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Prevalência da incontinência anal na população urbana de Pouso Alegre - Minas Gerais

Prevalencia de la incontinencia anal en la población urbana de Pouso Alegre - Minas Gerais - Brasil

Resumos

Os objetivos deste estudo foram conhecer a prevalência da incontinência anal (IA) em adultos da cidade de Pouso Alegre (Minas Gerais) e verificar os fatores demográficos e clínicos preditores de sua presença. Estudo epidemiológico desenvolvido por meio de amostragem estratificada por conglomerado, tendo amostra final composta de 519 indivíduos, com idade >18 anos, em condições físicas e mentais adequadas, residentes em 341 domicílios da área urbana e sorteados aleatoriamente. As prevalências foram padronizadas por sexo e idade, resultando em 7,0% para IA, tanto geral como para homens e mulheres. No modelo final de regressão logística, número de filhos (OR=5,1; p<0,001), doença hemorroidária (OR=4,4; p<0,001) e cistocele (OR=3,0; p<0,001) estavam associados à presença de IA. O estudo permitiu conhecer a epidemiologia da IA e pode contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas visando à prevenção primária e secundária, e ao tratamento, ainda que inicialmente em nível municipal.

Incontinência fecal; Epidemiologia; Enfermagem


Los objetivos de este estudio fueron conocer la prevalencia de la incontinencia anal (IA) en adultos de la ciudad de Pouso Alegre (Minas Gerais), y verificar los factores demográficos y clínicos predictores de su presencia. Estudio epidemiológico desarrollado a través de muestreo estratificado por conglomerado, estando la muestra final compuesta por 519 individuos con edad >18 años, en condiciones físicas y mentales adecuadas, residentes en 341 domicilios del área urbana y sorteados aleatoriamente. Las prevalencias fueron estandarizadas por sexo y edad, resultando en 7,0% para IA, tanto general como para hombres y mujeres. En el modelo final de regresión logística, el número de hijos (OR-5,1; p<0,001), enfermedad hemorroidal (OR-4,4; p<0,001) y cistosele (OR-3,0; p<0,001) estaban asociados a la presencia de IA. El estudio permitió conocer la epidemiología de la IA y puede contribuir con el desarrollo de políticas públicas para su prevención primaria y secundaria y su tratamiento, así sea inicialmente a nivel municipal.

Incontinencia fecal; Epidemiologia; Enfermería


The objectives of this study were to analyze the fecal incontinence (FI) in adults living in Pouso Alegre (Minas Gerais, Brazil) and the associated demographic and clinical variables. This epidemiological study developed sing stratified sampling by conglomerates. The final sample consisted of 519 individuals, of age >18 years, with adequate mental and physical conditions, living in 341 homes, which were randomly selected. Prevalence rates were standardized by gender and age, and revealed 7.0% of FI, overall and for men and women. In the final model of logistical regression, the number of children (OR=5.1; p<0.001), hemorrhoids (OR=4.4; p<0.001) and cystocele (OR=3.0; p<0.001) were statistically correlated to FI. This study identified the epidemiology of fecal incontinence in a small town in Brazil and may contribute to establish public policies and programs for primary and secondary prevention and treatment of FI, starting at the local level.

Fecal incontinence; Epidemiology; Nursing


ARTIGO ORIGINAL

Prevalência da incontinência anal na população urbana de Pouso Alegre - Minas Gerais* * Extraído da dissertação "Prevalência das incontinências urinária e anal na população urbana de Pouso Alegre - MG", Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, 2008.

Prevalencia de la incontinencia anal en la población urbana de Pouso Alegre - Minas Gerais - Brasil

Claudia Regina de Souza SantosI; Vera Lúcia Conceição Gouveia SantosII

IEnfermeira. Mestre em Enfermagem em Saúde do Adulto pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. claudiasantos8@hotmail.com

IIProfessora Associada do Departamento de Enfermagem Médico Cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Membro da Associação Brasileira de Estomaterapia. Membro do World Council of Enterostomal Therapists e da International Society for Quality of Life Research. São Paulo, SP, Brasil. veras@usp.br

Correspondência Correspondência: Claudia Regina Souza Santos Rua Áureo Pereira Silva, 75 - Colinas de Santa Bárbara CEP 37550-000 - Pouso Alegre, MG, Brasil

RESUMO

Os objetivos deste estudo foram conhecer a prevalência da incontinência anal (IA) em adultos da cidade de Pouso Alegre (Minas Gerais) e verificar os fatores demográficos e clínicos preditores de sua presença. Estudo epidemiológico desenvolvido por meio de amostragem estratificada por conglomerado, tendo amostra final composta de 519 indivíduos, com idade >18 anos, em condições físicas e mentais adequadas, residentes em 341 domicílios da área urbana e sorteados aleatoriamente. As prevalências foram padronizadas por sexo e idade, resultando em 7,0% para IA, tanto geral como para homens e mulheres. No modelo final de regressão logística, número de filhos (OR=5,1; p<0,001), doença hemorroidária (OR=4,4; p<0,001) e cistocele (OR=3,0; p<0,001) estavam associados à presença de IA. O estudo permitiu conhecer a epidemiologia da IA e pode contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas visando à prevenção primária e secundária, e ao tratamento, ainda que inicialmente em nível municipal.

Descritores: Incontinência fecal. Epidemiologia. Enfermagem.

RESUMEN

Los objetivos de este estudio fueron conocer la prevalencia de la incontinencia anal (IA) en adultos de la ciudad de Pouso Alegre (Minas Gerais), y verificar los factores demográficos y clínicos predictores de su presencia. Estudio epidemiológico desarrollado a través de muestreo estratificado por conglomerado, estando la muestra final compuesta por 519 individuos con edad >18 años, en condiciones físicas y mentales adecuadas, residentes en 341 domicilios del área urbana y sorteados aleatoriamente. Las prevalencias fueron estandarizadas por sexo y edad, resultando en 7,0% para IA, tanto general como para hombres y mujeres. En el modelo final de regresión logística, el número de hijos (OR-5,1; p<0,001), enfermedad hemorroidal (OR-4,4; p<0,001) y cistosele (OR-3,0; p<0,001) estaban asociados a la presencia de IA. El estudio permitió conocer la epidemiología de la IA y puede contribuir con el desarrollo de políticas públicas para su prevención primaria y secundaria y su tratamiento, así sea inicialmente a nivel municipal.

Descriptores: Incontinencia fecal. Epidemiologia. Enfermería.

INTRODUÇÃO

A International Continence Society(1)define a Incontinência Anal (IA) como a perda de fezes e/ou flatos. Quanto à sua classificação, não há consenso, sendo mais utilizadas as relacionadas aos sintomas, caráter das perdas, grupos de pacientes ou grupos de supostas causas(2). No Brasil, tem-se utilizado a classificação baseada no Índice de Incontinência Anal (IIA), que inclui as características e freqüência das perdas, o uso de protetores e o impacto na qualidade de vida. Seus escores variam de zero (continência perfeita) a vinte (incontinência total) e suas faixas de 0 a 7, 8 a 13 e 14 a 20 correspondem, respectivamente, às categorias leve, moderada e grave(3).

As pesquisas sobre a IA são escassas em nosso meio e parte delas limita-se a grupos restritos quanto ao gênero (preferencialmente o feminino)(4); à idade avançada(5); aos aspectos obstétricos(6) e às doenças crônicas como o Diabetes Mellitus(7); justificando a necessidade e relevância desta investigação na população geral.

OBJETIVOS

Este estudo objetivou identificar e analisar a prevalência da IA e verificar os fatores demográficos (idade, etnia, sexo, escolaridade, renda familiar) e clínicos (gestação/paridade, cirurgia uroginecológica e retal, POP, medicamentos, menopausa, diabetes mellitus e hipertensão arterial) preditores da presença de IA em adultos residentes na área urbana da cidade de Pouso Alegre, em Minas Gerais.

REVISÃO DE LITERATURA

Estima-se que a incontinência fecal afeta até 1 em cada 10 pessoas em algum tempo em suas vidas. Podendo se manifestar através da incapacidade de chegar a um banheiro com rapidez suficiente, ou experimentar sujidade ou vazamento das fezes sem estar ciente disso(2).

Ao investigar a prevalência da IA numa população com + de 75 anos em relação às queixas de saúde, foram enviados 8500 questionários com taxa de repostas de 4277 (61,6%), os quais mostraram que a IA estava associada com diarréia, fadiga e dores de origem gástrica, bem como a outros problemas de saúde(5).

Para estimar os fatores de risco obstétricos da IA entre mulheres de meia idade, 3114 questionários foram enviados para mulheres com idade entre 50 e 61 anos, obtendo retorno de 2640 (85%). Os resultados mostraram a prevalência de 9,5% para IA e fatores associados como depressão, sobrepeso ou obesidade, cirurgias anteriores para correção de IU e IA. Variáveis obstétricas como paridade, tipo de parto, episiotomia, peso ao nascer e laceração perineal de 3º grau não se mostraram significantes(8).

Um estudo para avaliar a freqüência e os critérios da indicação da episiotomia, realizado no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo com 12 médicos e 12 enfermeiras envolvidos diretamente com a assistência à parturiente, mostrou que o tipo de episiotomia mais citado foi médio-lateral direito (92,0%), e uma das justificativas dizia respeito à menor chance de lesão no esfíncter anal(9).

Ao estudar os efeitos da hiperglicemia sobre a função motora e sensorial anorretal com pacientes portadores de diabetes mellitus, 18 pessoas (8 com DM tipo 1 e 10 com DM tipo 2), foram submetidas a exames sistematizados de glicemia, de avaliação sensorial e motora anorretal. Os resultados revelaram que a hiperglicemia aguda inibe a função do esfíncter anal externo e diminui a complacência retal, aumentando potencialmente o risco de incontinência fecal(10).

MÉTODO

O estudo é do tipo epidemiológico, exploratório, descritivo, transversal e de base populacional onde são testadas correlações. A pesquisa foi desenvolvida na cidade de Pouso Alegre, em Minas Gerais. A população alvo foi constituída de pessoas com idade >18 anos, residentes na zona urbana da cidade de Pouso Alegre. Para o cálculo amostral, a população da cidade foi estimada em 120.467, no ano de 2007 conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

A amostra foi selecionada por meio de amostragem estratificada por conglomerado, em um único estágio. Estabeleceram-se amostras de 341 domicílios distribuídos em cinco regiões, com nível de precisão de 5%. Para a composição da amostra probabilística, a seleção das residências foi realizada através de sorteio aleatório. Para inclusão na amostra, os indivíduos atenderam ainda aos seguintes critérios: apresentar condições físicas e mentais para responder à entrevista e aceitar participar da pesquisa. Ao final, 519 pessoas compuseram a amostra. Cerca de 30,3% dos homens recusaram-se a participar do inquérito. A pesquisa limitou-se à zona urbana da cidade devido às dificuldades encontradas para a obtenção dos endereços na zona rural.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Processo 673/2007/CEP/EEUSP, e atendeu às exigências da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Os dados foram coletados por meio de dois instrumentos. O primeiro instrumento referiu-se aos dados sócio-demográficos (sexo, etnia, escolaridade, situação conjugal, ocupação e renda familiar) e clínicos (cirurgia uroginecológica prévia, partos (número e tipo), alterações anais e genitais, medicamentos, menopausa, hipertensão arterial, diabetes mellitus e presença de IA); e o segundo destina-se à identificação da prevalência e das características das perdas fecais (IA), uso de medicamentos para prevenir as perdas fecais, tempo e condições das perdas, utilização e circunstância das trocas de recursos de contenção, importância de ter banheiro por perto, freqüência, quantidade e aspecto das fezes, percepções quanto às perdas e diferenciação entre perdas de fezes e de gases.

A prevalência das perdas anais foi ajustada por sexo e faixa etária, utilizando-se a população residente de Pouso Alegre como padrão. Neste estudo obteve-se, portanto, a prevalência padronizada de IA.

O estudo dos fatores preditivos da ocorrência de IA foi desenvolvido por meio de regressão logística, univariada (identificação da presença de associação entre cada uma das variáveis independentes e a variável dependente - presença ou não de incontinência) e multivariada. Para a análise multivariada, desenvolveram-se cinco modelos para estabelecer as relações entre as variáveis sócio-demográficas, clínicas, da vida reprodutiva, características das perdas anais e entre todas as variáveis significantes que permaneceram nos modelos 1 a 4. Os testes Qui-quadrado e de Hosmer Lemeshow foram empregados nas análises de regressão para verificação do ajuste dos modelos. O nível de significância adotado foi de 5%.

RESULTADOS

A amostra do estudo foi composta, predominantemente, por mulheres (342/ 65,9%), faixa etária entre 40 e 59 anos (197/38,0%), etnia branca (436/84,0%), com escolaridade fundamental e analfabetos (321/61,8%), trabalho não remunerado 263/ 50,7%), casados (298/57,4%) e com renda de até 3 salários mínimos (321/61,8%). A hipertensão (192/37,0%) e os hipotensores (185/35,6%) prevaleceram. Quanto às condições clinicas, a cistocele (29/8,5%) e a perineoplastia (26/7,6%) para as mulheres e as hemorróidas (7/4,0%) e hemorroidectomias (5/2,9 %) para os homens foram as comorbidades e cirurgias mais freqüentes, respectivamente. Quanto à vida reprodutiva, 237 (69,3%) mulheres tiveram ente 1 a 4 filhos e 149 (42,3%) entre 1 a 4 partos normais.

A prevalência padronizada por sexo e idade para IA foi 7,0% na população geral, repetindo-se para ambos os sexos. Quanto ao tipo de perda, obtiveram-se 3,5% para perdas fecais, sendo 3,1% para os homens e 4,2% para as mulheres. As perdas de gases revelaram valores iguais para a população geral e para ambos os sexos (4%).

Quanto às características das perdas fecais, predominaram aquelas que ocorrem de 3 a 4 anos (9/47,4%) e quando as pessoas estão acordadas (14/73,7%); apenas 4 (21,0%) usam algum protetor, 2 delas enquanto estão acordadas. Ter um banheiro por perto é considerado importante por 15 (79,0%) pessoas; 14(73,7%) apresentam fezes líquidas ou amolecidas, 15 (79,0%) as perdem em pequena quantidade, 6 (31,6%) percebem quando a perda está para acontecer e 5 (26,3%) percebem quando as perdas estão ocorrendo; 10 (52,6%) pessoas percebem a diferença entre a eliminação de fezes e de gases.

Com os valores de OR muito semelhantes, os dados da Tabela 1 destacam que mulheres separadas (p<0,001) têm 3,1 mais chances de desenvolver IA, comparativamente às demais categorias conjugais. O modelo 1 de regressão logística explica 16,3 % da variação da ocorrência de IA nessa população.

Também com valores de OR muito semelhantes, os dados da Tabela 2 indicam que indivíduos com cirurgias uroginecológicas e retais prévias (p<0,001) e mulheres com cistocele (p<0,001) possuem mais chances de ter IA do que os demais. O modelo 2 de regressão logística explica 83 % da variância de ocorrência de IA.

Na Tabela 3, mulheres que possuem maior número de partos têm cerca de 3 vezes mais chances de apresentar IA. Este modelo explica 25,7 % da variação de ocorrência de IA.

Para o modelo 4 de regressão logística, em que a IA foi associada às características das perdas anais, as variáveis não convergiram para valores aceitáveis (β=0/infinito), mostrando a não adequação do modelo. A presença de sobreposição das categorias de algumas questões (por exemplo: Q7, Q8 e Q9) podem justificar a falta de ajuste do modelo.

Os dados da Tabela 4 (Modelo final) mostram que maior número de filhos (p<0,001) e presença de hemorróidas (p<0,001) e cistocele (p<0,001) estão associados significativamente à ocorrência de perdas anais, ou seja, são fatores preditores da IA. Ressalta-se que, embora as cirurgias ginecológicas estivessem associadas significativamente às perdas anais, em regressão univariada (OR=3,0 e p<0,001), não se mantiveram no modelo final de regressão multivariada. Esses fatores explicam 47,5 % da variação de ocorrência de IA.

DISCUSSÃO

A IA é freqüentemente assumida como situação normal, no entanto, é um problema presente entre as pessoas mais velhas e sua epidemiologia não é bem descrita na literatura. Ela tem sido estudada quanto às condições das perdas, isto é, de fezes, de gases ou abrangendo ambas, e poucos trabalhos exploram-nas na população geral. Em nosso estudo, os índices de prevalências padronizadas para fezes e gases, isoladas e associadas, tiveram valores próximos (3,5% para perdas de fezes; 4,0% para perdas de gases e 7,0% para ambos tipos de perdas). O sexo feminino obteve índice superior apenas para as perdas isoladas de fezes, com prevalências padronizadas iguais aos homens no que se referiu às perdas isoladas de gases e às combinadas com fezes. Esses dados incluem-se naqueles obtidos em recente revisão de literatura, onde a prevalência variou de 0,4% a 18% para fezes e de 2% a 24% para gases(11).

Os estudos têm mostrado prevalências elevadas de até 33% para a incontinência anal(12); sendo um problema encontrado com maior freqüência na atualidade, iniciando-se após o parto e agravando-se com a multiparidade e com a idade avançada (acima de 65 anos)(13).

No período de 1999 a 2001, 1000 pessoas com idade média de 75 anos, em três localidades rurais e duas urbanas do Alabama (EUA), foram investigadas quanto à prevalência de IA, mostrando índice total de 12%; 12,4% para o sexo masculino e 11,6%, para o feminino. Em análise de regressão logística, a IU, a histerectomia com remoção de ovário e a diarréia crônica estavam associadas à IA nas mulheres. Para os homens, a diarréia crônica, o fato de residir sozinho, a doença prostática e a baixa percepção do estado de saúde foram os fatores associados à ocorrência de IA(14). Tendo em vista a idade dos investigados, tanto os índices são superiores àqueles encontrados em nosso estudo, como os fatores preditivos são distintos.

Em uma comunidade japonesa, outro estudo investigou 1473 pessoas = 65 anos quanto à presença de IU e IA, em seguimento de 38 meses (1325/94,3% completaram o estudo). A IA estava presente em 3,4% dos idosos, diariamente. Idade maior que 75 anos e algumas atividades diárias estavam significativamente associadas com algum tipo de incontinência(15).

Prevalência superior foi encontrada por outros autores que verificaram a presença de IA em 9,5% (250) de 2640 mulheres (idade de 50 a 61 anos), associada significativamente ao ensino médio, à depressão e às cirurgias prévias, sem associação com qualquer variável obstétrica(8). Dentre 1253 mulheres em Taiwan, 2,8% apresentaram perdas fecais e 8,6% perdas de flatos(4).

Em amostra de 5904 pessoas da população geral, com idade igual ou superior a 40 anos (n=10116), 1,4% referiram IA, que se associou à idade avançada(16). Em estudo alemão, 4,8% de 500 pessoas avaliadas eram incapazes de controlar fezes sólidas(17). Dentre 248 idosos com idade igual e superior a 75 anos e dificuldades para controlar as eliminações de fezes, constatou-se IA em 56,4%, principalmente entre as mulheres, sendo que a maior parte não chegava a tempo ao banheiro e não conseguia esvaziar completamente o intestino; menos da metade apresentava fezes endurecidas e desconforto pela presença de umidade anal(5). O fato de não chegar a tempo ao banheiro mostra a necessidade de tê-lo por perto, o que ficou bem caracterizado em nosso estudo para a maioria dos incontinentes.

Apesar da variável parto vaginal não ter sido significativa no presente estudo, ela é freqüentemente mencionada(6). A laceração ou ruptura dos esfíncteres, devida a fatores obstétricos, tem provocado alterações na continência anal que variam da menor à maior freqüência. Em nosso estudo, o exame clínico não foi realizado, apenas o questionamento quanto à ocorrência de laceração anal durante o parto e com correção cirúrgica, obtendo freqüência mínima e não se mantendo nas análises de regressão logística. Embora seja causa frequente, os motivos expostos podem ter contribuído para que não se mantivessem na análise.

A cistocele e o prolapso uterino constituíram fatores preditores também importantes para IA, no presente estudo, com 3,1 e 2,1 chances de ocorrência das perdas anais. Algumas outras publicações corroboram esses achados. A IA estava presente em 49 (15,9%) dentre 320 mulheres atendidas em uma clínica de urodinâmica, com 11(3,6%) para perdas de fezes líquidas ou sólidas e 38(12,3%) para flatos; mulheres com prolapso uterino possuíam 5 vezes mais chances de apresentarem a IA(18). O prolapso de órgão pélvico (POP) é mencionado em outro estudo, onde estava associado significativamente ao aparecimento da IA(4).

Embora a presença de doença hemorroidária tenha se mantido no modelo final de regressão, com 4,4 mais chances de ocorrência das perdas anais, é a hemorroidectomia que aparece como fator associado à IA em um estudo realizado na Suécia(19). Do mesmo modo, apesar da HA ter permanecido como fator preditor final para a ocorrência de IA - com 2,6 mais chances - somente o diabetes mellitus tem sido mencionado em alguns estudos(7,10).

Durante as visitas realizadas nos domicílios, constatou-se que a abordagem sobre as perdas anais causou sentimentos de espanto, vergonha e constrangimento em algumas pessoas, ao tratar-se da intimidade e de aspectos que, às vezes, sequer o cônjuge conhecia. Os homens mostraram-se mais receosos do que as mulheres em responder às perguntas e grande parte deles não se sentiu à vontade para falar sobre o assunto, razão que levou à baixa adesão à entrevista (com 30% de recusa), o que deve ser considerado como limitação do estudo. Outra limitação relacionou-se à concentração da amostra na zona urbana. Embora se pretendesse, a princípio, ampliar o estudo para a zona rural, após tentativas infrutíferas de obtenção dos endereços dessa região junto à prefeitura (cadastro imobiliário e Programa de Saúde da Família) e à Companhia Energética de Minas Gerais, decidiu-se restringir o estudo à população residente na zona urbana da cidade. A escassez de estudos, principalmente nacionais, relativos à IA pode ser considerada como outra limitação do estudo, ao acarretar dificuldades para a discussão dos achados. Além disso, os autores que estudam grupos específicos de população ou população geral, não têm incluído os ajustes ou padronização de seus achados quanto a sexo e idade, em seus dados estatísticos, tratando-se muito mais de ocorrências do que índices de prevalência propriamente ditos.

Nos trabalhos aqui discutidos, as perdas maiores e mais freqüentes estão relacionadas aos gases, mais do que para as fezes. As perdas mais leves já constituem sinais de comprometimento da integridade do esfíncter anal interno, parecendo constituir um indicador importante nas investigações sobre as eliminações, em busca de prevenção de agravamento da incontinência, diagnóstico precoce e implementação de intervenções profiláticas secundárias.

Quanto aos programas de saúde voltados ao tratamento da IA, os centros dedicados à atenção ao idoso, apesar de possuírem meios de avaliação para as perdas urinárias e fecais, até o presente são escassos, o que acarreta a privação de acesso aos benefícios de tratamento por parcela importante da população(20). A linha Guia do Cuidado Farmacêutico em Minas Gerais esclarece que é importante a orientação dietética, evitando as refeições volumosas, as ricas em gorduras e as excessivamente abundantes em fibras e que o tratamento farmacológico deve incluir o uso de antiperistálticos(21).

Em nível local e regional, não há programas direcionados para o tratamento da incontinência anal. Todavia, o Ambulatório de Estomaterapia da Secretaria Municipal de Saúde de Pouso Alegre, restrito à assistência às pessoas com lesões e estomas intestinais e urinários, até o momento, objetiva, ainda no ano de 2010, ampliar suas atividades para a área das incontinências, iniciando uma campanha de esclarecimento à população sobre esse tema, por meio de palestras junto aos profissionais e clientes atendidos no Programa Saúde da Família, nas unidades básicas de saúde, em associações de bairro e da 3ª idade e no centro de convivência do idoso.

Além disso, a Associação Brasileira de Estomaterapia (SOBEST): estomias, feridas e incontinências e os Cursos de Especialização em Enfermagem em Estomaterapia, em diversas universidades de 10 Estados da federação, têm contribuído para o desenvolvimento do tema em nosso país, por intermédio de suas atividades científicas que englobam desde eventos internacionais, nacionais e regionais às investigações científicas, publicadas em revistas nacionais e internacionais(22).

CONCLUSÃO

As prevalências padronizadas por sexo e idade para IA foram 7,0% na população total e para ambos os sexos; encontrando-se como fatores mais fortemente associados à IA, o número de filhos (OR=5,1; p<0,001), a doença hemorroidária (OR=4,4; p<0,001) e a cistocele (OR= 3,1; p<0,001).

Recebido: 15/08/2009

Aprovado: 15/05/2010

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    Claudia Regina Souza Santos
    Rua Áureo Pereira Silva, 75 - Colinas de Santa Bárbara
    CEP 37550-000 - Pouso Alegre, MG, Brasil
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    Extraído da dissertação "Prevalência das incontinências urinária e anal na população urbana de Pouso Alegre - MG", Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, 2008.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Recebido
      15 Ago 2009
    • Aceito
      15 Maio 2010
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