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Reprocessamento de produtos médicos: uma proposta de modelo regulatório para hospitais brasileiros

Reprocesamiento de productos médicos: una propuesta de modelo regulatorio para hospitales brasileños

Resumos

O reprocessamento de produtos médicos constitui um processo de extrema complexidade e importância, que requer tanto capacidade operacional para sua implantação, como qualificação técnica especializada dos profissionais envolvidos. As questões típicas do reprocessamento de produtos médicos envolvem aspectos técnicos, econômicos e regulatórios, tanto para os artigos ditos reusáveis quanto para aqueles considerados de uso único. Este estudo objetiva desenvolver um modelo regulatório para o reprocessamento de produtos médicos no Brasil, que atenda aos requisitos de qualidade e de segurança recomendados na literatura e que seja operacional nas condições dos serviços hospitalares brasileiros. A construção dessa proposta para o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária baseou-se na técnica de Conferência de Consenso entre especialistas no tema. A partir das contribuições coletadas, foi elaborado um modelo regulatório para o reprocessamento de produtos médicos considerando as lacunas previamente identificadas no marco regulatório hoje vigente no Brasil.

Equipamentos e provisões; Reutilização de equipamento; Infecção hospitalar; Vigilância sanitária de produtos


El reprocesamiento de productos médicos constituye un proceso de extrema complejidad e importancia, que requiere tanto de capacidad operativa para su implantación, como calificación técnica de los profesionales involucrados. Las preguntas típicas del reprocesamiento de productos médicos envuelven aspectos técnicos, económicos y regulatorios, tanto para los artículos reutilizables como para aquellos considerados de uso único. Se objetiva desarrollar un modelo regulatorio para el reprocesamiento de productos médicos en Brasil que respete los requisitos de calidad y seguridad recomendados en la literatura y que sea operacional en las condiciones de los servicios hospitalarios brasileños. La construcción de la propuesta para el Sistema Nacional de Vigilancia Sanitaria se basó en la técnica de Conferencia de Consenso entre especialistas del tema. A partir de las contribuciones recolectadas, se elaboró un modelo regulatorio para el reprocesamiento de productos médicos, considerando las lagunas previamente identificadas en el marco regulatorio vigente en Brasil.

Equipos y suministros; Equipo reutilizado; Infección hospitalaria; Vigilância sanitária de productos


Medical device reprocessing is extremely important and complex, thus requiring both the operational skills for its implementation and the technical qualification of the professionals involved in the activity. The typical issues of medical device reprocessing involve technical, economical and regulatory aspects when involving either the so-called reusable articles or those considered as for a single use. The objective of the present study is to propose a new regulatory model for medical device reprocessing in Brazil that would, on the one hand, satisfy the requirements for quality and safety, as recommended in the literature and, on the other hand, prove to be operational under the conditions prevailing in Brazilian hospitals. The elaboration of the present normative proposal was based on the Consensus Conference technique among specialists in the area. Guided by the contribution of these specialists, a proposal is put forth of a regulatory model for reprocessing medical products, so as to address some previously identified gaps in the normative body currently used in Brazil.

Equipment and supplies; Equipment reuse; Cross infection; Health surveillance of products


ARTIGO ORIGINAL

Reprocessamento de produtos médicos: uma proposta de modelo regulatório para hospitais brasileiros* * Extraído da tese "Risco e proteção da saúde: reprocessamento de produtos médicos em Hospitais de Salvador", Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, 2010.

Reprocesamiento de productos médicos: una propuesta de modelo regulatorio para hospitales brasileños

Eliana Auxiliadora Magalhães CostaI; Ediná Alves CostaII; Kazuko Uchikawa GrazianoIII; Maria Clara PadovezeIV

IMestre em Organização de Serviços de Saúde. Doutoranda do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Professora Assistente da Universidade Estadual da Bahia. Salvador, BA, Brasil. costaeliana2003@hotmail.com

IIProfessora Doutora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Coordenadora do Centro Colaborador em Vigilância Sanitária. Salvador, BA, Brasil. edina@ufba.br

IIIProfessora Titular do Departamento de Enfermagem Médico Cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. kugrazia@usp.br

IVProfessora Doutora do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. padoveze@usp.br

Endereço para correspondência: Endereço para correspondência: Eliana Auxiliadora Magalhães Costa Rua Piauí, 269/902 - Pituba CEP 41830-270 - Salvador, BA, Brasil

RESUMO

O reprocessamento de produtos médicos constitui um processo de extrema complexidade e importância, que requer tanto capacidade operacional para sua implantação, como qualificação técnica especializada dos profissionais envolvidos. As questões típicas do reprocessamento de produtos médicos envolvem aspectos técnicos, econômicos e regulatórios, tanto para os artigos ditos reusáveis quanto para aqueles considerados de uso único. Este estudo objetiva desenvolver um modelo regulatório para o reprocessamento de produtos médicos no Brasil, que atenda aos requisitos de qualidade e de segurança recomendados na literatura e que seja operacional nas condições dos serviços hospitalares brasileiros. A construção dessa proposta para o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária baseou-se na técnica de Conferência de Consenso entre especialistas no tema. A partir das contribuições coletadas, foi elaborado um modelo regulatório para o reprocessamento de produtos médicos considerando as lacunas previamente identificadas no marco regulatório hoje vigente no Brasil.

DESCRITORES: Equipamentos e provisões; Reutilização de equipamento; Infecção hospitalar; Vigilância sanitária de produtos.

RESUMEN

El reprocesamiento de productos médicos constituye un proceso de extrema complejidad e importancia, que requiere tanto de capacidad operativa para su implantación, como calificación técnica de los profesionales involucrados. Las preguntas típicas del reprocesamiento de productos médicos envuelven aspectos técnicos, económicos y regulatorios, tanto para los artículos reutilizables como para aquellos considerados de uso único. Se objetiva desarrollar un modelo regulatorio para el reprocesamiento de productos médicos en Brasil que respete los requisitos de calidad y seguridad recomendados en la literatura y que sea operacional en las condiciones de los servicios hospitalarios brasileños. La construcción de la propuesta para el Sistema Nacional de Vigilancia Sanitaria se basó en la técnica de Conferencia de Consenso entre especialistas del tema. A partir de las contribuciones recolectadas, se elaboró un modelo regulatorio para el reprocesamiento de productos médicos, considerando las lagunas previamente identificadas en el marco regulatorio vigente en Brasil.

DESCRIPTORES: Equipos y suministros; Equipo reutilizado; Infección hospitalaria; Vigilância sanitária de productos.

INTRODUÇÃO

O reprocessamento de produtos médicos é uma prática rotineira nos Centros de Material e Esterilização (CME) dos serviços de saúde em todo o mundo. Constitui-se num processo que objetiva garantir a segurança da reutilização de um produto médico, por meio de uma sequência de etapas de atividades de limpeza, teste de integridade e de funcionalidade, desinfecção ou esterilização e controles de qualidade(1-5). Essas atividades, apesar de fazerem parte do cotidiano de um CME, são de extrema complexidade e importância, requerem capacidade operativa para a implementação das ações, além da expertise necessária dos profissionais envolvidos.

Na área do reprocessamento de produtos médicos, deve-se considerar que o uso clínico de um dispositivo médico, seja de uso único ou de uso múltiplo, contribui para a sua natural degradação, que pode ser insignificante após muitos usos ou pode ocorrer após um único uso, mesmo que este produto seja rotulado pelo fabricante como reusável e, assim, tais produtos estarão inseguros para o cuidado assistencial em alguma situação. É preciso clarificar que todo dispositivo médico usado na prática assistencial porta um certo grau de risco e pode causar problemas em determinadas condições e, neste sentido, não existe segurança absoluta quanto ao uso de dispositivos médicos(1,6-7).

Dois principais tipos de riscos estão associados com o reuso de um dispositivo médico, independente se de uso único ou de uso múltiplo: o risco de transmissão de microrganismos infecciosos e o risco de alteração do desempenho do produto após o reprocessamento. Nesta área, a avaliação de risco refere-se ao potencial de perigo de um produto médico, que possa resultar em um dano e em um problema de segurança para pacientes e profissionais de saúde(1,6-9).

Internacionalmente, há uma variedade de níveis regulatórios no estabelecimento de políticas de reuso de produtos médicos que, de modo geral, tendem a ter um caráter preventivo, com recomendações que objetivam a segurança da saúde pública(9-10).

No Brasil, a regulação vigente sobre reprocessamento de produtos médicos data de 2006, quando, após algumas normativas nesta área, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) editou, em 11 de agosto: a Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 156, que dispõe sobre o registro, rotulagem e reprocessamento de produtos médicos; a Resolução Especial - RE nº 2.605, que estabelece uma lista de 66 produtos proibidos de reprocessamento no país, e a RE nº 2.606, que define as diretrizes para elaboração, validação e implantação de protocolos de reprocessamento de produtos médicos(2,11-12). A despeito dos avanços na regulamentação brasileira sobre reprocessamento de produtos médicos, verifica-se na experiência prática que essas normativas estão sendo implantadas lentamente nos hospitais brasileiros. Vários dispositivos das referidas resoluções da ANVISA estão mal formulados, contêm imprecisões e conteúdo vago, dando margem a distintas interpretações por parte dos serviços de saúde, empresas terceirizadas de reprocessamento e fabricantes ou importadores desses produtos. Além das questões que suscita, a dificuldade em operacionalizar o marco regulatório legal sobre reprocessamento de produtos médicos no Brasil desafia a própria legitimidade da norma regulatória, reafirmando a importância da problemática que envolve a reutilização de produtos médicos, tanto os reusáveis, quanto os considerados de uso único. Ao propor este modelo para o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), pretende-se contribuir para a formulação de políticas voltadas para o controle de melhorias de qualidade dos serviços de saúde no país.

MÉTODO

Este estudo constitui parte integrante de um trabalho de tese de doutorado em saúde coletiva, na área de planificação e gestão, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Trata-se de um estudo descritivo, de formulação de um modelo regulatório de reprocessamento de produtos médicos, desenvolvido com a Técnica de Conferência de Consenso adaptada da proposta original de autores que utilizaram esta metodologia(13-14). Foi organizada em quatro etapas descritas a seguir, durante um período de três meses, de novembro de 2009 a janeiro de 2010.

A formulação deste modelo regulatório contemplou os requisitos essenciais para a segurança sanitária do reprocessamento de produtos médicos, publicados na literatura, bem como as questões técnicas das unidades hospitalares reprocessadoras de materiais. Para a sua composição, foi realizado um consenso entre especialistas no assunto. O grupo de especialistas participantes deste estudo foi constituído por três profissionais brasileiros de notório saber na área do reprocessamento de produtos médicos, selecionados a partir da sua produção intelectual específica relacionada à temática do estudo. Os especialistas foram contatados e informados dos objetivos do estudo, da metodologia e das características de cada etapa da técnica de Conferência de Consenso, não havendo recusa ao convite.

Conferência de Consenso

Na 1ª etapa, os especialistas participantes receberam por correio eletrônico uma proposta de regulação do reprocessamento de produtos médicos, sendo, neste momento, solicitados a manifestarem individual e secretamente sua posição de concordância ou discordância com a proposta apresentada neste estudo. Nesta etapa, os especialistas foram solicitados a atribuir pontos de zero (eliminação do critério) a dez (aceitação máxima) aos critérios apresentados, conforme a relevância científica e prática operacional dos mesmos. Cada pontuação recebeu uma justificativa por parte do especialista. As respostas dos especialistas foram devolvidas também por correio eletrônico, no prazo máximo de 10 dias contados a partir da data do envio.

Na 2ª etapa, em reunião presencial com os especialistas, apresentou-se a proposta originalmente formulada, mostrando-se os pontos por ela atribuídos aos critérios sugeridos na 1ª etapa, as médias e os desvios padrão calculados a fim de subsidiar as discussões e alinhar pontos divergentes. Destinou-se um momento de discussão entre especialistas e pesquisadora para tratar os critérios considerados polêmicos, a fim de consenso. Frente às sugestões divergentes apresentadas pelos especialistas na 1ª etapa, a pesquisadora elaborou dois modelos regulatórios que foram apresentados nesta etapa, para que um modelo fosse escolhido e pontuado pelos especialistas. Esses modelos foram analisados em sessão aberta, foram rejeitados pelos especialistas que recomendaram a elaboração de um outro modelo regulatório a ser reelaborado pela pesquisadora, para ser posteriormente encaminhado por correio eletrônico, para nova pontuação.

Na 3ª etapa, os especialistas receberam novamente por correio eletrônico coletivo a proposta recomendada e resultante da etapa presencial, quando foram solicitados a atribuírem uma nova pontuação aos critérios já conhecidos e trabalhados. Nesta etapa, a inclusão de um novo critério só foi considerada se unânime e consensual entre os três especialistas. Ao serem calculadas as médias e desvios padrão dos pontos atribuídos pelos especialistas, constatou-se um enorme desvio-padrão na pontuação dos critérios (desvio padrão maior do que 5), representando, com isto, um grande dissenso entre os especialistas sobre os sub-critérios analisados. Desse modo, tornou-se necessário reelaborar nova proposta de modelo regulatório de reprocessamento de produtos médicos, a fim de se alcançar um consenso dos critérios e subcritérios sugeridos. Nesta etapa, uma especialista decidiu se afastar desse estudo e a Conferência de Consenso prosseguiu com a pesquisadora e duas especialistas.

Na 4ª etapa, foi encaminhada uma nova proposta de modelo regulatório, fruto dos trabalhos da etapa anterior, para que as duas especialistas atribuíssem, definitivamente, nova pontuação aos critérios já conhecidos e analisados. Devido ao fato de contar-se, nesta etapa, com apenas duas avaliadoras, não foi possível calcular o desvio padrão dos pontos atribuídos aos subcritérios, sendo calculadas as médias desses pontos, definindo-se, assim, o padrão ouro de regulação do reprocessamento de produtos médicos desta investigação.

Pontuação de critérios

Os critérios sugeridos nesta proposta foram apresentados em matrizes segundo a classificação regulatória dos produtos médicos; cada critério regulatório originou subcritérios que representaram categorias operacionais do reprocessamento de produtos médicos. Cada subcritério de avaliação da presente proposta recebeu pontuação de 0 a 10, significando, respectivamente, baixa e alta aceitação do subcritério apresentado. A pontuação do critério resultou da média das notas atribuídas aos seus subcritérios correspondentes. Para todos os critérios e subcritérios de avaliação, foram calculados a média aritmética e o desvio padrão. Assim, quanto maior a média, maior a importância/relevância/robustez do critério e quanto menor o desvio padrão, maior o grau de consenso do critério.

As recomendações/sugestões individuais de cada especialista que não constavam nas propostas originais elaboradas pela pesquisadora e, portanto, não pontuadas, só foram acatadas quando se relacionavam com a forma/estilo de redação dos critérios.

Neste estudo, foram aplicados os seguintes pontos de corte de avaliação de critérios: 1) Quanto à relevância do critério: a) média de pontos < 7: critério de pouca relevância. Critérios com essa média de pontos não fizeram parte da proposta regulatória final deste estudo; b) média de pontos > ou igual a 7 e < 9: critério de média relevância; c) média > ou igual a 9: critério de muita relevância. 2) Quanto ao desvio padrão (DP): a) DP < ou igual a 1: critério com grande consenso; b) DP > 1 < ou igual a 3: critério com pouco consenso; c) DP > 3 < ou igual a 4: critério com grande dissenso.

RESULTADOS

Nas etapas desta metodologia, observou-se grande consenso entre especialistas e pesquisadora quanto à necessidade da classificação de produtos médicos para efeito de reprocessamento, segundo possibilidade de completa limpeza e monitoramento das condições de integridade, funcionalidade e esterilidade, independente desses produtos serem considerados reusáveis ou de uso único. Esta distinção introduz um eixo norteador para a classificação e decisão sobre produtos a serem reprocessados nos serviços de saúde, diferindo da atual classificação adotada pela legislação vigente no Brasil. Houve consenso também quanto à necessidade de um padrão de qualidade da água utilizada para enxágue, segundo tipo de produto e etapas do reprocessamento. Optou-se por utilizar o termo monitoramento em lugar de validação, pela polissemia que envolve este conceito e formas de como implementá-lo no contexto hospitalar e por entender-se que a validação é parte integrante de um sistema maior de monitoramento de qualidade, processo este que ainda desafia a maioria dos CME brasileiros. Introduziu-se o termo rastreabilidade como sinônimo de usuário de produto reprocessado.

DISCUSSÃO

A seguir, apresenta-se o modelo regulatório de reprocessamento de produtos médicos proposto neste estudo. Este modelo fundamenta-se na conclusão dos estudos sobre riscos associados ao reprocessamento de produtos médicos, especialmente dos produtos considerados de uso único, discutidos na introdução. Considera-se, nesse estudo, que alguns produtos de uso único são passíveis de reuso e reprocessamento, desde que realizados em situações controladas de monitoramento dos processos de descontaminação, testes de funcionalidade e integridade dos produtos e documentação adequada.

O modelo regulatório de reprocessamento de produtos médicos desenvolvido é autoexplicativo e está apresentado em duas figuras. A Figura 1 classifica os produtos médicos para efeito de reprocessamento em duas categorias: produto médico reprocessável e produto médico não-reprocessável. Os produtos reprocessáveis são aqueles comercializados como reusável e, a priori, resistentes aos processos de descontaminação e produtos de uso único, mas passíveis de serem efetivamente submetidos aos processos de limpeza e esterilização, mantidas suas propriedades física e funcional. Os produtos não-reprocessáveis são aqueles impossibilitados de limpeza adequada e consequente esterilização, independente de serem registrados como de uso único ou reusável. Esta classificação subsidia a tomada de decisão para o reuso ou não dos produtos médicos, segundo as características dos dispositivos e a condição operativa dos CME quanto à possibilidade de executar as atividades de limpeza monitorada e avaliação da integridade e funcionalidade dos produtos reusados. Mantém-se a tradicional classificação de produtos médicos segundo o risco de infecção envolvido, mas desmembram-se os já conhecidos artigos críticos em dois grupos: os críticos de configuração complexa e que requerem uma tecnologia de limpeza específica e os críticos de configuração simples.


A Figura 2 descreve as etapas necessárias para o reprocessamento de produtos médicos na forma de um modelo lógico, normatizando os processos de descontaminação de produtos. Nesta figura, as atividades que compõem o reprocessamento de produtos são propostas de forma compatível com a realidade dos CME brasileiros e em sintonia com as recomendações de segurança e de qualidade dos processos, sinalizando, deste modo, uma prática viável e eficaz para o reuso de produtos.


No processo de limpeza, destaca-se a recomendação da lavadora ultrassônica para artigos críticos complexos canulados e enxágues distintos segundo o tipo do dispositivo, com orientação de enxágue após limpeza com água potável e corrente dotada de filtros < 5µm para todos os artigos e a utilização de água tratada (destilada ou de osmose reversa e posteriormente esterilizada) para último enxágue de produtos usados em oftalmologia, corrente sanguínea e implantes de neurologia e ortopedia, a fim de prevenir eventos adversos atribuídos à água contendo contaminantes orgânicos. Aborda o monitoramento do produto após limpeza e a sistematização dos testes de integridade e de funcionalidade para cada produto.

A descontaminação do produto médico é normatizada segundo sua classificação de risco e é recomendado o processo de esterilização para artigos críticos, termo-desinfecção ou desinfecção química de alto nível para artigos semicríticos e limpeza e/ou desinfecção de baixo nível para artigos não-críticos. Descreve a necessidade da qualificação da máquina esterilizadora e dos monitoramentos dos ciclos de esterilização segundo indicadores mecânicos, químicos e biológicos, bem como a rastreabilidade dos produtos seguindo a esterilização dos mesmos. Recomenda sala exclusiva para a realização do processo químico líquido de desinfecção, além de controles relativos ao monitoramento da solução germicida em uso, enxágue e secagem dos produtos desinfetados.

CONCLUSÃO

A análise das questões relacionadas com o reuso de produtos médicos, especialmente os comercializados como sendo de uso único, revela complexidade, diversidades de interesses e necessidades de respostas aos distintos atores envolvidos, bem como consideração dos direitos dos pacientes e das consequências legais dos eventos adversos advindos dessas práticas para as instituições e profissionais de saúde.

A produção e o consumo crescente das tecnologias de saúde, entendidas como os medicamentos, equipamentos, artigos, produtos, procedimentos e os sistemas organizacionais e de suporte dentro dos quais são oferecidos cuidados de saúde, com seus riscos inerentes, requerem do Estado a obrigação de regular, fiscalizar e controlar essas tecnologias - neste caso, os produtos médicos, no sentido de prevenir ou minimizar o risco sanitário envolvido no seu uso e reuso. Faz-se necessário, portanto, uma política de reprocessamento de produtos médicos que seja ao mesmo tempo segura e efetiva para os pacientes, exequível e operacional para os serviços de saúde, situação considerada distante da política de reprocessamento em vigor no Brasil.

Neste sentido, o modelo regulatório de reprocessamento de produtos médicos proposto neste estudo pretende contribuir para preencher lacunas do atual marco normativo brasileiro, especialmente no que diz respeito à RE nº 2.605, ao eliminar a necessidade de uma lista de produtos proibidos de reprocessamento no país, lista esta problemática não apenas pelo desafio da sua elaboração, que não foi sustentada por testes de validação que trouxessem fortes evidências de segurança, mas sobretudo de atualização, face ao lançamento contínuo de novos produtos no mercado. O modelo também propõe contribuir para superar as dificuldades na operacionalização das diretrizes estabelecidas na RE nº 2.606, que define as diretrizes para elaboração, validação e implantação de protocolos de reprocessamento de produtos médicos e, ao mesmo tempo, visa atender aos requisitos de segurança e eficácia consensuais na literatura para esta prática.

REFERÊNCIAS

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3. Fireman Z. Biopsy fórceps: reusable or disposable? J Gastroenterol Hepatol. 2006;21(7):1089-92.

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5. Graziano KU, Lacerda RA, Turrini RTN, Bruna CQM, Silva CPR, Schimtt C, et al. Indicadores de avaliação do processamento de artigos odonto-médico-hospitalares: elaboração e validação. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(n.esp 2):1174-80.

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11. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC n. 156, de 11 de agosto de 2006. Dispõe sobre o registro, rotulagem e reprocessamento de produtos médicos e dá outras providências [Internet]. Brasília; 2006 [citado 2010 set. 25]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2006/res0156_11_08_2006.html

12. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução n. 2.606, de 11 de agosto de 2006. Dispõe sobre as diretrizes para elaboração, validação e implantação de protocolos de reprocessamento de produtos médicos e dá outras providências [Internet]. Brasília; 2006 [citado 2010 set. 25]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2006/res2606_11_08_2006.html

13. Souza LEP, Vieira da Silva LM, Harz Z. Conferência de Consenso sobre a imagem-objetivo da descentralização da atenção à saúde no Brasil. In: Hartz Z, Vieira da Silva LM. Avaliação em saúde: dos modelos teóricos à prática na avaliação de Programas e Sistemas de Saúde. Salvador: Ed.UFBA; 2005. p. 65-102.

14. Ferraro AHA. Imagem-objetivo para descentralização da Vigilância Sanitária no município [dissertação]. Salvador: Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia; 2007.

Recebido: 18/10/2010

Aprovado: 15/03/2011

  • 1
    Association for the Advancement of Medical Instrumentation. A compendium of process, materials, test methods, and acceptance criteria for cleaning reusable medical devices. Arlington; 2003. (Technical Information Report; 30).
  • 2
    Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RE n. 2.605, de 11 de agosto de 2006. Estabelece a lista de produtos médicos enquadrados como de uso único proibidos de ser reprocessados [Internet]. Brasília; 2006 [citado 2010 set. 25]. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/legis/resol/2006/re/2606_06re.htm
  • 3
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  • 4
    Grobkopf V, Jakel C. Legal framework conditions for the reprocessing of medical devices. GMS Krankenhaushyg Interdiszip. 2008;3(3):Doc 24.
  • 5
    Graziano KU, Lacerda RA, Turrini RTN, Bruna CQM, Silva CPR, Schimtt C, et al. Indicadores de avaliação do processamento de artigos odonto-médico-hospitalares: elaboração e validação. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(n.esp 2):1174-80.
  • 6
    Canadian Healthcare Association. The reuse of single-use medical devices. Guidelines for Healthcare Facilities. Ottawa: Ontario; 1996.
  • 7
    International Organization for Standardization (ISO). ISO 14971 - Medical devices: application of risk management to medical devices. 2nd ed. Geneva; 2007.
  • 8
    World Health Organization (WHO). Medical Device Regulations. Global overview and guiding principles. Geneva; 2003.
  • 9
    Polisena J, Hailey D, Moulton K, Noorani HZ, Jacobs P, Ries N, et al. Reprocessing and reuse of single-use medical devices: a national survey of Canada acute-care hospitals. Infect Control Hosp Epidemiol. 2008;29(5):437-39.
  • 10
    Hailey D, Jacobs PD, Ries NM, Polisena J. Reuse of single use medical devices in Canada: clinical and economic outcomes, legal and ethical issues, and current hospital pratice. Int J Technol Assess Health Care. 2008;24(4):430-6.
  • 12
    Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução n. 2.606, de 11 de agosto de 2006. Dispõe sobre as diretrizes para elaboração, validação e implantação de protocolos de reprocessamento de produtos médicos e dá outras providências [Internet]. Brasília; 2006 [citado 2010 set. 25]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2006/res2606_11_08_2006.html
  • 13
    Souza LEP, Vieira da Silva LM, Harz Z. Conferência de Consenso sobre a imagem-objetivo da descentralização da atenção à saúde no Brasil. In: Hartz Z, Vieira da Silva LM. Avaliação em saúde: dos modelos teóricos à prática na avaliação de Programas e Sistemas de Saúde. Salvador: Ed.UFBA; 2005. p. 65-102.
  • 14
    Ferraro AHA. Imagem-objetivo para descentralização da Vigilância Sanitária no município [dissertação]. Salvador: Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia; 2007.
  • Endereço para correspondência:
    Eliana Auxiliadora Magalhães Costa
    Rua Piauí, 269/902 - Pituba
    CEP 41830-270 - Salvador, BA, Brasil
  • *
    Extraído da tese "Risco e proteção da saúde: reprocessamento de produtos médicos em Hospitais de Salvador", Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, 2010.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      18 Out 2010
    • Aceito
      15 Mar 2011
    Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
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