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Mulheres hospitalizadas por abortamento em uma Maternidade Escola na Cidade do Recife, Brasil

Mujeres hospitalizadas por aborto en una maternidad escuela en la ciudad de Recife, Brasil

Resumos

Estudo de corte transversal, realizado com 160 mulheres no período de 2005-2006, com o objetivo de descrever as características sócio-demográficas e reprodutivas de mulheres hospitalizadas por abortamento e o conhecimento sobre métodos contraceptivos e de indução para o abortamento. Para determinação da associação entre a classificação do abortamento e as variáveis sócio-demográficas e reprodutivas, utilizou-se o teste qui-quadrado de Pearson, considerando-se o nível de significância de 5%. Observou-se uma frequência de 56,3% de abortamento possivelmente induzido. A maioria ocorreu antes das 12 semanas (55,7%). Em relação ao perfil das mulheres: 48,9% entre 20-29 anos, 72,0% com oito anos ou mais de estudo; 90,1% tinham companheiros; 52,0% tinham de 1-3 filhos, 100% conheciam a pílula e o preservativo, e 80,0% o misoprostol. O perfil sócio-demográfico e reprodutivo das mulheres hospitalizadas por abortamento no serviço não se alterou nos últimos anos. O método mais conhecido para indução do abortamento continua sendo o misoprostol.

Aborto; Aborto induzido; Misoprostol


Estudio de corte transversal, realizado con 160 mujeres en el período 2005-2006 con el objetivo de describir las características socio-demográficas y reproductivas de mujeres hospitalizadas por aborto, el conocimiento sobre métodos anticonceptivos y de inducción del aborto. Para la determinación de la asociación entre la clasificación del aborto y las variables socio-demográficas y reproductivas se utilizó el test quincuadrado de Pearson, considerándose el nivel de significatividad de 5%. Se observó una frecuencia de 56,3% de abortos posiblemente inducidos. La mayoría ocurrió antes de las 12 semanas (55,7%). En relación al perfil de las mujeres: 48% entre 20 y 29 años, 72,0% con ocho años de estudios o más, 90,1% con compañeros, 52,0% tenían entre 1 y 3 hijos, 100% conocían la píldora y el condón y 80% el misoprostol. El perfil socio-demográfico y reproductivo de las mujeres hospitalizadas por aborto en el servicio no se alteró en los últimos años. El método más conocido para la inducción del aborto continúa siendo el misoprostol.

Aborto; Aborto inducido; Misoprostol


This cross-sectional study was performed with 160 women between 2005-2006. The objective was to describe the social-demographic and reproductive characteristics of women hospitalized due to abortions, and their knowledge about contraceptive methods and abortion induction. In order to determine the association between the abortion classification and social-demographic variables, Pearson's chi-square test was used, with a significance level of 5%. A frequency of 56.3% was found for probably induced abortions. Most cases of abortion occurred before 12 weeks (55.7%). As for the women's profiles: 48.9% were between 20-29 years old, 72.0% had eight years or more of schooling, 90.1% had a partner, 52.0% had 1-3 children, 100% knew about oral contraceptives and condoms and 80.0% had heard about misoprostol. The social-demographic and reproductive profile of women hospitalized at the referred service due to abortion did not change over the last years. Misoprostol remains the most known method for abortion induction.

Abortion; Abortion, induced; Misoprostol


ARTIGO ORIGINAL

Mulheres hospitalizadas por abortamento em uma Maternidade Escola na Cidade do Recife, Brasil

Mujeres hospitalizadas por aborto en una maternidad escuela en la ciudad de Recife, Brasil

Karla da Silva RamosI; Ana Laura Carneiro Gomes FerreiraII; Ariani Impieri de SouzaIII

IMestre em Saúde Materno-Infantil pelo Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira. Enfermeira do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira. Docente do Curso de Enfermagem da Escola Pernambucana de Saúde. Recife, PE, Brasil. pesquisa@imip.org.br

IIMestre em Saúde Reprodutiva pela Universidade Exeter do Reino Unido. Doutoranda de Pós-Graduação em Saúde Materno-Infantil do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira. Médica Ginecologista do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira. Recife, PE, Brasil. analaura@imip.org.br

IIIDoutora em Nutrição pela Universidade Federal de Pernambuco. Médica Ginecologista do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira. Docente do Curso de Pós-Graduação em Saúde Materno Infantil do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira. Docente do Curso de Medicina da Escola Pernambucana de Saúde. Líder do Grupo de Pesquisas em Saúde da Mulher do IMIP. Recife, PE, Brasil. ariani@imip.org.br

Correspondência Correspondência: Ariani Impieri de Souza Rua dos Coelhos, 300 - Boa Vista CEP 50070-550 - Recife, PE, Brasil

RESUMO

Estudo de corte transversal, realizado com 160 mulheres no período de 2005-2006, com o objetivo de descrever as características sócio-demográficas e reprodutivas de mulheres hospitalizadas por abortamento e o conhecimento sobre métodos contraceptivos e de indução para o abortamento. Para determinação da associação entre a classificação do abortamento e as variáveis sócio-demográficas e reprodutivas, utilizou-se o teste qui-quadrado de Pearson, considerando-se o nível de significância de 5%. Observou-se uma frequência de 56,3% de abortamento possivelmente induzido. A maioria ocorreu antes das 12 semanas (55,7%). Em relação ao perfil das mulheres: 48,9% entre 20-29 anos, 72,0% com oito anos ou mais de estudo; 90,1% tinham companheiros; 52,0% tinham de 1-3 filhos, 100% conheciam a pílula e o preservativo, e 80,0% o misoprostol. O perfil sócio-demográfico e reprodutivo das mulheres hospitalizadas por abortamento no serviço não se alterou nos últimos anos. O método mais conhecido para indução do abortamento continua sendo o misoprostol.

Descritores: Aborto. Aborto induzido. Misoprostol.

RESUMEN

Estudio de corte transversal, realizado con 160 mujeres en el período 2005-2006 con el objetivo de describir las características socio-demográficas y reproductivas de mujeres hospitalizadas por aborto, el conocimiento sobre métodos anticonceptivos y de inducción del aborto. Para la determinación de la asociación entre la clasificación del aborto y las variables socio-demográficas y reproductivas se utilizó el test quincuadrado de Pearson, considerándose el nivel de significatividad de 5%. Se observó una frecuencia de 56,3% de abortos posiblemente inducidos. La mayoría ocurrió antes de las 12 semanas (55,7%). En relación al perfil de las mujeres: 48% entre 20 y 29 años, 72,0% con ocho años de estudios o más, 90,1% con compañeros, 52,0% tenían entre 1 y 3 hijos, 100% conocían la píldora y el condón y 80% el misoprostol. El perfil socio-demográfico y reproductivo de las mujeres hospitalizadas por aborto en el servicio no se alteró en los últimos años. El método más conocido para la inducción del aborto continúa siendo el misoprostol.

Descriptores: Aborto. Aborto inducido. Misoprostol.

INTRODUÇÃO

A questão do abortamento tem sido amplamente discutida - e com diferentes enfoques - passando pela ética, política, movimento organizado de mulheres, igrejas, setores da saúde, aspectos jurídicos, entre outros. O problema é ainda mais abrangente nos países onde o abortamento é considerado ilegal, como no Brasil, uma vez que nesses países sua verdadeira dimensão não está adequadamente documentada, devido à falta de registros confiáveis(1). Assim, sua prevalência se baseia em estimativas, principalmente em registros de base hospitalar do sistema público de saúde, não havendo registros provenientes de serviços privados(2-3).

Estima-se que dos quase 20 milhões de abortamentos inseguros que ocorrem no mundo por ano com conseqüente morte, complicações ou seqüelas irreversíveis, 97% acontecem nos países em desenvolvimento(4). No Brasil, o abortamento contribui com 10 a 15% dos óbitos maternos, representa a quarta causa de mortalidade materna e está intimamente relacionado às desigualdades sociais brasileiras(5). Em Recife, no ano de 2002, o abortamento foi responsável por 9% dos óbitos por causas obstétricas evitáveis diretas, situando-se como a 4ª causa de óbito materno(6).

No Brasil, apesar da escassez de dados, alguns estudos descreveram o perfil das mulheres em risco de se submeterem ao aborto(3-7). Um documento do Ministério da Saúde que sistematizou 20 anos de pesquisa sobre abortamento no Brasil observou que as mulheres que abortam são predominantemente jovens, entre 20 e 29 anos, em união estável, com até oito anos de estudo, trabalham, são católicas, têm pelo menos um filho, são usuárias de contraceptivos e utilizam o misoprostol para abortar(3). Este, por sua vez, tem sido o método abortivo mais conhecido e utilizado atualmente(3). Estudos sobre conhecimento de métodos contraceptivos têm demonstrado que em geral as mulheres referem conhecer a maioria dos métodos disponíveis, principalmente pílula contraceptiva e condom masculino, embora quando se avalia a qualidade da informação, se verifique uma menor proporção de conhecimento adequado(7).

O conhecimento limitado dos métodos contraceptivos e a falta de programas nacionais de atenção à contracepção contribuem para o uso inadequado, abandono e falha do método, o que pode favorecer o abortamento inseguro(8).

OBJETIVOS

Com a finalidade de oferecer subsídios para o diagnóstico situacional do abortamento na cidade do Recife e colaborar para a implantação e multiplicação de serviços de assistência à mulher no período pós-aborto, o presente estudo teve por objetivo descrever as características sócio-demográficas e reprodutivas de mulheres hospitalizadas por abortamento, o conhecimento de métodos contraceptivos e de métodos utilizados para indução do abortamento de acordo com a classificação do abortamento em uma maternidade-escola da cidade do Recife.

MÉTODO

Realizou-se um estudo descritivo de corte transversal com 160 mulheres que procuraram a maternidade do Centro de Atenção à Mulher do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (CAM/IMIP), na cidade do Recife, Brasil, com abortamento de até 20 semanas e ou feto pesando menos que 500 gramas. A amostra foi composta por todas as mulheres atendidas no período de novembro de 2005 a julho de 2006. As mulheres foram selecionadas por meio do Livro de Registros do Centro Obstétrico, no qual se buscou aquelas que tinham sido registradas com diagnóstico de abortamento. Em seguida, essas mulheres foram localizadas nas enfermarias e foi feita a confirmação do diagnóstico e o convite para participar da pesquisa. As que aceitaram participar foram entrevistadas em ambiente reservado, após assinarem um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foi aplicado um questionário sobre dados socioeconômicos e reprodutivos, conhecimento de métodos contraceptivos e de métodos para a indução do abortamento. Foram ainda colhidos dos prontuários dados sobre tipo de abortamento, presença de complicações e tratamento realizado a fim de complementar as informações. Os abortamentos foram classificados de acordo com critérios sugeridos pela OMS em: 1- induzido, quando a mulher informou ter provocado o abortamento ou quando foram encontrados sinais de intervenção/manipulação uterina; 2- possivelmente induzido, quando havia presença de infecção uterina ou peritonite na admissão ou quando a gravidez não havia sido planejada e a mulher não estava fazendo uso de contracepção no ciclo da gestação; 3- espontâneo, quando não havia presença de nenhum dos critérios utilizados nas classificações anteriores. Para determinação da associação entre a classificação do abortamento e as variáveis socioeconômicas e reprodutivas utilizou-se o teste quiquadrado de Pearson, considerando-se o nível de significância de 5%. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Instituição sob o número 649/2005.

RESULTADOS

Em relação à idade gestacional houve predominância (55,7%) dos abortamentos abaixo de 12 semanas (precoces), sendo que em nove das 160 mulheres (5,6%) não foi possível determinar a idade gestacional. Quanto ao tipo do abortamento, 14,3% foram classificados como induzidos e 56,3% foram classificados como possivelmente induzidos. Não houve associação entre a classificação e a idade gestacional em que ocorreu o abortamento (p=0,223) (Tabela 1).

Independente da classificação, a maior ocorrência de abortamento se deu na faixa etária de 20 a 29 anos, correspondendo a 48,9% do total de casos. As adolescentes (abaixo de 20 anos) contribuíram com 17,9% da amostra. Em relação aos abortamentos classificados como induzidos, não houve nenhum registro de mulheres acima de 40 anos. Observou-se que 72% de mulheres possuíam mais de oito anos de estudo e 50% exerciam atividade remunerada. Em relação ao status conjugal, aproximadamente 10% não tinham companheiros. Observou-se que 44,3% eram nulíparas, sendo essa a categoria onde mais ocorreram os abortamentos classificado como espontâneos (21,9%). Houve associação entre o número de filhos e a classificação do abortamento (p<0,001). Não se registrou abortamento anterior em 72,5% das mulheres e não houve associação entre o número de abortamentos anteriores e a classificação do abortamento (Tabela 2).

Considerando cada método contraceptivo individualmente, 100% das entrevistadas afirmaram conhecer a pílula e o condom masculino. A ligadura de trompas foi mencionada por 90% das mulheres e a vasectomia por 73% delas (Tabela 3).

Em relação aos métodos para abortar, os mais conhecidos por ordem de freqüência foram: misoprostol/Cytotec®; chás abortivos e sonda (Tabela 4).

DISCUSSÃO

As 160 mulheres hospitalizadas com diagnóstico de abortamento representaram 3,1% dos internamentos obstétricos no período. A comparação dos resultados com estudo realizado na mesma instituição(9) em meados da década de 90, para identificação dos fatores de risco para hospitalização por abortamento, mostrou não ter havido pronunciada mudança no perfil dessas mulheres na última década. Na ocasião foi registrada uma prevalência de 5,7% de abortamentos entre todos os internamentos obstétricos(9). Outro estudo, realizado em data anterior, com dados coletados entre o período de 1988-1992, nesse mesmo hospital, encontrou uma prevalência de abortamento em torno de 10,0%(2). Esse declínio no número de hospitalizações por abortamento observado entre os dois períodos anteriores seguiu-se à popularização do uso do misoprostol no início da década de 1990, o que resultou em uma diminuição nos internamentos para tratamento de possíveis complicações por abortamento, uma vez que, as mulheres que utilizam o misoprostol, podem não procurar os serviços de saúde por ter seus abortamentos resolvidos no próprio domicílio(3). Soma-se a isso, o fato da dificuldade de se obter a informação da mulher que induz o abortamento, não apenas devido ao seu caráter de ilegalidade, mas também pelo fato do assunto ser quase sempre permeado por aspectos culturais, religiosos, éticos e psicológicos, os quais interferem na coleta das informações(1). A OMS, em 1978, estabeleceu scores para classificação dos abortamentos de acordo com a declaração da mulher e as circunstâncias em que a mesma chega ao hospital(10). Baseados nos critérios da OMS, os abortamentos deste estudo foram classificados em espontâneos ou induzidos (subdivididos em certamente e possivelmente induzidos). Dos 160 abortamentos, 29,4% foram classificados como espontâneos, ou seja, não se encontrou nenhum indício de que o abortamento pudesse ter sido induzido. Uma pesquisa realizada em Campinas(2) enfatizou a dificuldade em estabelecer a verdadeira parcela dos abortamentos espontâneos dentre todos os abortamentos, uma vez que muitos dos espontâneos nem chegam a ser diagnosticados por não necessitarem de cuidados hospitalares. Além disso, estima-se entre 12 e 15% a taxa de abortamentos espontâneos que ocorrem antes de 12 semanas entre as gestações clinicamente reconhecidas, cuja maioria não necessitaria de hospitalização(11). Apesar da possibilidade de erro de classificação, a adoção dos critérios sugeridos pela OMS e adaptados para este estudo tenta identificar de forma indireta os abortamentos induzidos o que, de outro modo, só seria possível com a declaração da mulher.

Considerando os critérios da OMS, 70,6% dos abortamentos deste estudo foram classificados como induzidos (entre induzidos e possivelmente induzidos), sendo que, apenas 14,3% das mulheres relataram ter realizado algum procedimento para induzir o abortamento. A proporção de mulheres que declarou ter induzido o abortamento foi bem menor que o obtido no estudo realizado há cerca de 10 anos no mesmo serviço(9); bem como em um estudo realizado em 2001, na Região do Triângulo Mineiro(12); que identificou 30,4% e 37,9% de abortamentos induzidos, respectivamente. De fato, esses dados podem traduzir uma diminuição no número de abortamentos induzidos que necessitariam de hospitalização, mas, por outro lado, deve-se considerar o receio das mulheres em revelar informações tão íntimas, uma vez que as entrevistas foram realizadas no momento em que o risco de complicação já havia passado, com algumas delas já em alta hospitalar(12)

Em relação à idade da mulher, a maior incidência de abortamento, independentemente da classificação, foi entre 20 e 29 anos, correspondendo a 48,9% das mulheres. Essa também foi a faixa de idade predominante no estudo realizado entre mulheres com abortamento séptico na região do Triângulo Mineiro(12); que encontrou 62,0% das mulheres nesta mesma faixa de idade. No estudo anterior, na mesma instituição onde foi desenvolvido o presente estudo, um pouco mais da metade das mulheres (54,3%) também pertencia a essa faixa etária(8). De uma forma geral, essa é a faixa de idade predominante na maioria dos estudos sobre abortamento ou sobre problemas relacionados à gestação(12); uma vez que corresponde à idade considerada ideal para procriar. Além disso, uma revisão sobre as características de mulheres que recorrem ao aborto induzido, em diferentes países, observou maior ocorrência de abortamentos em mulheres de 20 a 29 anos, provavelmente porque existe maior probabilidade das mulheres nessa faixa de idade serem casadas, sexualmente ativas e férteis, resultando em elevadas taxas de gravidez(13). Essa mesma revisão encontrou um menor percentual de abortamento entre mulheres nos extremos da idade reprodutiva (menos de 20 e mais de 40 anos)(13). No presente estudo, as adolescentes representaram menos de 20% da amostra, percentual discretamente menor do que o encontrado no estudo anterior, no mesmo hospital (25,7%), podendo sugerir uma diminuição no número de abortos entre adolescentes acompanhando a tendência na diminuição do número de hospitalização por abortamentos de uma forma geral(9).

No presente estudo, um elevado percentual (72,0%) das mulheres tinham oito anos ou mais de escolaridade, podendo refletir a melhora na escolaridade da população, conforme recentes dados revelados pela PNDS (Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher)(13). Estudo de revisão revelou que a maioria dos abortamentos, em diferentes países, ocorre em mulheres com algum nível de escolaridade do segundo grau(14). Mulheres com níveis educacionais mais altos podem estar mais motivadas para terminar uma gravidez não planejada e completar sua educação ou aumentar sua experiência de trabalho.

O presente estudo observou que 90,1% das mulheres referiram ter companheiro, coincidindo com os achados do estudo anterior na mesma instituição(9); onde 67,4% das mulheres que sofreram abortamento tinham companheiro, evidenciando a influência da opinião do companheiro na decisão de abortar(2,9). Um estudo sobre fatores de risco e preditores para o aborto induzido encontrou diferentes preditores de acordo com a faixa etária, de modo que estar separada ou divorciada foi fator preditor de abortamento para a faixa etária de 20 a 29 anos, enquanto para a faixa de idade de 30 a 39 anos o fator preditor foi viver com o companheiro ou em união estável(15). Por outro lado, outros estudos revelaram o pouco envolvimento masculino na decisão de abortar, com conseqüente maior responsabilidade da mulher no processo de tomada de decisão sobre o futuro da gravidez(16-17).

Em relação ao conhecimento dos métodos contraceptivos, a presente pesquisa observou que a totalidade das mulheres conhecia a pílula e o condom masculino. Estudo realizado em Campinas observou que a pílula e o condom também figuraram como os dois métodos contraceptivos mais conhecidos, com 95,1% e 72%, respectivamente. Considerando que essas informações foram referidas espontaneamente pelas mulheres, a lembrança do condom por todas as mulheres deste estudo, pode refletir, de algum modo, o trabalho de divulgação e educação sexual desenvolvido pelos programas de atenção à saúde da mulher e do adolescente, assim como o programa de combate à DST/AIDS fortalecido na última década(18).

Observou-se que 80% das mulheres desta pesquisa identificaram o Cytotec® (misoprostol) como método para abortar, havendo semelhança com os achados do estudo anterior(9). Desde os primeiros trabalhos surgidos no início da década de 90, evidenciando o uso indiscriminado do misoprostol como abortivo no Brasil, tem-se associado esta substância a um menor risco à saúde, menor tempo e menor custo das hospitalizações em conseqüência do abortamento(2). O documento que sistematiza os estudos nacionais sobre abortamento nos últimos 20 anos revelou uma mudança no cenário das práticas abortivas, no qual 50% a 85% das mulheres que declaram induzir o aborto utilizaram o misoprostol, principalmente no Nordeste e no Sudeste(3).

Apesar das limitações metodológicas pertinentes ao desenho do presente estudo, ele traça um perfil mais atualizado da população de mulheres que recorre ao serviço avaliado para resolução de complicações do abortamento. A identificação desse perfil poderá contribuir para a implantação do programa pós-abortamento nesse serviço, visando romper com o ciclo do abortamento através do acesso facilitado ao aconselhamento contraceptivo e à educação sexual que possibilitem escolhas livres e informadas, no pós-abortamento(8).

CONCLUSÃO

O método mais conhecido para indução do abortamento continua sendo o misoprostol. O perfil sócio-demográfico e reprodutivo das mulheres hospitalizadas por abortamento não se alterou nos últimos anos quando comparado com um estudo realizado no mesmo hospital há 10 anos.

Deste modo, os dados possibilitam subsidiar o planejamento e implantação das ações de atenção ao abortamento, em especial a educação acerca do planejamento familiar em âmbito institucional com possibilidade de multiplicação desta iniciativa em outros contextos.

Recebido: 10/11/2008

Aprovado: 01/09/2009

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  • Correspondência:

    Ariani Impieri de Souza
    Rua dos Coelhos, 300 - Boa Vista
    CEP 50070-550 - Recife, PE, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Out 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Recebido
      10 Nov 2008
    • Aceito
      01 Set 2009
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