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Qualidade de vida e trabalho voluntário em idosos

Calidad de vida y trabajo voluntario en ancianos

Resumos

Estudo transversal, comparativo que objetiva avaliar a qualidade de vida de idosos que realizam trabalho voluntário, comparando a idosos que não o realizam. Aplicou-se o questionário de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde a um grupo de 166 idosos que realizavam trabalho voluntário e a outros 33 que não realizavam. Os resultados revelam a predominância de mulheres, sem companheiro e com alta escolaridade. Quando comparados os escores de qualidade de vida entre os grupos, não houve diferença estatística nos domínios físico e meio ambiente (p>0,05). Nos domínios psicológico, relações sociais e na avaliação global, os idosos voluntários apresentaram escores superiores (p<0,05). No modelo de regressão linear, realizar trabalho voluntário mostrou-se como determinante para melhor qualidade de vida no domínio psicológico e na avaliação global. Sugere-se o trabalho voluntário como mecanismo de promoção da qualidade de vida em idosos, e que pode ser estimulado pelos profissionais de saúde.

Idoso; Envelhecimento; Trabalhadores voluntários; Qualidade de vida; Enfermagem


Estudio transversal, comparativo, que objetiva evaluar calidad de vida de ancianos que realizan trabajo voluntario, comparándolos con ancianos que no lo realizan. Se aplicó cuestionario de Calidad de Vida de la OMS a grupo de 166 ancianos que realizaban trabajo voluntario y a 33 que no lo realizaban. Los resultados revelan la predominancia de mujeres, sin compañero y con alta escolaridad. En la comparación de puntajes de calidad de vida entre grupos, no hubo diferencia estadística en los dominios físico y medio ambiente (p>0,05). En los dominios psicológico, relaciones sociales y en evaluación global, los ancianos voluntarios presentaron puntajes superiores (p<0,05). En modelo de regresión linear, realizar trabajo voluntario se mostró como determinante para mejorar la calidad de vida en el dominio psicológico y en evaluación global. Se sugiere trabajo voluntario como mecanismo promotor de calidad de vida en ancianos, esto puede ser estimulado por profesionales de salud.

Anciano; Envejecimiento; Trabajadores voluntarios; Calidad de vida; Enfermería


This cross-sectional, comparative study was performed with the objective to evaluate the quality of life of elderly individuals who perform volunteer work, compared to those who do not. The WHO Quality of Life questionnaire was applies in a group of 166 elderly individuals who performed volunteer work and to another 33 who did not. Results show most are women, single and with high-level education. Compared to No statistically significant difference was found between the groups for the quality of life scores in the physical and environmental domains (p>0.05). In the psychological and social relations domains, and in the global evaluation, it was observed that volunteers had higher scores (p<0.05). In the linear regression model, performing volunteer work appeared as a determinant for better quality of life in the psychological domain and global evaluation. It is suggested that volunteer work is a mechanism to promote quality of life among the elderly, and can be encouraged by health professionals.

Aged; Aging; Voluntary workers; Quality of life; Nursing


ARTIGO ORIGINAL

Qualidade de vida e trabalho voluntário em idosos* * Extraído da dissertação "Trabalho voluntário, saúde e qualidade de vida em idosos", Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2006.

Calidad de vida y trabajo voluntario en ancianos

Luccas Melo de SouzaI; Liana LautertII; Eunice Fabiani HillesheinIII

IEnfermeiro. Mestre em Enfermagem. Doutorando em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisador do Grupo Interdisciplinar em Saúde Ocupacional e Pesquisa Clínica (GISO). Professor Adjunto do Curso de Enfermagem da Universidade Luterana do Brasil Campus Gravataí. Gravataí, RS, Brasil. luccasms@gmail.com

IIEnfermeira. Doutora em Psicologia pela Universidade Pontifícia de Salamanca. Professora Associada do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Coordenadora do Grupo Interdisciplinar em Saúde Ocupacional e Pesquisa Clínica (GISO). Porto Alegre, RS, Brasil. lila@enf.ufrgs.br

IIIEnfermeira. Mestranda em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisadora Interdisciplinar em Saúde Ocupacional e Pesquisa Clínica (GISO). Porto Alegre, RS, Brasil. nicefhill@yahoo.com.br

Correspondência Correspondência: Luccas Melo de Souza Rua Portal dos Pinheiros, 150 - Lomba do Pinheiro CEP 91550-365 - Porto Alegre, RS, Brasil

RESUMO

Estudo transversal, comparativo que objetiva avaliar a qualidade de vida de idosos que realizam trabalho voluntário, comparando a idosos que não o realizam. Aplicou-se o questionário de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde a um grupo de 166 idosos que realizavam trabalho voluntário e a outros 33 que não realizavam. Os resultados revelam a predominância de mulheres, sem companheiro e com alta escolaridade. Quando comparados os escores de qualidade de vida entre os grupos, não houve diferença estatística nos domínios físico e meio ambiente (p>0,05). Nos domínios psicológico, relações sociais e na avaliação global, os idosos voluntários apresentaram escores superiores (p<0,05). No modelo de regressão linear, realizar trabalho voluntário mostrou-se como determinante para melhor qualidade de vida no domínio psicológico e na avaliação global. Sugere-se o trabalho voluntário como mecanismo de promoção da qualidade de vida em idosos, e que pode ser estimulado pelos profissionais de saúde.

Descritores: Idoso; Envelhecimento; Trabalhadores voluntários; Qualidade de vida; Enfermagem.

RESUMEN

Estudio transversal, comparativo, que objetiva evaluar calidad de vida de ancianos que realizan trabajo voluntario, comparándolos con ancianos que no lo realizan. Se aplicó cuestionario de Calidad de Vida de la OMS a grupo de 166 ancianos que realizaban trabajo voluntario y a 33 que no lo realizaban. Los resultados revelan la predominancia de mujeres, sin compañero y con alta escolaridad. En la comparación de puntajes de calidad de vida entre grupos, no hubo diferencia estadística en los dominios físico y medio ambiente (p>0,05). En los dominios psicológico, relaciones sociales y en evaluación global, los ancianos voluntarios presentaron puntajes superiores (p<0,05). En modelo de regresión linear, realizar trabajo voluntario se mostró como determinante para mejorar la calidad de vida en el dominio psicológico y en evaluación global. Se sugiere trabajo voluntario como mecanismo promotor de calidad de vida en ancianos, esto puede ser estimulado por profesionales de salud.

Descriptores: Anciano; Envejecimiento; Trabajadores voluntarios; Calidad de vida; Enfermería.

INTRODUÇÃO

O envelhecimento acarreta uma série de transformações biopsíquicas no ser humano, à medida que a saúde, o estilo de vida e as perspectivas dos indivíduos se modificam e requerem atenção com o transcorrer dos anos. Essas modificações, aliadas à transição demográfica da população mundial, têm gerado demandas aos serviços previdenciários, de saúde e de assistência social(1). Nesse cenário, os idosos se defrontam com novas necessidades, o que exige adaptação e espaço na sociedade contemporânea, para que vivam mais e com qualidade de vida. Essa busca pela qualidade de vida tem recebido crescente interesse da sociedade e em especial dos trabalhadores da área da saúde, em face da responsabilidade desses em promover a saúde, para que a população alcance maior longevidade com qualidade de vida.

Assim sendo, investigações sobre as condições que possibilitem qualidade de vida na velhice se constituem de grande relevância científica e social. Procurar respostas à aparente contradição que existe entre a velhice e o bem-estar poderá nortear a compreensão do envelhecimento e dos limites e possibilidades do desenvolvimento humano e indicar meios alternativos que promovam a qualidade de vida de pessoas idosas, uma meta para os próximos anos(2). Dentre esses meios, a OMS aponta o trabalho voluntário como uma alternativa para a promoção de um envelhecimento ativo. Destaca, ainda, que medidas que ajudem os idosos a se manterem saudáveis e ativos (como o trabalho voluntário) precisam ser implementadas e fomentadas, não como um luxo, mas como uma necessidade emergente para aumentar a expectativa de uma vida saudável e com qualidade(3).

No entanto pouco se pesquisou, no Brasil, sobre a influência do trabalho voluntário na qualidade de vida de idosos, este considerado como a realização de qualquer atividade em que a pessoa oferta, livremente, o seu tempo para beneficiar outras pessoas, outros grupos ou outras organizações, sem receber retribuição financeira(1). Dessa forma, emergiu o questionamento sobre a influência dessa atividade na saúde e na qualidade de vida dos idosos, a fim de contribuir para políticas públicas que ofereçam alternativa para os enfermeiros atuarem junto aos idosos, propondo o trabalho voluntário como mecanismo para a promoção da saúde e da qualidade de vida.

OBJETIVO

Este artigo tem como objetivo geral avaliar a qualidade de vida de idosos que realizam trabalho voluntário. Como objetivos específicos: comparar os escores de qualidade vida de um grupo de idosos que realiza trabalho voluntário com um grupo que não o realiza e analisar a influência das variáveis independentes sobre os escores de qualidade de vida nesses idosos.

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal, comparativo, do tipo ex post facto, desenvolvido com idosos de uma organização não-governamental (ONG) de Porto Alegre, Brasil. A ONG estudada teve sua origem vinculada a grandes empresas do Estado do Rio Grande do Sul e, atualmente, promove e organiza o voluntariado em diversas entidades sociais.

A amostra compreendeu dois grupos. O primeiro foi formado por idosos que realizam trabalho voluntário em Porto Alegre (Idosos Voluntários) e vinculados à ONG do estudo. O segundo incluiu idosos que não realizam trabalho voluntário (Idosos Não-Voluntários).

Entrevistou-se a população de Idosos Voluntários (IVs) cadastrados e ativos na ONG sede do estudo que aceitaram participar, totalizando 174 entrevistados. Desses, oito não responderam ao questionário sobre qualidade de vida, sendo excluídos. Considerou-se idosa a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos, conforme critérios da OMS. Foram excluídos aqueles que não realizavam trabalho voluntário havia mais de 30 dias. Dos 166 idosos, 33 serviram de referência (escolhidos aleatoriamente) para a seleção dos Idosos Não-Voluntários (INVs), para compor o grupo controle. Dessa forma, a amostra final compreendeu 199 idosos.

A estimativa para o tamanho da amostra de INVs foi embasada no estudo que validou o Whoqol-bref no Brasil(4), o qual utilizou a proporção de 5 casos para 1 controle. Para se chegar aos INVs, solicitou-se que cada um dos 33 IVs de referência indicasse um idoso que residisse próximo a ele para compor o grupo de comparação. Os dois grupos foram pareados quanto ao sexo, ao nível socioeconômico, à situação de trabalho remunerado e às condições de saúde para realizar trabalho voluntário. Tais medidas encontram-se detalhadas no relatório da dissertação que originou esse artigo(5). Os critérios de inclusão dos INVs foram: ser idoso do mesmo sexo e com a mesma situação de trabalho remunerado do IV de referência, considerar-se apto fisicamente para realizar trabalho voluntário e não estar exercendo voluntariado. A coleta de dados dos IVs e INVs compreendeu o período de julho de 2006 a janeiro de 2007, realizadas pelo próprio autor e por quatro bolsistas de iniciação científica, previamente treinados. Foi realizado, também, teste piloto para verificar adequação dos instrumentos e do protocolo do estudo.

A entrevista com cada idoso foi realizada em um único momento, utilizando-se dois questionários. O primeiro visava a coletar dados de identificação e sobre a saúde dos sujeitos. O segundo instrumento foi o questionário sobre qualidade de vida, criado pela OMS, o Whoqol-bref, traduzido e validado para o Brasil, apresentando características satisfatórias de validade interna (a de Cronbach=0,91) e validade discriminante(4).

O Whoqol-bref consta de 26 questões, agrupadas em quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente, contemplando perguntas com opções de respostas do tipo Likert, com valores de zero a cinco. Além dos quatro domínios, disponibiliza uma avaliação global da qualidade de vida(4).

O escore para cada domínio e para a avaliação global varia de zero a cem pontos (quanto mais alta a pontuação, supõe-se melhor qualidade de vida). Pela dificuldade em se distinguir entre boa ou má qualidade de vida, não há ponto de corte para essa classificação, sendo os escores dos domínios costumeiramente utilizados para comparar grupos.

Nesse estudo, utilizou-se o Whoqol-bref pela satisfatória resposta do instrumento à qualidade de vida de idosos brasileiros(4,6-7) e por não haver, até o início da coleta desses dados, instrumento traduzido para o português que avaliasse a qualidade de vida em idosos.

Foram consideradas variáveis independentes: idade, sexo, anos de estudo, renda, religião, atividade física, grupo, doenças auto-referidas e os domínios físico e meio ambiente do whoqol-bref. Os domínios físico e meio ambiente do Whoqol-bref foram incluídos como variáveis independentes, pois se referem à dor física, à medicação, à locomoção, à segurança, à poluição, ao clima, à renda, à moradia e ao acesso ao serviço de saúde, entre outras. Acredita-se que uma boa qualidade de vida nessas variáveis, independa da realização do trabalho voluntário. As variáveis dependentes foram os domínios psicológico e social e a avaliação global de qualidade de vida.

Utilizou-se o software Statistical Package for the Social Science versão 10.01 para analisar os dados, sendo considerados estatisticamente significativos aqueles com valor de p bicaudal menor ou igual a 0,05. Para a caracterização dos sujeitos, utilizou-se estatística descritiva, para a associação entres os grupos, usaram-se os testes Exato de Fischer ou Qui-quadrado (variáveis categóricas) e t de Student ou Mann-Whitney (variáveis contínuas), conforme pressupostos paramétricos.

Para análise da influência das variáveis independentes, realizou-se regressão linear múltipla. Para tanto, a variável independente deveria apresentar p<0,20, quando associada com a dependente. Por esse critério, não se utilizou a variável idade nos modelos de regressão. Não se incluiu a variável renda pelo elevado número de missing.

Os princípios éticos foram respeitados conforme as orientações do Conselho Nacional de Saúde do Brasil. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (número 2.006.554) e pelos responsáveis da ONG sede do estudo.

RESULTADOS

A idade média dos IVs foi de 68,2 ± 5,8 anos, predominando o sexo feminino (87,3%), sem companheiro (59,4%) e com média de 11,6 ± 5,4 anos de estudo (o que equivale ao ensino médio no Brasil). Metade dos voluntários possuía renda própria igual ou superior a três salários mínimos (U$ 165,00), 82% eram aposentados e 97% possuíam religião, e, destes, 85% consideraram-se praticantes. A maioria (73%) relatou ser praticante de atividade física regular e referiu alguma doença (85,5%). A técnica de pareamento dos grupos mostrou-se eficiente, à medida que as variáveis sociodemográficas e de autopercepção de doenças não apresentaram diferença estatística entre os dois grupos. Exceção foi a idade, em que os INVs apresentaram média superior (p=0,02). Contudo, essa variável não apresentou correlação com as variáveis dependentes do estudo (p>0,20), não interferindo nos escores de qualidade de vida. Demais dados estão demonstrados na Tabela 1.

Comparando os escores de qualidade de vida entre os grupos, verificou-se diferença estatisticamente significativa (p<0,05) nos domínios psicológico, relações sociais e avaliação global (variáveis dependentes do estudo), com os IVs apresentando médias superiores. Nos outros dois domínios (físico e meio ambiente), não se encontrou diferença estatisticamente significativa entre IVs e INVs. Os valores dos escores são apresentados na Tabela 2.

Com base nesses dados, realizou-se a regressão linear múltipla entre as variáveis independentes e os domínios psicológico, relações sociais e avaliação global, expressos na Tabela 3.

Excetuando-se as variáveis anos de estudo e número de doenças, o conjunto das outras variáveis independentes explica 53% da variância do domínio psicológico. Assim, os IVs, do sexo masculino, praticantes da religião e com altos escores nos domínios físico e meio ambiente apresentaram escores mais altos no domínio psicológico. Pelos cálculos do coeficiente linear, verificou-se que ser praticante de religião mostrou-se como maior determinante para o domínio psicológico (B=4,06), seguida da variável grupo, favorecendo os IVs (B=3,69).

Verifica-se que 31% da variância do domínio relações sociais são explicadas pelas variáveis analisadas, excetuando-se as variáveis grupo, sexo e anos de estudo (p>0,05). Com isso, pode-se dizer que os praticantes da religião com maiores escores nos domínios físico e meio ambiente foram os que apresentaram médias superiores no domínio relações sociais. Praticar a religião mostrou-se como maior determinante (B=6,200).

Com exceção das variáveis anos de estudo e o domínio meio ambiente, todas as outras analisadas explicam 45% da variância da avaliação global, com a variável grupo indicando tendência como determinante. Conforme essa associação, os idosos que apresentaram maior pontuação na avaliação global foram aqueles que faziam trabalho voluntário, que auto-referiram poucas doenças e que apresentaram maiores escores no domínio físico do Whoqol bref. O fato de ser voluntário apresentou-se como maior determinante para os escores da avaliação global (B=3,91).

DISCUSSÃO

Os resultados permitem caracterizar o perfil socioeconômico e demográfico dos IVs entrevistados como mulheres, na faixa etária dos 60 aos 69 anos, sem companheiro, tendo cursado o Ensino Médio ou mais, aposentadas, com renda mensal que lhes permita estabilidade financeira, religiosas e praticantes de atividade física regular.

Acredita-se que a prevalência de mulheres envolvidas com o voluntariado esteja relacionada à cultura de gênero presente em nossa sociedade. Assim, para elas, fazer o bem pode representar a ocupação com algo além do mundo privado, com utilidade pública e legitimidade social: uma oportunidade para se sentirem úteis e com qualidade de vida. Além disso, essa diferença entre gêneros e a alta escolaridade e renda pode ser atribuída à origem do voluntariado no Brasil - iniciou e consolidou-se pela atuação de mulheres religiosas benemerentes e abastadas financeiramente -, e ao fato de que a elas são vinculados os sentimentos de caridade e amor ao próximo(5).

Com relação à dimensão qualidade de vida, nesta investigação verificaram-se altos escores entre os IVs - principalmente no que tange às relações sociais - indo ao encontro de estudos internacionais que associam o voluntariado ao bem-estar psicológico e social e à satisfação pela vida entre idosos(8-9). Para alguns autores(10), as atividades de lazer e os grupos de convivência são comportamentos para a promoção da saúde e da qualidade de vida de idosos: são oportunidades que os levam a sentir-se mais felizes e saudáveis.

Convém ressaltar que não se verificou correlação entre os escores do Whoqol-bref e a idade dos idosos, resultado similar a outro estudo que utilizou essa escala em idosos(7). Por esse motivo, não se utilizou a idade nos modelos de regressão linear múltipla. Uma possível explicação para a idade não ter correlação com os domínios do Whoqol-bref pode estar na homogeneidade dessa variável, pois a maioria dos idosos se situava na faixa etária de 60 a 69 anos (63,2%).

Na comparação entre IVs e INVs, não se evidenciou diferença estatisticamente significativa entre os grupos, nos escores dos domínios físico (78,3 ± 14,4 pontos nos IVs e 75,0 ± 13,1 pontos nos INVs) e meio ambiente (75,9 ± 13,5 nos IVs e 76,6 ± 13,6 nos INVs) do Whoqol-bref. Atribui-se essa semelhança às medidas de pareamento adotadas para diminuição dos vieses entre os grupos, quando se buscou entrevistar INVs com características socioeconômicas e condições de saúde física semelhantes aos IVs.

Mesmo não diferindo significativamente, há que se considerar os altos escores dos idosos nesses dois domínios, principalmente se comparados com resultados de outros estudos que utilizaram o Whoqol-bref com adultos doentes e sadios(4,6) e com idosos brasileiros(7,11).

Estudo que avaliou qualidade de vida entre idosos canadenses e brasileiros encontrou média de 68,6 ± 18,3 no domínio físico e 65,1 ± 16,2 no domínio meio ambiente entre os idosos brasileiros e valores de 75,6 ± 18,7 e 80,2 ± 16,2, respectivamente, entre os canadenses(11).

Os IVs do presente estudo apresentaram valores superiores no domínio físico (78,3 ± 14,4) quando confrontados com os idosos canadenses. Assim, a média dos escores dos IVs foi 2,7 pontos superior a dos canadenses no domínio físico, mas 3,6 pontos inferior no domínio meio ambiente(11).

A razão de terem apresentado escore inferior à dos canadenses(11), no domínio meio ambiente, pode ser explicada pelas perguntas específicas desse domínio, as quais abrangem aspectos relacionados à segurança, ao acesso ao serviço de saúde, ao meio de transporte e às condições de moradia. No Brasil, o processo de envelhecimento da população acontece de maneira acelerada, causando impactos aos serviços públicos, despreparados para suprir as demandas desse perfil demográfico, diferentemente do Canadá, o qual se desenvolveu e resolveu muitas das dificuldades sociais antes do envelhecimento da população. Desse modo, no Brasil, problemas tais como transporte deficitário, insegurança e dificuldade de acesso aos serviços de saúde, entre outros, são questões que afetam negativamente a qualidade de vida da população e, portanto, necessitam atenção dos gestores.

Os elevados escores dos domínios físico e meio ambiente no grupo de IVs podem alçar a hipótese de que os idosos com boa qualidade de vida nesses dois domínios tendem a procurar o trabalho voluntário justamente por essas características. No entanto convém lembrar que o grupo controle também alcançou escores altos nesses dois domínios e não realizava trabalho voluntário.

Nos domínios psicológico, relações sociais e na avaliação global, os IVs apresentaram escores superiores em relação os INVs (p<0,05). As médias desses dois domínios e da avaliação global também se revelaram superiores aos de outros estudos que aplicaram o Whoqol-bref em adultos e em idosos(4,6-7,11-12). Assim, supõe-se que os IVs passem pelas alterações psicossociais do envelhecimento (sobretudo as perdas e trocas de papéis) de maneira mais branda, pois o trabalho voluntário amenizaria os sentimentos negativos advindos da aposentadoria e/ou solidão, o que contribuiria para esses escores de qualidade de vida.

Ao verificar-se a contribuição da variável grupo (IVs e INVs) no conjunto das outras variáveis independentes, a análise de regressão linear múltipla demonstrou que o fato de realizar trabalho voluntário apresentou-se estatisticamente significativo no domínio psicológico e na avaliação global (tendência), mas o mesmo não ocorreu no domínio relações sociais, no qual a prática de religião, e os domínios meio ambiente e físico foram significativos, nessa ordem.

No domínio psicológico, os homens, trabalhadores voluntários, praticantes da religião, com escores altos nos domínios físico e meio ambiente foram os que apresentaram maior escore no domínio psicológico, independentemente do número de doenças e anos de estudo.

Em parte, esses dados corroboram os achados de especialistas na temática, que afirmam que as mulheres tendem a sofrer mais com estressores psicológicos (depressão, luto, ansiedade, tristeza, entre outros) e a religiosidade é essencialmente útil para lidar com traumas e eventos desgastantes da vida(13-14). Também revelam que a escolaridade está associada à proteção da saúde mental, divergindo do revelado neste estudo, no qual não se mostrou significativa.

Salienta-se que a associação entre idosos voluntários e qualidade de vida, no domínio psicológico, pode estar na própria variável. Nessa hipótese, pessoas com baixa qualidade de vida psicológica poderiam não realizar trabalho voluntário justamente por sentirem-se deprimidas, limitadas e/ou incapazes para tal.

Pode-se inferir, ainda, que altos escores nos domínios físico e meio ambiente relacionam-se com qualidade de vida psicológica, no sentido que boa saúde física e um adequado ambiente de convivência diminuem preocupações com o tratamento de doenças e segurança. Além disso, envolvem boas condições para o trabalho e moradia, sono tranquilo e acesso aos meios de transporte e ao serviço de saúde, situações que contemplam as questões dos dois domínios e que afetam a saúde psicológica.

Estudo com idosos aposentados chineses encontrou relação entre saúde psicológica e trabalho voluntário, escolaridade, independência e saúde física. Contudo não houve correlação significativa entre o sexo e o domínio psicológico, diferentemente do que ocorreu no presente estudo(9). Pressupõe-se que a associação entre trabalho voluntário e altos escores no domínio Psicológico esteja relacionada ao suporte social e aos sentimentos advindos da realização do voluntariado (alegria, paz, gratificação, utilidade). Contudo, outras variáveis estão envolvidas com boa qualidade de vida na velhice, como escolaridade, apoio familiar, saúde, papel social, sentimento de utilidade e lazer(15-16).

O resultado que evidencia a prática da religião e do voluntariado como determinantes para altos escores no domínio psicológico converge com os pressupostos da Teoria da Atividade, na qual o bem-estar na velhice estaria atrelado a atividades e aos papéis que os idosos exercem na comunidade, sendo que aqueles que não substituem papéis sociais, perdidos no transcorrer do envelhecimento, por novos papéis, tendem a sofrer com esse processo(17). Neste sentido, a atividade voluntária estaria associada à Teoria da Atividade porque melhoraria a qualidade de vida dos idosos a partir da realização de diversas ações de envolvimento social e da manutenção da autonomia, permitindo que os idosos preservem os sentimentos de ser útil e estar ativo(8).

No domínio relações sociais, os dois grupos de idosos apresentaram médias com diferença estatisticamente significativa (p=0,034) sendo maiores as dos IVs (81,4 ± 14,1). Entretanto, no modelo de regressão linear, a variável grupo (IVs e INVs) não mostrou associação significativa (p>0,05) no conjunto das variáveis independentes analisadas. Pelos dados, é possível afirmar que os idosos praticantes da religião e com maior escore nos domínios físico e meio ambiente são aqueles que apresentaram melhor pontuação em relações sociais. Sobre isso, pondera-se que um idoso está física e socialmente ativo se puder ir ao seu destino com segurança, com independência e com acesso ao transporte qualificado. Idosos que vivem em ambientes inseguros são menos propensos a saírem sozinhos, e, portanto, tornam-se dependentes de outros. Dessa forma, ficam susceptíveis ao isolamento e à depressão, bem como apresentam problemas de mobilidades e pior estado físico, o que influencia a qualidade de vida global e social, e dificultaria, então, a realização de trabalho voluntário(7).

Mesmo não influenciando significativamente o domínio relações sociais - quando analisada com outras variáveis independentes -, o voluntariado tem sido associado a uma rede de interações sociais maior, bem como um promotor desses relacionamentos(5,16,18-19), e a oportunidade de convivência e de formar novas amizades é um dos estímulos e uma conseqüência da prática do voluntariado, pois proporciona um enfrentamento mais objetivo das condições frustrantes às quais muitos idosos ficam expostos, principalmente após a aposentadoria(15).

Na avaliação global da qualidade de vida, verificou-se além da diferença estatisticamente significativa (p=0,03) entre INVs e IVs (81,1), uma média superior a outras investigações que utilizaram o Whoqol-bref(4,7,11,20).

Estudos internacionais têm relatado que o trabalho voluntário está associado diretamente à satisfação pela vida e ao bem-estar e que um maior envolvimento (em horas) com o voluntariado também está relacionado a esses sentimentos(9,21).

No modelo de regressão, controlando-se as variáveis independentes, observou-se que as variáveis domínio físico e o número de doenças tiveram contribuição estatisticamente significativa, sendo essa última a maior determinante. A variável grupo apresentou tendência (p=0,07). Assim, os idosos voluntários, com poucas doenças e com maiores escores no domínio físico foram os que apresentaram os maiores escores na avaliação global do Whoqol-bref, cujas questões se referem à saúde. Esses dados corroboram outros estudos que apontam saúde e independência como um dos principais determinantes na satisfação pela vida(22). A influência do domínio físico na qualidade de vida global dos IVs ressalta a importância da capacidade funcional como determinante da qualidade de vida de idosos(7).

CONCLUSÃO

Os resultados sugerem a atuação do trabalho voluntário como um mecanismo promotor da qualidade de vida destes idosos voluntários. Contudo, pelas limitações de um delineamento transversal, é preciso interpretar os resultados com cautela, pois não se podem encontrar causas/efeitos do voluntariado nesses estudos. Dessa forma, recomenda-se que se realizem investigações com outras metodologias que acompanhem os voluntários ao longo do tempo para testar/avaliar esta hipótese. Também há limitações para generalizar os resultados, pois se investigou um grupo de idosos de uma ONG vinculada ao empresariado do Estado do Rio Grande do Sul, o que pode ter influenciado as características sociodemográficas dos IVs desse estudo.

Apesar dessas limitações, acredita-se que os profissionais de saúde, considerando a heterogeneidade das pessoas e suas motivações pessoais, podem incentivar o trabalho voluntário aos idosos, no intuito de promover a qualidade de vida desses. A própria OMS ratifica essa afirmativa, realçando que atitudes criadoras de ambientes de apoio e promotoras de opções saudáveis são fundamentais para políticas que almejam fornecer saúde e qualidade de vida aos idosos(3).

Sabe-se que o investimento no voluntariado é um desafio aos profissionais de saúde, por vezes sobrecarregados por terem que enfrentar as precariedades dos sistemas de saúde. Entretanto é fundamental a superação desses problemas, investindo-se em posturas criativas, inovadoras e diferenciadas, no intuito de encontrar novos horizontes para o atendimento à população, oferecendo um cuidado que sobrepuja o atendimento às doenças e aos seus agravos(1).

Recebido: 24/09/2009

Aprovado: 05/10/2010

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  • Correspondência:
    Luccas Melo de Souza
    Rua Portal dos Pinheiros, 150 - Lomba do Pinheiro
    CEP 91550-365 - Porto Alegre, RS, Brasil
  • *
    Extraído da dissertação "Trabalho voluntário, saúde e qualidade de vida em idosos", Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2006.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jun 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      24 Set 2009
    • Aceito
      05 Out 2010
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