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A capacitação profissional do enfermeiro

EDITORIAL

A capacitação profissional do enfermeiro

Capacitación profesional del Enfermero

Paulina KurcgantI

IProfessora Titular do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. pkurcg@usp.br

A reflexão sobre a capacitação do enfermeiro obriga a se colocar, em relação, duas categorias de análise: o trabalho, por ser, em parte, determinado pela e determinante da formação profissional e da capacitação permanente e a formação profissional e capacitação permanente, por serem determinantes do e determinadas pelo trabalho.

Outro elemento que permeia e explica esta reflexão é o conceito atribuído aos termos qualificação e competência profissional.

Por serem estes conceitos polissêmicos, a compreensão do significado do termo capacitação do trabalhador remete ao entendimento do significado dos termos qualificação e competência, que guardam diferentes significados em determinados momentos históricos, mostrando diferentes realidades de como se dá o processo de trabalho.

Um exemplo ocorreu na década de 80, no sistema produtivo, quando houve a desregulamentação dos mercados e da força de trabalho, obrigando a inovações no processo produtivo, no gerenciamento da dinâmica do trabalho e no saber do trabalhador.

Neste contexto, os países economicamente produtivos, que até então consideravam o domínio do conhecimento técnico-específico e das habilidades elementos de essencialidade no conceito atribuído ao termo qualificação, passam a ressignificá-lo como capacidade de decidir, intervir e agir, tanto em situações cotidianas como imprevisíveis.

As novas capacidades demandadas ao trabalhador para a resolução dos problemas concretos e, às vezes, complexos, apresentados no cotidiano do trabalho, passam a exigir, além da capacitação técnica, capacidade de resolver problemas, iniciativa, criatividade, comunicação, aceitação da competitividade, do trabalho compartilhado e do trabalho em equipe.

Assim, juntamente com as diferenças existentes entre os conceitos de qualificação e de competência, emergem elementos de ordem qualitativa, uma vez que o termo qualificação se restringia ao conhecimento técnico-científico (próprio da racionalidade técnica) como elemento de essencialidade conceitual, enquanto o termo competência passa a incorporar dimensões de ordem psicossocial e cultural(1).

Com o mesmo referencial, a categoria educação, analisada na esfera do processo educacional, atribui ao termo qualificação o significado de preparação do profissional para o mercado de trabalho, sendo este preparo resultante da trajetória escolar vivenciada (diploma, certificado) e/ou da experiência concreta da prática (carreira profissional).

Pelo fato da realidade da esfera do trabalho passar a demandar um perfil diferenciado do trabalhador, o significado de competência, como um novo termo, passa a agregar não só a necessidade de o profissional atualizar-se permanentemente, com novos conhecimentos e habilidades, mas, também, a necessidade de incorporar estes conhecimentos, contextual e reflexivamente, na prática, passando a usá-los, testá-los e avaliá-los de forma compartilhada e responsável.

Neste contexto, o resgate dos significados dos termos qualificação e competência não pode ser considerado somente sob o foco semântico, mas sim à luz das implicações sócio-econômicas e culturais que integram e determinam estes significados.

Se, por um lado, o termo qualificação restringe a capacitação e o desempenho do trabalhador/enfermeiro no âmbito de conhecimentos na dimensão técnico-científica, o termo competência amplia este significado, uma vez que passa a exigir, deste profissional, características como iniciativa, criatividade, discernimento, capacidade de decisão, de comunicação entre outras. Desta forma, se há ampliação no âmbito de atuação do enfermeiro há, também, exigência de nova capacitação para o desempenho das novas demandas.

Um ponto importante a ser considerado é que estas demandas não se encontram no âmbito das competências técnico-científicas, mas, sim, no âmbito das competências sócio-educativas e ético-políticas. Nesta direção, as novas competências demandadas pelas instituições de saúde, têm que ser analisadas, também, à luz dos interesses e intencionalidades destas instituições, sejam elas públicas ou privadas. Se, por um lado, o profissional avança no uso das suas potencialidades e assume maior autonomia no seu campo de ação, as instituições avançam na consecução de suas metas com incremento da qualidade e sem aumentar custos.

Nesta leitura da realidade, muitas vezes, não está contemplado o contexto onde o trabalho se desenvolve, uma vez que exige novas competências profissionais, amplia o âmbito de ação, mas não oferece, em contrapartida, melhores condições de trabalho.

Referendando esta idéia, embora não referente à área de saúde, administradores consideram que as competências devem agregar valor econômico à organização e valor social ao indivíduo.

Na área da saúde, especificamente no que se refere ao profissional enfermeiro, diferentemente de outras áreas de atuação profissional, o significado de qualificação, bem como o de competência, ainda tomam como parâmetros a produção e a organização do trabalho. Este trabalho se desenvolve no âmbito de instituições/organizações de saúde, que atuam no segmento de prestação de serviços, e têm como característica específica trabalhar, prioritariamente, com o elemento humano, seja ele como usuário/cliente/paciente ou como recurso humano/profissional, que atende ao usuário do sistema de saúde.

Embora com reservas, a realidade impõe que se analise e avalie o desempenho do profissional enfermeiro, uma vez que, à semelhança do sistema produtivo, o da prestação de serviços também estabelece o contexto das demandas, dos recursos disponíveis e das relações de poder no mundo do trabalho. Negar esta realidade não permite avançar na leitura e, consequentemente, nas propostas que possam agregar, em contrapartida, valor social às organizações de saúde e valor econômico aos profissionais que contribuem com o seu trabalho.

Assim, para o entendimento dos novos elementos que passam a ser incorporados à atuação do profissional enfermeiro, é imprescindível que sejam decodificadas as competências que instrumentalizam o seu desempenho de forma compatível com o seu bem estar pessoal e realização profissional.

Refletir sobre o significado, âmbito e dinâmica da área de atuação do enfermeiro obriga a um movimento de re-atualização de competências, inovador, mas, ainda, insuficiente para dar conta dos novos desafios e condições que a realidade impõe.

  • 1. Manfredi SM. Trabalho, qualificação e competência profissional: das dimensões conceituais e políticas. Educ Soc. 1999;19(64):231-47.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Maio 2011
  • Data do Fascículo
    Abr 2011
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