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Práticas pedagógicas no ensino de enfermagem: um estudo na perspectiva da análise institucional

Prácticas pedagógicas en la enseñanza de enfermería: un estudio en la perspectiva del análisis institucional

Resumos

O objetivo geral da pesquisa foi conhecer as práticas pedagógicas que já vêm sendo desenvolvidas no ensino de Enfermagem, para identificar e analisar aquelas que promoveram mudanças e inovações pedagógicas. A pesquisa foi de abordagem qualitativa, comparativa e de campo. Os sujeitos do estudo foram docentes e discentes de enfermagem. Os dados foram obtidos por entrevistas individuais e os grupos focais foram analisados pelo método da Análise Institucional. Identificaram-se práticas pedagógicas diversas nos dois cursos, desde as mais tradicionais até aquelas consideradas inovadoras. Constatou-se que as mudanças já estão presentes e fazem parte de um conjunto de fatores resultantes da ruptura com valores que começam a ser considerados insuficientes ou inadequados pelos próprios docentes. A pesquisa demonstrou que a atividade de ensinar e a qualificação da prática pedagógica passam indelevelmente pelo desejo do sujeito que ensina.

Educação em enfermagem; Ensino superior; Inovação; Formação de recursos humanos


El objetivo general de la investigación fue conocer las prácticas pedagógicas que ya vienen siendo desarrolladas en la enseñanza de Enfermería para identificar y analizar aquellas que promuevan cambios e innovaciones pedagógicas. La investigación fue de abordaje cualitativo, comparativo y de campo. Los sujetos de estudio fueron docentes y alumnos de enfermería. Los datos se obtuvieron mediante entrevistas individuales y grupos focales, y fueron analizados por el método de Análisis Institucional. Se identificaron prácticas pedagógicas diversas en los dos cursos, desde las más tradicionales hasta aquellas consideradas innovadoras. Constatamos que los cambios ya están presentes y forman parte de un conjunto de factores provocados por la ruptura con valores que comienzan a ser considerados insuficientes o inadecuados por los propios docentes. La investigación nos mostró que la actividad de enseñar y la calificación de la práctica pedagógica pasan indeleblemente por la intención del sujeto que enseña.

Educación en enfermería; Educación superior; Innovación; Formación de recursos humanos


The general objective of this study was to learn about the pedagogical practices that are already in use in nursing teaching in order to identify and analyze those that have brought changes and innovation. This field study used a qualitative and comparative approach, and the subjects were nursing professors and students. The data was collected through individual interviews and focal groups. Data analysis was based on the Institutional Analysis method. Several pedagogical practices were recognized, from the most traditional to those considered innovative, and it was noticed that changes are already present and are part of a set of elements caused by the obsolescence of values that are now considered to be insufficient or inappropriate by professors themselves. The study revealed that the activity of teaching and the qualification of the pedagogical practices are always desired by professors.

Education, nursing; Education, higher; Innovation; Human resources formation


ARTIGO ORIGINAL

Práticas pedagógicas no ensino de enfermagem: um estudo na perspectiva da análise institucional* * Extraído da pesquisa multicêntrica "Análise das dinâmicas subjacentes aos processos de mudança que apontam para novas práticas na formação de enfermeiros em duas instituições públicas de ensino de graduação em enfermagem", Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso, 2009.

Prácticas pedagógicas en la enseñanza de enfermería: un estudio en la perspectiva del análisis institucional

Wilza Rocha PereiraI; Cláudia Mara Melo TavaresII

IDoutora em Enfermagem. Professora Associada I da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá, MT, Brasil. wilzarp@terra.com.br

IIDoutora em Enfermagem. Professora Titular da Universidade Federal Fluminense. Niterói, RJ, Brasil. claumara@vr.microlink.com.br

Correspondência Correspondência: Wilza Rocha Pereira Rua Oriente Tenuta, 877/901 CEP 78048-450 - Cuiabá, MT, Brasil

RESUMO

O objetivo geral da pesquisa foi conhecer as práticas pedagógicas que já vêm sendo desenvolvidas no ensino de Enfermagem, para identificar e analisar aquelas que promoveram mudanças e inovações pedagógicas. A pesquisa foi de abordagem qualitativa, comparativa e de campo. Os sujeitos do estudo foram docentes e discentes de enfermagem. Os dados foram obtidos por entrevistas individuais e os grupos focais foram analisados pelo método da Análise Institucional. Identificaram-se práticas pedagógicas diversas nos dois cursos, desde as mais tradicionais até aquelas consideradas inovadoras. Constatou-se que as mudanças já estão presentes e fazem parte de um conjunto de fatores resultantes da ruptura com valores que começam a ser considerados insuficientes ou inadequados pelos próprios docentes. A pesquisa demonstrou que a atividade de ensinar e a qualificação da prática pedagógica passam indelevelmente pelo desejo do sujeito que ensina.

Descritores: Educação em enfermagem. Ensino superior. Inovação. Formação de recursos humanos.

RESUMEN

El objetivo general de la investigación fue conocer las prácticas pedagógicas que ya vienen siendo desarrolladas en la enseñanza de Enfermería para identificar y analizar aquellas que promuevan cambios e innovaciones pedagógicas. La investigación fue de abordaje cualitativo, comparativo y de campo. Los sujetos de estudio fueron docentes y alumnos de enfermería. Los datos se obtuvieron mediante entrevistas individuales y grupos focales, y fueron analizados por el método de Análisis Institucional. Se identificaron prácticas pedagógicas diversas en los dos cursos, desde las más tradicionales hasta aquellas consideradas innovadoras. Constatamos que los cambios ya están presentes y forman parte de un conjunto de factores provocados por la ruptura con valores que comienzan a ser considerados insuficientes o inadecuados por los propios docentes. La investigación nos mostró que la actividad de enseñar y la calificación de la práctica pedagógica pasan indeleblemente por la intención del sujeto que enseña.

Descriptores: Educación en enfermería. Educación superior. Innovación. Formación de recursos humanos.

INTRODUÇÃO

A inovação, tanto nas práticas de saúde como na formação daqueles que neste setor irão atuar, é altamente desejada e tem sido motivo de elaboração e implementação de várias políticas públicas para que novos modelos de ensinar e de cuidar em saúde sejam viabilizados. A pesquisa que aqui apresentamos os resultados é fruto de uma dessas políticas.

As Instituições de Ensino Superior (IES) que participaram deste estudo realizam grande parte do ensino das práticas em saúde em serviços ligados ao Sistema Único de Saúde (SUS), atendendo mais de 85% da população brasileira nas suas necessidades de saúde em todos os níveis de atenção e em todo o território nacional. Há grandes investimentos do Ministério da Saúde em conjunto com o Ministério da Educação para que os profissionais de saúde sejam formados dentro de um perfil que atenda a esse imenso contingente populacional que depende unicamente do SUS para atender as suas necessidades de saúde.

Acreditamos que as IES de enfermagem encontram-se em processos de mudanças devido a essas políticas e essas apontam para várias práticas pedagógicas alternativas e inovadoras. Contudo, tais práticas têm sido ainda pouco estudadas. Para dar visibilidade ao que há de novo no âmbito das IES é que realizamos este estudo. Procuramos saber quem são os docentes que estão envolvidos nesses processos, quais são suas motivações e estratégias e como elas são apreendidas e compreendidas pelos discentes.

Inovação talvez seja a palavra mais usada hoje no cenário educacional. Esta palavra de natureza polissêmica é utilizada tanto em discursos conservadores quanto progressistas, podendo referir-se tanto a mudanças periféricas quanto a mudanças profundas nas estruturas do ensino(1).

Inovar é transformar a própria prática, o que não pode acontecer sem uma análise do que é feito e das razões para manter ou mudar. Assim, a fonte da inovação endógena é a prática reflexiva, que é mobilizadora de uma tomada de consciência e da elaboração de projetos alternativos(2).

Nesta pesquisa definimos como inovação o conjunto de ações desenvolvidas pelo docente de enfermagem que apontam uma formação para a cidadania, para a valorização do exercicio da democracia tanto no ambiente acadêmico como no dos serviços públicos de saúde. Valorizamos as experiências que mostram o aluno exercendo a própria cidadania nos locais onde atua, respeitando e estimulando a cidadania e o direito dos usuários do SUS.

Partimos da idéia de que já havia práticas inovadoras acontecendo nas duas instituições selecionadas para este estudo, mas que estas eram, por razões diversas, pouco visibilizadas ou mesmo divulgadas, inclusive pelos que as realizavam. Promover e dar visibilidade a essas práticas, e trazer à tona seu potencial transformador, foi a razão desta pesquisa.

OBJETIVOS

Foram três as fases da pesquisa, cada uma com um objetivo:

Na primeira fase nosso objetivo foi conhecer, a partir da visão de docentes e discentes, quais eram as práticas pedagógicas desenvolvidas no ensino nos Cursos de Graduação em Enfermagem das Universidades Federal de Mato Grosso (UFMT) e Federal Fluminense (UFF), locais do estudo. Na segunda fase do estudo, nos propusemos a identificar, dentre as práticas pedagógicas desenvolvidas, aquelas que vêm causando ou que causaram mudanças e inovações pedagógicas nos dois cursos, a partir da visão dos sujeitos do estudo, os alunos e docentes das duas universidades onde realizamos a pesquisa. Na terceira fase da pesquisa, nosso objetivo foi ampliado e procurou responder à pergunta com a qual iniciamos a pesquisa, que consistia em compreender, a partir do olhar teórico da análise institucional, quais eram as dinâmicas e as motivações que estão subjacentes às práticas pedagógicas consideradas mais inovadoras e mudancistas nos dois cursos estudados, na visão dos docentes e discentes dos cursos estudados.

REVISÃO DE LITERATURA E CONCEITOS SUBJACENTES AO ESTUDO

A corrente de pensamento denominada Análise Institucional foi o referencial teórico-metodológico no qual nos embasamos para proceder à análise dos dados desta pesquisa. Esta opção se deu por entendermos que o institucionalismo traz não só maneiras inovadoras de repensar a realidade social, mas pode ser utilizado como um método de intervenção nessa mesma realidade. No mesmo processo, pesquisa-se e provocam-se transformações na realidade(3).

Por ser uma corrente de pensamento bastante singular, acreditamos ser necessário esclarecer previamente alguns dos conceitos e noções próprios da teoria que utilizamos para estabelecer o diálogo entre o teórico e o empírico na análise dos dados. Quando fizemos a coleta de dados por grupos focais nos utilizamos de dois processos que são denominados nesta corrente de pensamento como auto-análise e auto-gestão, conceitos considerados como centrais na análise institucional.

A auto-análise é um conceito que tem sua origem na psicanálise freudiana e consiste em colocar os sujeitos, as comunidades, os coletivos como os protagonistas de seus problemas; são eles que falam quais são as suas necessidades e definem as suas demandas; são eles que, neste processo de autoanalisar-se criam novos enunciados, compreendem e adquirem um vocabulário próprio que lhes permite construir e desconstruir saberes acerca de sua vida(4). Nas comunidades, os processos de auto-análise ocorrem de forma simultânea com os

processos de auto-organização, em que a comunidade se articula, se institucionaliza, se organiza para construir os dispositivos necessários para produzir, ela mesma, ou para conseguir os recursos de que precisa para o melhoramento de sua vida sobre a terra(4).

Um dos conceitos que precisamos entender é o de instituição, pois este nos impõe um deslocamento teórico para a sua compreensão. Na análise institucional, instituições são árvores de decisões lógicas que regulam as atividades humanas, indicando o que é proibido, o que é permitido e o que é indiferente(4). As instituições são objetivadas socialmente pelos sujeitos que lhes dão vida e movimento, assim segundo o grau de objetivação, podem estar expressas em leis (princípios-fundamentos) normas ou pautas(4).

Nesta pesquisa trabalhamos com a instituição da educação, mas são também instituições a linguagem, as relações de parentesco, a religião, o Estado, a justiça, a saúde, dentre outras. Para uma instituição realizar sua função regulamentadora, ela precisa materializar-se em organizações e estabelecimentos. No caso deste estudo, a organização que nos regulamenta legalmente é o Ministério da Educação e o estabelecimento em que nos inserimos é a universidade, ambos criados para concretizar, localizar, mediar a educação superior no país.

São as instituições que informam e formam as organizações e estas definem como devem funcionar os estabelecimentos. Nestes últimos estão os equipamentos, que são, segundo os institucionalistas, os dispositivos técnicos, como máquinas, as instalações, os arquivos que são manipulados tanto simbolicamente como fisicamente pelos agentes. São estes, com as suas práticas, que dão vida às instituições, ou seja, as instituições se materializam pela prática de seus agentes. Estas práticas podem ser visíveis e claras ou invisíveis e subterrâneas, ou seja, os agentes jogam o tempo todo, de acordo com seus desejos e interesses para que a instituição cumpra o seu papel emancipador, criando situações que forjam autonomia e cidadania ou podem também fazer o contrário. Não há instituições fora dos sujeitos, são eles que as criam e lhes dão alma e sentido, são eles os protagonistas que dão vida às instituições(5).

A Educação é a instituição mais privilegiada para produzir sujeitos emancipados, mas esse processo passa pelo arbítrio de seus diferentes agentes. Os agentes da educação vão além dos docentes e discentes e englobam todo o corpo técnico que atua dentro das organizações e estabelecimentos de ensino.

Nossos sujeitos de pesquisa são os docentes e discentes de graduação em enfermagem e no estudo os denominamos sujeitos/agentes, pois é através deles que a instituição da educação acontece. São sujeitos da pesquisa, mas são agentes da educação e é dela que surge o nosso objeto de estudo, as práticas pedagógicas. Os agentes/docentes de enfermagem executam práticas que podem ser verbais ou não verbais, práticas teóricas ou técnicas, científicas ou de senso comum, porém, todas sempre se entrelaçam em um vivo dinamismo que pode, relembramos, produzir enfermeiros/sujeitos autônomos e cidadãos, ou o contrário sujeitos heterônomos e dependentes de outrem para decidir sobre a própria vida profissional. A responsabilidade dos agentes que pensam e executam as práticas pedagógicas é imensa, mas muitas vezes essa responsabilidade é discutida apenas de maneira mistificada, onde a sua importância é realçada apenas no discurso e pouco cobrada pelas instâncias regulatórias das organizações.

A mistificação faz parte das três grandes situações viciosas que podem por em risco o dinamismo dialético que deveria ser inerente às instituições. As outras duas são a exploração e a dominação. Estas são as maiores deformações, que impedem a realização das mais altas aspirações de todas as sociedades, como diferentes formas de liberdade, de igualdade, de verdade e de fraternidade, que deveriam perpassar a educação(4).

Nas instituições existem duas vertentes, dois pólos que se contrapõem dialeticamente: a vertente dita instituinte e, por outro lado, sua parte instituída. O pólo instituinte aparece sempre como um processo enquanto que o instituído virá como um resultado. Há uma tensão dialética constante entre esses dois pólos, o instituinte transmitindo uma característica dinâmica, mutável e mutante e o instituído portando uma característica estática, assentada. Se o instituído representa a lei, a ordem o conhecido, o instituinte mostra seu lado transformador, criativo, revolucionário, mas este será sempre informado e transformado pelo instituído que, por sua vez, gera, cria o instituinte e é regenerado, recriado por ele.

Para ocorrerem transformações em qualquer instituição haverá necessidade de uma tensão entre os pólos e esta tensão pode ser revolucionária ou conservadora, dependendo do nível de questionamentos dos agentes que produzem a instituição. Se o momento é de muita anarquia e inquietação, o desejo dos agentes poderá ser pela volta à ordem ou à tradição, ou vice-versa. Quanto mais revolucionária for uma prática - revolucionária no sentido de mobilizar o desejo dos agentes - mais ela contribui para transformações no imaginário social. O desejo dos agentes por mudanças provoca transformações nas instituições e movimenta as relações de poder, alterando-as(5).

MÉTODO

Trata-se de uma investigação de abordagem qualitativa, do tipo exploratória. Utilizamos o estudo de caso comparativo por mostrar-se útil para gerar conhecimentos sobre características significativas de eventos vivenciados em locais diferentes mas com um ponto de ancoragem comum, como é o caso desta pesquisa, pois pretendemos comparar realidades diferenciadas para melhor aproveitar as experiências bem-sucedidas de ambas(3).

Os cenários de investigação foram as duas instituições públicas de ensino de enfermagem, na UFMT coletamos dados no Campus de Cuiabá/MT e na UFF o de Niterói/RJ.

Os sujeitos pesquisados foram docentes e discentes dos dois cursos estudados que consentiram participar da pesquisa, nas diferentes fases da mesma. Foi esclarecido que a participação em uma fase não implicaria participar das fases seguintes, pois cada um poderia desistir de ser um participante no momento que desejasse.

Para a coleta de dados foi realizada, na primeira fase da pesquisa, a entrevista com todos os sujeitos que foram convidados e se propuseram participar do estudo. Ressaltamos que fizemos um chamamento para todos os docentes e discentes nos dois cursos estudados, esclarecendo os objetivos do estudo e a importância da participação para que pudéssemos melhor conhecer nossa realidade no que se referia ao objeto do estudo: as práticas pedagógicas. Nessa fase tivemos a realização de 10 entrevistas com docentes e 24 com discentes nas duas escolas. Todos esses sujeitos foram convidados a participar da segunda fase da pesquisa, quando aplicamos a técnica da entrevista por grupo focal. Realizamos as entrevistas, que foram gravadas e posteriormente transcritas. Organizamos e analisamos os dados coletados nas entrevistas e, a partir dessa análise, construímos um novo instrumento para a segunda fase da coleta de dados: o roteiro de temas a abordar nos grupos focais.

Na segunda fase, fizemos um novo chamamento e realizamos os grupos focais com docentes e com discentes, nos dois locais estudados. Foram 07 GF com docentes e 05 com discentes nas duas escolas, somando um total de 29 docentes e 24 discentes participantes dos mesmos. Os grupos focais foram marcados e funcionaram como dispositivos para mobilizar o grupo em direção à temática central da pesquisa, ou seja, o processo de mudança e as inovações percebidas na formação e nas experiências que docentes e discentes identificavam já estar ocorrendo nos dois cursos.

Essa técnica mostrou-se altamente positiva, pois funcionou para o grupo fazer ponderações importantes sobre o que entendiam por mudanças e inovações, obrigando os pesquisadores a procurar novos conceitos para mudanças e inovações que fossem mais compatíveis com as colocações dos participantes do estudo.

Esta investigação foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), credenciado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP/MS) do Hospital Universitário Júlio Muller pelo processo registrado sob o número 316, no ano de 2007. Obtivemos o consentimento das duas escolas para o desenvolvimento das atividades programadas e mantivemos o sigilo, a individualidade e o respeito à liberdade de participação ou de não participação em todas, ou em apenas uma das fases da pesquisa.

Na apresentação dos resultados utilizamos as siglas GFDIS para depoimentos extraídos do grupo focal com discentes e GFDOS para os grupos com docentes. Para identificar os resultados das entrevistas, utilizamos a sigla EDI para as entrevistas realizadas com discentes e EDO para aquelas realizadas com os docentes. Foi seguida uma seqüência numérica para identificar os sujeitos do estudo e para a preservação do seu anonimato (GFDIS01, GFDOC01, EDI01, EDO01). Para analisar os resultados orientamo-nos pelo método da Análise Institucional.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Partimos do processo de auto-análise realizado dentro do próprio grupo e pelo próprio grupo, que permitiu aos sujeitos participantes dos grupos focais avaliarem as condições nas quais estão inseridos e buscar soluções para seus problemas. A auto-análise é um conceito que tem sua origem na psicanálise e consiste em colocar as comunidades como protagonistas de seus problemas, de suas necessidades, de suas demandas podendo, assim, enunciar, compreender, adquirir ou readquirir um vocabulário próprio que lhes permita saber acerca de sua vida(4).

Neste estudo, a revisão de literatura vem em diálogo com os resultados do estudo, sob forma de uma discussão dialógica. Todos os grupos focais geraram depoimentos onde as docentes e discentes das duas escolas estudadas fizeram processos de auto-análise e de autogestão dentro do próprio grupo estudado. Estes sujeitos questionaram as formas como entendem que estão inseridos nos processos e como podem intervir nos aspectos mais instituídos das práticas pedagógicas e vislumbram nessa auto-análise novas formas para gerar outros dispositivos que interfiram na realidade e ali provoquem as mudanças desejadas.

A educação nesta pesquisa é a instituição sobre a qual voltamos nosso olhar. O Ministério da Educação, ao definir as políticas, as leis e regras de como deve funcionar, acontecer, realizar-se a educação, evidencia a face mais instituída da educação(4). Embora haja muito de instituído na prática pedagógica, uma vez que ela deve ser organizada, monitorada, avaliada pelos que as pensam, há formas de transformar esse aspecto aparentemente tradicional do ensino, o planejamento das atividades que envolverão os alunos, em uma prática prazerosa. Ao inserir no planejamento a preocupação com as experiências que os alunos precisam ter quando vão para aulas práticas e que estas sejam de cuidado com o aprendiz, os docentes tornaram sua prática pedagógica mais instituinte que instituída, como vemos no depoimento a seguir:

[...] em relação às boas práticas que a gente teve também eu vou citar as professoras de enfermagem e cidadania. E eu achei interessantes as aulas delas, não por elas terem levado a gente no hospital e ter agendado palestras, mas pelo compromisso mesmo de professores que elas tiveram com a gente. Elas sempre acompanharam, nunca nos deixaram dispersos, soltos no assunto. Primeiro orientaram, deram aula teórica, explicaram tudo o que ia acontecer, fizemos um projeto e deram um cronograma. Elas montaram uma estrutura muito boa pra que a gente tivesse uma boa aula. Foi um aprendizado excelente (GFDIS 01-UFMT).

Há um envolvimento constante dos docentes para conseguir campos de estágio para os alunos, pois com o surgimento de uma grande quantidade de novos cursos de enfermagem, hoje, há grande concorrência pelos mesmos. Os docentes acabam criando esses espaços, articulando o conhecimento que têm, com os espaços onde percebem potencial para que estes possam ser úteis e, junto com o seu trabalho, criam novos espaços de práticas, como diz essa docente:

Hoje no HU os alunos de enfermagem começaram a participar de sessões clínicas com profissionais de outras áreas, a partir de um pequeno Serviço Ambulatorial que criamos na disciplina há anos atrás, quando precisávamos garantir um lugar para realização da consulta de enfermagem. A gente sabe que integração e mudança dependem do querer... A experiência é pequena, mas é um espaço importante para a construção coletiva (GFDOS01-UFF).

Observamos nos depoimentos acima, pequenos gestos instituintes na prática docente. O movimento inovador no micro-institucional pode ser tão importante quanto o movimento do todo institucional, pois pode ocorrer uma síntese (dialética) entre as condições objetivas institucionais e o surgimento dos interesses de mudança individuais, favorecendo processos mais amplos. Assim, na contramão do modelo dominante de ensino, desenvolvido dentro de uma visão tecnicista e alienante, as ações inovadoras procuram explorar novas possibilidades no contexto dos conflitos e das contradições de uma escola historicamente situada, podendo, dessa forma, mobilizar processos significativos de mudança(6).

Os aspectos mais formais da instituição educação se contrapõem aos mais informais, que são as pautas, as intenções, as maneiras singulares de se fazer e ensinar em enfermagem. O compromisso dos docentes marcou uma maneira singular de educar. Nessas singularidades é onde se reafirmam os sujeitos da educação, com suas crenças, saberes, valores. Educar é um trabalho vivo em ato e ele se faz através dos sujeitos que lhe dão vida. Não há como separar o sujeito que ensina daquilo que ele é. A sua prática de ensinar está ligada à sua percepção de mundo, de enfermagem, de saúde, de educação, dentre outras. Os docentes têm grande responsabilidade para com o processo de formação de sujeitos éticos e compromissados com a coletividade onde se inserem e onde irão atuar, pois eles são mais que professores; acabam por se tornar modelos a serem seguidos pelos alunos. São muitas as circunstâncias em que o aluno vê o mestre agindo ou reagindo e ali ele encontra o profissional que gostaria (ou não) de se tornar(7).

O docente precisa se reinventar todos os dias para manter viva e instituinte a sua prática docente. Nessas reinvenções e singularidades está dada uma margem ampla de liberdade aos sujeitos, margens essas que podem ser ampliadas e produzir autonomia, mas que podem também ser reduzidas e gerar heteronomia. Como vemos na fala seguinte:

[...] a gente ia pro PSF e chegava lá não tinha professor pra orientar, a enfermeira também não sabia o que era pra fazer com a gente, então foi uma prática totalmente desastrosa, chegou no final do curso que era pra ter feito relatório, a gente só falou. No outro dia a professora chegou lá no PSF e falou que nem ela sabia o que era pra fazer lá, que estava no cronograma que era uma prática, mas ela não sabia como ela ia fazer isso. Às vezes a gente ia e o professor não ia... Mesmo os professores até nas aulas teóricas faltavam muito, então assim, foi a pior experiência que eu tive dentro do curso, já de cara no primeiro semestre, fiquei muito decepcionada, vinha na faculdade para não ter aula, ia nas práticas e não tinha professor pra orientar, foi horrível... (GFDIS01-UFMT).

A responsabilidade pelo ato pedagógico, traduzida pelas ações de preparar as aulas, compartilhar as estratégias e os objetivos com os alunos, acompanhá-los em atividades de campo e proceder a avaliação formativa do que foi feito, faz parte da inovação que se deseja, no ato de ensinar enfermagem. O discente, ao perceber o interesse e compromisso dos docentes, se envolve com o processo de aprender, adota atitudes mais instituintes, pois vê sentido no que está fazendo. Ao docente cabe a responsabilidade de dar sentido ao aprender do discente, quando escolhe por uma ou por outra prática pedagógica ou um ou outro campo de estágio e pensa tanto no nível de maturidade quanto no que aquele campo poderá oferecer aos seus alunos.

Mas, por outro lado, conforme observamos no segundo depoimento acima, quando o aluno não é devidamente preparado para enfrentar situações complexas, ele sofre, e por isso acaba fugindo daquilo que ele ainda não compreende e não tem meios para superar. Essa superação é dada pelo preparo cuidadoso de cada situação de ensino-aprendizagem a ser oferecida ao aluno e isso é uma das atividades que compete aos docentes.

Se o docente não assume essa responsabilidade, o ato pedagógico, como vemos no depoimento seguinte, se esvazia. O descompromisso do docente com o preparo do ensino e das práticas na área de enfermagem produz sofrimento adicional e desnecessário, traduzido pela recusa em aprender pelos alunos, que acabam fazendo as práticas para cumprir carga horária, porém sem que isso redunde em aprendizado. Como podemos ver no depoimento a seguir:

[...] a gente não tinha contato com nada ainda e fomos levados ao hospital para conversar com uma paciente em estado crítico. Naquele momento de dor e sofrimento eu tive que falar com o paciente. Dialogar com o outro já é difícil, não tenho essa facilidade de chegar, interagir e trocar. Foi só sofrimento. Não nos prepararam para nada. Primeiro o impacto de ver aquela situação que eu nunca tive contato na vida, segundo tentar intervir sem saber nada! Ver aquele sofrimento sem preparo, não saber como interferir, me desesperou (GFDIS02-UFF).

É preciso considerar que muitas vezes os alunos não conseguem relacionar as práticas com os conteúdos, ou ainda com conhecimentos prévios. Essa articulação é, ao mesmo tempo, função do docente e do discente. Este último pode desenvolver uma atitude mais favorável ao processo de aprender a cuidar, mas a atribuição de dar significado e importância ao ato de cuidar de outrem, que exige gostar de cuidar, se envolver com o sujeito que recebe o cuidado, está muito ancorada nas atitudes do professor em relação a como ele próprio faz isso.

Ao professor cabe a tarefa mobilizadora e ética para que a aprendizagem ocorra em situação, ali, no momento que o aluno vai cuidar de alguém, sem que o aluno precise se 'desesperar' por isso. Planejar as práticas, oferecer os espaços de simulação, visualizar antes outro enfermeiro fazendo esse cuidado, oferecer práticas com graus progressivos de dificuldade são atividades que fazem parte da atividade do docente e são atitudes fundamentais para que o aprendizado aconteça sem trauma para o aluno. O aluno pode até ter os conhecimentos teóricos necessários àquele cuidado, mas nunca o executou. Para que os conhecimentos atuais se tornem significativos ao acadêmico através da prática, o docente interessado, comprometido e ético vai precisar mobilizar sua própria forma de cuidar e demonstrar clara empatia pelo sujeito que está aprendendo a cuidar e pelo sujeito que vai ser cuidado.

O ensino de novos conteúdos e novas práticas deve permitir ao aluno o desafio, para que ele possa avançar nos seus conhecimentos e habilidades. Os conteúdos novos devem apoiar-se numa estrutura cognitiva já existente, o que exige do professor, como tarefa inicial, verificar o que o aluno sabe, para, de um lado, relacionar os novos conteúdos à experiência do aluno, ajudando-o a realizar as rupturas necessárias para realizar o aprendizado novo(6).

Muitos dos docentes que participaram como entrevistados lembram que há inúmeras reformulações no planejamento do ensino de um semestre para outro, justamente para atender a cada turma na sua singularidade, mas que o conflito pessoal do ser docente é ter que se enquadrar em uma temática, embora os campos de práticas se apresentem com toda a diversidade e complexidade que o cuidado exige. Como diz essa docente:

[...] reconhecemos é o conteúdo, que na sua extensão permanece, mas a forma de dar aula, é difícil fazer do mesmo jeito, até porque as turmas mudam e isso também influencia a maneira de dar a aula ou de fazer as práticas...mas os conteúdos estão sempre ali...ditando as regras... (EDO2-UFMT).

Desde o ponto de vista da Análise Institucional, os conteúdos a que se refere a docente representam as regras, o organizado e este é sempre é exigido do docente na sua tarefa de ensinar. O organizado, por ser fortemente instituído, captura a criatividade dos sujeitos do processo e acaba impedindo a emergência do organizante, que é o avesso do organizado. Os currículos antigos, organizados pela lógica dos conteúdos fazem ainda essa captura do novo, do criativo, do instituinte e isso ocorre em um dos dois cursos estudados, que ainda está em fase de discussão de um novo projeto pedagógico. Neste curso, muitos dos docentes não conseguem pensar em ensinar de outra forma, visto que o conteúdo os plasmou, os capturou de tal maneira que parece ter anulado seu potencial criativo. Aqui temos um bom exemplo de uma deformação dos potenciais instituintes nos cursos estudados, um deles demorou mais de dez anos para mudar seu projeto pedagógico e o outro está há mais de seis tentando.

A potência dos sujeitos pode ter sido expropriada por um olhar muito centrado no fazer do enfermeiro, que é que se ensina em enfermagem. O fazer docente, no qual são exigidos outros conhecimentos da área pedagógica torna-se frágil e muitos docentes alegam pouco conhecê-los e que precisam, como diz essa docente:

Aprender a ensinar e a dar aulas..sou enfermeira e estou docente, mas me sinto, depois de mais de 20 anos na docência, ainda despreparada para ser professora... são muitas as exigências para sermos bons professores (EDO2-UFMT).

A face mais formal do processo de ensinar está organizada, está dada, facilmente acessível. Mas, a face ético-política não está dada e esta é a face mais organizante da educação, é, por isso, a mais difícil de ensinar. Ela está em grande parte na internalidade do sujeito que está na atividade de ensinar ou nos que o discente vai ver nos campos de práticas de enfermagem, como diz essa docente:

Então, me coloquei disponível para seguir com ela (a enfermeira do serviço) e comecei a pensar como desenvolver a minha ação pedagógica naquele novo cenário de aprendizagem. O aprendizado do aluno até o 5º período está muito centrado em procedimentos. Para ele exercer qualquer atividade mais ampliada, ele precisaria observar novos espaços. Então eles começaram a ver a gerência como um todo e a potência ou não do profissional naquele campo, de se omitir ou enfrentar [...] e ele poderia escolher que profissional ele queria ser (GFDOS2-UFF).

As regras, os conteúdos, as normas, as pautas da educação são acontecimentos produzidos pelos sujeitos e eles podem fazê-las instituídas ou instituintes. O organizado é, na análise institucional, visto como a burocracia, a permanência, a cristalização, ele é o conteúdo, a prova, a sala arrumada, os alunos obedientes, o saber do professor não questionado. No organizado está a captura do sujeito desejante, o organizado reitera o conforto e a rotina do conhecido, do familiar, do repetido e torna o que seria o sujeito da ação um objeto da estrutura, a qual ele reproduz, sem questionar sua validade.

Precisamos, como docentes, recusar as rotinas eficazes, pois elas vêm justamente para dar conforto ao ser humano que aspira por repetição por dispensar questionamentos e redundar em uma prática não reflexiva, que não pede ajustes ou inovações. Mas, o docente precisa - no seu trabalho vivo, em sala de aula - fazer uma regulação imediata e deliberada a cada nova situação que se apresente neste espaço/território que é a prática pedagógica(2). Um bom exemplo pode ser visto nos depoimentos abaixo:

Se a gente não fizer da nossa prática de educadores um laboratório para as mudanças, a gente não vai conseguir sair de onde está. Então eu às vezes me sinto assim, faço um pouco das minhas práticas pedagógicas como um laboratório pra mudar. [...] vou dar um exemplo: a gente tem um conteúdo que chama exame mental. Percebemos que às vezes ele é muito maçante de ser dado. Aí a gente criou uma estratégia nova. Propomos que cada grupo de alunos estudasse uma determinada situação, recomendamos um filme e leituras complementares. Posteriormente o grupo dramatizou em sala de aula e isso ficou muito legal. É isso que eu chamo de laboratório - fazer uso da sala de aula como um laboratório de inovações. Essas são as inovações, mas nela mesma já vemos novas interrogações e mudamos de novo, fica um pouco do que fizemos e acrescentamos coisas novas. A gente não para nunca... (EDO1- UFMT).

No depoimento acima, identificamos um conceito de mudança que está subjacente à fala da docente, ela relata as experiências vividas como insuficientes. Essa insuficiência que se revela em novas interrogações. Aqui se confirma que o trabalho educa, funcionando como uma grande escola, mexendo com a nossa forma de pensar e agir no mundo(8).

O docente reflexivo atua cuidando e refletindo sobre o que é ensinar a cuidar, ele reexamina constantemente seus objetivos, seus procedimentos, suas evidências e seus saberes. Ele ingressa em um ciclo permanente de aperfeiçoamento, já que teoriza sobre a sua própria prática, seja consigo mesmo, seja com uma equipe pedagógica(2).

No caso desse estudo nosso olhar se voltou para dois sujeitos do processo pedagógico, o docente e o discente, pois nos interessa como se dão as práticas pedagógicas dos agentes/sujeitos que se cruzam e fazem acontecer a formação em enfermagem. E elas acontecem em uma dinamicidade que confundem os que as executam, pois algumas mudanças são percebidas (a leveza instituinte), mas por não terem uma avaliação sistemática (o peso do instituído) acabam sendo consideradas mais como uma inquietação do que como um processo. Como lembra a entrevistada:

[...] fazemos mudanças todos os semestres, é tanta mudança que tem hora já nos vemos repetindo coisas que fizemos em semestres anteriores, com mais um acerto aqui e ali, aí fica a dúvida... Estamos fazendo algo novo, ou repetindo experiências que pouco avaliamos? Se nem avaliamos, como saber se vão funcionar ou não? Bem, a gente avalia, sim, mas de uma maneira meio subjetiva, sem um instrumento de avaliação...vamos pelo que os alunos falam, que foi bom ou não...isso dá uma certa insegurança, parece que a gente trabalha mais no empírico, no escuro (EDO1-UFMT).

As Diretrizes Curriculares Nacionais apontam os conteúdos que devem necessariamente ser abordados pelos docentes ao planejar o ensino e esse é um dos aspectos mais instituídos do trabalho docente, os conteúdos. Estes parecem ainda ser a régua que mede o que todos os egressos de cursos de enfermagem precisam incorporar de saberes que seriam universais para aquela profissão e, são eles também, que fazem os grupos duvidarem de que há outras formas de pensar projetos e práticas pedagógicas, e os fazem repetir os mesmos modelos curriculares por tempos prolongados. É aqui novamente que se mostra o conforto do instituído(9).

Perguntamos ao longo da análise dos dados: esse universal/instituído seria o saber formal biologicista? E onde ficariam os saberes éticos e políticos? Como ensinar esses saberes, se eles não estão tão bem organizados como os saberes biológicos? Pensamos que talvez esses saberes do campo ético-político, por sua leveza e imprecisão, pareçam ser sempre os mais difíceis de serem ensinados e ousamos pensar que a dimensão ética e política da formação do enfermeiro parece depender essencialmente do sujeito que ensina. Daí a importância da formação do docente, pois é nela que ele pode refletir sobre a sua própria formação como enfermeiro e também a sua responsabilidade como docente de enfermagem. Como lembra a docente:

A partir do momento que passamos por um processo seja no nível de mestrado, de doutorado, nós tivemos que repensar as nossas práticas, não é? Então também passamos por um processo de mudança, e eu acho que as mudanças, elas realmente para acontecer num grupo ou num outro contexto, tem que acontecer primeiro em nós mesmos. A partir do momento que a gente começa a mudar a forma de olhar, nós vamos ver a nossa ação vai ser diferente, as abordagens vão ser diferentes, e podemos dizer que houve uma mudança, que começa em nós (GFDOS01-UFMT).

O docente que já sentiu a mudança em si parece ter maior habilidade para interagir, para sentir às expectativas dos estudantes para com o processo de aprender, pois os vê como sujeitos de conhecimento e de possibilidades infinitas.

Quando falamos de interação pedagógica, pensamos que cada docente tem uma maneira específica de realizar a sua prática. Assim como cada discente tem particularidades no que se refere ao processo de aprender. São essas nuances que devem conduzir o processo de ensino e a escolha de uma ou outra prática pedagógica. Essa escolha leva a modos de ensinar que podem ser transformadores ou não, conservar o instituído ou plantar o instituinte, pois o processo educativo, se democrática e eticamente conduzido, pode efetivamente transformar a sociedade e fazê-la mais justa para todos.

O docente pró-ativo é um sujeito instituinte e faz da atividade de ensinar um aprendizado contínuo. A depender da apreensão das emoções que circulam no grupo no momento em que ele está ensinando, faz um registro do que foi positivo e deve ser repetido e do que não foi e deve ser descartado ou reformulado. As experiências vividas quando prontamente auto-analisadas como insuficientes provocam a necessidade de mudança. Essa insuficiência se revela em novas interrogações e são aprimoradas nos laboratórios do cotidiano de ensinar.

Precisamos valorizar e distinguir o docente inovador, apoiando-os nas suas tentativas, nos seus acertos e erros. Os processos de subjetivação de cada sujeito são únicos e funcionam agregando novos saberes, mas ao falarmos em processo de ensino e aprendizagem precisamos realçar que as tentativas de fazer diferente devem ser identificadas, visibilizadas e valorizadas nas suas tentativas, acertos e erros. Precisamos olhar para elas, valorizá-las, fazê-las crescer e se multiplicar. Assim nossas chances de inovações nas práticas serão bem maiores e os docentes sujeitos instituintes se sentirão mais motivados em cada vez mais contribuir para a emergência de práticas pedagógicas inovadoras.

CONCLUSÃO

Constatamos que práticas pedagógicas inovadoras estão presentes no decurso de um conjunto de alterações no cotidiano do ensino e são provocadas pela ruptura com valores que começam a ser considerados insuficientes ou inadequados, tanto pelos docentes como pelos discentes, que pressionam por novas formas de aprender.

A pesquisa nos mostrou algo que é importante realçar: a atividade de ensinar e a qualificação da prática pedagógica passam indelevelmente pelo sujeito que ensina, não há modelos ou teorias que se mostrem como caminhos prontos, mas há sujeitos que se responsabilizam, que se envolvem, que gostam do que fazem. Quantos mais forem estes nos estabelecimentos onde toma forma a instituição da educação, mais este ganhará em inovação e motivação no coletivo dos seus agentes.

Mas quem é o docente inovador? Quais são suas motivações e estratégias e como elas são apreendidas pelos discentes? É o docente que já viveu em sua própria experiência o longo caminho que leva ao conhecer e que recorre em sua prática docente a uma competência bastante elaborada, que é a competência relacional. Tais docentes gostam do que fazem e se identificam com a atividade de educar, estão sempre a procura de inovações, estão à frente dos processos de mudança e puxam os processos de inovação. São pessoas versáteis e altamente motivadas, que também erram, mas sempre tentando acertar. É a partir de suas experiências que podemos delinear e reafirmar novas formas de ensinar em enfermagem.

Recebido: 03/11/2009

Aprovado: 29/03/2010

  • 1. Castanho ME. Professores de ensino superior da área da saúde e sua prática pedagógica. Interface Comum Saúde Educ. 2002;6(10):51-61.
  • 2. Perrenoud P. A prática reflexiva no ofício de professor: profissionalização e razão pedagógica. Porto Alegre: Artmed; 2002.
  • 3. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11Ş ed. São Paulo: Hucitec; 2008.
  • 4. Baremblitt G. Compêndio de análise institucional e outras correntes. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos; 1996.
  • 5. Pereira WR. Algumas contribuições da análise institucional para estudar as relações entre os serviços públicos de saúde e sua clientela. Rev Bras Enferm. 2000;53(1):31-8.
  • 6. Cyrino EG, Pereira MLT. Trabalho com estratégias de ensino-aprendizado por descoberta na área da saúde: a problematização e a aprendizagem baseada em problemas. Cad Saúde Publica. 2004;20(3):780-8.
  • 7. Biasi LS, Pedro ENR. Vivências de aprendizagem do cuidado na formação da enfermeira. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(3):506-11.
  • 8. Merhy EE. A cartografia do trabalho vivo. São Paulo: Hucitec; 2002.
  • 9. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Parecer CNE/CES n. 1.133, de 7 de agosto de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Enfermagem, Medicina e Nutrição. Diário Oficial da União, Brasília 3 out. 2001. Seção 1 E, p. 131.
  • Correspondência:
    Wilza Rocha Pereira
    Rua Oriente Tenuta, 877/901
    CEP 78048-450 - Cuiabá, MT, Brasil
  • *
    Extraído da pesquisa multicêntrica "Análise das dinâmicas subjacentes aos processos de mudança que apontam para novas práticas na formação de enfermeiros em duas instituições públicas de ensino de graduação em enfermagem", Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso, 2009.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      03 Nov 2009
    • Aceito
      29 Mar 2010
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