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Ética e valores na prática profissional em saúde: considerações filosóficas, pedagógicas e políticas

Ética y valores en la práctica profesional en salud: consideraciones filosóficas, pedagógicas y políticas

Resumos

Tratam-se de considerações filosóficas, pedagógicas e políticas sobre Ética e Valores na Prática Profissional em Saúde. O tema refere-se às mudanças do mundo de hoje, demarcadas por crises econômicas, com questões de justiça social afetando saúde e educação. Objetiva-se clarear a função de enfermeiras/os em âmbito da arte assistencial de cuidar de clientes, em programas de saúde individual e coletiva; exortar enfermeiras/os à atenção às leis e códigos da profissão; sugerir a aplicação de leis básicas da Filosofia da Arte aos cuidados de enfermagem. Análise e crítica de ações profissionais implicadas em ética e valores afetando a arte de aprender-a-ser e de tornar-se profissional proficiente na função de cuidar em enfermagem. A posição da autora tem pertinência epistemológica face ao Saber/Conhecimento de Enfermagem e à resolução de situações de risco a ver com competências de poder-fazer as coisas ou de produzí-las em âmbito de enfermagem como ciência da saúde.

Saúde pública; Enfermagem; Arte; Ética em enfermagem; Valores sociais; Prática profissional


Consideraciones filosóficas, pedagógicas y políticas sobre Ética y Valores en la Práctica Profesional en Salud. El tema refiere los cambios del mundo actual, marcados por crisis económicas, con cuestiones de justicia social afectando salud y educación. Se objetiva aclarar la función de enfermeros/as en ámbito del arte asistencial de cuidar de pacientes, en programas de salud individual y colectiva; exhortar enfermeras/os a atender leyes y códigos profesionales; sugerir la aplicación de leyes básicas de Filosofía del Arte a la atención de enfermería. Análisis y crítica de acciones profesionales implicadas en ética y valores afectando el arte de aprender-a-ser y de convertirse en profesional proficiente en la función de cuidar en enfermería. La posición de la autora tiene sustento epistemológico frente al Saber/Conocimiento de Enfermería y la resolución de situaciones de riesgo relativas a la competencia de poder-hacer las cosas o producirlas en el ámbito de enfermería como ciencia de salud.

Salud pública; Enfermería; Arte; Ética en enfermería; Valores sociales; Práctica profesional


This paper presents philosophical, pedagogical and political considerations on Ethics and Values in Professional Health Care Practice. The current changes and crises in the world, intensified by economic turmoil, have affected social justice issues affecting health and education. Objectives: to clarify nurses' role in the context of the art to take care of clients both as individuals and community; to urge nurses for attention to laws and codes/norms as established in the profession; and to suggest the application of basic laws of the Philosophy of Art to nursing care. The study presents critical analysis on ethics and values involved in nursing actions and may affect the art of learning-to-be and becoming an expert professional in nursing care. The author's epistemological position is presented to build competencies in the nursing as a health science.

Public health; Nursing; Art; Ethics; nursing; Social values; Professional practice


REFLEXÃO

Ética e valores na prática profissional em saúde: considerações filosóficas, pedagógicas e políticas* * Trabalho Apresentado na Mesa Redonda "Desafios Contemporâneos da Saúde Coletiva", 2º Simpósio Internacional de Políticas e Práticas em Saúde Coletiva na Perspectiva da Enfermagem – SINPESC, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, São Paulo, 9-11 out. 2011.

Ética y valores en la práctica profesional en salud: consideraciones filosóficas, pedagógicas y políticas

Vilma de Carvalho

Doutora em Enfermagem. Professora Titular de Enfermagem em Saúde Pública da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora Lider do Grupo da Linha de Pesquisa e Estudos Epistemológicos para a Enfermagem da Universidade Federal do Rio de Janeiro/CNPq. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. decarvalho.vilma@gmail.com

Correspondência Correspondência: Vilma de Carvalho Rua Afonso Cavalcanti, 275 – Cidade Nova CEP 20211-110 – Rio de Janeiro, RJ, Brasil

RESUMO

Tratam-se de considerações filosóficas, pedagógicas e políticas sobre Ética e Valores na Prática Profissional em Saúde. O tema refere-se às mudanças do mundo de hoje, demarcadas por crises econômicas, com questões de justiça social afetando saúde e educação. Objetiva-se clarear a função de enfermeiras/os em âmbito da arte assistencial de cuidar de clientes, em programas de saúde individual e coletiva; exortar enfermeiras/os à atenção às leis e códigos da profissão; sugerir a aplicação de leis básicas da Filosofia da Arte aos cuidados de enfermagem. Análise e crítica de ações profissionais implicadas em ética e valores afetando a arte de aprender-a-ser e de tornar-se profissional proficiente na função de cuidar em enfermagem. A posição da autora tem pertinência epistemológica face ao Saber/Conhecimento de Enfermagem e à resolução de situações de risco a ver com competências de poder-fazer as coisas ou de produzí-las em âmbito de enfermagem como ciência da saúde.

Descritores: Saúde pública; Enfermagem; Arte; Ética em enfermagem; Valores sociais; Prática profissional

RESUMEN

Consideraciones filosóficas, pedagógicas y políticas sobre Ética y Valores en la Práctica Profesional en Salud. El tema refiere los cambios del mundo actual, marcados por crisis económicas, con cuestiones de justicia social afectando salud y educación. Se objetiva aclarar la función de enfermeros/as en ámbito del arte asistencial de cuidar de pacientes, en programas de salud individual y colectiva; exhortar enfermeras/os a atender leyes y códigos profesionales; sugerir la aplicación de leyes básicas de Filosofía del Arte a la atención de enfermería. Análisis y crítica de acciones profesionales implicadas en ética y valores afectando el arte de aprender-a-ser y de convertirse en profesional proficiente en la función de cuidar en enfermería. La posición de la autora tiene sustento epistemológico frente al Saber/Conocimiento de Enfermería y la resolución de situaciones de riesgo relativas a la competencia de poder-hacer las cosas o producirlas en el ámbito de enfermería como ciencia de salud.

Descriptores: Salud pública; Enfermería; Arte; Ética en enfermería; Valores sociales; Práctica profesional

INTRODUÇÃO

Ninguém contesta o mundo de hoje em transe e assolado por crises. Os desafios contemporâneos realçam dilemas de ética e valores. Dificuldades emergem nas respostas do bem-estar geral. Já não se aposta em melhores condições de vida e trabalho. Faz pouco tempo e a sabedoria humana poderia ajustar distorções de justiça social. O progresso científico-tecnológico não se detém diante de qualquer barreira, mas ao valer a dignidade humana tudo parece mais precário. A riqueza da minoria e a pobreza de muitos continuam crescentes. Novas classes sociais valem por tabelas de dívidas internas e externas, aplicações e desvalorizações bancárias. A política econômica confere agora o empobrecimento generalizado – pico das crises mundiais – assolando todos os países. Enquanto isso há contestações públicas – protestos da juventude, reivindicações trabalhistas, movimentos de violências – suscitando medidas de lei e ordem política na maioria das nações.

As áreas afetadas condizem com a saúde de todos e com a educação para todos. Na prática profissional em saúde, nenhuma profissão está imune ou capaz de escapar das turbulências e mudanças. Na Enfermagem, a questão aguda é saber e justificar princípios fundamentais éticos e legais da função de cuidar de clientes. Pois nem os princípios básicos sustentam o saber e o significado de dizer que algo é tecnicamente correto e justo. Ou – ao contrário – se é possível assumir posição de afirmar se o que-fazer profissional contrabalança com pura negligência e sem nenhuma justificativa ética.

A Ética é um ramo da Filosofia e resulta na Filosofia Moral ou pensar filosófico acerca da moralidade, dos problemas morais e dos juízos morais. Normas e noções de moralidade abrangem atitudes e comportamentos emergentes em decisões sobre problemas que poderiam ser resolvidos no modo regular tradicional ou legalmente estabelecido.

Esta é uma forma contraposta ao pensamento analítico ou crítico que, em plano epistemológico, é adequado às investigações empíricas ou históricas, que não envolvem defesa de juízos normativos ou de valor(1).

Pela Enfermagem, reconheço-me movida por inquietação analítica e reflexão crítica. Busco explicação para ensinar e investigar problemas em plano de produzir conhecimento. Mas sinto-me perplexa em face dos assuntos éticos e valores humanos – o que-fazer de enfermeiras/os vale com a dignidade da profissão, a qual já é universalmente aceita segundo a concepção nightingaleana(2) de prática assistencial de enfermagem de prover e prestar cuidados aos clientes, incluídos os familiares. Prática na arte de enfermeiras/os releva-se na função de cuidar dos clientes, pelo continuado refinamento educacional tendente aos avanços científicos e inovações tecnológicas. No dizer parsoniano(3), prática social de objetivos de prevenção, promoção e tratamentos nos desequilíbrios da saúde. Assim, competências e responsabilidades de enfermeiras/os conferem com instruções sanitárias e ajuda na restauração da saúde, e como contribuição específica na prática profissional em saúde.

Nessa prática, cabe aos assistentes enfermeiras/os justificar diagnósticos de enfermagem, defender suas intervenções e propiciar ajuda aos grupos humanos. Segundo Leis e Códigos Profissionais(4-5), interessa o que-fazer nos procedimentos técnicos e éticos, nas condutas e comportamentos aliados aos cuidados de enfermagem. Máxima atenção nos propósitos e fundamentos Sobre Enfermagem – Ensino e Perfil Profissional(6), sem perder

a essência da performance – arte assistencial de enfermagem –, e relevar segurança e qualidade de atos e operações dos atores no estilo de atuar, demonstrar pelo exemplo, e interpretar a própria expressão da arte na função de cuidar em plano de prática social(7).

Sobre ética e valores na prática profissional em saúde, coloco-me pelas considerações filosóficas, pedagógicas e políticas. Interessam-me implicações para a Enfermagem. Posso registrar, aqui, o que é de pertinência adstrita ao significado da função de enfermeiras/os, na arte processada nos cuidados aos clientes(4-5). O que sei é pouco – ouço nas salas de aulas, nas atividades investigativas e de produção científica. Há mudanças nos programas e locais da assistência à saúde. Pela função de cuidar, os relatos condizem com desajustes e riscos comprometendo assistentes e assistidos. Preocupa-me a essência da arte professada – substantivada em atos e operações da arte de enfermeiras/os(2-3) e adjetivada na atenção aos clientes da área da saúde.

No 16º SENPE(7), tratei dessa arte aliada às leis básicas da Filosofia da Arte(8), leis preciosas na avaliação do agir profissional e demonstração de utilidade da assistência de enfermagem; em verdade, os profissionais dão atenção às políticas e prática de saúde(9), mas, além de tudo, é imperativa a arte assistencial consistente com o ideário fundamental de enfermagem triangulado nas palavras arte-ciência-ideal(10). Precisa-se de atenção à pertinência de decisões e ações no exercício da função de cuidar, no cuidado aos clientes e na significação da A Arte da Enfermagem – efêmera, graciosa, e perene(11). Precisa-se de maior realce à importância de competências de enfermagem, na prática profissional em saúde, independentemente da gestão e diversidade administrativa, institucionalizada ou não. Pela saúde no mundo e no Brasil, percebo a arte de enfermeiras/os segundo proposta sobre A Enfermagem de Saúde Pública como Prática Social(12), configurada para necessidades dos grupos humanos, na totalidade de assistidos e de assistentes e, naturalmente, relacionada ao ensino de graduação e à formação do perfil profissional de enfermeiras/os.

UMA PONTUAÇÃO HISTÓRICA

Na Enfermagem Brasileira, e em referência à transposição do Sistema Nightingale de Enfermagem Moderna(13), a sistemática do modelo profissional e educacional de enfermeiras/os data da Missão Parsons 1922-1931(3). Muita coisa mudou. Mas, no encerramento dessa missão, a sistemática do modelo foi disposta – legal e eticamente – em normas de política educacional e assistencial, segundo o Decreto nº 20.109/31 (primeira Lei do Exercício da Enfermagem), e tudo o mais redundou em atribuições e responsabilidades de enfermeiras/os, na prática profissional em saúde. As futuras lutas e marcantes evolutivas da Enfermagem Brasileira constam de anais da Associação Brasileira de Enfermagem – ABEn(14). As normas vigentes pela Legislação Profissional(4-5) são avançadas para a função de enfermeiras/os, posto que estão assentadas as bases legais e distinções do que-fazer, saber-fazer e até do poder-fazer de enfermeiras/os, condizentes, assim, com assuntos de ética e valores(7). Pelos avanços históricos, os princípios científicos básicos de enfermagem(15) são universalmente considerados nos desempenhos profissionais em áreas educacionais e assistenciais de saúde.

Sem adentrar detalhes da Reforma Carlos Chagas (anos de 1920), as questões da prática profissional em saúde, concernente à atuação de enfermagem, vêm sucedendo com questões adversas – insuficiência de recursos humanos e materiais e deficiências estruturais –, interferindo com a função de enfermeiras/os. Sérios desajustes são comuns. Mesmo as novas aquisições educacionais e novas disposições normativas(4;5) não asseguram avanços em política de saúde, e ainda persistem – nas situações reais – conflitos multidisciplinares na prática profissional em saúde. Isso fere a identidade de enfermeiras/os, mormente pela ideologia negativa em face da autonomia profissional no pensar e agir, nas intervenções e decisões sobre cuidados aos clientes.

Pela Enfermagem, esse fato não constitui simples recusa ao poder delegável ou delegado pela profissão médica. Contudo, pela Reforma Sanitária de 1980 e implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), a função de cuidar, na Enfermagem, e os cuidados prestados com autonomia, gestão e responsabilidade assistencial ainda passam por prejuízos de preconceitos e pressões de conflitos atingindo a relação interdisciplinar(12). Tal problemática precisa ser mais bem investigada. Premissas e objetivos da saúde de todos e notório dever do Estado não chegam a tornar visíveis as mudanças da pretendida universalização e resolutividade da atenção aos usuários. Razão por que a prática profissional em saúde situa-se agora em arcabouço de medidas, às vezes, inviáveis e pretendidamente visando à saúde com equanimidade para todos e, principalmente, como direito de cidadania.

BREVE DESCRIÇÃO DO CENÁRIO DA SAÚDE HOJE

No SUS, o âmbito das profissões da saúde parece agora diversificado. Não nos grandes hospitais e centros de saúde, mas nos recém-nomeados programas inovadores. A exemplo do Estado do Rio de Janeiro (RJ), com tendências em todo o País, há Clínicas da Família e Centros de Atenção Comunitária (CF e CAC), Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), Estratégia Saúde da Família (ESF). Os novos serviços favorecem acesso às grandes instituições, com atenção mais rápida à população. Servem ao pronto atendimento, aos tratamentos médicos, à prestação dos cuidados básicos de enfermagem(16-17). Visam a propósitos de atenção primária e acompanhamento aos grupos coletivos. Existem programas: de idosos, padecentes ou suspeitos de HIV, dependentes de adição química, mulheres em pré-natal, atenção a crianças e adolescentes, enfermos oncológicos, grupos de deficiências especiais. E existem projetos de extensão às instituições hospitalares ou aliados a instituições universitárias, em especial para comunidades, sob objetivos assistenciais ou educacionais(16-17). Contudo, são poucos para as demandas populacionais.

Embora insuficientes nas informações de avaliação da ajuda prestada, de resultados obtidos ou dados epidemiológicos da eficácia dos programas ofertados(12), tais programas são relevantes. Mesmo sem pleno controle, a confiabilidade de medidas e tratamentos resolutivos de problemas assistenciais comportam o que-fazer, o saber-fazer e o poder-fazer de enfermeiras/os, na saúde individual e coletiva(7). Na Enfermagem – congregando assistentes e assistidos – esses programas abrangem dificuldades de trabalho em equipe – específica e multidisciplinar – com problemas de gestão e gerência, coordenação e liderança de modelos assistenciais inovadores, sem descartar conflitos da participação e contribuição interdisciplinar na prática profissional em saúde.

UMA COMPLICAÇÃO EPISTEMOLÓGICA

Quanto ao poder-fazer, embora legalmente estabelecido o domínio do conhecimento das profissões de nível superior, nas situações de enfermagem, enfermeiras/os (em equipe) enfrentam, às vezes, obstáculos mal designados ou mal definidos. Alguns tipicamente ideológicos designam a função de enfermeiras/os como ocupação supostamente subalterna(18). Sem nenhuma consistência a função é atrelada ao poder médico (delegado ou delegável?) e, então, sem atenção à pertinência epistemológica do saber/conhecimento profissional de Enfermagem. Impõe-se a urgência de estudos empíricos da arte de cuidar em enfermagem. Experiências de comprovação de evidência, de avaliação de desempenhos sob controle, de exames de repetição e, se não, de enquadramento topológico com representações geometrizadas ou demonstração de práticas matematizadas(19). Tais estudos devem justificar coerência com cuidados de enfermagem e pertinência de ética e valores que relevem requisitos de uma prática científica de utilidade social(12). São obstáculos suscitando conflitos epistemológicos(20) e interferentes na formação do ethos profissional e do espírito crítico de enfermeiras/os.

Na prática pedagógica, os obstáculos prejudicam a função de cuidar na enfermagem. Nas divulgações da mídia, emergem como mal-entendidos e afetam a credibilidade da educação, invocando conotação de subsidiarismo profissional(12,18). Isso não deve ser aceito. As diretrizes curriculares nacionais sobre a Graduação de Enfermagem falam por si(21). Se não se processa corretamente a formação profissional, acarretando prejudiciais nomeatas para a atuação profissional, prejudica-se a função de cuidar em enfermagem, já consagrada nos fundamentos da profissão(2,15). Os deméritos envolvem o saber/conhecimento da profissão, a legalidade de atuação em gestão e gerência, chefia e liderança de enfermeiras/os(22). É uma questão a resolver, pois transcende as divergências profissionais nas relações multidisciplinares ou interdisciplinares, na sistemática assistencial. Pelo caráter epistemológico, não se pode assumir posição inadvertida. A Pós-Graduação stricto sensu – pelo II PBDCT 1974(23) –, já com mais de três decênios, assegura visibilidade à Enfermagem entre as profissões da saúde. Pela Enfermagem, a prática pedagógica e o saber/conhecimento conferem com a investigação desde a iniciação científica (Graduação) até a elaboração de dissertações e teses (Pós-Graduação). E condizem com o domínio da arte de cuidar e capacidade intelectual para resolver problemas e dilemas da atuação profissional(24). É preciso posição firme sobre a justeza de poder-fazer as coisas ou produzi-las(20), na investigação ou na atuação expressiva da arte assistencial. Na prática profissional em saúde, a assistência precisa ser crítica e a profissão de enfermeiras/os só pode ser entendida como ciência da saúde.

Na fruição do domínio da arte da Enfermagem,

não se podem admitir impropriedades na demonstração pelo exemplo, no estilo da expressão artística, nem no valor ético da mística vocacional(13).

Não devem ser minimizados interesses e objetivos de realce para a importância social dos cuidados de enfermagem aos clientes. Na prática profissional em saúde, em qualquer esfera de trabalho, como a prática pedagógica, adequada a formar o perfil profissional, é preciso que os estudantes aprendam atitudes e condutas não somente de alcance técnico. Sem prescindir dos conteúdos e experiências disciplinares de ética e valores humanos, há que se ajudar e propiciar aos estudantes a convivência profissional com os clientes nos programas e planos de saúde individual e coletiva. Nas experiências de aprender-a-ser e de tornar-se um profissional competente, é preciso que os estudantes adquiram habilidades valiosas e condutas éticas de relevância indubitável para a responsabilidade social de profissionais enfermeiras/os.

Os estudantes precisam aprender, em plano de crítica, os requisitos e fundamentos da arte da Enfermagem(11). Arte expressiva para os clientes e que, em plano teórico, possa efetivar o fundo de saber da profissão, como eixo epistemológico da assistência em saúde. E precisarão compreender sobre a atualidade da área da saúde, na qual resistem dificuldades da função de cuidar em enfermagem. Esta é uma questão problemática, plena de ambivalências e contraposições. Pois, se de um lado, as situações dos clientes invocam necessidade dos cuidados de enfermagem, às vezes, por condições adversas podem propiciar desajustes na arte assistencial quanto aos direitos de cidadania dos clientes e de seus responsáveis. Por outro lado, não se podem negar as oportunidades de experiências da arte de cuidar nos cenários da prática profissional em saúde, nos ditos programas na sistemática do SUS.

Embora em plano adverso, pode-se aprender muito, não só com os acertos, mas também com os próprios erros. Basta manter atenção à finalidade primaz da profissão de Enfermagem, como arte de ensinar, de assistir e de investigar. Maravilhosa! Posto que do trabalho profissional e da vivência com pessoal de saúde pode-se aprender e aprimorar a forma de expressão da arte de cuidar das pessoas e dos grupos humanos. Arte de significado realçado em face das necessidades dos clientes, porque invoca aquilatar os efeitos dos cuidados de enfermagem e, assim, consistentes aos propósitos do exercício da arte que se professa. Apesar dos saltos evolutivos e andança quase secular, sobre Saber/Conhecimento Profissional da Enfermagem Brasileira(25) os estudantes precisam aprender que ainda pesam sérias dificuldades da função de cuidar, mormente quando compreendida como função social e especificamente assumida como arte profissional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Segundo os filósofos da arte(8),

para a estratégia de aprender-a-ser competente e tornarse artista e intérprete exemplar na expressão da arte, é preciso acentuar, nas experiências cênicas de atuação, os significados da arte na função do artista, e no próprio contexto dos requerimentos do meio social (esta é a questão da essência da arte).

Todos os exercentes envolvidos precisam considerar, na função do artista e, principalmente, no meio social, que o importante é o que se faz ou produz em âmbito da própria arte (eis aí a 1ª Lei da Arte como função do meio).

Os filósofos apontam mais duas leis para apreciar e justificar as expressões da arte, a 2ª Lei da Arte do Idealismo (ou lei do processo continuado). Por ela, a arte depende de educação continuada e como processo permanente condiz com o idealismo da arte (os obstáculos surgem em razão de falta de refinamento educacional dos artistas).

A 3ª Lei da Arte da Espiritualidade (ou lei do evolver da subjetividade na espiritualidade, designada lei da desmaterialização ascendente). Para o artista, importa evoluir intelectualmente e em sensibilidade – espiritualmente – e isto condiz com a desmaterialização ascendente. Ou seja, o domínio do que-fazer, pensar-saber e poder-fazer ascende de planos materiais para planos de pura inteligibilidade e espiritualidade (os obstáculos referem-se a desajustes na arte, ou decorrem de retardo no domínio do saber/conhecimento profissional). A ação de enfermeiras/os precisa ascender em máximo quilate na arte assistencial. As contradições ocorrem por negligências ou omissões, e podem ocorrer os riscos ocupacionais na função de cuidar, ou quando não se efetivam atos e operações, expressando critérios de quantidade e requisitos de qualidade nos cuidados aos clientes. As falências são graves. É preciso assumir firme posição profissional de justeza e defesa da arte de enfermeiras/os na prática profissional em saúde. As leis básicas da Filosofia da Arte(8), portanto, podem auxiliar no ensino e precisam ser aplicadas, nas experiências institucionalizadas e nas possíveis de ocorrer no meio social a céu aberto. Sem o apoio delas (penso), não se consegue advogar em favor da causa da Enfermagem.

Não sei apontar outros caminhos para as questões de Ética e Valores na Prática Profissional em Saúde. Penso: é urgente repensar o ensino e a aprendizagem na área da Enfermagem. É importante que ética e valores atendam, também, à substancialidade e à causalidade nas questões a clamar pelas verificações da ciência da enfermagem. Nas justificativas assistenciais e nas questões investigativas da função de enfermeiras/os, a avaliação da ajuda prestada subscreve fundamentos inequívocos para cuidados de enfermagem. Penso com fé de ofício: não há como escapar de incluir ou aliar essas três leis(8) às estratégias pedagógicas do Ensino de Enfermagem.

Que eu possa advogar por último, mas não por fim, em favor da profissão de Enfermagem, tal como eu a creio estruturada, essencialmente, na arte do amor ao próximo – todos contados entre assistentes e assistidos. E, ademais, como penso, profissão orientada por um princípio cristão fundamentalmente arraigado em meu espírito de enfermeira:

Não basta apenas crer nas coisas; há que amá-las.

Sendo que amar é muito mais que crer.

(Imitação de Cristo).

Recebido: 14/10/2011

Aprovado: 16/11/2011

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  • Correspondência:

    Vilma de Carvalho
    Rua Afonso Cavalcanti, 275 – Cidade Nova
    CEP 20211-110 – Rio de Janeiro, RJ, Brasil
  • *
    Trabalho Apresentado na Mesa Redonda "Desafios Contemporâneos da Saúde Coletiva", 2º Simpósio Internacional de Políticas e Práticas em Saúde Coletiva na Perspectiva da Enfermagem – SINPESC, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, São Paulo, 9-11 out. 2011.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Maio 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      14 Out 2011
    • Aceito
      16 Nov 2011
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