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Laqueadura tubária: caracterização de usuárias laqueadas de um serviço público

Ligadura de trompas: caracterización de usuarias intervenidas en un servicio público

Resumos

Objetivou-se traçar o perfil anticoncepcional pregresso de mulheres laqueadas e verificar associações entre variáveis educacionais, sexuais, obstétricas e a idade de realização da laqueadura tubária (LT). A pesquisa, de caráter documental retrospectiva, foi realizada no Centro de Parto Natural Lígia Barros Costa (CPN) em Fortaleza-CE, com 1423 prontuários, datados de 2005 a 2008, sendo 277 de mulheres laqueadas. Na análise aplicou-se cálculo de frequências, teste qui-quadrado de Pearson e correlação de Pearson/Spearman. As mulheres laqueadas revelaram perfil de baixa escolaridade, uniões maritais e escassa utilização pregressa de outros métodos, sendo a camisinha e o anticoncepcional oral os mais frequentes. Números de gestações e abortos se associaram com a idade de realização da LT, ao contrário das variáveis escolaridade e idade da coitarca. Sabedores dessa situação, os enfermeiros poderão aperfeiçoar seu olhar em relação às mulheres que almejam realizar a LT, fortalecendo estratégias educativas e promovendo maior diversidade contraceptiva à clientela.

Enfermagem; Esterilização tubária; Planejamento familiar


Se objetivó trazar el perfil anticonceptivo previo de mujeres con ligadura y verificar asociaciones entre variables educacionales, sexuales, obstétricas y la edad en que se realizaron la ligadura de trompas (LT). La investigación, de carácter documental retrospectiva, fue efectuada en el Centro de Parto Natural Lígia Barros Costa (CPN) en Fortaleza-CE-Brasil, con 1423 historias clínicas, con fechas entre 2005 y 2008, encontrándose entre ellos los correspondientes a 277 mujeres con ligadura. En el análisis se aplicó el cálculo de frecuencia, test Qui-cuadrado de Pearson y correlación de Pearson/Spearman. Las mujeres con ligadura respondieron a un perfil de baja escolaridad, uniones maritales y escasa utilización previa de otros métodos, resultando el preservativo y el anticonceptivo oral los más frecuentes. El número de gestaciones y abortos se asociaron con la edad de realización de la LT, al contrario de las variables escolaridad y edad de la primera relación sexual. En conocimiento de tales situaciones, los enfermeros podrán perfeccionar su visión sobre las mujeres que aspiran a realizarse una LT, fortaleciendo estrategias educativas y promoviendo mayor diversidad anticonceptiva a las pacientes.

Enfermería; Esterilización tubaria; Planificación familiar


The purpose of this study was to trace the contraceptive history of sterilized women and identify the associations between educational, sexual and obstetric variables and the women's age when they underwent the procedure for tubal ligation (TL). This is a retrospective documentary study performed at the Lígia Barros Costa Natural Birthing Center in Fortaleza, Ceará, with 1423 records, dating from 2005 to 2008, 277 of which referred to sterilized women. Data analysis involved applying the calculation of frequencies, Pearson's chi-square test and correlation of Pearson/Spearman. Sterilized women represented a population with low education, marital union, and a history of infrequent use of other contraceptive methods other than condoms and the pill. Numbers of pregnancies and abortions/miscarriages were related with the age of TL, unlike the variables of education and the age of the first sexual intercourse. With this knowledge at hand, nurses can improve their look towards women looking forward to TL, and thus strengthen education strategies and promote greater diversity in the alternatives for contraception.

Nursing; Sterilization, tubal; Family planning


ARTIGO ORIGINAL

Laqueadura tubária: caracterização de usuárias laqueadas de um serviço público

Ligadura de trompas: caracterización de usuarias intervenidas en un servicio público

Ana Izabel Oliveira NicolauI; Maria Leonor Costa de MoraesII; Diego Jorge Maia LimaIII; Priscila de Souza AquinoIV; Ana Karina Bezerra PinheiroV

IMestranda em Enfermagem pela Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, CE, Brasil. anabelpet@yahoo.com.br

IIEnfermeira pela Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, CE, Brasil. leonorcdm@gmail.com

IIIGraduando de Enfermagem da Universidade Federal do Ceará. Bolsista do Programa de Educação Tutorial - PET. Fortaleza, CE, Brasil. diegojorge19@hotmail.com

IVDoutoranda em Enfermagem pela Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, CE, Brasil. priscilapetenf@yahoo.com.br

VDoutora em Enfermagem. Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Ceará. Vice-Coordenadora do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, CE, Brasil. ana.karina@cnpq.br

Correspondência Correspondência: Ana Izabel Oliveira Nicolau Av. João Pessoa, 5053 - Apto. 604 - Damas CEP 60425-681 - Fortaleza, CE, Brasil

RESUMO

Objetivou-se traçar o perfil anticoncepcional pregresso de mulheres laqueadas e verificar associações entre variáveis educacionais, sexuais, obstétricas e a idade de realização da laqueadura tubária (LT). A pesquisa, de caráter documental retrospectiva, foi realizada no Centro de Parto Natural Lígia Barros Costa (CPN) em Fortaleza-CE, com 1423 prontuários, datados de 2005 a 2008, sendo 277 de mulheres laqueadas. Na análise aplicou-se cálculo de frequências, teste qui-quadrado de Pearson e correlação de Pearson/Spearman. As mulheres laqueadas revelaram perfil de baixa escolaridade, uniões maritais e escassa utilização pregressa de outros métodos, sendo a camisinha e o anticoncepcional oral os mais frequentes. Números de gestações e abortos se associaram com a idade de realização da LT, ao contrário das variáveis escolaridade e idade da coitarca. Sabedores dessa situação, os enfermeiros poderão aperfeiçoar seu olhar em relação às mulheres que almejam realizar a LT, fortalecendo estratégias educativas e promovendo maior diversidade contraceptiva à clientela.

Descritores: Enfermagem. Esterilização tubária. Planejamento familiar.

RESUMEN

Se objetivó trazar el perfil anticonceptivo previo de mujeres con ligadura y verificar asociaciones entre variables educacionales, sexuales, obstétricas y la edad en que se realizaron la ligadura de trompas (LT). La investigación, de carácter documental retrospectiva, fue efectuada en el Centro de Parto Natural Lígia Barros Costa (CPN) en Fortaleza-CE-Brasil, con 1423 historias clínicas, con fechas entre 2005 y 2008, encontrándose entre ellos los correspondientes a 277 mujeres con ligadura. En el análisis se aplicó el cálculo de frecuencia, test Qui-cuadrado de Pearson y correlación de Pearson/Spearman. Las mujeres con ligadura respondieron a un perfil de baja escolaridad, uniones maritales y escasa utilización previa de otros métodos, resultando el preservativo y el anticonceptivo oral los más frecuentes. El número de gestaciones y abortos se asociaron con la edad de realización de la LT, al contrario de las variables escolaridad y edad de la primera relación sexual. En conocimiento de tales situaciones, los enfermeros podrán perfeccionar su visión sobre las mujeres que aspiran a realizarse una LT, fortaleciendo estrategias educativas y promoviendo mayor diversidad anticonceptiva a las pacientes.

Descriptores: Enfermería. Esterilización tubaria. Planificación familiar.

INTRODUÇÃO

A concepção é produto do envolvimento do homem e da mulher, portanto espera-se que a anticoncepção seja decidida pelos parceiros igualmente envolvidos. Porém, no Brasil, a mulher assume a anticoncepção com escasso ou nenhum apoio masculino, exercendo, muitas vezes, um papel muito mais de objeto do que de sujeito da sua história sexual e reprodutiva(1).

Tal assertiva pode ser evidenciada na convergência do uso de dois métodos anticoncepcionais (MACs) femininos no Brasil - a laqueadura tubária (LT) e o anticoncepcional hormonal oral - que juntos já responderam por 60% do uso de contraceptivos entre mulheres unidas com idade entre 15 e 49 anos de todo o país, enquanto apenas 2,6% dos homens se submeteram à vasectomia(2).

Atualmente, pesquisa nacional apontou a continuidade da alta prevalência da realização da LT. Em 1996, 40,1% das mulheres com vida sexual ativa haviam realizado essa cirurgia, já em 2006 caiu para 36,7%, apresentando baixa queda no decorrer de 10 anos(3); porém o Brasil permanece como um dos países com maiores índices de esterilização feminina do mundo(4).

Tais percentuais remetem à reflexão de como essa escolha está se processando, uma vez que consiste em um método cirúrgico que ocasiona mudanças na vida do casal, muitas vezes desconsideradas no momento da decisão, tendo em vista apenas a ausência de efeitos colaterais, conveniência da LT e o forte desejo de controlar a fecundidade.

A esterilização feminina provocou polêmica desde o seu surgimento por envolver aspectos políticos, éticos, religiosos, demográficos e sociais. Este método cirúrgico tem sido bastante debatido nos aspectos populacionais, de modo que a sua prevalência foi apontada como principal causador da queda da taxa de crescimento populacional entre as décadas de 60 e 90(4).

Vale ressaltar que apenas em novembro de 1997, a Portaria nº 144 da Secretaria de Assistência à Saúde/Ministério da Saúde regulamentou a realização da esterilização cirúrgica voluntária nos serviços públicos para mulheres ou homens com capacidade civil plena e maiores de 25 anos de idade ou, que tivessem, pelo menos, dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico(5).

Ao eleger a laqueadura como meio de controle da fecundidade, alguns aspectos estão envolvidos, a saber: o desconhecimento, a insegurança e a existência de mitos quanto a outros métodos, a falta ou dificuldade de acesso aos métodos e o não-esclarecimento, por parte dos profissionais, de que a laqueadura é um método anticoncepcional cirúrgico de difícil reversão(6).

Ademais, o processo sócio-histórico em que ocorreu o advento da LT no Brasil propiciou condições inadequadas para uma escolha livre e esclarecida, o que contribuiu para o aparecimento de um contingente de mulheres arrependidas, sendo estimado entre 11% e 15% das mulheres brasileiras esterilizadas(7-8). O arrependimento constitui a principal repercussão que a LT pode ocasionar, tendo como importante determinante a idade de realização da laqueadura(8-9). Para evitar este problema é importante a identificação das mulheres ou casais mais propensos a essa escolha, estabelecimento de um processo de aconselhamento durante o período mínimo de seis meses entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, além do oferecimento de uma opção consciente(9).

Diante dos resgates literários acerca do tema, percebe-se que a enfermagem tem um papel de suma importância a ser desempenhado junto a essas mulheres, especialmente na diminuição dos índices de arrependimento. As ações de planejamento familiar devem contemplar todas as condutas necessárias para uma escolha anticoncepcional segura, a fim de satisfazer as necessidades presentes no contexto sexual e reprodutivo do casal sem trazer-lhes futuros prejuízos.

OBJETIVOS

Perante essa realidade, interessou-se traçar o perfil anticoncepcional pregresso de mulheres laqueadas e verificar associações entre variáveis educacionais, sexuais, obstétricas e a idade de realização da laqueadura tubária (LT), com vistas a compreender as especificidades presentes no contexto em que essa decisão se processa.

MÉTODO

Estudo quantitativo, retrospectivo, documental, desenvolvido no Centro de Parto Natural Lígia Barros Costa (CPN), unidade de atenção primária à saúde, que oferece atendimento específico de enfermagem no acompanhamento pré-natal e prevenção do câncer de colo uterino.

Foi investigado o tipo de método anticoncepcional registrado nos prontuários utilizados nas consultas de enfermagem em ginecologia, datados de abril de 2005, início do funcionamento do serviço, a junho de 2008, somando 1423. As informações desse total de registros fundamentaram a análise da primeira etapa dos resultados.

Dos prontuários existentes, 909 continham informação referente ao MAC em uso, uma vez que os remanescentes pertenciam a pacientes sem vida sexual ativa ou que não utilizavam meios para controle da fecundidade. Dessa parcela, 277 registros eram de usuárias laqueadas, compondo os sujeitos do estudo em questão.

A coleta de dados foi realizada durante o mês de julho de 2008. O instrumento de coleta baseou-se nas informações contidas nos prontuários das pacientes que realizaram consulta de enfermagem em ginecologia, contemplando dados de identificação sociodemográfica, história sexual e obstétrica. Utilizou-se o sistema Excel for Windows para o armazenamento das informações, bem como o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 14.0, para a análise dos dados.

A primeira etapa da análise abordou a investigação do perfil anticoncepcional das usuárias do serviço através da revisão de 1423 prontuários datados de abril de 2005 a junho de 2008.

Na segunda etapa foram descritas frequências, médias e desvio padrão de variáveis sociodemográficas e perfil anticoncepcional pregresso de mulheres laqueadas, apresentadas em forma de tabelas ilustrativas, com frequências absolutas e relativas.

Na terceira etapa foram investigadas associações entre idade de realização da laqueadura e escolaridade, variáveis sexuais e obstétricas, utilizando-se as ferramentas estatísticas: teste qui-quadrado de Pearson e correlação de Pearson/Spearman. Tais associações são consideradas estatisticamente significativas quando o valor de p (probabilidade) = 0,05(10). Os dados foram tabulados e discutidos de acordo com a literatura pertinente.

Os aspectos éticos e legais envolvendo pesquisa com seres humanos foram respeitados, de acordo com a Resolução nº 196, de 1996 do Conselho Nacional de Saúde(11). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFC, sob protocolo nº 315/05.

RESULTADOS

Os achados oriundos dos prontuários investigados foram dispostos em três sessões distintas: distribuição do uso dos MACs, caracterização sociodemográfica da população feminina laqueada, perfil anticoncepcional pregresso e associações entre as variáveis.

Do total de prontuários pesquisados, 1277 (89,7%) pertenciam a mulheres sexualmente ativas. Dessas, 909 (71,1%) apresentavam o uso de algum MAC, 310 (24,2%) não empregavam meios contraceptivos e 58 (4,5%) não constavam dados registrados.

O perfil de distribuição do emprego dos diferentes MACs mencionados entre as 909 participantes do estudo (Tabela 1) evidenciou a prevalência do uso de maneira isolada da laqueadura tubária 277 (30,4%), anticoncepcional oral 241 (26,6%) e a camisinha masculina 207 (22,7%). Porém, o anticoncepcional oral associado a outros métodos foi o mais empregado contabilizando 292 (32,2%).

A partir desta análise prévia, as informações contidas nos 277 prontuários de mulheres laqueadas foram revisadas a fim de investigar aspectos envolvidos nessa escolha cirúrgica contraceptiva, de índice ainda tão elevado na população estudada.

Para a caracterização, utilizaram-se as variáveis: idade, nível de escolaridade e estado civil, componentes dos dados de identificação do formulário empregado na consulta de enfermagem em ginecologia. Ressalta-se que esses dados foram informados na data do exame, havendo diferença no número de sujeitos devido a prontuários incompletos. As características foram dispostas na Tabela 2.

Todas as participantes no momento da consulta eram maiores de 21 anos, com exceção de 7 (2,5%) prontuários que não apresentavam essa informação. A média de idade foi de 40,19 anos, sendo a mínima de 21 e a máxima de 65 anos, com desvio padrão de 8,98 anos. Ressalta-se que 81 (29,2%) participantes ainda estavam no período de alta fertilidade, isto é, abaixo dos 35 anos.

No referente à escolaridade evidenciou-se um baixo nível de instrução, pois 164 (59,2%) informantes possuiam apenas até o ensino fundamental completo, sendo 27 (9,7%) analfabetas.

Quanto à situação conjugal, 167 (60,3%) referiram viver com seus parceiros, incluindo mulheres casadas e unidas consensualmente, configurando uma população feminina com uniões estáveis.

O perfil anticoncepcional das participantes, exposto da Tabela 3, foi estabelecido segundo as variáveis: idade de realização da LT, uso pregresso de outros MACs e tipo de método.

A idade de realização da LT foi registrada em apenas 81 prontuários. Desses, 14 (17,3%) com menos de 25 anos, sendo que quase metade, 38 (47%), se esterilizou até 30 anos, denotando grandes riscos de arrependimento. A média de idade de realização da laqueadura tubária foi de 30,37 anos, sendo a mínima de 21 anos e a máxima de 46 anos, com desvio padrão de 5,59 anos.

O uso pregresso de MAC somente foi documentado nos registros de 60 (21,6%) laqueadas, representando uma limitação para o estudo. Desses, a maioria, 32 (53,3%), afirmaram nunca ter usado outros métodos antes da LT. Das que utilizaram, somente 28 (46,6%) informaram o método, de modo que o anticoncepcional oral foi o mais citado, seguido da camisinha. A combinação desses dois métodos, o Dispositivo Intra-Uterino (DIU) e a tabela de Oginos Knaus apresentaram baixa adesão.

A associação entre idade de realização da laqueadura e escolaridade não se revelou significativa (p=0,07). Porém, considerando uma margem de erro de 7%, percebeu-se que 6 (85,8%) daquelas que se esterilizaram antes dos 25 anos, possuíam até o ensino fundamental, sendo inexistente entre aquelas com ensino médio completo e ensino superior. Ressalta-se que a grande perda amostral, pela falta do registro de algumas informações, interferiu nas associações do estudo.

Quando associados o uso pregresso de MAC e escolaridade (Tabela 4) (p=0,03) percebeu-se que entre aquelas com nível educacional inferior ao ensino médio, 20 (58,8%) referiram o não uso pregresso de MAC ao passo que apenas uma (14,2%) daquelas mais instruídas relatou a ausência de experiências passadas com outros anticoncepcionais.

Ao relacionar o início da vida sexual com idade de realização da laqueadura não houve associação estatisticamente significativa (p=0,08). A análise do cruzamento das variáveis, com uma margem de erro de 8%, mostrou que das que encerraram a fase procriativa mais precocemente, até os 30 anos, 23 (67,6%) vivenciaram a coitarca até os 17 anos, enquanto mais da metade, 20 (51,2%), das que realizou a laqueadura após os 30 anos, iniciou a vida sexual mais tardiamente.

A correlação entre as variáveis gestações e idade de realização da laqueadura (p= 0,002) seguiu uma característica positiva (r= 0, 349), ou seja, o número de gestações aumenta de acordo com o aumento da idade de realização da LT. Os resultados evidenciaram que 24 (58,5%) mulheres que engravidaram até três vezes realizaram a laqueadura até 30 anos, ao passo que dentre as que gestaram mais vezes, 22 (62,8%) se esterilizaram após essa idade.

Ainda sobre os aspectos interferentes no momento da esterilização, houve correlação positiva (r= 0,284) significativa entre o número de abortos com a idade de realização da laqueadura (Tabela 5), de modo que quanto maior o número de abortos maior a idade da mulher ao se laquear. Quase metade, 21 (42,8%) das mulheres que nunca sofreram abortos realizaram a laqueadura até os 27 anos. Essa quantidade caiu para 4 (19%) entre as que sofreram apenas um aborto. Todas as mulheres que sofreram dois abortos ou mais realizaram a laqueadura mais tardiamente.

DISCUSSÃO

A prevalência da laqueadura tubária e do anticoncepcional oral em detrimento das demais opções contraceptivas, observada no presente estudo, assemelhou-se a resultados de inquéritos nacionais(2-3). Essa realidade é reflexo das distorções entre a oferta dos métodos no país desde a década de 60 por entidades privadas de controle da natalidade, tendo como métodos quase exclusivos a pílula e a laqueadura de trompas(12).

O panorama atual da contracepção brasileira ainda não satisfaz os direitos reprodutivos, de modo que apesar das mudanças possibilitadas pelo Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), a prática usual da esterilização prevalece dentre os demais métodos, especialmente quando comparada à vasectomia(13).

Estudo realizado no Estado do Ceará, com vistas à dinâmica do atendimento em planejamento familiar no Programa Saúde da Família, reforçou a omissão dos serviços de saúde, marcadamente os de atenção primária, em oferecer informações e dar oportunidades aos casais de incluírem na relação de suas opções contraceptivas a vasectomia(14).

Os dados supracitados denotam as dificuldades do planejamento familiar no Brasil no seguimento dos elementos fundamentais à qualidade de atenção em planejamento familiar, a saber: escolha livre de métodos, informação para usuárias, competência técnica, relação usuário-serviço, acompanhamento e integração do planejamento familiar ao atendimento em saúde reprodutiva(15).

A competência profissional em anticoncepção deve contemplar conhecimentos técnicos, científicos e culturais atualizados, direcionados ao atendimento das necessidades de saúde sexual e reprodutiva dos usuários. Ademais, inclui habilidade para dar orientação, informar e comunicar, participando da tomada de decisões quanto aos MACs e acolhendo com respeito o/a cliente(16).

O baixo nível educacional das mulheres investigadas confirma conclusão de autores sobre o fato de as mulheres laqueadas configurarem uma parcela de menor nível educacional quando comparadas à população como um todo(8,17); havendo associação inversa entre a porcentagem de mulheres laqueadas e sua escolaridade: quanto menor a escolaridade, maior a porcentagem de laqueadas.

Dados sobre relações maritais na parcela feminina laqueada evidenciaram que o estado marital, o tempo e a idade com que iniciaram a convivência com o companheiro atual estão associados ao fato de a mulher ser laqueada. As demais, são principalmente casadas e apresentaram relações maritais mais estáveis temporalmente que as não esterilizadas(15).

A idade de realização da laqueadura apontou uma parcela jovem restrita à procriação pelos métodos naturais, fator que poderá configurar futuras repercussões. Quanto menor a idade com que a paciente se submete à LT, maiores são as chances de se arrepender, devido a maiores riscos de mudanças das condições conjugais, econômicas e emocionais presentes no momento em que se submeteram a esse método cirúrgico, representando fortes razões para o arrependimento(4).

A média da idade de realização da LT da população estudada (30,37) assemelhou-se à encontrada em estudo realizado em Ribeirão Preto, com 235 mulheres laqueadas, em que a média de idade foi de 33,3 anos, sendo que mais da metade se submeteu à laqueadura entre os 30 e 39 anos(17).

Os profissionais de saúde, especialmente o enfermeiro, ao acompanhar mulheres em idade reprodutiva precisam incentivar o emprego dos demais MACs a fim de diminuir as taxas de arrependimento pós-laqueadura em mulheres jovens.

Tal orientação, pautada na educação em saúde, é de suma importância, uma vez que uma das relevantes causas para a escolha da esterilização é o desconhecimento dos demais métodos e dos aspectos envolvidos na eleição por esse método cirúrgico(6). Investigação sobre o arrependimento pós-laqueadura concluiu que 83,6% das mulheres esterilizadas afirmaram não ter tido informação suficiente a respeito do caráter definitivo da laqueadura tubária(8).

A ausência de experiências contraceptivas demonstrou altíssimo percentual (53,3%) quando comparado à pesquisa com laqueadas em que apenas 9% não haviam utilizado algum contraceptivo(8). Cabe lembrar que os registros de apenas 60 mulheres continham informações sobre o uso pregresso de outros MACs.

Quanto à distribuição dos tipos de MACs, o anticoncepcional oral foi o mais citado, seguido da camisinha, confirmando resultados de outras investigações com mulheres laqueadas(6,17). A mudança de método geralmente só ocorre após uma experiência negativa com a pílula e por não vislumbrarem a possibilidade de ascensão social. Geralmente aguardam ter mais um filho para realizarem a laqueadura(18).

Embora o governo seja favorável ao planejamento familiar, observa-se na prática que a acessibilidade aos MACs não é concreta. O sistema público de saúde não os oferece em quantidade e qualidade para que os casais realizem suas escolhas(19).

A análise dos dados remete à reflexão das experiências contraceptivas vivenciadas por essas mulheres, do nível de conhecimento sobre os diversos métodos, da adequabilidade de um método cirúrgico, das circunstâncias em que foi realizada a laqueadura e do nível de esclarecimento sobre as repercussões que uma esterilização cirúrgica acarreta, sejam elas físicas ou emocionais.

Dentre as causas contraceptivas para a eleição da laqueadura como método de planejamento familiar estão: o desconhecimento, a insegurança, a existência de mitos em relação aos demais métodos, o que favorece interpretações errôneas frente às falhas dos métodos e efeitos colaterais, a falta ou dificuldade de acesso a esses métodos, além da escassez de esclarecimento, por parte dos profissionais de saúde, de que a laqueadura é um método anticoncepcional cirúrgico de difícil reversão(6).

Investigação com mulheres laqueadas e suas experiências contraceptivas revelaram em todas as entrevistas a busca por um MAC que proporcionasse a combinação ideal de fatores: alta eficácia, inócuo à saúde, fácil de usar, aceitável aos seus costumes e que também fosse aceito pelo parceiro sem resistências, sendo a expectativa mais intensamente associada à laqueadura tubária(19-20). O que se percebe é a busca por um método prático, seguro e, acima de tudo, que libere o homem da participação na contracepção.

Pesquisa realizada em Ribeirão Preto confirmou associação entre a escolaridade e uso de MAC, de maneira que mulheres que nunca haviam usado um método antes da laqueadura possuíam escolaridade mais baixa e menor conhecimento de métodos. Na maioria dos casos, mulheres com nenhuma escolaridade estão laqueadas ou não fazem uso de método(8). A influência da educação reflete no planejamento familiar e nas opções contraceptivas.

A idade do início da vida sexual não apresentou associação estatisticamente significativa (p> 0,05), entretanto, considerando uma margem de erro de 8% observou-se que as que iniciaram a vida sexual mais cedo se esterilizaram mais jovens. Dissertação de mestrado da Universidade de São Paulo concluiu que a procura pela LT entre mulheres jovens foi atribuída à precocidade da vida reprodutiva e ao maior número de filhos em curto espaço de tempo(17).

A correlação entre as variáveis número de gestações e idade de realização da laqueadura apresentou uma relação significativamente positiva (r=0, 349). Estudo de corte retrospectivo sobre a saúde reprodutiva das mulheres da cidade de Campinas evidenciou que mulheres com menos filhos fizeram a LT mais jovens e possuíam maior escolaridade. Essa realidade aumenta o risco de futuro arrependimento, de modo que mulheres que se esterilizam antes dos 35 anos têm 17 vezes mais chance de se arrependerem do que as que tiveram até duas gestações, em torno de 15 vezes(7).

A variável obstétrica aborto também se mostrou associada à idade de realização da laqueadura. Quanto maior o número de abortos maior a idade da mulher ao se laquear, de maneira que todas as mulheres que sofreram aborto realizaram a laqueadura mais tardiamente. Tais dados corroboram os achados de uma investigação sobre o número ideal de filhos e arrependimento pós-laqueadura, em que a presença de um ou mais abortamentos mostrou-se como fator de proteção à laqueadura(7). O desejo de conceber pode ter influenciado o momento da decisão pelo método cirúrgico, protelando a idade de realização da laqueadura pelas tentativas sucessivas de engravidar.

CONCLUSÃO

A primeira etapa dos resultados evidenciou a expressividade histórica da laqueadura tubária e do anticoncepcional oral, seguido pela camisinha masculina. Tal predominância reflete distorções no desenvolvimento do planejamento familiar, promovendo a reflexão acerca da qualidade da assistência reprodutiva às usuárias de serviços públicos de saúde, da disponibilidade e diversidade dos métodos oferecidos.

As características de identificação encontradas mostraram-se semelhantes às de outras investigações com mulheres laqueadas, compondo uma população, em sua maioria, casada ou unida consensualmente e com baixo nível de escolaridade. Tal conclusão ratifica a importância do fortalecimento de estratégias em planejamento familiar junto aos casais que almejam esse método, para que haja uma escolha contraceptiva adequada e consciente dos aspectos envolvidos.

A idade de realização da laqueadura apresentou uma distribuição diversificada, porém quase metade dos prontuários que continham essa informação mostrou que as mulheres se esterilizaram até os 30 anos de idade, revelando uma população jovem restrita à procriação pelos métodos naturais e vulnerável a futuros arrependimentos.

O perfil anticoncepcional pregresso representou um grupo de mulheres esterilizadas pouco contempladas pelas estratégias de planejamento familiar, evidenciado pela história de baixa utilização de métodos não-cirúrgicos e restrita diversidade. A educação esteve associada ao planejamento familiar e experiências contraceptivas, de modo que aquelas com maior nível educacional relataram maior índice de utilização pregressa de MAC.

O grau de escolaridade e o início da vida sexual não se mostraram associados, considerando um p=0,05, à idade de encerramento da vida procriativa pela esterilização. Apesar desse achado, salienta-se que a realização de estratégias de planejamento familiar e promoção da saúde sexual e reprodutiva devem contemplar de forma intensiva o período da adolescência, uma vez que este pode ser determinante na resolução da história gineco-obstétrica desses jovens.

Variáveis obstétricas se associaram à idade de realização da esterilização. O número de gestações e de abortos manteve uma correlação positiva com o desfecho investigado, ficando evidente a maior faixa etária da realização da LT entre as que vivenciaram perdas obstétricas.

As conclusões irão subsidiar a prática da enfermagem em planejamento familiar, uma vez que suscitam aspectos determinantes na eleição do método cirúrgico feminino de controle da fecundidade. Sabedores dessa situação os enfermeiros poderão aperfeiçoar seu olhar a grupos de risco de escolha pela laqueadura tubária, fortalecendo as estratégias educativas e buscando promover maior diversidade de experiências contraceptivas à sua clientela.

A ausência do registro de muitas informações relevantes nos prontuários estudados mostrou-se como uma limitação para o estudo. Ressalta-se a necessidade de os profissionais de enfermagem valorizarem a qualidade dos seus registros. Estes, à medida que documentam informações dos usuários e ações de enfermagem, poderão servir como instrumentos de estudo em prol da melhoria da assistência, da situação diagnóstica da população e da divulgação de novas pesquisas em enfermagem.

Recebido: 01/04/2009

Aprovado: 04/03/2010

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  • Correspondência:

    Ana Izabel Oliveira Nicolau
    Av. João Pessoa, 5053 - Apto. 604 - Damas
    CEP 60425-681 - Fortaleza, CE, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Aceito
      04 Mar 2010
    • Recebido
      01 Abr 2009
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