Acessibilidade / Reportar erro

Validade aparente de um índice de vulnerabilidade das famílias a incapacidade e dependência

Validad aparente de un índice de vulnerabilidad de las familias a discapacidad y dependencia

Resumos

Este estudo teve como objetivo propor e validar um índice para identificar famílias em situação de vulnerabilidade a incapacidades e dependência. Adaptou-se o Índice de Desenvolvimento da Família, acrescentando indicadores associados ao surgimento de incapacidade e dependência. Para validação aparente, utilizou-se a técnica Delphi e foram consultados cinco experts no assunto. Foi adotado nível de concordância de 80% entre os juízes. Após duas rodadas de avaliação, foram realizados ajustes quanto à forma e ao conteúdo do instrumento. Itens foram transferidos de componente, outros acrescentados e alguns, excluídos. O Índice resultante é composto por oito domínios, 38 componentes e 103 questões. A contribuição multiprofissional para a construção de um Índice que se propõe a captar a vulnerabilidade física e social das famílias resultou na primeira etapa para o desenvolvimento de uma ferramenta de diagnóstico e intervenção para profissionais de saúde que prestam assistência às famílias na Atenção Básica.

Pessoas com deficiência; Família; Atenção Primária à Saúde; Estudos de validação; Índices


El estudio objetivó proponer y validar un índice para identificar familias en situación de vulnerabilidad a incapacidades y dependencia. Se adaptó el Índice de Desarrollo Familiar, adicionándosele indicadores asociados al surgimiento de incapacidad y dependencia. Para la validación aparente se utilizó la técnica Delphi y se consultaron cinco expertos en el tema. Se adoptó un nivel de concordancia de 80% entre los especialistas. Luego de dos rondas de evaluación, se realizaron ajustes respecto a forma y contenido del instrumento. Se agregaron algunos ítems y se excluyeron otros. El índice resultante está compuesto por ocho dominios, 38 componentes y 103 preguntas. La aportación multidisciplinar a la construcción de un índice que tiene como objetivo captar la vulnerabilidad física y social de las familias a la discapacidad e dependencia resulto en la primera etapa para el desarrollo de una herramienta para diagnóstico y intervención de profesionales que prestan servicios sanitarios de asistencia a familias en la atención primaria.

Personas con discapacidad; Familia; Atención Primaria de Salud; Estudios de validación; Índices


This study aimed to propose and validate an index to identify families in a vulnerable situation to disability and dependency. It was adapted from the Index of Family Development (IFD), by adding indicators associated with the emergence of disability and dependency. Delphi technique was used to validation and five experts were consulted in the matter. The adopted level of agreement between judges was 80%. After two rounds of evaluations, adjustments were made related to the form and content of the instrument. Items were transferred from one component to another, some were added, others, deleted. The resulting Index is composed of eight domains, 38 components and 103 questions. The resulting Index is composed of eight domains, 38 components and 103 questions. The multidisciplinary contribution to the construction of an index that aims to capture the physical and social vulnerability of the families to disability and dependence provided the first step for the development of a tool for diagnosis and intervention that can be used by health professionals enrolled in primary care.

Disabled persons; Family; Primary Health Care; Validation studies; Indexes


ARTIGO ORIGINAL

Validade aparente de um índice de vulnerabilidade das famílias a incapacidade e dependência* * Extraído do Grupo de Pesquisa "Avaliação de Necessidades de Saúde", Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, 2011.

Validad aparente de un índice de vulnerabilidad de las familias a discapacidad y dependencia

Fernanda AmendolaI; Márcia Regina Martins AlvarengaII; Jaqueline Correia GasparIII; Cintia Hitomi YamashitaIV; Maria Amélia de Campos OliveiraV

IEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. fernanda_amendola@yahoo.com

IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Docente do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. marciaregina@uems.br

IIIEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Doutoranda do Programa Interunidades da Escola de Enfermagem e Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. jcgaspar@usp.br

IVEnfermeira. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. cintia.hitomi.yamashita@usp.br

VEnfermeira. Professora Titular do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. macampos@usp.br

Correspondência Correspondência: Maria Amélia de Campos Oliveira Escola de Enfermagem da USP Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 – Cerqueira Cesar CEP 05403-000 - São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

Este estudo teve como objetivo propor e validar um índice para identificar famílias em situação de vulnerabilidade a incapacidades e dependência. Adaptou-se o Índice de Desenvolvimento da Família, acrescentando indicadores associados ao surgimento de incapacidade e dependência. Para validação aparente, utilizou-se a técnica Delphi e foram consultados cinco experts no assunto. Foi adotado nível de concordância de 80% entre os juízes. Após duas rodadas de avaliação, foram realizados ajustes quanto à forma e ao conteúdo do instrumento. Itens foram transferidos de componente, outros acrescentados e alguns, excluídos. O Índice resultante é composto por oito domínios, 38 componentes e 103 questões. A contribuição multiprofissional para a construção de um Índice que se propõe a captar a vulnerabilidade física e social das famílias resultou na primeira etapa para o desenvolvimento de uma ferramenta de diagnóstico e intervenção para profissionais de saúde que prestam assistência às famílias na Atenção Básica.

Descritores: Pessoas com deficiência; Família; Atenção Primária à Saúde; Estudos de validação; Índices

RESUMEN

El estudio objetivó proponer y validar un índice para identificar familias en situación de vulnerabilidad a incapacidades y dependencia. Se adaptó el Índice de Desarrollo Familiar, adicionándosele indicadores asociados al surgimiento de incapacidad y dependencia. Para la validación aparente se utilizó la técnica Delphi y se consultaron cinco expertos en el tema. Se adoptó un nivel de concordancia de 80% entre los especialistas. Luego de dos rondas de evaluación, se realizaron ajustes respecto a forma y contenido del instrumento. Se agregaron algunos ítems y se excluyeron otros. El índice resultante está compuesto por ocho dominios, 38 componentes y 103 preguntas. La aportación multidisciplinar a la construcción de un índice que tiene como objetivo captar la vulnerabilidad física y social de las familias a la discapacidad e dependencia resulto en la primera etapa para el desarrollo de una herramienta para diagnóstico y intervención de profesionales que prestan servicios sanitarios de asistencia a familias en la atención primaria.

Descriptores: Personas con discapacidad; Familia; Atención Primaria de Salud; Estudios de validación; Índices

INTRODUÇÃO

A transição demográfica que marcou o século XX, em decorrência dos avanços da ciência e da tecnologia e da melhoria das condições de vida da população, produziu grande impacto nos perfis epidemiológicos das coletividades humanas, assim como no controle e no tratamento das doenças. As doenças crônicas não transmissíveis, as neoplasias e as causas externas despontaram como as principais causas de morbimortalidade, superando as doenças transmissíveis, tanto nos países desenvolvidos como naqueles emergentes(1). Efeitos desse cenário são o envelhecimento populacional e o aumento de pessoas com perdas funcionais e dependência. Para atender a essas novas demandas, políticas públicas e ações em saúde fizeram-se necessárias.

Um dos maiores desafios na atenção à saúde tem sido qualificar as equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) para identificar, planejar, implementar e avaliar estratégias de intervenção sob a perspectiva ampliada da determinação social e dos diversos condicionantes do processo saúde-doença, especialmente nas famílias mais vulneráveis sob seus cuidados.

No Brasil, há muitos idosos que, por razões familiares ou sociais, moram sozinhos ou estão inseridos em famílias pobres com uso restrito a bens e serviços, ou ainda com pessoas portadoras de transtornos mentais, entre outros. Do ponto de vista da atenção à saúde integral, essas condições são propícias ao surgimento de incapacidades e dependência, deixando tais famílias em situação de maior vulnerabilidade.

O conceito de vulnerabilidade, ao superar o âmbito individual e multifatorial de risco, vincula-se ao marco teórico-metodológico da Saúde Coletiva e da determinação do processo saúde-doença, na medida em que contempla as dimensões singular, particular e estrutural da realidade para analisar os determinantes do processo saúde-doença de diferentes grupos sociais(2).

Baseado nesse conceito de vulnerabilidade e no referencial teórico-metodológico da Saúde Coletiva, este estudo buscou construir e validar um índice capaz de indicar famílias em situação de vulnerabilidade a incapacidades e dependência. Tomou-se como base um instrumento existente, o Índice de Desenvolvimento da Família – IDF(3). Sua finalidade é identificar famílias mais vulneráveis e subsidiar o planejamento de ações que visem ao monitoramento dos determinantes de suas condições de vida e saúde, e as intervenções mais adequadas às suas necessidades. O índice poderá servir como um instrumento diagnóstico e de intervenção tanto na gestão quanto na assistência às famílias no âmbito da ESF.

OBJETIVO

Propor um Índice de Vulnerabilidade das famílias a incapacidades e dependência e submetê-lo a validação aparente.

MÉTODO

Etapa 1 – Adaptação do Índice de Desenvolvimento da Família

Optou-se por adaptar o Índice de Desenvolvimento da Família (IDF), um indicador sintético que mede o grau de desenvolvimento da família, permitindo avaliar seu grau de vulnerabilidade(3). Em um indicador sintético, de forma geral, as dimensões incorporadas assumem pesos positivos ou neutros, diferenciados ou não.

O IDF foi elaborado para utilizar informações disponíveis no questionário básico da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD). Contém seis dimensões, 26 componentes e 48 indicadores. As seis dimensões das condições de vida avaliadas são:

1. ausência de vulnerabilidade: situações que aumentam o volume de recursos que uma família necessita para satisfazer necessidades, como alimentação e assistência à saúde;

2. acesso ao conhecimento: meios que as famílias dispõem para satisfazer as necessidades, avaliado por meio da escolaridade, qualificação profissional e analfabetismo;

3. acesso ao trabalho: oportunidades que uma pessoa tem de utilizar sua capacidade produtiva;

4. disponibilidade de recursos: renda familiar per capita, recurso fundamental para aquisição de bens e serviços para satisfação de necessidades;

5. desenvolvimento infantil: trata-se de uma meta social para garantir à criança condições para o seu desenvolvimento pleno; e

6. condições habitacionais: que guardam relação com as condições de vida.

Esses indicadores permitem conhecer as condições de vida e trabalho das famílias. Entretanto, como se pretende captar a vulnerabilidade das famílias relacionada ao surgimento de pessoas com incapacidade e dependência, foram acrescentados dois domínios, seguindo o critério de ampla utilização em outros estudos, após revisão da literatura:

1. relações sociais: rede e apoio social das famílias, que influenciam a capacidade funcional, a dependência e a autonomia das pessoas;

2. condições de saúde: conjunto de condições que podem estar relacionadas ao surgimento de incapacidade e dependência. Os componentes desse domínio são: doenças crônicas, adesão ao tratamento, medicamentos, internações, quedas, avaliação subjetiva da saúde, acesso aos serviços de saúde, incapacidade física, capacidade funcional e transtornos mentais.

Assim, um novo instrumento contendo oito domínios, 38 componentes e 95 indicadores foi elaborado e encaminhado aos juízes para apreciação.

Etapa 2 – Avaliação do corpo de juízes

No período de janeiro a julho de 2011, o instrumento foi submetido a um corpo de juízes composto por pesquisadores e profissionais de saúde com expertise na temática que o índice pretende medir, para que fossem feitas análises em relação à validade aparente. Essa técnica de validação permite avaliar se aparentemente o instrumento mede aquilo que pretende(4). Embora seja considerado um teste pouco sofisticado, a validade aparente é imprescindível na construção de um instrumento para que posteriormente possam ser aplicados outros testes de validação.

Na consulta aos juízes, a técnica Delphi foi utilizada para a obtenção do consenso. No método Delphi, é feita a consulta a um grupo de especialistas através de um questionário, que é repassado continuadas vezes até que seja obtida uma convergência das respostas, um consenso, que representa uma consolidação do julgamento intuitivo do grupo(5). Nessas etapas, o instrumento sofreu modificações, tanto na sua estrutura quanto na forma e conteúdo.

Adotou-se como nível de concordância entre os juízes pelo menos 80%. Foram realizadas três rodadas de consultas para que o nível de convergência adotado fosse atingido. Em cada rodada, os comentários dos juízes foram tabulados e foi verificada a necessidade de exclusão, inclusão e ajustes de itens, possibilitando que cada respondente revisse sua posição em face da argumentação dos demais.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Oito juízes foram convidados a participar da pesquisa, porém um recusou, alegando falta de tempo. Outros dois assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, mas tiveram problemas pessoais e não conseguiram participar da pesquisa. Ao final, cinco juízes participaram do estudo, sendo dois enfermeiros e pesquisadores da área de gerontologia, um enfermeiro e um médico sanitarista, que trabalham na gestão de casos, vinculada a um serviço de assistência domiciliária na Atenção Básica, e uma assistente social e gerontóloga, que atua como pesquisadora.

Avaliação dos Juízes – Técnica Delphi

Após duas rodadas de avaliação dos juízes, cinco itens foram transferidos do componente escolaridade para um novo componente, intitulado escolaridade do chefe da família. Foram acrescentadas cinco questões no componente acesso a bens duráveis, quatro no componente rede social e três no apoio social. Outros quatro itens foram excluídos do componente capacidade funcional. Como se pode observar na Tabela 1, após o índice ser submetido ao comitê de peritos, houve nove acréscimos ao instrumento (um componente e oito questões), de modo que o índice passou a ser composto por oito domínios, 38 componentes e 103 questões. Muitas sugestões dos juízes na primeira rodada foram acordadas entre os juízes na segunda rodada e na rodada final.

A seguir, serão apresentados e discutidos os itens que tiveram menos de 80% de concordância entre os juízes.

1ª RODADA

As justificativas dos juízes para excluir (E) ou manter com ajustes (A) os itens do instrumento foram classificadas quanto à forma ou conteúdo. No total, foram feitas 92 sugestões, 49 (53,3%) relacionadas ao conteúdo e 43 (46,7%) à forma. Dos 140 itens avaliados, entre domínios, componentes e questões, apenas 17 (12,1%) tiveram um nível de concordância menor do que 80%, sendo quatro (23,5%) relacionados à forma e 13 (76,5%), ao conteúdo.

Os itens discordantes em relação à forma diziam respeito aos componentes trabalho precoce, medicamentos, avaliação subjetiva da saúde e transtornos mentais. Todos apresentaram 60% de concordância.

Na questão 35 (Neste domicílio há alguma criança com menos de 16 anos trabalhando?), cada juiz apontou para um aspecto diferente. Um deles sugeriu que se perguntasse se havia alguma criança entre 14 e 16 anos trabalhando, visto que a pergunta anterior já verificava se havia alguma criança com 14 anos ou menos trabalhando. A maioria dos juízes chamou a atenção para a aparente repetição das questões também nos componentes existência de crianças, adolescentes e jovens, existência de idosos, remuneração, acesso à escola e doenças crônicas. Foi esclarecido que no índice, tal como no IDF, os itens propositalmente são apresentados de maneira repetitiva (em cascata), uma alternativa a atribuir mais peso a determinados componentes. Dessa forma, todos os itens têm o mesmo peso, o que facilita o cálculo dos escores e permite que os mais vulneráveis pontuem mais que os menos vulneráveis. Outra sugestão nessa questão foi incluir o termo com remuneração, para que ficasse claro que a pergunta dizia respeito ao trabalho remunerado.

Define-se polifarmácia como o uso concomitante de cinco ou mais medicamentos, prática comum na população idosa. Está associada ao aumento do risco e da gravidade das reações adversas a medicamentos, podendo precipitar quadros de confusão, incontinência e quedas(6), os quais podem causar quadros de incapacidades ou dependência. Esse aspecto foi abordado na questão 72 (Algum membro da família faz uso de 5 medicamentos ou mais?). Os juízes observaram que faltavam informações na pergunta para captar o conceito de polifarmácia e sugeriram acrescentar os termos uso contínuo e de forma simultânea.

Já a questão 76, que fazia uma avalição subjetiva da saúde na família, estava mal formulada e os juízes sugeriram alteração da redação para Há alguém no domicílio que considera a própria saúde como ruim ou muito ruim?

Na questão 92 [Neste domicílio há alguém com transtornos mentais psiquiátricos (depressão, suicídio, transtorno de ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo, esquizofrenia, psicose, transtorno bipolar)?], um dos juízes sugeriu incluir os exemplos na pergunta, retirando os parênteses. Outro solicitou a substituição do termo suicídio por tentativa de suicídio. Ao investigar a influência de algumas características sociais e de saúde sobre a capacidade funcional dos idosos(7), encontraram que ser identificado no rastreamento de saúde mental estava associado a dependência moderada e grave.

As discordâncias dos juízes referiram-se majoritariamente ao conteúdo das questões (Tabela 2). No componente rede social (Q58 e Q59), um dos juízes sugeriu que fossem incluídas as definições de familiares, amigos e morar próximo. Assim, foi acrescido ao instrumento o conceito ampliado de família, compreendido como pessoas consideradas da família, com ou sem laços de consanguinidade(8). Amigos foram definidos como pessoas com quem mantém relações de amizade e morar próximo foi considerado a ponto de ser possível ir a pé, haja vista que o objetivo da questão é avaliar a rede social que pode ser ativada mais facilmente em caso de necessidade. Ainda nesse componente, foi sugerido incluir mais duas categorias na frequência das visitas entre familiares e amigos: ao menos uma vez ao mês e ao menos uma vez ao ano. Foi feita a inclusão, já que a rede social refere-se predominantemente a aspectos quantitativos do grupo de pessoas com as quais o indivíduo mantém contato ou alguma forma de vínculo social(9).

Um dos componentes mais polêmicos e com baixa concordância entre os juízes foi o apoio social. Algumas perguntas foram consideradas muito subjetivas, como, por exemplo, Neste domicílio há alguém que não tem com quem contar, caso necessite?. Um dos juízes argumentou que só é possível saber se temos com quem contar no momento que precisamos de ajuda. Ainda assim, a questão foi mantida, pois o índice procurará rastrear a vulnerabilidade das famílias ao surgimento de incapacidade e dependência, e essa questão permitiria identificar casos evidentes de falta de apoio. Por outro lado, como as questões estavam muito genéricas, optou-se por desmembrá-las nos tipos de apoio mais relacionados à incapacidade e dependência, como a de reforço ou emocional, instrumental ou material, afetiva e interação positiva(10-12).

Em estudo de investigação de rede e apoio social de cuidadores familiares de pessoas com dependência, observou-se que os cuidadores que possuíam algum tipo de apoio informal apresentaram escore médio de qualidade de vida maior que aqueles que não o possuíam. Apesar de não ser garantia de auxílio, observou-se que o número de pessoas que residiam no mesmo domicílio pode representar melhor rede de apoio, pois haveria mais pessoas próximas com quem poderiam contar(13).

O componente da avaliação subjetiva da saúde recebeu correções quanto à forma e ao conteúdo. Um dos juízes questionou sobre a veracidade da resposta e sobre influência do estado emocional. Muitos estudos têm demonstrado que a autoavaliação da saúde é um importante determinante de piores condições de saúde, inclusive dependência. Alguns autores(14) estudaram fatores associados à incapacidade funcional entre idosos na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, tendo encontrado uma prevalência de incapacidade de 16% (8% leve e 8% grave). Entre as características estudadas, a idade e a autoavaliação negativa da saúde apresentaram associações significativas e independentes com ambos os níveis de incapacidade.

Com relação ao acesso ao serviço de saúde, a questão 79 foi criticada pelos juízes, que consideraram que o fato de necessitar de transporte para ir ao serviço não necessariamente significa dificuldade de acesso. A intenção era verificar se havia serviços de saúde próximos à residência da família. Para contemplar esse aspecto, a questão foi modificada para Nesse domicílio há alguém que não consegue ir a pé ao serviço de saúde? Em estudo realizado com idosos atendidos por uma Unidade de Saúde da Família, verificou-se que 48,4% referiram dificuldades de acesso, principalmente devido a barreiras arquitetônicas (13,3%)(15).

A capacidade funcional foi avaliada por meio das questões que verificavam se havia alguém na residência com alguma dificuldade ou com dificuldade para realizar sem ajuda qualquer ABVD e AIVD (Q85 e Q86; Q89 e Q90). Os juízes questionaram como avaliar se a dificuldade era grave sem utilizar um instrumento específico de medida. Um deles sugeriu que as questões fossem retiradas e substituídas por uma única: Neste domicílio há alguma pessoa que, sem ajuda, não realiza qualquer das atividades...? Essa foi a opção adotada, visto que o instrumento não procurará realizar avaliações individuais aprofundadas, e sim rastrear situações de vulnerabilidade na família.

Inquérito domiciliar realizado na população idosa de Joaçaba, Santa Catarina, entre 2003 e 2004, encontrou uma taxa de prevalência de 37,1% de idosos com capacidade funcional diminuída, associada à idade (70 anos ou mais), ao sexo feminino e à autopercepção negativa da situação econômica(16). Em outro estudo que relacionou condições de saúde, capacidade funcional e inserção social, verificou-se que, nos dois anos considerados, indivíduos dos estratos mais baixos de renda apresentavam piores condições de saúde e pior condição física, tanto na faixa etária de 20 a 64 quanto na de > 65 anos de idade(17).

2ª RODADA

Na 2ª rodada, os juízes fizeram 26 sugestões, sete (26,9%) relacionadas ao conteúdo e 19, à forma (73,1%). Dos 149 itens avaliados, somente quatro (2,7%) apresentaram nível de concordância menor do que 80%, três relacionados ao conteúdo e um, à forma. A construção dos itens em cascata ainda não havia ficado clara para alguns juízes, que novamente sugeriram modificar as questões 34 e 35 para que as idades não se repetissem. Assim, foi esclarecida uma vez mais que essa construção era intencional.

Novamente a questão da polifarmácia não obteve concordância entre os juízes e foi sugerido acrescentar o termo medicamentos diferentes ao termo de uso contínuo. Com isso, o conceito de polifarmácia ficou plenamente contemplado na questão (Neste domicílio há alguma pessoa que faz uso contínuo de 5 ou mais medicamentos diferentes ao mesmo tempo?).

A questão sobre o componente acesso aos serviços de saúde, modificada na rodada anterior, não obteve consenso entre os juízes. Observou-se que, como estava elaborada a pergunta, a resposta indicaria possível incapacidade funcional de um membro da família para ir a pé ao serviço de saúde. No entanto, a intenção era verificar a distância do domicílio ao serviço de saúde como dificultador do acesso, contemplado no item posterior (Serviços de saúde, muito utilizados pela família, são distantes da residência, a ponto de não se conseguir ir a pé?). Um juiz sugeriu acrescentar uma questão para abordar outro aspecto da acessibilidade, a impossibilidade de utilizar o transporte público coletivo para ir ao serviço de saúde, o que foi aceito pelos autores e pelo consenso final. A acessibilidade é um elemento importante do acesso, que pode sofrer limitações decorrentes de problemas nela, impossibilitando que as pessoas cheguem aos serviços de saúde(18).

Os itens que não obtiveram 80% de consenso na segunda rodada foram modificados e novamente enviados aos juízes para uma rodada final, em que todos concordaram com as correções. Com isso, todos os itens alcançaram nível de concordância acima de 80%.

CONCLUSÃO

Sugestões feitas pelos juízes que não atingiram 80% de concordância não foram discutidas, embora tenham sido levadas em consideração na reelaboração das questões. A consulta a um grupo de juízes possibilita, principalmente, aprimorar e legitimar um novo instrumento de medida que está sendo proposto. Essa é apenas a primeira etapa para a construção e validação do Índice, que ainda deverá passar por outros testes de validade após ser aplicado a famílias atendidas pelos serviços de saúde da Atenção Básica.

No contexto atual de saúde, é relevante a criação de instrumentos válidos, confiáveis e que possam, sob o olhar da integralidade, captar a vulnerabilidade das famílias ao surgimento de pessoas com incapacidades e dependência. Tais instrumentos serão potencialmente úteis no âmbito da ESF, permitindo que equipes planejem ações de saúde de modo a aumentar os potenciais de fortalecimento das famílias, atenuando o desgaste a que estão expostas. Nos casos da condição já instalada, esses instrumentos permitirão que as equipes mobilizem os recursos existentes na Atenção Básica ou encaminhem as famílias aos serviços especializados, para que possam ser atendidas em suas necessidades.

Recebido: 08/11/2011

Aprovado: 29/11/2011

  • 1
    Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Vigilância em Saúde. Diretrizes e Recomendações para o Cuidado Integral de Doenças Crônicas Não-Transmissíveis. Promoção da saúde, vigilância, prevenção e assistência. Brasília; 2008. p. 13-20.
  • 2. Ayres JRCM, Calazans GJ, Saletti Filho HC, França IJ. Risco, vulnerabilidade e práticas de prevenção e promoção da saúde. In: Campos GWS, Minayo MCS, Akerman M, Drumond Junior M, Carvalho YM, organizadores. Tratado de saúde coletiva. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2008. p. 375-417.
  • 3. Carvalho M, Barros RP, Franco S. Índice de desenvolvimento da família. In: Acosta AR, Vitale MAF, organizadores. Família: redes, laços e políticas. São Paulo: Instituto de Estudos Especiais/PUC; 2003. p. 241-65.
  • 4. Gil AC. Pesquisa social. 5Ş ed. São Paulo: Atlas; 1999.
  • 5. Wright JTC, Giovinazzo RA. DELPHI: uma ferramenta de apoio ao planejamento prospectivo. Cad Pesq Admin. 2000;1(12):54-65.
  • 6. Secoli SR. Polifarmácia: interações e reações adversas no uso de medicamentos por idosos. Rev Bras Enferm. 2010;63(1):136-40.
  • 7. Rosa TEC, Benicio MHD'A, Latorre MRDO, Ramos LR. Fatores determinantes da capacidade funcional entre idosos. Rev Saúde Pública. 2003;37(1):40-8.
  • 8. Angelo M, Bousso RS. Fundamentos da assistência à família em saúde. In: Manual de enfermagem. Brasília: Instituto para o Desenvolvimento da Saúde, Ministério da Saúde; 2001. p. 14-6.
  • 9. Chor D, Griep RH, Lopes CS, Faerstein E. Medidas de rede e apoio social no Estudo Pró-Saúde: pré-testes e estudo piloto. Cad Saúde Pública. 2001;17(4):887-96.
  • 10. Bowling A. Measuring social networks and social support. In: Measuring health: a review of Quality of Life Measurements Scales. 2nd ed. Baltimore: Open University Press; 1997. p. 91-109.
  • 11. Pedro ICS, Rocha SMM, Nascimento LC. Apoio e rede social em enfermagem familiar: revendo conceitos. Rev Latino Am Enferm. 2008;16(2):324-7.
  • 12. Domingues MARC. Mapa mínimo de relações: instrumento gráfico para identificar a rede de suporte social do idoso [tese doutorado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo; 2004.
  • 13. Amendola F, Alvarenga MRM, Oliveira MAC. Influence of social support on the quality of life of family caregivers while caring for people with dependence. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2011[cited 2011 Oct 13];45(4):884-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n4/en_v45n4a13.pdf
  • 14. Giacomin KC, Peixoto SV, Uchoa E, Lima-Costa MF. Estudo de base populacional dos fatores associados à incapacidade funcional entre idosos na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública. 2008;24(6):1260-70.
  • 15. Fernandes HCL. O acesso aos serviços de saúde e sua relação com a capacidade funcional e a fragilidade em idosos atendidos pela Estratégia Saúde da Família [dissertação]. São Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2010.
  • 16. Fiedler MM, Peres KG. Capacidade funcional e fatores associados em idosos do Sul do Brasil: um estudo de base populacional. Cad Saúde Pública. 2008;24(2):409-15.
  • 17. Lima-Costa M, Matos DL, Camarano AA. Evolução das desigualdades sociais em saúde entre idosos e adultos brasileiros: um estudo baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD 1998, 2003). Ciênc Saúde Coletiva. 2006;11(4):941-50.
  • 18. Starfield B. Atenção primária, equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura/Ministério da Saúde; 2002.
  • Correspondência:

    Maria Amélia de Campos Oliveira
    Escola de Enfermagem da USP
    Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 – Cerqueira Cesar
    CEP 05403-000 - São Paulo, SP, Brasil
  • *
    Extraído do Grupo de Pesquisa "Avaliação de Necessidades de Saúde", Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, 2011.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Maio 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Aceito
      29 Nov 2011
    • Recebido
      08 Nov 2011
    Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: reeusp@usp.br