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Violência psicológica na prática profissional da enfermeira

Violencia psicológica en la práctica profesional de la enfermera

Resumos

Pesquisa descritiva realizada de abril a julho de 2008, na Universidade Federal do Paraná, em três instituições hospitalares, uma unidade acadêmica de ensino superior e uma de ensino médio. Os objetivos foram: analisar a presença da violência psicológica na prática profissional da enfermeira; caracterizar o tipo de violência e o agressor; identificar as reações da vítima após a agressão. Foram entrevistadas 161 enfermeiras, com idade entre 22 a 57 anos, prevalecendo a raça branca. Constatou-se que a violência psicológica acontece no ambiente hospitalar e acadêmico; os agressores em sua maioria são mulheres, com destaque para as colegas de trabalho, seguido do médico e outros profissionais da equipe de saúde; as enfermeiras com menos de um ano de graduação foram as que sofreram maior grau de agressão e com maior intensidade. Entre os fatores resultantes da agressão, a irritabilidade está em primeiro lugar, seguida da raiva, tristeza e diminuição da auto-estima.

Violência contra a mulher; Enfermeiras; Trabalho feminino; Prática profissional


Investigación descriptiva realizada de abril a julio de 2008 en la Universidad Federal de Paraná, en tres instituciones hospitalarias, una unidad académica de enseñanza superior y una de enseñanza media. Los objetivos fueron: analizar la presencia de la violencia psicológica en la práctica profesional de la enfermera, caracterizar el tipo de violencia y al agresor, identificar las reacciones de la víctima después de la agresión. Fueron entrevistadas 161 enfermeras, con edad entre 22 y 57, prevaleciendo la raza blanca. Se constató que la violencia psicológica acontece en el ambiente hospitalario y académico, los agresores en su mayoría son mujeres, destacándose las colegas de trabajo, seguidas por los médicos y otros profesionales del equipo de salud, las enfermeras con menos de un año de graduación fueron las que sufrieron mayor grado de agresión y con mayor intensidad. Entre los factores resultantes de la agresión, se ubica en primer lugar la irritabilidad, seguido de la rabia, tristeza y disminución de la autoestima.

Violencia contra la mujer; Enfermeras; Trabajo de mujeres; Práctica profesional


This descriptive study was performed from April to June 2008, at Universidade Federal do Paraná, in three hospitals, one higher education school and one secondary education school. The objectives were: to analyze the presence of psychological violence in the professional practice of nurses; to characterize the type of violence and the aggressor; to identify the victim's reactions after the aggression. Interviews were performed with 161 nurses, whose ages ranged between 22 and 57 years, and most of white ethnicity. It was found that psychological violence occurs at both the hospital and academic settings; most aggressors are women, particularly colleagues, followed by physicians and other health team professionals; nurses with less than one year since their graduation were those who suffered the highest degree of aggression and of greatest intensity. The factors that resulted from the aggression included irritability, which ranked first place, followed by anger, sorrow, and reduced self-esteem.

Violence against women; Nurses; Women, working; Professional practice


ARTIGO ORIGINAL

Violência psicológica na prática profissional da enfermeira* * Extraído da dissertação "Violência psicológica na prática profissional da enfermeira" Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná, 2008.

Violencia psicológica en la práctica profesional de la enfermera

Rute BarbosaI; Liliana Maria LabroniciII; Leila Maria Mansano SarquisIII; Maria de Fátima MantovaniIV

IEnfermeira. Especialista em Obstetrícia. Mestre em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Paraná. Enfermeira Responsável Técnica do Serviço de Enfermagem do Centro Cirúrgico Obstétrico e Ginecológico da Unidade da Mulher e do Recém Nascido do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná. Membro do Grupo de Estudos Multiprofissional em Saúde do Adulto. Curitiba, PR, Brasil. rutenurse@bol.com.br

IIEnfermeira. Doutora em Filosofia de Enfermagem. Professora Adjunta ao Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Paraná. Coordenadora do Comitê de Ética do Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná. Líder do Grupo de Estudos Multiprofissional em Saúde do Adulto. Curitiba, PR, Brasil. lililabronici@yahoo.com.br

IIIEnfermeira. Doutora. Professora Adjunta ao Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Paraná. Membro do Grupo de Estudos Multiprofissional em Saúde do Adulto. Curitiba, PR, Brasil. leila.sarquis@ufpr.br

IVEnfermeira. Doutora. Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Paraná. Membro do Grupo de Estudos Multiprofissional em Saúde do Adulto. Curitiba, PR, Brasil. mantovan@ufpr.br

Correspondência Correspondência: Rute Barbosa Rua General Carneiro, 181 - Alto da Glória CEP 80060-900 - Curitiba, PR, Brasil

RESUMO

Pesquisa descritiva realizada de abril a julho de 2008, na Universidade Federal do Paraná, em três instituições hospitalares, uma unidade acadêmica de ensino superior e uma de ensino médio. Os objetivos foram: analisar a presença da violência psicológica na prática profissional da enfermeira; caracterizar o tipo de violência e o agressor; identificar as reações da vítima após a agressão. Foram entrevistadas 161 enfermeiras, com idade entre 22 a 57 anos, prevalecendo a raça branca. Constatou-se que a violência psicológica acontece no ambiente hospitalar e acadêmico; os agressores em sua maioria são mulheres, com destaque para as colegas de trabalho, seguido do médico e outros profissionais da equipe de saúde; as enfermeiras com menos de um ano de graduação foram as que sofreram maior grau de agressão e com maior intensidade. Entre os fatores resultantes da agressão, a irritabilidade está em primeiro lugar, seguida da raiva, tristeza e diminuição da auto-estima.

Descritores: Violência contra a mulher. Enfermeiras. Trabalho feminino. Prática profissional.

RESUMEN

Investigación descriptiva realizada de abril a julio de 2008 en la Universidad Federal de Paraná, en tres instituciones hospitalarias, una unidad académica de enseñanza superior y una de enseñanza media. Los objetivos fueron: analizar la presencia de la violencia psicológica en la práctica profesional de la enfermera, caracterizar el tipo de violencia y al agresor, identificar las reacciones de la víctima después de la agresión. Fueron entrevistadas 161 enfermeras, con edad entre 22 y 57, prevaleciendo la raza blanca. Se constató que la violencia psicológica acontece en el ambiente hospitalario y académico, los agresores en su mayoría son mujeres, destacándose las colegas de trabajo, seguidas por los médicos y otros profesionales del equipo de salud, las enfermeras con menos de un año de graduación fueron las que sufrieron mayor grado de agresión y con mayor intensidad. Entre los factores resultantes de la agresión, se ubica en primer lugar la irritabilidad, seguido de la rabia, tristeza y disminución de la autoestima.

Descriptores: Violencia contra la mujer. Enfermeras. Trabajo de mujeres. Práctica profesional.

INTRODUÇÃO

A violência psicológica é um fenômeno complexo compreendido como síndrome psicossocial multidimensional. Psicossocial porque afeta o indivíduo, o grupo de trabalho e a organização, produzindo disfunções em nível individual e coletivo, gerando importantes repercussões externas; e multidimensional porquanto se apresenta comumente com uma gama de sintomas físicos e psíquicos, específicos e inespecíficos, não redutíveis a uma configuração típica e facilmente diagnosticável(1).

A Lei Maria da Penha define violência psicológica como:

qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação(2).

A violência psicológica afeta a muldimensionalidade da mulher, porquanto sua invisibilidade deixa marcas causadas por sua frequência, e a trivialidade com que é tratada desestrutura a identidade individual(3).

A possibilidade das mulheres serem vítimas de violência psicológica nos diversos setores do espaço público se deu em função da presença delas no mundo do trabalho, que refletiu no aumento das estatísticas dessa classe trabalhadora. As investigações mostram que abusos verbais, intimidações e assédio moral são mais frequentes do que agressões físicas, e que de 40 a 70% das vítimas mostram sintomas de estresse considerável, conforme mostrou o relatório do panorama laboral da Organização Internacional do Trabalho - OIT(3-4).

Os registros da OIT(3) mostram que profissionais da saúde sofrem violência no trabalho. Na Bulgária, 76% sofreram algum tipo de violência no trabalho, no Sul da África, 61%, na Tailândia, 54%, e 46,7%, na Ásia.

No Brasil, há registro de incidentes de violência física ou psicológica no trabalho, porém, há a subnotificação como fulcro para repensá-la. As estatísticas revelam que as violências nos setores de saúde vão além das agressões e ofensas individuais, pois colocam em perigo a produtividade, a qualidade da assistência e o desenvolvimento das atividades cotidianas e profissionais, as mulheres são especialmente vulneráveis. A possibilidade de a enfermeira sofrê-la no desenvolvimento de suas atividades é três vezes maior do que os outros profissionais de saúde, porque é uma profissão essencialmente feminina(3). Nesse sentido, se faz necessário investigá-la para constatar sua existência tanto no cenário público como privado, e desenvolver estratégias para seu enfrentamento, uma vez que deixa marcas invisíveis, e pode propiciar o desenvolvimento de doenças, além de prejudicar não somente quem a sofre, mas o coletivo, e repercutir na qualidade do trabalho que se desenvolve.

OBJETIVOS

• Analisar a violência psicológica na prática profissional da enfermeira;

• Caracterizar o tipo de violência psicológica sofrida pela enfermeira e o agressor;

• Identificar as principais reações da vítima após a agressão.

MÉTODO

Pesquisa descritiva realizada na Universidade Federal do Paraná em três instituições hospitalares, uma unidade acadêmica de ensino superior e uma de ensino médio. A coleta de dados ocorreu de abril a julho de 2008, com 161 enfermeiras das quais 138 eram de instituições hospitalares e 23 docentes. Foi utilizado um instrumento estruturado dividido em duas partes: a primeira, contendo questões com múltiplas alternativas identificadas para caracterizar os sujeitos da pesquisa, e a segunda parte, possuindo duas escalas sociopsicológicas compostas do tipo Likert para descrever o agressor, a agressão e identificar a reação da vítima após a agressão. Apesar de ele ser auto-explicativo, foi entregue pessoalmente a cada uma das enfermeiras participantes, orientado o seu preenchimento, e agendado dia e horário para o seu recolhimento. As escalas foram validadas por juízes especialistas, conforme a literatura preconiza(5).

A 1ª escala foi construída com afirmativas baseadas na Lei nº. 11.340 - (Lei Maria da Penha) que define a violência psicológica contra a mulher, e 12 itens da lista de comportamentos hostis elaborada por Heins e Leymann, que foram modificados e adaptados para possibilitar a caracterização do agressor e da violência psicológica sofrida. A 2ª, foi elaborada a partir de literaturas(6-7); e diz respeito aos efeitos da violência na vida e na prática profissional das vítimas.

O instrumento após ter sido modificado e validado pelos juízes especialistas, foi testado com 6 enfermeiras das quais 3 eram assistenciais e 3 docentes, e que não fizeram parte da amostra. Após o teste, houve nova formatação para facilitar o entendimento e as respostas dos sujeitos.

No que diz respeito aos aspectos éticos, o projeto foi encaminhado para o Comitê de Ética do Setor de Ciências da Saúde e aprovado em 12/12/2007 (CAAE: 0087.091.000-07). O anonimato foi garantido mediante a utilização de um código em substituição ao nome do sujeito participante da pesquisa.

Os dados foram digitados em planilha eletrônica, para tanto foram utilizados os Softwares Excel e SPSS (Statistical Package for the Social Sciences). Antes de iniciar a análise estatística, a população foi dividida em estratos: vínculo empregatício, classes de tempo de enfermagem, classes de renda, estado civil, raça e classes de idades.

O grau de intensidade da violência sofrida, foi avaliado de acordo com a frequência das respostas e o grau de agressão foi calculado através da média aritmética dos 15 fatores avaliados na segunda escala de Lickert, por considerá-los relevantes na mensuração da violência psicológica sofrida, que são os seguintes: irritabilidade; auto-estima diminuída; insegurança profissional; tristeza; solidão; crise de choro; raiva; falta de motivação; dificuldades de relacionamento no trabalho; desejo de mudar de setor; desejo de sair do trabalho; desejo de mudar de profissão; dificuldades de relacionamento familiar; enfermidades físicas e enfermidades mentais.

Considerou-se Alto grau de agressividade quando o maior número de afirmativas acima foram respondidas com a frequência: sempre e/ou várias vezes. Para Médio grau de agressividade, quando o maior número de afirmativas acima foram respondidas com as frequências: uma única vez e mais de uma vez (3 vezes no ano). E para Baixo grau de agressividade, considerou-se: nunca ou uma única vez, e no máximo mais de uma vez. Assim, foi possível calcular a média aritmética e desvio padrão das respostas por classe de grau de agressão.

RESULTADOS

As participantes possuíam idade entre 22 e 57 anos; dentre essas, 82 (51%) possuíam idade entre 40 e 57 anos; 141 (88%) eram da raça branca, 82 (51%) casadas, 95 (58,8%) enfermeiras assistenciais, 32 (20%) da área administrativa, 23 (16%) docentes, e apenas 4 (3%) eram gerentes de área.

Os salários variaram de R$ 1.500,00 a R$ 2.500,00 para 62 (39%). 51 (32%) eram graduadas há mais de 20 anos, sendo que 57 (35%) atuavam na enfermagem a mais de 20 anos. 119 (74%) eram enfermeiras concursadas (aprovadas em concurso público federal), e a grande maioria 105 (65%) não possuía outro vínculo empregatício.

Ao avaliar separadamente a renda das Enfermeiras Docentes (EDs) constatou-se que nenhuma recebia salário inferior a R$ 2.500,00, sendo que 19 (12%) possuíam salários superiores a R$ 3.500,00, enquanto que 19 (12%) das Enfermeiras de instituição Hospitalar (EHs) recebiam até R$ 1.500,00, sendo que apenas 17 (10%) possuiam salários acima de R$ 3.500,00.

Na caracterização do grau de agressão sofrido, por local de trabalho, constatou-se que a Média Aritmética (MA) entre as EDs (n = 23) é de 3,67, e entre as EHs (n = 138) MA = 3,85 e do total (n = 161) das participantes a MA = 3,82. Devido à similaridade dos resultados, esses foram apresentados sem diferenciação de local de trabalho.

A Tabela 1 apresenta a caracterização da violência psicológica, sofrida pelas participantes deste estudo, durante toda a sua prática profissional.

A Tabela 2 refere-se à violência sofrida numa perspectiva recente, durante o ano de 2007.

A Tabela 3 apresenta a caracterização do sexo do agressor.

A Tabela 5 caracteriza a freqüência da agressão.

O médico foi representado no instrumento de forma independente, fora da variável outro profissional da equipe multidisciplinar, tendo em vista que a equipe de saúde geralmente possui um médico e uma enfermeira. No entanto, os demais profissionais, como fisioterapeutas, assistentes sociais, psicólogos e outros, geralmente não estão no cotidiano das atividades de todas as participantes da pesquisa.

Entre os resultados encontrados percebeu-se que a maior média aritmética relacionada ao grau de agressão sofrida foi entre as 19 (11,8%) enfermeiras que recebem o menor salário, e que este índice diminuiu proporcionalmente ao aumento do salário.

As faixas etárias que mais sofreram agressão são as próximas de 57 anos, com MA=5,60, e entre 34 a 39 anos com uma MA=4,54. Verificou-se que quanto maior o tempo de formada, menor foi grau de agressão sofrida, com fraca correlação negativa (-0,49), mesmo tendo MA de agressões mais elevada (5,60).

As enfermeiras com menos de um ano de graduação foram as que sofreram maior grau de agressão e com maior intensidade. As participantes com mais de 20 anos de formação, foram as principais vítimas (n=50 =31%), com menor intensidade, revelando uma MA=3,34 no que se refere ao grau de agressão.

Constatou-se que as enfermeiras submetidas a alto grau de agressão apresentaram elevadas MAs de 15,63 de irritabilidade, e 11,85 de raiva, 10,98 de tristeza, 10,49 de baixa auto-estima, 8,45 de crises de choro e 8,11 de solidão, 7,69 de desejo de mudar de trabalho, 3,93 de desejo de mudar de profissão, 3,11 de enfermidades físicas e 3,27 de enfermidades mentais. Destarte, mesmo quando submetidas a um baixo grau de agressão, apresentaram 6,85 de irritabilidade, 5,7 de raiva, 4,76 de tristeza, 3,41 de baixa auto-estima e 3,17 de crises de choro.

Observou-se que o maltrato verbal e as ações que desprestigiam a identidade das enfermeiras são os mais comuns. Os mais frequentemente assinalados na frequência mais uma vez foram: interromper a fala antes da conclusão do pensamento e cercear suas ações profissionais, de modo a interferir em sua prática (n=52), fazer comentários maldosos a respeito da vítima (n=50), ignorar a existência da mesma (n=38), fazer insinuações depreciativas sobre a competência (n=35), fazer crítica à vida privada (n=30). O assédio sexual foi citado por duas enfermeiras.

DISCUSSÃO

A literatura confirma que as enfermeiras são as principais vítimas de violência psicológica no local de trabalho, e esse risco ocupacional contra a enfermagem é inquietante e não se compara ao de outras profissões(5). Nesta pesquisa, 11 participantes responderam que sempre sofrem esse tipo de violência, e isso pode estar relacionado com a pouca valorização social da enfermagem que é uma profissão socialmente menos visível(8) e eminentemente feminina. Como tal, carrega a herança cultural de subordinação que dificulta o exercício da profissão.

De acordo com estudo realizado pela Organização Internacional do Trabalho, a violência psicológica se faz presente mundialmente no ambiente do trabalho em diversos setores, porém, os profissionais de saúde são os que correm maior risco, e as mulheres são especialmente vulneráveis. Consequentemente, a possibilidade de uma enfermeira sofrer violência em seu local de trabalho é 3 vezes maior do que qualquer outro profissional da saúde(3).

Uma pesquisa realizada no Chile avaliou a percepção de 210 enfermeiras sobre a violência laboral, e revelou que 94,3% (n=198) delas identificou a violência psicológica como o principal tipo na sua prática profissional, e que se manifestou por meio da degradação (48,0%), negação (29,0%) e aterrorização (23,0%)(9).

Na pesquisa chilena, as enfermeiras com idade próxima a 57 anos foram as principais vítimas. Esses dados são similares aos da Universidade de Granada, na Espanha, com uma amostra de 325 docentes, e constatou que o assédio laboral se concentrou, em 76,4% dos casos, entre profissionais com idade entre 36 e 55 anos(10).

Um estudo realizado no Hospital Regional de Bragança, em Portugal, com uma amostra de 70 enfermeiros, entre 24 e 67 anos, constatou que aqueles com mais de 40 anos não só foram as principais vítimas de violência psicológica, como vivenciaram o fenômeno com maior intensidade(11).

A Tabela 3 mostra que 41 (25,5%) enfermeiras afirmaram terem sido agredidas por outra mulher mais de uma vez e 29 (18,1%) relataram que suas agressoras sempre foram mulheres, enquanto apenas 34 (21,1%) foram agredidas por homens mais de uma vez. Esta pesquisa mostra que no ambiente laboral das enfermeiras pesquisadas a principal agressora é a mulher. A violência pode estar relacionada à competição entre elas porque buscam continuamente o reconhecimento público no trabalho.

A Associação das Enfermeiras Canadenses (Associations des Infirmeières et Infirmiers du Canadá - AIIC) mostra que a violência entre pares tem acontecido com maior frequência porque existe uma dificuldade das enfermeiras em discutir a violência feita e/ou sofrida entre colegas, e essa falta de visibilidade aumenta a possibilidade de ocorrência de agressão(12). A invisibilidade da ação fortalece o agressor, e isso propicia a sua persistência neste intento.

Em pesquisa realizada em 1996, na Suécia, com trabalhadores em geral e de ambos os gêneros, constatou que 45,0% dos homens sofreram assédio laboral contra 55,0% das mulheres (12). A diferença não foi considerada significativa, e concluiu-se que lá tanto homens quanto mulheres são vítimas desse fenômeno na mesma proporção. No entanto, 76,0% dos homens assediados o foram por outros homens, apenas 3,0% foram por mulheres, e os demais o foram por ambos os sexos. Entre as mulheres, 40,0% das assediadas o foram por mulheres, 30,0% por homens, e as demais o foram por ambos os sexos. O que foi concluído com esta investigação é que a agressão é mais comum entre pessoas do mesmo sexo(13).

Em pesquisa realizada na França, com 350 sujeitos, constatou-se que 70,0% das mulheres foram vítimas de violência laboral contra 30,0% dos homens, atribuindo-se, essa diferença entre os sexos ao contexto sociocultural(7).

Ao analisar a caracterização do agressor na Tabela 4 constatou-se uma frequência de 53 (32,9%) como vítimas de colegas da mesma categoria profissional, caracterizando a enfermeira como principal agressora. Na sequência, encontrou-se 39 (24,2%) médico, e 34 (21,2%) outro profissional da equipe multidisciplinar. Enfermeiras afirmaram que a agressão sofrida mais de uma vez foi praticada pela sua subordinada. Entretanto, é possível ressaltar que as enfermeiras sofreram violência vinda de todos os agressores citados, e ao fazer uma somatória sem considerar a frequência absoluta, 67 (40,9%) afirmaram que o agressor era seu superior. Foi possível constatar que independente da hierarquia, a violência psicológica no ambiente de trabalho está presente entre os participantes.

O resultado de que as enfermeiras (n=92) tiveram como principal agressor o próprio colega de categoria é similar ao encontrado na pesquisa realizada pelo Conselho Internacional das Enfermeiras(5); no qual a violência psicológica na prática profissional da enfermeira acontece principalmente de forma horizontal. Esta é praticada pelo colega do mesmo nível hierárquico e/ou categoria profissional(7); e se constitui por um comportamento agressivo que um membro da mesma profissão, ou entre pares de qualquer nível manifesta a outro no trabalho(12).

A violência horizontal quando perpetuada por longo tempo pode tornar-se mista. Isso significa que depende da omissão e/ou anuência da chefia ou hierarquia superior, que se torna, portanto, cúmplice, caracterizando uma violência vertical descendente(7). Diante do ocorrido, os subalternos da vítima perdem o respeito pela mesma, e isso gera a violência vertical ascendente. Assim, sempre que não há enfrentamento e/ou apoio, a vítima irá vivenciar diferentes tipos de violência, pois uma desencadeia a outra, o que caracteriza a violência mista.

As respostas encontradas nesta pesquisa revelam que uma mesma pessoa vivenciou diferentes tipos de violência, causada por diferentes pessoas, e que pode ser caracterizada por violência mista. Esta se compõe de pequenos incidentes aparentemente benignos, no qual o acúmulo e a convergência, sustentado por uma hierarquia ausente e omissa, reforça os conflitos de valores, dificultando o enfrentamento das situações. É a ausência de apoio que gera agravos ocupacionais(13-14).

Os resultados encontrados diferem da pesquisa realizada com profissionais de enfermagem (n=210) de um Hospital da Oitava Região, no Chile, em que 76,2% (n=160) das entrevistadas apresentaram o médico como principal agressor, seguido dos familiares de pacientes, com 58,1% (n=122)(8). Outro estudo no Chile mostra que os agressores identificados com maior frequência foram os pacientes e/ou familiares, e em 2º lugar as enfermeiras(15).

Na Tabela 5, é possível constatar que 57 (35,3%) enfermeiras alegaram que mais de uma vez as agressões partiram de agressores diferentes, e 39 (24,2%) afirmaram que "o agressor costumava ser sempre a mesma pessoa". Repetições de agressões vindas de um mesmo agressor, de acordo com a literatura, configuram-se em assédio moral e não simplesmente em violência psicológica(16-17). Embora o maior número de agressões tenha vindo de agressores diferentes, a variável o agressor costumava ser sempre a mesma pessoa chama a atenção pela sua frequência, pois sugere que entre as participantes há quem esteja sofrendo assédio moral e não simplesmente violência psicológica.

A OIT refere que o assédio é um dos aspectos da violência laboral, e se constitui por comportamentos agressivos, cruéis, ameaçadores e humilhantes, praticados por um indivíduo e/ou um grupo contra uma mesma pessoa, no intuito de desestabilizá-la(2,17). O agressor coloca em dúvida a capacidade e a competência da vítima, e por vezes, quando há reação, insinuam que são exageradas(14). Quem não participa do assédio prefere ficar neutro por receio de ser a próxima vítima(14). Esse fenômeno foi presenciado na França pelas empresas que sofreram processo de reestruturação organizacional. No contexto hospitalar, a falta de espaço de manifestação do trabalhador causa uma perda de valores para ele sobre o que representa o trabalho, e isso diminui o seu grau de satisfação e prazer(13).

É preciso considerar que a repetição e a persistência de ações violentas num ambiente laboral podem servir de indicadores para estabelecer a origem da violência, que pode ser identificada como um fenômeno estimulado pela organização administrativa da instituição e não necessariamente por uma pessoa(14).

A presença de diferentes agressores também sugere a violência de gênero, e na enfermagem que é uma profissão predominantemente feminina, as enfermeiras sofrem as consequências da subalternidade vivenciada pelas mulheres desde os primórdios.

A subalternidade configurada pela questão de gênero agrava a situação de violência contra a mulher, e pode estar relacionada a sua capacidade de autodeterminar-se sexual e socialmente(18). Nesse sentido, é necessária uma nova postura profissional, alicerçada na reflexão sobre as relações sociais de gênero, e na complexidade da violência doméstica contra as mulheres.

Quiçá seja o momento para uma nova postura profissional em que se considere a questão de gênero relacionada à violência contra a mulher(18); e que se faça uma reestruturação dos modelos administrativos com vistas a coibir qualquer tipo de violência laboral.

A desestruturação da hierarquia ou sua omissão e a falta de solidariedade no trabalho compõem uma maior exposição à violência que não encontra barreiras de proteção. Isso significa que a vítima fica totalmente exposta e à mercê de um fenômeno destrutivo. A manutenção de uma equipe unida, representada por uma hierarquia presente, é essencial para manter a saúde mental dos profissionais da saúde(14).

CONCLUSÃO

O grupo estudado é composto por enfermeiras com idade entre 27 a 57 anos (n=161), sendo o maior número na faixa etária entre 40 e 45 anos (n=53), a maioria da raça branca (n=141) e casada (n=82). As enfermeiras são assistenciais (n=92), administrativas (n=32), docentes (n=23), e a renda varia entre R$ 1.500,00 a 2.500,00 (n=62). Possui enfermeiras com mais de 20 anos de graduação (n=51), e mais de 20 anos de serviço na área (n=57), concursadas (n=119) e, a grande maioria, não possui outro vínculo empregatício (n=105).

A pesquisa mostrou que a violência psicológica é uma realidade na prática profissional das enfermeiras, tanto no ambiente hospitalar quanto no acadêmico, e que a maioria expressa já tê-la sofrido mais de uma vez (n=70).

Os agressores em sua maioria foram mulheres, mais de uma vez (n=41), com destaque para as colegas de trabalho, mais de uma vez (n=53), seguido do médico, mais de uma vez (n=39) e de outros profissionais da equipe, mais de uma vez (n=34).

A pesquisa revelou, também, que quanto menor o salário e menor o tempo de graduação, maior é o grau de agressão sofrida. As enfermeiras que mais sofreram agressões possuíam mais de 34 anos (Média Aritmética - MA=4,54), sendo que a maior MA está entre as que estão mais próximas de 57 anos (MA=5,60). Entre os fatores resultantes da agressão situa-se em destaque a irritabilidade (MA=10), seguida da raiva (MA=7,7), tristeza (MA=7,0) e diminuição da auto-estima (MA=6,4), configurando a violência psicológica.

A violência psicológica é mais um dos riscos ocupacionais de agravo à saúde que as enfermeiras desta pesquisa estavam sujeitas em seu ambiente laboral. Dar visibilidade a ela no ambiente de trabalho depende da participação individual e coletiva das enfermeiras, no sentido de denunciar abusos de poder, discriminação, e de se evitar a banalização da injustiça. Nesse sentido, as enfermeiras devem ser as principais protagonistas para a prevenção desse fenômeno complexo e antigo no mundo do trabalho, mas recentemente estudado no contexto da enfermagem.

Constatou-se, também, que as enfermeiras sofreram repetidas agressões vindas de um mesmo agressor, e isso pode caracterizar casos de assédio moral e não simplesmente violência psicológica. Desse modo, sugerem-se novas investigações no sentido de identificar a presença do assédio moral no ambiente laboral da enfermeira, os mecanismos de enfrentamento utilizados, bem como os fatores determinantes da violência psicológica. Talvez, a resposta possa dar subsídios para implantação de medidas de prevenção, combate à violência psicológica e proteção à saúde do trabalhador.

Recebido: 13/07/2009

Aprovado: 08/04/2010

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  • Correspondência:
    Rute Barbosa
    Rua General Carneiro, 181 - Alto da Glória
    CEP 80060-900 - Curitiba, PR, Brasil
  • *
    Extraído da dissertação "Violência psicológica na prática profissional da enfermeira" Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná, 2008.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Recebido
      13 Jul 2009
    • Aceito
      08 Abr 2010
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