do tratamento.

[...] muitos pacientes são etilistas e tabagistas [...] então eles preferem ficar com o vício que tomar as medicações [...] (Médico da SESPA).

Esse fator pode ser atribuído às dificuldades inerentes à um processo de dependência química, em detrimento da responsabilidade necessária e exigida pelo Serviço de Saúde para manter a regularidade do tratamento, existindo uma estreita relação entre o uso de drogas, licitas ou ilícitas com a não adesão, tanto em tratamento auto administrado quanto em supervisionado(13).

O controle de tratamento dos pacientes com co-infecção TB/HIV é ainda mais complexo se comparado aos que são acometidos somente pela TB, pois esse doente não possui uma boa expectativa de vida, por ter uma doença que, apesar dos avanços tecnológicos para compreensão dos mecanismos de adoecimento, não se conhece a cura, dessa forma a desistência do tratamento acontece seja pela descrença num bom resultado ou pela falta de motivação em completar o esquema, pela própria debilidade física em que se encontra.

[...] O abandono do tratamento está associado à AIDS, porque eles não têm uma perspectiva de vida, quando têm a TB a tendência é definhar, baixar a resistência e perder a esperança, é muito mais difícil tratar a TB num paciente soropositivo do que naqueles que tem apenas tuberculose [...] (C.M).

Fatores relacionados ao serviço que contribuem para o abandono do tratamento de tuberculose.

Nesta unidade foram agrupados os fatores relativos ao serviço mencionados com maior freqüência como aqueles que propiciam o abandono do tratamento de TB. Esses fatores são: pouca ou nenhuma informação por parte dos profissionais para o paciente sobre o tratamento da TB, pouca organização no serviço para o controle específico da TB, considerando que a prioridade é o tratamento para o HIV, estrutura física que não garante a privacidade, ausência de trabalho em equipe e dificuldades de acesso ao serviço.

A falta de informação sobre a doença, possíveis efeitos colaterais, a importância em completar o esquema de tratamento, mesmo que haja melhora dos sintomas e a grave conseqüência da interrupção do mesmo, é fator que influencia o abandono do tratamento, uma vez que estão ligados à sensibilização do doente para seu agravo.

[...] a primeira causa é a falta de informação, [...] é primordial, principalmente sobre a doença, o tempo do tratamento, e a importância de não abandonar [...] (Enfª Naná).

[...] a falta de esclarecimento [...] uma boa orientação, pois eles (pacientes) pensam que quando não sentem mais sintomas, já estão curados e deixam de tomar as medicações [...] (Florzinha).

Sabe-se que a informação adequada ao paciente e aos familiares sobre a doença e a identificação destes com a equipe que acompanha seu tratamento reduzem muito a probabilidade de abandono(6,14).

A pouca organização no controle dos casos de TB/HIV também contribui para o abandono do tratamento de TB.

[...] aqui nós não temos um programa de TB estruturado [...] a tuberculose é tratada como doença oportunista, a terapia é mais acessória, não tem a busca dos faltosos, quando vem para a consulta do HIV, são tratados da tuberculose [...] (C.M).

[...] ainda não tem uma estratégia para adesão ao tratamento da TB, está se pensando em fazer o tratamento supervisionado [...] não tem espaço aqui nesse prédio (...) o tratamento supervisionado seria mais viável [...] (Enfª. Naná).

A deficiência no controle específico da TB e a ausência de tratamento supervisionado são destacadas como facilitadores para o abandono, contudo, na URE existe um programa de Atendimento Domiciliar Terapêutico (ADT), constituído de uma equipe multiprofissional, com a finalidade de prestar assistência integral e levar o tratamento aos pacientes que se encontram impossibilitados de se locomover até a Unidade. Essa estratégia poderia ser utilizada como forma de minimizar o problema do abandono nos casos de coinfecção TB/HIV. Utilizar unicamente o tratamento auto-administrado é um fator que eleva a chance de abandono quando comparado ao tratamento supervisionado(8), pois esta estratégia de tratamento é uma importante ferramenta na luta contra a TB considerando que o paciente não pode ser unicamente responsabilizado por seu tratamento e permite que outros atores (familiares, comunidade e profissionais de Saúde) participem ativamente, além de que deve ser feito de forma flexível respeitando as escolhas dos pacientes(13).

Há um grande contingente de pacientes com co-infecção atendidos na URE-DIPE, no entanto não existe uma estrutura física que comporte essa demanda, além de não haver consultórios em número suficiente para garantir a privacidade tanto do paciente quanto do profissional, tendo muitas vezes que ser dividido o espaço para o atendimento. Também não há um trabalho em equipe bem estruturado e organizado, dificultando a adesão do paciente ao tratamento, pois a continuidade da assistência pelas diferentes categoriais profissionais é fundamental para obter a cura.

[...] há dificuldade de espaço físico, eu estou consultando e logo aparece um outro profissional para consultar na mesma sala. A gente não consegue dar atenção ao paciente como deveria [...] não tem um trabalho em equipe, trabalhamos isoladamente [...] é cada um pro seu lado, eu não sei como é que está o trabalho do médico, do psicólogo [...] (Enfª.Costa).

Aparentemente não há nenhuma estratégia específica para melhorar a adesão dos pacientes ao tratamento da TB, pois, embora haja um grupo de adesão, com o objetivo de esclarecer aos pacientes HIV positivos sobre as doenças oportunistas que podem acometê-los, esse grupo apenas inclui a TB nesse rol, não estabelecendo qualquer estratégia especial para seu combate.

O fato da URE-DIP atender à grande parte da demanda do estado também acarreta muitas dificuldades de acesso aos que residem na capital e principalmente aos que precisam deslocar-se de pequenos municípios do interior do estado. Esse acesso limitado finda por impossibilitar o seu comparecimento às consultas e avaliações mensais, aliado à isso encontram-se também as dificuldades para obter o Tratamento Fora do Domicílio (TFD) para aqueles que residem no interior(14).

[...] a distância é outro fator que prejudica a adesão [...] mesmo os que moram aqui (na capital) não tem como vir [...] imagina os que moram no interior que dependem de uma Secretaria para pagar o TFD [...] (Enfª Naná).

[...] O paciente que mora distante do local onde faz o tratamento, acaba influenciando ao abandono [...] muitas vezes eles não conseguem apoio para vir a Belém se consultar, tornando difícil o tratamento e o controle [...] (Médico da SESPA).

CONCLUSÃO

Este estudo permitiu a análise dos motivos mais freqüentes que levam os pacientes co-infectados TB/HIV a abandonar o tratamento da TB, na ótica da equipe de saúde da URE-DIPE, e a conhecer qual a ação da equipe frente ao abandono.

Nos motivos relacionados ao paciente constata-se que a baixa condição sócio-econômica foi o fator mais freqüente e relevante que propicia o abandono, assim como, os efeitos adversos dos medicamentos e o uso de drogas lícitas facilitam sobremaneira esse desfecho. Evidenciou-se também que a coinfecção favorece o abandono do tratamento da TB, pois há maior dificuldade para controlar esses casos seja por aspectos relativos ao próprio tratamento, seja pela falta de motivação trazida pelo sentimento de iminência de morte.

Quanto aos motivos relacionados ao Serviço de Saúde as questões relacionadas à estrutura física, organização do processo de trabalho para ao controle da TB e as dificuldades de acesso mostraram-se relevantes no contexto da não adesão ao tratamento.

Constatou-se que inexiste uma conduta específica e eficaz pelos profissionais para resgatar os pacientes quando acontecem faltas às consultas ou uma estratégia que vise buscar os pacientes que abandonaram.

Os resultados deste estudo apontam para a necessidade de alterar as práticas desenvolvidas nos serviços, pois estas estão relacionadas a vontade política quer de gestores em saúde como dos próprios profissionais e muitas vezes dependem de atitudes simples tais como: fortalecer estratégias já existentes, estimular a adesão de novas estratégias, a exemplo do tratamento supervisionado, e buscar mais possibilidades terapêuticas para reduzir os efeitos desagradáveis que são potencializados nas interações entre as drogas anti-retrovirais e tuberculostáticas. Enquanto que aquelas relativas aos pacientes são mais difíceis de serem alteradas, uma vez que dizem respeito a vulnerabilidades individuais ou são fatores sociais e econômicos que dependem de ações governamentais muito mais complexas para sua mudança.

Recebido: 09/06/2008

Aprovado: 01/06/2009

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  • Correspondência:

    Ivaneide Leal Ataide Rodrigues
    Trav. Bom Jardim, 996 - Jurunas
    CEP 66.025-180 - Belém, PA, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Aceito
      01 Jun 2009
    • Recebido
      09 Jun 2008
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