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Vivências de familiares de crianças internadas em um Serviço de Pronto-Socorro

Experiencias de familiares de niños internados en un servicio de urgencias

Resumos

A infância apresenta-se como uma fase que exige bastante atenção da família e do serviço de saúde, uma vez que seus integrantes, além de dependerem de familiares, são vulneráveis ao ambiente. Objetivou-se descrever as vivências de familiares de crianças internadas em um serviço de pronto-socorro, discutir como essas vivências influenciam no cotidiano da família e relatar os aspectos que interferem no cuidado de enfermagem. Estudo descritivo, de abordagem qualitativa, desenvolvido em um hospital de urgência da rede privada. Utilizou a técnica de entrevista com dez familiares para produzir os dados. Estes foram submetidos à análise temática, elaborando-se três categorias: vivências do familiar, alterações no cotidiano da família, a fé e a aproximação familiar atuando como agentes facilitadores. Concluiu-se que o ser acompanhante passa por adaptações, ao vivenciar a hospitalização, existindo alterações na rotina familiar. Porém, devido aos conflitos vivenciados pelo familiar, a enfermagem deve compreendê-lo como sujeito do cuidado ampliado.

Criança hospitalizada; Família; Cuidado da criança; Enfermagem pediátrica; Serviços médicos de emergência


La infancia se presenta como una fase que exige bastante atención familiar y del servicio sanitario, toda vez que sus integrantes, además de depender de familiares, son vulnerables al ambiente. Se objetivó describir las experiencias de familiares de niños internados en servicio de Urgencias, discutir cómo esas vivencias influencian el cotidiano familiar y relatar los aspectos que interfieren en el cuidado de enfermería. Estudio descriptivo, de abordaje cualitativo, desarrollado en un hospital de Urgencias privado. Utilizó técnica de entrevista con diez familiares para obtener los datos. Estas fueron sometidos al análisis temático, elaborándose tres categorías: vivencias del familiar, alteraciones del cotidiano familiar, la fe y aproximación familiar actuando como agentes facilitadores. Se concluyó en que el acompañante pasa por adaptaciones al vivir la hospitalización, existiendo alteraciones en la rutina familiar. Sin embargo, debido a los conflictos enfrentados por el familiar, la enfermería debe comprenderlo como sujeto de cuidado ampliado.

Niño hospitalizado; Familia; Cuidado del niño; Enfermería pediátrica; Servicios médicos de emergencia


Childhood is a phase that requires much attention from the family and the health service, because family members, besides depending on relatives, are vulnerable to the environment. The objective of this study was to describe the experiences of relatives of children hospitalized in an emergency care service, discuss on how those experiences affect the everyday life of the family and report the aspects that interfere in the nursing care. This descriptive study was performed using a qualitative approach, and was developed in a private emergency hospital. Interviews were performed with ten family members to obtain the data. The data was submitted to thematic analysis, and three categories were elaborated: experiences of the family member, changes in the everyday life of the family, the faith of the family and their closeness as facilitating agents. In conclusion, the person accompanying the patient goes thorough adaptations, whilst experiencing hospitalization, with changes to the routine of the family. However, because of the conflicts experienced by the family member, nursing should see them as a subject of the extended care.

Child, hospitalized; Family; Child care; Pediatric nursing; Emergency medical services


ARTIGO ORIGINAL

Vivências de familiares de crianças internadas em um Serviço de Pronto-Socorro

Experiencias de familiares de niños internados en un servicio de urgencias

Ana Maria Ribeiro dos SantosI; Nayra Michelle Anjos AmorimII; Carolinne Husmann BragaIII; Flávia Danielli Martins LimaIV; Elza Mayara Antunes de MacedoV; Carla Fernanda de LimaVI

I Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Piauí e da Faculdade de Saúde, Ciências Humanas e Tecnológicas do Piauí. Teresina, PI, Brasil. anasantos@ufpi.edu.br

IIEnfermeira Assistencialista do Hospital Municipal Djalma Marques de São Luís. São Luís, MA, Brasil. nayramichelle@hotmail.com

IIIEnfermeira Graduada pela Universidade Federal do Piauí. São Luís, MA, Brasi. carolqueiroz20@hotmail.com

IVEnfermeira. Mestranda em Gestão e Economia dos Serviços de Saúde da Universidade do Porto. Porto, Portugal. fdmlima@gmail.com

VEnfermeira Assistencialista do Hospital São Marcos. Teresina, PI, Brasil. elzamayara@hotmail.com

VIPsicóloga. Mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professora Assistente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Piauí. Piauí, PI, Brasil. carlafernandadelima@hotmail.com

Correspondência Correspondência: Ana Maria Ribeiro dos Santos Rua Professor Madeira, 1519, Horto Florestal CEP 64052-480 - Teresina, PI, Brasil

RESUMO

A infância apresenta-se como uma fase que exige bastante atenção da família e do serviço de saúde, uma vez que seus integrantes, além de dependerem de familiares, são vulneráveis ao ambiente. Objetivou-se descrever as vivências de familiares de crianças internadas em um serviço de pronto-socorro, discutir como essas vivências influenciam no cotidiano da família e relatar os aspectos que interferem no cuidado de enfermagem. Estudo descritivo, de abordagem qualitativa, desenvolvido em um hospital de urgência da rede privada. Utilizou a técnica de entrevista com dez familiares para produzir os dados. Estes foram submetidos à análise temática, elaborando-se três categorias: vivências do familiar, alterações no cotidiano da família, a fé e a aproximação familiar atuando como agentes facilitadores. Concluiu-se que o ser acompanhante passa por adaptações, ao vivenciar a hospitalização, existindo alterações na rotina familiar. Porém, devido aos conflitos vivenciados pelo familiar, a enfermagem deve compreendê-lo como sujeito do cuidado ampliado.

Descritores: Criança hospitalizada; Família; Cuidado da criança; Enfermagem pediátrica; Serviços médicos de emergência.

RESUMEN

La infancia se presenta como una fase que exige bastante atención familiar y del servicio sanitario, toda vez que sus integrantes, además de depender de familiares, son vulnerables al ambiente. Se objetivó describir las experiencias de familiares de niños internados en servicio de Urgencias, discutir cómo esas vivencias influencian el cotidiano familiar y relatar los aspectos que interfieren en el cuidado de enfermería. Estudio descriptivo, de abordaje cualitativo, desarrollado en un hospital de Urgencias privado. Utilizó técnica de entrevista con diez familiares para obtener los datos. Estas fueron sometidos al análisis temático, elaborándose tres categorías: vivencias del familiar, alteraciones del cotidiano familiar, la fe y aproximación familiar actuando como agentes facilitadores. Se concluyó en que el acompañante pasa por adaptaciones al vivir la hospitalización, existiendo alteraciones en la rutina familiar. Sin embargo, debido a los conflictos enfrentados por el familiar, la enfermería debe comprenderlo como sujeto de cuidado ampliado.

Descriptores: Niño hospitalizado; Familia; Cuidado del niño; Enfermería pediátrica; Servicios médicos de emergencia.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal Brasileira de 1988 assegura os direitos universal, igualitário e de integralidade a população, garantindo várias portas de entrada no sistema de saúde. Dependendo da complexidade do quadro clínico, os usuários devem dirigir-se a uma unidade com condições de resolver seus problemas de saúde. Estes, de acordo com a gravidade, são caracterizados como casos eletivos, aqueles que não necessitam de atendimento urgente, podendo ser postergado sem prejuízo do estado de saúde(1); os quadros classificados como de urgência correspondem à ocorrência imprevista de agravo à saúde com ou sem risco potencial de vida, cujo portador necessita de assistência médica imediata; e as ocorrências de emergência requerem a constatação médica de condições de agravo à saúde que implicam risco iminente de vida ou sofrimento intenso; exigindo, portanto, tratamento médico imediato(2).

O cenário de pronto-socorro, receptor desses casos, diferencia-se dos outros setores da instituição hospitalar por oferecer acesso irrestrito à população e receber um volume excessivo de pacientes com os mais variados níveis de gravidade(3). Nesse sentido, atualmente, é próprio das condições de um Pronto Socorro no Brasil, a sobrecarga de trabalho, a estrutura física irregular e a escassez de recursos humanos e materiais(4). Essas unidades recebem alta demanda de casos, o que prejudica a assistência aos casos graves e agudos, por acarretar acúmulo de tarefas, contribuir para o aumento dos custos de atendimento e gerar sobrecarga para os profissionais da equipe de saúde. Somado a isso, os profissionais também atendem a situações de extrema gravidade que extrapolam a capacidade resolutiva dos serviços e têm dificuldades na contra-referência. As salas de observação, que se destinam à permanência temporária dos pacientes, transformam-se em áreas de internação, sem, no entanto, possuírem as devidas condições de infraestrutura e de pessoal para cuidados contínuos(5).

No contexto do atendimento de crianças no serviço de pronto socorro, observa-se que vários são os fatores que contribuem para a vulnerabilidade das mesmas e o risco constante de envolverem-se em acidentes, tais como: imitação do cotidiano dos pais, senso de curiosidade e não temerosidade. Existem ainda as doenças prevalentes na infância, que se podem manifestar em decorrência da frágil imunidade do organismo, das poucas noções e ações de higiene ou do convívio maciço com outras crianças. De todo modo, com a concretização dessas ocorrências e dependendo do estado geral no qual se encontram, as crianças são levadas a serviços de pronto atendimento, numa busca de rápida assistência e efetiva resolutividade. Diante da doença e hospitalização, alguns fatores podem ser determinantes para a repercussão e desconforto emocional nas crianças, tais como: o próprio desconhecimento e não-familiaridade com o ambiente hospitalar; a coexistência de pessoas desconhecidas em grande número nesse ambiente e com necessidades equivalentes; a separação e distanciamento da família; a idade e sua personalidade pré-hospitalização relacionada ao grau de maturidade(6). Por ser um momento de estresse e conflito, estas sensações podem ser amenizadas se houver, ao seu lado, alguém em quem ela possa confiar. Surge, então, a figura do acompanhante, que representa a rede social do doente, e que o acompanha durante toda a permanência no ambiente hospitalar(7). Sua presença é assegurada como direito no Estatuto da Criança e do Adolescente, que recomenda, em seu artigo 12, que

os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação da criança ou adolescente(8).

Conforme o Ministério da Saúde, a presença do familiar na instituição hospitalar é necessária para promover melhor captação de dados do paciente e de seu momento existencial; contribuir para o conhecimento dos profissionais acerca dos principais problemas e necessidades por ele requeridas; favorecer a sua inserção social no ambiente hostil, também facilitando a inclusão na comunidade; e para permitir, desde o início, a integração das mudanças provocadas pelo motivo da internação(7). Assim, a permanência de familiares com a criança durante o período de internação é uma forma desta manter seus registros pessoais e do seu meio de convívio, o que a torna mais segura e cooperativa com a equipe de saúde, desenvolvendo melhores canais de comunicação e colaborando com o próprio tratamento(9).

O acompanhante, por sua vez, também passa por período de inadequação ao ambiente, durante a internação da criança. O próprio quadro em que ela se encontra é capaz de determinar os comportamentos e atitudes de quem a acompanha. Crianças com enfermidade aguda, dentre as quais as doenças autolimitadas e até mesmo acidentes, experimentam um período relativamente curto, porém intenso, no qual a doença/trauma atua incisivamente em sua vida. Logo, a família deve abandonar suas atividades rotineiras e disponibilizar-se integralmente(9).

Entretanto, quando a ocorrência envolve doenças crônicas ou se trata de um quadro que exige tempo mais prolongado, para a efetiva recuperação do paciente, ele e as pessoas de sua referência buscam adaptar-se a um novo mundo sociocultural, com estilos de vida que se possam adequar aos limites impostos pela situação(9).

Por apresentar-se como um evento inesperado e imprevisível, a hospitalização de uma criança pode desencadear a vulnerabilidade do acompanhante, na maioria dos casos, membro da família. O sentido dessa circunstância pode ser definido e relacionado a fatores capazes de reforçá-la, tais como: antecedentes de experiências vividas, o acúmulo de demandas e o despreparo para agir(10).

Quanto aos profissionais da equipe de saúde, criou-se uma cultura, que se tornou um senso comum entre a grande maioria dos profissionais de saúde, de que em uma unidade de emergência não é necessário cuidar de algo além do fisiológico, visto que trabalham com a eminência do risco de vida(4). Com isso mantém em segundo plano as necessidades psicossociais e psicoespirituais de pacientes e familiares.

Deste modo, o cuidado de enfermagem não deve se desvincular da família, visto que o processo de hospitalização mostra-se, muitas vezes, incompreensível para o infante, além de exigir grande disponibilidade de quem o acompanha. Este, a partir de tal ocorrência, ganha uma responsabilidade adicional.

Considerando-se, então, que as crianças são muito dependentes de seus acompanhantes, a compreensão das situações diárias enfrentadas por estes indivíduos, durante o período de internação, permite um maior entendimento entre cuidadores e profissionais. Com a ocorrência de uma relação saudável, o infante é capaz de visualizar-se em um ambiente seguro, o que favorece sua adaptação e processo de recuperação. Desta forma, o profissional de saúde apresenta-se como agente do cuidado ampliado.

OBJETIVO

Com base no exposto, este estudo objetivou descrever as vivências de familiares de crianças internadas em um serviço de pronto-socorro; descrever as alterações no cotidiano desses familiares e relatar os aspectos que influenciam no cuidado de enfermagem.

MÉTODO

A metodologia empregada, na presente pesquisa, foi de natureza descritiva, já que permitiu aos pesquisadores obterem melhor entendimento da relação dos fatores e elementos que influenciam o fenômeno estudado(11). Utilizou-se abordagem qualitativa, adotando a entrevista como técnica para a produção de dados, por trabalhar com pessoas pertencentes a um grupo social com suas crenças, valores e significados(12).

O cenário do estudo foi um hospital de urgência de pequeno porte, da rede privada de Teresina-PI. Os sujeitos da pesquisa foram dez acompanhantes de crianças internadas há mais de vinte e quatro horas no referido serviço.

O critério de inclusão dos entrevistados foi o aceite em participar do estudo, emitido por eles próprios, mediante a assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A produção dos dados ocorreu no mês de outubro de 2008, utilizando-se como técnica a entrevista, e, como instrumento, um roteiro semiestruturado. Um gravador de voz portátil foi usado para registro dos depoimentos, posteriormente transcritos e, respeitando o compromisso assumido de manter o anonimato dos sujeitos, os discursos foram identificados pela letra maiúscula E, seguida do número correspondente da entrevista.

Os dados foram processados por análise temática; esta consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação e desdobra-se em três etapas: pré-análise, que envolve a escolha dos documentos; exploração do material, onde são identificadas expressões significativas do discurso obtido; e o tratamento e interpretação dos resultados, etapa na qual se inter-relacionam informações colhidas com a revisão da literatura apresentada inicialmente(12).

Os princípios éticos foram seguidos em todas as fases da pesquisa, em consonância com o que preconiza a Resolução 196/1996(13). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí sob o nº 0113.0.045.000-08.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dentre os entrevistados, a faixa etária encontrada foi de vinte a quarenta e três anos. Quanto ao sexo, houve predominância do feminino, em que 80% eram mães, constatando-se sua prevalência como acompanhantes. Grande parte (70%) era proveniente da cidade de Teresina-PI; e os demais residiam em municípios próximos. Quanto à profissão, apenas uma (10%) referiu ser dona de casa, enquanto os demais trabalhavam fora do ambiente doméstico.

Com relação às crianças internadas, a maioria era vítima de doenças agudas, tais como: Infecções Respiratórias Agudas (IRA), diarréia e desidratação. Apenas uma tinha uma doença crônica como diagnóstico (Encefalopatia Crônica Não-Evolutiva - ECNE e asma). Dos pré-escolares, 70% permaneciam internados há, aproximadamente, trinta horas; e os demais há três dias.

Os dados coletados, a partir dos discursos dos familiares, foram agrupados em três categorias:

Vivências do familiar

Uma vez constatada a prevalência da mãe como acompanhante, pôde-se observar que ela assume, no contexto da família, o papel de cuidadora oficial. A trajetória histórica da figura da mulher é decorrente de parâmetros culturais já enraizados, que consideram o cuidar como atribuição feminina natural. Entretanto, o ato de cuidar é uma característica socialmente construída(14), devido à própria tradição, educação familiar.

As mães se consideram insubstituíveis; deste modo, para elas, ninguém está devidamente à sua altura para cuidar do filho com igual responsabilidade. Até mesmo a própria criança a elege como protetora e a escolhe dentre outros familiares(15), conforme se pode notar no depoimento:

[...] ele quer muito ficar com a mãe, aí fica: mamainha, mamainha, [...] (E05).

É necessário ressaltar que essa percepção da mãe, como cuidadora oficial, tem um papel importante tanto para a recuperação da criança, como para o desenvolvimento da mesma, no que se refere a sua saúde mental. As crianças privadas, parcial ou totalmente, dos cuidados maternos sofrerão em fracasso no desenvolvimento de sua personalidade, já que é a mãe, nos primeiros anos de vida, quem lhes transmitirá os dados essenciais para seu desenvolvimento. A criança hospitalizada apresenta uma quebra nessa relação, podendo, então, vir a apresentar graves deformações emocionais, físicas e intelectuais(16).

Embora menos cobrados socialmente, os pais representaram 20% dos acompanhantes entre os entrevistados. Esse achado permite observar que estes também estão dividindo as responsabilidades com a mãe. A partir da inserção da mulher no mercado de trabalho, esta passou a dividir com o homem o papel de provedor da família e, a partir daí, a divisão das demais responsabilidades. Dessa forma, o pai começa a desempenhar atividades que, anteriormente, eram apenas da esfera feminina(17).

Durante o processo de internação, os familiares podem mostrar-se vulneráveis, cansados física e psicologicamente. No entanto, pode haver relutância do cuidador em solicitar ou aceitar ajuda. Muitas vezes, o cuidador não identifica em seu círculo uma pessoa em que ele confie, e que considere como sendo tão dedicado e capaz quanto ele próprio(18). Este fato se constata nos relatos:

[...] eu quero estar presente; tem alguém pra ficar no meu lugar, só que eu prefiro eu mesma ficar com ela (E10).

O trabalho de mãe não tem quem faça!! (E01).

Os pais acompanhantes vivenciam a hospitalização, a doença e a dor do filho. O cuidador sofre junto com a criança, quando a vê sentindo a dor física; e essa pode ser uma forma de manifestação do forte elo existente entre ambos(19).

[...] na hora da injeção, a gente sente mais até do que a própria criança (E07).

Esses sentimentos expressam o quanto é psicologicamente oneroso adaptar-se a uma nova situação, sair do ambiente familiar e rotineiro, para desempenhar um papel que requer outros comportamentos. Dessa forma, o diagnóstico de enfermagem de tensão do papel de cuidador(18) pode ser identificado nos acompanhantes. Tal fato merece atenção especial da equipe de saúde, especialmente a equipe de enfermagem, uma vez que seus cuidados também devem ser voltados para o familiar, esclarecendo dúvidas, afastando medos e conversando para tentar amenizar essa tensão.

A manutenção do lar prejudicada(18) é outro diagnóstico que pode ser atribuído aos acompanhantes entrevistados. Aquele que tem outros filhos vê-se obrigado a afastar-se de casa e dos demais familiares, para cuidar de quem se mostra, no momento, com o quadro mais susceptível. Há preocupação adicional com o filho que está longe do cuidado materno/paterno. Esse comportamento apresenta-se como um motivo a mais para o sofrimento, conforme evidencia o relato:

Tenho vontade de voltar pra casa o mais rápido possível, até porque o outro filho é querido igual a ela [...] (E04).

Esses filhos ficam, então, sob os cuidados de outros familiares, que, por entenderem a relevância da situação, disponibilizam-se e fornecendo importante ajuda.

Quem está cuidando dos outros, é minha irmã [...] tem minha sogra também, e a sobrinha do meu esposo (E02).

Observe-se que, em situações como esta, toda a família é envolvida no cuidar da casa e dos filhos do acompanhante, consistindo em auxílio efetivo, capaz de amenizar as preocupações dos pais, constatando-se assim a priorização dada pelos familiares à criança internada.

Alterações no cotidiano da família

Durante o processo de hospitalização, a situação vivenciada pela criança e pelo acompanhante, mãe ou pai, configura-se em uma situação crítica e delicada, que requer adaptação, e implica mudança de rotina de toda a família(20). Torna-se necessário, então, reorganizar a dinâmica familiar(21).

Quanto aos sujeitos desse estudo, a maioria trabalhava dentro e fora do ambiente doméstico. Dessa forma, foram obrigados a voltar-se preferencialmente para a prestação de cuidados ao filho hospitalizado, tendo, algumas vezes, que abdicar do trabalho, conforme o relato:

É, eu estou acompanhando, não deixa de atrapalhar [...] eu tenho um escritório e trabalho por conta própria, só que tenho uma agenda para cumprir, uma parte já cancelei (E05).

A falta ao trabalho é vista, para alguns, como incontestável, uma vez que o familiar acredita ser necessária sua presença para o conforto e recuperação do filho. Na verdade, é esse o principal objetivo do sacrifício. Vislumbrando a cura da criança e o retorno à vida ‘normal’, a criança realmente acaba sendo eleita como prioridade entre os demais afazeres e obrigações.

É, mas o trabalho a gente tem que faltar [...], a prioridade é a família (E07).

A hospitalização e o ser acompanhante requerem outras exigências, capazes de provocar mudanças de atitude, fisiológicas e comportamentais, antes comuns e desempenhadas sem problemas no dia-a-dia.

Considerando-se que as necessidades do hospitalizado são maiores que as necessidades do cuidador, este compreende que a criança está sob sua dependência e, assim, anula-se. Para cuidar da criança, ele acaba abrindo mão das horas de sono, da vida social, de seu lazer, da vida familiar e de seu cuidado pessoal(15).

Você não pode dormir, tem que ficar vigiando o soro, você não pode banhar, você não tem tempo de comer [...] (E09).

A vigilância constante do estado de saúde da criança e os fatos vivenciados pelo cuidador e o ser hospitalizado são riscos potenciais de desgaste psicológico no âmbito familiar, levando-o à manifestação de sentimentos resultantes da dificuldade de lidar com a situação(21).

O cuidador está exposto a pressões internas e externas. As internas envolvem fatores intrínsecos ao próprio ser, tais como: angústia, solidão, culpa, entre outros(21).

Foram constatadas algumas alterações emocionais entre os entrevistados. Quando questionados se havia influência da internação sobre o psicológico, responderam:

Muito... (sinto) preocupação, angústia, tristeza (E04).

Ela sofre por não saber o que pode acontecer ao filho, pelas incertezas quanto à doença e ao tratamento, e por temer a possibilidade de alguma coisa dar errado e ela perder o seu filho. A mãe sofre assistindo ao sofrimento, sofre junto com o filho e sofre pelo fato de vê-lo sofrendo, em especial nas situações em que ele é submetido aos procedimentos terapêuticos dolorosos na sua frente, sem que ela possa fazer alguma coisa para evitar ou minimizar a dor dele. A mãe também vivencia a dor de sentir-se impotente, de ser incapaz de livrar o seu filho do sofrimento(22).

Há, porém, momentos em que o cuidador mascara suas emoções, para que não sejam percebidas pelo filho, pois acredita que também podem influenciar no quadro de saúde do hospitalizado. O depoimento confirma tal fato:

Ele precisa de amor, de carinho... que passem força pra ele [...] se eu chegar aqui chorando, vou deixar ele pior (E03).

Apesar desse discurso ter incutido em si uma estratégia defensiva no enfrentamento do sofrimento psíquico que os familiares apresentam quando vivenciam situações de internação da criança, cabe ressaltar que reflete também que a família da criança que a acompanha durante a hospitalização expressa ter consciência de que a preocupação que sente pode vir a influenciar na recuperação do filho. Portanto, passa a evitar manifestar esse sofrimento(19).

As pressões externas estão vinculadas ao próprio ambiente hospitalar, como, por exemplo, incertezas e medo do desconhecido(19). Essa manifestação foi evidenciada na fala de uma mãe que se mostrava insegura por estar longe de casa e sozinha:

Eu tenho dificuldades porque moro longe, não sou daqui [...] meu pai que me ajuda e, assim, eu sinto necessidade dele aqui pra me orientar mais. Às vezes eu fico confusa, eu não sei muito, assim, do plano de saúde, têm algumas coisas que eu não estou por dentro, sabe [...] (E08).

Embora a internação seja uma vivência solitária para a mãe (ou o acompanhante), é importante que a mesma receba algum tipo de ajuda, fundamental para que ela vivencie o seu papel de acompanhante. Ela se sente ajudada quando conta com o apoio e solidariedade das pessoas que estão preocupadas com a criança e com ela, ou seja, familiares, amigos e alguns profissionais(22).

Em situações como essa, a Equipe de Enfermagem pode atuar de forma importante, através da manutenção de diálogo com o acompanhante, a fim de que seja diminuída esta insegurança, proporcionando bem-estar psicológico e emocional.

A fé e a aproximação familiar atuando como agentes facilitadores

As vivências do acompanhante de crianças hospitalizadas podem desencadear a manifestação de diversos comportamentos e condutas(19). Os familiares buscam alternativas, como forma de amenizar o sofrimento, por meio da fé; ou seja, o apego à religiosidade na figura de Deus. As questões referentes à espiritualidade estão muito presentes na vida das pessoas, principalmente nos momentos mais difíceis(14). Afinal, é preciso acreditar que há esperança para a melhora do quadro do filho.

Dos sujeitos entrevistados, apenas um falou sobre a importância de ter fé, demonstrando forte apego à religiosidade. Isto pode estar relacionado ao fato de seu filho ser portador de doença crônica há seis anos. O entrevistado, em seu depoimento, mostrava-se firme, mas também inseguro quanto ao futuro, buscando em Deus a esperança para a reestruturação do ambiente familiar.

A gente tem é que procurar força, coragem [...] ter fé em Deus [...] ele está melhorando, com certeza, daqui a pouco, nós vamos estar em casa (E03).

Para encarar o sofrimento psíquico, surge também a necessidade, por parte dos acompanhantes, de um suporte, representado não apenas pelos familiares, como também pela fé em Deus. Ter fé seria acreditar que ainda existe uma esperança de melhora ou de cura(19).

Em contrapartida, às dificuldades e o sofrimento demonstrados, o tempo durante o qual o filho permanece internado podem caracterizar aspecto positivo, uma vez que pode promover a chance de maior aproximação familiar, principalmente quando os pais trabalham fora do ambiente doméstico. Por sua vez, a mãe pode manifestar satisfação em poder estar acompanhando seu filho durante a hospitalização, dando carinho e amor, necessários, contribuindo para a recuperação da saúde da criança(19). Aprendendo lições sobre a vida, enquanto enfrenta o sofrimento e compartilha do sofrimento de outras pessoas, a mãe passa a lidar com a vida de outra maneira(22).

[...] também é um momento que eu percebi que nesse tempo eu fiquei bem próxima da minha filha, porque eu corro muito, eu passo o dia inteiro fora (E06).

A internação é um processo sofrido, por isso os acompanhantes tentam extrair vantagens de tal situação. Não é algo desejável; contudo, torna-se suportável, tendo em vista que se trata de alternativa para a garantia do restabelecimento e recuperação da saúde do infante.

[...] você quer tratar [...] Então é melhor ela ficar internada do que esperar pra acontecer de novo (E04).

Quando uma criança precisa de hospitalização, vários fatores podem causar dificuldades ou promover facilidades para superar a intercorrência, proporcionando equilíbrio e controle da situação.

Os acompanhantes podem passar por alterações em seu cotidiano, pois também vivenciam conturbações emocionais devido ao prognóstico do doente. Contudo, eles aceitam a hospitalização, como etapa imprescindível, pelas razões já citadas, e ainda são capazes de extrair positividade da experiência. A fé pode atuar como força propulsora e capaz de justificar e fornecer suporte à superação. Dessa maneira, o acompanhante busca o equilíbrio e só, assim, mostra-se capaz de vivenciar o momento.

CONCLUSÃO

Os objetivos do estudo foram alcançados, obtendo-se a descrição das vivências do familiar de crianças internadas, constatando-se que no processo de internação hospitalar, a criança precisa de um acompanhante de sua confiança para ajudá-la a vivenciar o momento inesperado. Para tanto, requer adaptação.

Verificou-se que são evidentes as mudanças que ocorrem e transformam todo o cotidiano familiar; envolvendo alterações emocionais de todos os participantes do processo: pai/mãe e filho hospitalizado.

O conhecimento dessa vivência possibilita reforçar a importância da equipe de saúde/enfermagem buscar a integralidade da assistência, incorporando a família como sujeito desse cuidado, em todos os momentos de atendimento, demonstrando valorizar a necessidade da criança/familiar estabelecer vínculos e receberem atenção individualizada. A família deve ser vista como participante ativa no tratamento do doente e oferecer a ela o suporte necessário para agir como tal; fornecendo subsídios para que estes cuidadores enfrentem a situação e sejam capazes de lidar com seus próprios conflitos, com o medo e o aumento de responsabilidades.

Assim, é imprescindível compreender que, de início, os profissionais devem promover a integração do acompanhante ao ambiente hospitalar, para que depois, este se adapte e se ajuste ao momento. Faz-se necessário, portanto, centrar o foco da assistência na humanização. O ponto-chave é não envolver só a criança no cuidado, mas também incorporar seu universo relacional, considerando o elo família-criança como um só cliente.

Por fim, admite-se que o pronto socorro é, ainda, uma unidade crítica, quando se trata de cuidado integral. Entretanto, acredita-se na utilização de dispositivos recomendados pelo Ministério da Saúde, como o Acolhimento com Classificação de Risco, que vem sendo implantado, nos serviços de urgência do Brasil, para que se promovam as adequações necessárias a fim de se alcançar a humanização da assistência nestas unidades de saúde.

Recebido: 28/05/2009

Aprovado: 17/08/2010

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  • Correspondência:
    Ana Maria Ribeiro dos Santos
    Rua Professor Madeira, 1519, Horto Florestal
    CEP 64052-480 - Teresina, PI, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Aceito
      17 Ago 2010
    • Recebido
      28 Maio 2009
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