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O cotidiano do enfermeiro em pesquisa clínica: um relato de experiência

La rutina del enfermero en investigación clínica: relato de experiencia

Resumos

O presente artigo consiste no relato de experiência das autoras como enfermeiras de um ensaio clínico randomizado, cego, de fase III, realizado na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca / FIOCRUZ / RJ. Relata as atividades do enfermeiro na operacionalização de uma pesquisa clínica e destaca a sua importância neste novo campo de trabalho. Menciona a rigorosa implementação do protocolo clínico pelo enfermeiro, visando prevenir desvios, falhas e vieses, assim como o compromisso com a autenticidade dos registros, a atenção e o respeito aos direitos e bem-estar dos sujeitos. O enfermeiro pode exercer com qualidade atividades não somente assistenciais, como também de pesquisa, em áreas da saúde, como por exemplo os ensaios clínicos, através de monitoramento, supervisão e capacitação profissional.

Enfermagem; Ensaio clínico; Protocolos clínicos; Guia de prática clínica


El presente artículo consiste en el relato de la experiencia de las autoras como enfermeras de un ensayo clínico randomizado, ciego, de fase III, realizado en la Escuela Nacional de Salud Pública Sérgio Arouca / FIOCRUZ / RJ (Brasil). Relata las actividades del enfermero en el marco del proceso operativo de una investigación clínica y destaca su importancia en este nuevo campo de trabajo. Menciona la implementación rigurosa del protocolo clínico por parte del enfermero, apuntando a prevenir desvíos, fallas y deslices, así como el compromiso con la autenticidad de los registros, la atención y el respeto a los derechos y al bienestar de los sujetos. El enfermero está calificado para ejercer otras actividades además de las típicas de carácter asistencial. Puede, por ejemplo, trabajar también en investigaciones en el área de salud, como los ensayos clínicos, a través del monitoreo, supervisión y capacitación profesional.

Enfermería; Ensayo clínico; Protocolos clínicos; Guia de práctica clínica


The present study is a report on the authors' experience working nurses in a randomized, blinded, phase III clinical trial, developed at Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca / FIOCRUZ / RJ. This study describes the participation of nurses in the implementation of a clinical trial, highlighting their importance in this new field of work. The authors state the rigorous implementation of the clinical trial by the nurse, aiming to prevent errors, biases and failures; as well as the commitment to the authenticity of data collection, attention and respect to the rights and welfare of the study subjects. Nurses are not only able to perform with quality their usual patient-related tasks, but also research activities in health science, such as participating in clinical trials, monitoring, supervision and professional training.

Nursing; Clinical trial; Clinical protocols; Practice guideline


RELATO DE EXPERIÊNCIA

O cotidiano do enfermeiro em pesquisa clínica: um relato de experiência

La rutina del enfermero en investigación clínica: relato de experiencia

Daniele Fernandes de AguiarI; Karla Gonçalves CamachoII

IMestranda em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Enfermeira Monitora de Pesquisa Clínica da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. danifaguiar@ensp.fiocruz.br

IIEnfermeira Obstetra. Mestranda em Enfermagem pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Gerente Operacional de Pesquisa Clínica da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. kgcamacho@ensp.fiocruz.br

Correspondência Correspondência: Daniele Fernandes de Aguiar Rua Edith de Jesus Moraes, 252 - Jd.Iguaçu CEP 26281340 - Nova Iguaçu, RJ, Brasil

RESUMO

O presente artigo consiste no relato de experiência das autoras como enfermeiras de um ensaio clínico randomizado, cego, de fase III, realizado na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca / FIOCRUZ / RJ. Relata as atividades do enfermeiro na operacionalização de uma pesquisa clínica e destaca a sua importância neste novo campo de trabalho. Menciona a rigorosa implementação do protocolo clínico pelo enfermeiro, visando prevenir desvios, falhas e vieses, assim como o compromisso com a autenticidade dos registros, a atenção e o respeito aos direitos e bem-estar dos sujeitos. O enfermeiro pode exercer com qualidade atividades não somente assistenciais, como também de pesquisa, em áreas da saúde, como por exemplo os ensaios clínicos, através de monitoramento, supervisão e capacitação profissional.

Descritores: Enfermagem. Ensaio clínico. Protocolos clínicos. Guia de prática clínica.

RESUMEN

El presente artículo consiste en el relato de la experiencia de las autoras como enfermeras de un ensayo clínico randomizado, ciego, de fase III, realizado en la Escuela Nacional de Salud Pública Sérgio Arouca / FIOCRUZ / RJ (Brasil). Relata las actividades del enfermero en el marco del proceso operativo de una investigación clínica y destaca su importancia en este nuevo campo de trabajo. Menciona la implementación rigurosa del protocolo clínico por parte del enfermero, apuntando a prevenir desvíos, fallas y deslices, así como el compromiso con la autenticidad de los registros, la atención y el respeto a los derechos y al bienestar de los sujetos. El enfermero está calificado para ejercer otras actividades además de las típicas de carácter asistencial. Puede, por ejemplo, trabajar también en investigaciones en el área de salud, como los ensayos clínicos, a través del monitoreo, supervisión y capacitación profesional.

Descriptores: Enfermería. Ensayo clínico. Protocolos clínicos. Guia de práctica clínica.

INTRODUÇÃO

A pesquisa clínica pode ser definida como um estudo sistemático que segue métodos científicos aplicáveis aos seres humanos, denominados voluntários ou sujeitos, os quais podem estar sadios ou enfermos de acordo com a fase da pesquisa(1).

Pesquisa clínica, ensaio clínico ou estudo clínico são os vários termos utilizados para designar esse processo de investigação científica com humanos. Como resultado, os pesquisadores clínicos (ou investigadores clínicos) poderão obter novos conhecimentos científicos sobre medicamentos, procedimentos ou métodos de abordagem de problemas que afetam a saúde do ser humano(2).

Para desenvolver uma pesquisa clínica, é necessário seguir regras internacionais, as quais estão registradas nas Boas Práticas Clínicas, que são um conjunto de normas e orientações éticas e científicas(1). Este documento confere um padrão para o desenho, condução, realização, moni-toramento, auditoria, registro, análises e relatórios de estudos clínicos, assegurando a credibilidade e a precisão dos dados e resultados relatados, bem como a proteção dos direitos, integridade e confidencialidade dos sujeitos do estudo.

Diante de nossa experiência em pesquisa clínica randomizada(a (a ) O estudo randomizado controlado é considerado o melhor desenho de pesquisa para avaliar a eficácia de intervenções de saúde e, por isso, consiste no padrão-ouro na medicina baseada em evidências (3). ), de fase III (com o uso de placebo), realizada na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP) / FIOCRUZ, localizada na cidade do Rio de Janeiro, e por esta ser uma área profissional em ascensão para a enfermagem, objetiva-mos relatar as atividades do enfermeiro na operacionalização de uma pesquisa clínica e destacar sua importância neste novo campo de trabalho.

Trata-se de um tema ainda pouco discutido pela enfermagem, principalmente em cursos de graduação, por se tratar de um campo de atuação recente para esses profissionais. Em nosso país, o movimento da prática baseada em evidências na enfermagem é incipiente e a maioria da literatura disponível não é nacional(3). Porém, ao mesmo tempo, percebe-se que é uma área em potencial desenvolvimento, o que amplia a possibilidade de expansão de nossa prática profissional.

Ao explorar doenças e administrar sintomas sob o foco da fisiologia, assuntos como tratamento de feridas, dor, aspectos relacionados à nutrição e ao repouso, respostas imunes e, especialmente, controle e interpretação dos sinais vitais podem se constituir no alvo dos estudos clínicos conduzidos por enfermeiros pesquisadores(4).

No Brasil, a trajetória da pesquisa clínica é recente, com suas primeiras atividades desenvolvidas na década de 1980(5). As regulamentações brasileiras mais expressivas são da década de 1990 e início do século XXI, como as Resoluções 196/96 e 251/97 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), entre outras.

A Resolução Nacional 196/96, publicada pelo CNS do Ministério da Saúde (MS), regulamenta toda e qualquer pesquisa que envolva seres humanos. Os pesquisadores brasileiros devem, além de respeitar a legislação nacional, manter-se integrados à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e aos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs), e, ainda, respeitar as regras internacionais de Boas Práticas Clínicas.

Quando realizada com medicamentos, a pesquisa clínica tem como objetivos básicos verificar os efeitos, segurança e tolerância, relacionar os eventos adversos, além de analisar a absorção, distribuição, metabolismo e excreção dos princípios ativos, a fim de estabelecer a eficácia e a segurança do produto. Deve-se antes lembrar que, para se estudar clinicamente um medicamento em humanos, ele já deverá ter sido aprovado em testes pré-clínicos, ou seja, aspectos de segurança são avaliados em animais de experimentação antes da aplicação da droga em seres humanos(1,6).

As pesquisas clínicas estão classificadas em fases I, II, III e IV, e a participação de seres humanos está prevista desde a fase I, levando sempre em consideração o processo de aleatorização, que serve para alocar os sujeitos do estudo no grupo de tratamento ou no de controle, usando a probabilidade como fator de redução de parcialidades ou tendências(1,6).

A pesquisa em questão, na qual nós autoras atuamos, refere-se à de fase III. Neste tipo de pesquisa ocorrem grandes estudos multicêntricos de desenho semelhante ao piloto. Acompanham de 300 até 3.000 indivíduos com a doença em questão por um período de dois a quatro anos, geralmente sendo comparados a outros tratamentos existentes para o mesmo problema(2,6).

Se ainda não existirem tratamentos para o problema estudado, o uso da nova medicação será comparado ao uso de nada, ou seja, a uma substância (gelatina ou farinha) que não possui efeito farmacológico nenhum no organismo, o que chamamos de placebo. Durante esta fase, espera-se obter maiores informações sobre segurança, eficácia e interação de drogas. Então, recebendo o tratamento habitual, o paciente será tratado com o que os especialistas avaliam como o melhor da atualidade. Se o paciente receber o novo tratamento, terá a alternativa que os especialistas julgam ter vantagens significativas sobre o habitual(2,6).

Portanto, o objetivo de estudos de fase III é comparar ambos os tratamentos e estabelecer a superioridade de um sobre o outro. Os resultados obtidos com estudos desta fase muitas vezes fornecem as informações necessárias para a elaboração do rótulo e da bula do produto. A análise dos dados obtidos pode levar ao registro e à aprovação pelas autoridades sanitárias do uso comercial do novo medicamento ou procedimento(2,6), levando a pesquisa à fase IV, na qual é feita a farmacovigilância do produto.

De acordo com as normas internacionais de Boas Práticas Clínicas, para a adequada condução de uma pesquisa clínica, deve existir uma equipe de profissionais (médicos, enfermeiros, farmacêuticos, estatísticos, auxiliares de enfermagem e de informática, psicólogos, dentre outros) bem treinados e um local onde tais pesquisas se realizarão.

Esse espaço físico e sua organização devem ser suficientes para que todas as exigências do protocolo sejam cumpridas, desde o que se refere à assistência ao sujeito da pesquisa, até a guarda da medicação do estudo e de todos os documentos envolvidos.

Em geral, encontram-se todas essas condições nas chamadas unidades ou centros de pesquisa, organizadas em instituições universitárias ou em espaços privados. Em qualquer que seja o local, sempre deverá haver um pesquisador responsável, geralmente um médico ou odontólogo, que responde por todos os procedimentos da pesquisa clínica.

Mediante o exposto, o enfermeiro que atua em pesquisa clínica possui atividades diversas durante a condução de um protocolo de estudo, porém ainda são pouco definidas. Portanto, os enfermeiros precisam estar preparados e capacitados para lidar com assuntos e atividades relativos a esta área. A linguagem dos protocolos, as instâncias regulatórias e as especificidades dos sujeitos justificam a necessidade de profissionais especializados e comprometidos com a clareza dos dados obtidos e a segurança da população estudada(7).

Esta temática é relevante, mesmo que ainda não seja de amplo domínio da categoria, e merece ser discutida como uma nova opção de atividade profissional em um campo de atuação específico. Para tanto, são indispensáveis novos saberes e aprimoramentos técnico-científicos constantes, fatores básicos para viabilizar a participação do enfermeiro em estudos clínicos cada vez mais complexos diante dos avanços tecnológicos atuais(8).

A necessidade emergente de o enfermeiro atualizar seus conhecimentos técnico-científicos certamente trará reflexos positivos à sua atuação profissional pela incorporação de novos saberes. Estes, se transmitidos aos demais integrantes da equipe de enfermagem, também contribuirão para o melhor atendimento prestado à clientela, gerando benefícios para todos os envolvidos na prática do cuidar(8). Dessa forma, esperamos contribuir para a produção de futuros trabalhos científicos acerca da participação do enfermeiro em estudos clínicos.

Pretendemos também descrever e caracterizar as atividades possíveis para o enfermeiro de pesquisa clínica e promover o conhecimento de alunos, professores e até mesmo profissionais de enfermagem sobre este grupo de trabalhadores, podendo integrar a temática nos conteúdos teóricos ministrados em programas curriculares de graduação e pós-graduação.

ATIVIDADES DO ENFERMEIRO EM PESQUISA CLÍNICA: NOSSA EXPERIÊNCIA

A condução de estudos clínicos exige observância rigorosa de seu desenho. A etapa inicial, essencial para o desenvolvimento dos estudos clínicos e alcance dos objetivos propostos, é a captação dos sujeitos de pesquisa, que é intimamente dependente dos critérios de inclusão e de exclusão.

Trata-se de um universo diferente da assistência de enfermagem em cenário hospitalar, no qual os sujeitos são absorvidos pelo Sistema de Saúde. Na pesquisa clínica, não é todo paciente que pode ser inserido no estudo, apenas aqueles que correspondem aos critérios pré-estabelecidos no protocolo. E, dependendo das peculiaridades deste, torna-se muito difícil a etapa de captação, consistindo em muitas exclusões.

Nesse processo, é necessária a utilização de uma meto-dologia adequada para a captação e o acompanhamento de sujeitos, bem como apresentar as implicações desta captação e possíveis intervenções e desfechos para a Unidade de Pesquisa Clínica. Ressalta-se que o resultado final esperado dos estudos é a geração de dados confiáveis, para serem aceitos por toda a comunidade científica.

Há necessidade de programação e planejamento por parte dos profissionais envolvidos. Estes, inicialmente, devem ter conhecimento de suas responsabilidades diárias, seu possível grau de integração e interface com os demais componentes na pesquisa, além de familiarização com as ferramentas de trabalho e todos os protocolos de condução da investigação.

Em meio a esse universo da pesquisa clínica, nós, enfermeiros, podemos exercer funções de monitoria, colaborador ou coordenador. Até o momento, na realidade nacional, a de investigador principal somente pode ser exercida por um médico ou odontólogo.

No ensaio clínico randomizado, cego, de fase III e multicêntrico que participamos na ENSP/FIOCRUZ, exercemos nos anos de 2007 e 2008 a função de monitoria. Neste cargo, nossa principal preocupação é a rigorosa imple-mentação do estudo clínico, controlando e prevenindo desvios, falhas e vieses; buscando a autenticidade dos registros; e garantindo a atenção e o respeito aos direitos e bem-estar dos sujeitos.

É nosso trabalho monitorar a correta condução do protocolo já aprovado pelos CEPs das instituições envolvidas, CONEP e ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária); esclarecer as dúvidas de potenciais participantes, para que eles decidam conscientemente se desejam fazer parte da pesquisa; e identificar pontos no protocolo que possam ser ajustados de forma a otimizar o processo de captação.

Por motivos de preservação do estudo em questão e principalmente dos seus sujeitos, não é possível fornecer informações sobre os resultados parciais e/ou desfecho. Além disso, não é nossa intenção aqui descrevê-lo, mas sim enfatizar a participação de enfermeiros em pesquisas clínicas, independentemente da temática abordada.

O ponto de partida da operacionalização, pelo enfermeiro, de pesquisas clínicas está na observância dos critérios de inclusão e exclusão, pois eles definem dentre os voluntários quem serão os sujeitos selecionados para o estudo. Este processo chama-se de captação, triagem clínica ou screening.

Nesta etapa, avaliamos os resultados dos exames laboratoriais pertinentes, aplicamos o primeiro Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, havendo a aprovação do sujeito e de seu responsável legal (caso aquele seja menor de idade ou possua algum distúrbio mental que leve a uma substancial diminuição de sua capacidade de decisão), providenciamos e supervisionamos a coleta do material biológico para realização de exames mais específicos, próprios do estudo.

Após a coleta, acondicionamos e armazenamos o material biológico na Rede de Frio (RF) da Unidade em temperatura adequada, que deverá estar ligada a um gerador de energia. Esta é uma preocupação constante do enfermeiro, pois as oscilações na temperatura podem levar à perda de todo o material existente no centro de pesquisa e, conseqüentemente, ao prejuízo e retrocesso do estudo.

A maioria dos estudos publicados sobre RF refere-se a imunobiológicos/vacinas, mas estes mesmos conhecimentos também se adequam à pesquisa clínica. Desta forma, é necessário manter a integridade da RF, assegurando o processo de armazenamento, conservação, distribuição, transporte e manuseio dos materiais a serem utilizados e/ou já coletados, com o objetivo de manter suas características originais(9). Este é um desafio que requer completa inte-gração entre toda a equipe, principalmente do enfermeiro.

Portanto, supervisionamos as temperaturas da geladeira e do freezer durante todo o turno de trabalho e registramos os valores e ocorrência de mudanças com suas possíveis justificativas em um mapa de controle mensal. Este é arquivado junto com todos os outros dados da pesquisa em um banco de dados. Posteriormente, os dados são discutidos pela equipe multidisciplinar para a adoção de estratégias e associação com prováveis fatores de risco ou sazonais, visando implementar medidas de controle em tempo real para prever outros eventos e assegurar os níveis de normalidade.

Tal medida permite estabelecer análises quantitativas dos resultados através de programas estatísticos específicos, comparações entre os resultados obtidos nas demais unidades colaboradoras da pesquisa e monitorização da qualidade do trabalho de campo.

Responsabilizamo-nos também pelo envio de materiais biológicos e documentos de registro do sujeito por meio da equipe de transporte, que segue da unidade colaboradora até o laboratório e a unidade de análise de dados; certificamo-nos das atividades realizadas em campo, comparando-as com o protocolo pré-estabelecido; fazemos análise descritiva periódica das informações contidas no banco de dados; e treinamos novos profissionais que queiram atuar em pesquisa clínica, quando é necessário ampliar ou substituir alguém da equipe.

Temos equipes de apoio, que incluem: transporte de material biológico colhido dos participantes em con-dições ideais de preservação das amostras; transporte de kits de coleta de material biológico, de impressos e da droga sob investigação para as unidades; assim como equipes de análise laboratorial e de inserção dos re-gistros no sistema de informação, tudo isso também gerenciado pelo enfermeiro.

Mantemos contato constante com essas equipes por meio de um responsável pela supervisão de todas as unidades colaboradoras do estudo, geralmente o enfermeiro coordenador, para monitorar e agilizar os processos de liberação dos resultados dos exames e relatórios parciais.

Retomando o aspecto relativo aos sujeitos, quando finalmente o voluntário se enquadra nos pré-requisitos estabelecidos pelo protocolo do estudo, ele se torna um sujeito da pesquisa e se submete, voluntariamente, à intervenção com o princípio ativo ou placebo, através de alo-cação aleatória (dependendo do desenho do estudo), por um período de tempo pré-estabelecido. Logo em seguida, ele e seu responsável legal, caso este seja necessário, assinam o segundo TCLE.

Acompanhamos o processo de alocação aleatória, de monitoria da adesão ao estudo desde o início da intervenção, as exclusões e as possíveis desistências dos sujeitos, registrando todos os dados em planilhas de controles. Responsabilizamo-nos pelo armazenamento, administração, contabilidade e devolução do produto sob investigação, além do registro das intercorrências clínicas e eventos adversos por todo período de intervenção.

A adesão ao tratamento proposto é uma das maiores preocupações no ensaio clínico, pois não se sabe esclarecer o porquê de determinado grupo de sujeitos seguir rigorosamente as recomendações fornecidas pelo profissional que dispensa a droga investigada (enfermeiro monitor) e o outro grupo não valorizar o tratamento e tomá-la esporadicamente, mesmo com a garantia de que tem o direito de desistir a qualquer momento de sua participação. Deve-se lembrar que todos os participantes consentem voluntariamente com a intervenção, são informados sobre o estudo e têm suas dúvidas esclarecidas antes, durante e após a realização de qualquer procedimento.

Nem sempre o que o sujeito nos refere durante o tratamento é verídico, mas respeitamos sua participação sem manipulação das informações ou questionamentos comprobatórios. Porém, como estratégia, solicitamos ao final do tratamento a devolução do produto, para contabi-lizarmos e verificarmos se os dados de adesão auto-relatada coincidem com os da contabilizada. Também registramos as informações dos voluntários quanto à ocorrência de intercorrências clínicas, eventos adversos e se estão tomando a medicação conforme prescrição médica.

Partindo do referencial teórico das representações sociais, entende-se que a compreensão do tratamento pelo paciente é submetida a um processo de elaboração pessoal, que visa traduzir a informação médica em uma linguagem que lhe faça sentido. Esta atividade de aquisição do conhecimento não se dá de forma passiva, com o sujeito acumulando as informações apresentadas. A pessoa lança mão então de conhecimentos pré-existentes e constrói um mapa de informações que lhe servirá como guia de conduta(10).

Desta forma, devem-se estabelecer alianças, ou seja, vínculos entre os profissionais de saúde e os sujeitos, como forma de garantir credibilidade à equipe e, por conseguinte, ao tratamento prescrito(10).

Para isso, estabelecemos encontros mensais com cada paciente e semanais com a equipe para discutirmos os casos de intervenção antigos e as novas inserções, a fim de acompanhar toda a trajetória da pesquisa para cada sujeito, apurando os momentos antes, durante e após a intervenção, até o desfecho final do evento que está em estudo. Esse acompanhamento rigoroso tem como objetivo avaliar a eficácia da intervenção. Sempre que possível e necessário, participamos de sessões de discussão com toda a equipe, inclusive com o investigador principal, para avaliar resultados descritivos, verificar os dados preliminares gerados a partir do banco de dados e garantir a qualidade do nosso trabalho de campo.

Nestes momentos, aproveitamos a presença de pessoas especialistas no assunto, convidadas para a ocasião, e analisamos em conjunto a eficácia das estratégias utilizadas pela equipe na abordagem aos sujeitos do estudo e, se necessário, adotamos novos procedimentos e métodos de trabalho.

Fica claro, portanto, que fazem parte de nossas atribuições, como enfermeiros de pesquisa clínica, atividades não somente de assistência, mas também administrativas e de educação permanente. Além disso, nos dedicamos a estudos individuais e/ou em grupo com artigos científicos, principalmente internacionais, referentes à temática do projeto, e preparamos sub-projetos de pesquisa relacionados ao tema principal.

A constante capacitação e a experiência acumulada tornam a condução do estudo mais aprimorada. Porém, sabemos que devemos controlar nosso entusiasmo e autocon-fiança, para que não haja desvios na condução do estudo por simples descuidos.

Nossa experiência como enfermeiros de pesquisa clínica têm demonstrado valores expressivos neste trabalho de busca ativa por sujeitos de pesquisa e o monitoramento de sua participação no estudo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cotidiano do enfermeiro em pesquisa clínica é diferente do modelo habitual, o assistencial. Porém, exige a mesma dedicação e responsabilidade.

Trata-se de um campo de trabalho novo e muito interessante, pois requer aperfeiçoamento contínuo e trabalho em equipe multidisciplinar, com boa interação entre todos os participantes (colaboradores).

Todavia, vemos na prática que o enfermeiro assume responsabilidades ainda não padronizadas, indispensáveis à condução de uma pesquisa clínica, como a captação de sujeitos, acompanhamento deles durante a intervenção e sua monitorização até o desfecho do estudo.

Assim sendo, torna-se necessária a continuidade de estudos acerca da participação do enfermeiro em estudos clínicos e os relatos destes profissionais sobre sua vivência cotidiana, para que possamos compartilhar idéias sobre uma área rica e de forte expressão no mundo tecnológico em que vivemos.

Deve-se esclarecer que não há nenhum conflito de interesse na elaboração deste artigo.

Recebido: 30/06/2008

Aprovado: 15/04/2009

  • 1. Lousana G. Pesquisa clínica no Brasil. Rio de Janeiro: Revinter; 2002.
  • 2
    Sociedade Brasileira de Profissionais em Pesquisa Clínica. Manual sobre pesquisa clínica voltado para o paciente [texto na Internet]. 2007 [citado 2008 fev. 23]. Disponível em: http://www.sbppc.org.br/asbppc_manual_publico_leigo.php
  • 3. Galvão CM, Sawada NO, Mendes IAC. A busca das melhores evidências. Rev Esc Enferm USP. 2003;37(4):43-50.
  • 4. Alves LMM, Nogueira MS, Godoy S, Cárnio EC. Pesquisa básica na enfermagem. Rev Lat Am Enferm. 2004;12(1):122-7.
  • 5. Lousana G. Boas práticas clínicas nos Centros de Pesquisa. Rio de Janeiro: Revinter; 2005.
  • 6
    Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Considerações e definições para pesquisa clínica [texto na Internet]. Brasília; 2007. [citado 2008 fev. 23]. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/medicamentos/pesquisa/def.htm
  • 7. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Ensaios clínicos: princípios e prática. Brasília: Sobravime; 2006.
  • 8. Souza P. O enfermeiro e a gerência na pesquisa clínica: um estudo sobre a sua inserção [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2006.
  • 9. Aranda CMSS, Moraes JC. Rede de frio para a conservação de vacinas em unidades públicas do município de São Paulo: conhecimento e prática. Rev Bras Epidemiol. 2006; 9(2):172-85.
  • 10. Bakirtzief Z. Identificando barreiras para aderência ao tratamento de hanseníase. Cad Saúde Pública. 1996;12(4):497-505.
  • Correspondência:

    Daniele Fernandes de Aguiar
    Rua Edith de Jesus Moraes, 252 - Jd.Iguaçu
    CEP 26281340 - Nova Iguaçu, RJ, Brasil
  • (a
    ) O estudo randomizado controlado é considerado o melhor desenho de pesquisa para avaliar a eficácia de intervenções de saúde e, por isso, consiste no
    padrão-ouro na medicina baseada em evidências
    (3).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Aceito
      15 Abr 2009
    • Recebido
      30 Jun 2008
    Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
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