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Ocorrência e prejuízos da cefaleia em estudantes universitárias de enfermagem

Ocurrencia y perjuicios de la cefalea en estudiantes universitarios de enfermería

Resumos

O estudo teve como objetivos verificar a ocorrência de cefaleia como a principal dor e caracterizar essa experiência e o prejuízo causado por ela nas atividades cotidianas de estudantes universitárias de enfermagem. Trata-se de um estudo transversal, realizado na Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil, de maio a junho de 2008, com 203 estudantes, (idade média de 21 anos; d.p.=1,8), 48,5% da classe econômica A. A cefaleia foi a principal dor para 34,5% das universitárias; de forte intensidade; descrita como latejante (74,3%), pontada (62,9%) e enjoada (55,7%); com episódios à tarde (52,9%), com duração de algumas horas do dia (51,4%). Os fatores relacionados ao início da dor foram: os estudos (17,1%) e o estresse (11,4 %) e as atividades mais prejudicadas: a capacidade de concentração (84,3%) e o humor (84,3%) (p<0,05). A cefaleia é menos frequente nesta população comparada a estudos realizados em outros países e prejudica as atividades cotidianas das universitárias.

Cefaleia; Estudantes de enfermagem; Medição da dor


El estudio objetivó verificar la ocurrencia de cefalea como dolor principal y caracterizar tal ocurrencia y el perjuicio derivado en las actividades cotidianas de estudiantes universitarias de enfermería. Estudio transversal, realizado en Facultad de Enfermería de Universidad Federal de Goiás, Goiânia-GO, Brasil, entre mayo y junio de 2008, con 203 estudiantes (edad promedio 21 años; d.p.=1,8), 48,5% de segmento económico A. La cefalea constituyó el dolor principal para 34,5% de estudiantes; de fuerte intensidad; descrita como intermitente (74,3%), con puntadas (62,9%) y náuseas (55,7%); prevaleciendo de tarde (52,9%), durando algunas horas al día (51,4%). Los factores relacionados con el inicio del dolor fueron: los estudios (17,1%) y el estrés (11,4%), y las actividades más perjudicadas: la capacidad de concentración (84,3%) y el humor (84,3%) (p<0,05). La cefalea es menos frecuente en esta población en comparación con otros países, y perjudica las actividades diarias de las estudiantes.

Cefalea; Estudiantes de enfermería; Dimensión del dolor


This study was performed with the objectives of identifying the occurrence of headache as the major cause of pain and characterizing the effect headaches have on the everyday activities of nursing undergraduate students. This cross-sectional study was performed at the College of Nursing of the Federal University of Goiás, Goiânia, Brazil, from May to June 2008. Participants included 203 students (mean age 21 years; s.d.=1.8), 48.5% from economic class A. Headaches were the major cause of pain for 34.5% of students; described as being of strong intensity; referred to as throbbing (74.3%), stabbing (62.9%), and causing nausea and/or vomiting (55.7%); with episodes occurring in the afternoon (52.9%), and lasting for several hours a day (51.4%). Factors related to the onset of pain were: studying (17.1%) and stress (11.4 %). The activities most affected were: their capacity to concentrate (84.3%) and their mood (84.3%) (p<0.05). Headaches are less common in the population compared to other country studies, and they affect the students' everyday activities.

Headache; Students, nursing; Pain measurement


ARTIGO ORIGINAL

Ocorrência e prejuízos da cefaleia em estudantes universitárias de enfermagem* * Extraído do Trabalho de Conclusão de Curso "Ocorrência, características clínicas da cefaleia e prejuízo advindo dessa dor nas atividades cotidianas de estudantes universitárias de Enfermagem", Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás", 2009".

Ocurrencia y perjuicios de la cefalea en estudiantes universitarios de enfermería

Polyana Cristina Vilela BragaI; Layz Alves Ferreira SouzaII; Renata Alessandra EvangelistaIII; Lilian Varanda PereiraIV

IEnfermeira Graduada pela Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás. Enfermeira do Departamento de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia. Goiânia, GO, Brasil. polyanacvb@hotmail.com

IIMestranda em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás. Enfermeira Fiscal do Conselho Regional de Enfermagem de Goiás. Goiânia, GO, Brasil. layzenf@gmail.com

IIIEnfermeira. Doutora pelo Programa Interunidades da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Professora Adjunta da Universidade Federal de Goiás. Goiânia, GO, Brasil. r-evangelista@hotmail.com

IVEnfermeira. Doutora em Enfermagem Fundamental pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Professora Adjunta da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás. Goiânia, GO, Brasil. lvaranda@terra.com.br

Endereço para correspondência: Endereço para correspondência: Polyana Cristina Vilela Braga Rua 227 Qd. 68, s/n - Setor Leste Universitário CEP 74605-080 - Goiânia, GO, Brasil

RESUMO

O estudo teve como objetivos verificar a ocorrência de cefaleia como a principal dor e caracterizar essa experiência e o prejuízo causado por ela nas atividades cotidianas de estudantes universitárias de enfermagem. Trata-se de um estudo transversal, realizado na Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil, de maio a junho de 2008, com 203 estudantes, (idade média de 21 anos; d.p.=1,8), 48,5% da classe econômica A. A cefaleia foi a principal dor para 34,5% das universitárias; de forte intensidade; descrita como latejante (74,3%), pontada (62,9%) e enjoada (55,7%); com episódios à tarde (52,9%), com duração de algumas horas do dia (51,4%). Os fatores relacionados ao início da dor foram: os estudos (17,1%) e o estresse (11,4 %) e as atividades mais prejudicadas: a capacidade de concentração (84,3%) e o humor (84,3%) (p<0,05). A cefaleia é menos frequente nesta população comparada a estudos realizados em outros países e prejudica as atividades cotidianas das universitárias.

Descritores: Cefaleia; Estudantes de enfermagem; Medição da dor

RESUMEN

El estudio objetivó verificar la ocurrencia de cefalea como dolor principal y caracterizar tal ocurrencia y el perjuicio derivado en las actividades cotidianas de estudiantes universitarias de enfermería. Estudio transversal, realizado en Facultad de Enfermería de Universidad Federal de Goiás, Goiânia-GO, Brasil, entre mayo y junio de 2008, con 203 estudiantes (edad promedio 21 años; d.p.=1,8), 48,5% de segmento económico A. La cefalea constituyó el dolor principal para 34,5% de estudiantes; de fuerte intensidad; descrita como intermitente (74,3%), con puntadas (62,9%) y náuseas (55,7%); prevaleciendo de tarde (52,9%), durando algunas horas al día (51,4%). Los factores relacionados con el inicio del dolor fueron: los estudios (17,1%) y el estrés (11,4%), y las actividades más perjudicadas: la capacidad de concentración (84,3%) y el humor (84,3%) (p<0,05). La cefalea es menos frecuente en esta población en comparación con otros países, y perjudica las actividades diarias de las estudiantes.

Descriptores: Cefalea; Estudiantes de enfermería; Dimensión del dolor

INTRODUÇÃO

Cefaleia é queixa frequente entre jovens estudantes e o prejuízo advindo dessa dor implica em incapacidade, fracasso educacional e absenteísmo escolar em média de 2,8 dias/ano(1), maior vulnerabilidade às comorbidades(2) e prejuízo na qualidade de vida(3). Há consenso que as mulheres e adultos jovens são os mais representados(4).

Estudos epidemiológicos internacionais investigaram a prevalência de cefaleia entre universitários. Na Faculdade de Ciência da Saúde da Universidade de Abomey-Calavi, Cotonou (Benin), África(5), a prevalência de migrânea foi de 11,3% (95% CI: 8,2-15,3), significativamente maior entre os do sexo feminino (18,3%) que do masculino (6,8%). Na Turquia(6), a prevalência de cefaleia tensional entre os universitários foi de 22,64% e de migrânea 17,89%, significativamente mais frequente entre as mulheres (p<0,0001). Na Nigéria, Universidade Ambrose Alli, encontrou-se prevalência de enxaqueca (critérios da International Headache Society) de 9,6% (10,3% de mulheres e 8,9% de homens, p=0,35) com incapacidade grave, significativa para 15,9% dos universitários entrevistados(7). Na Alemanha, Munique, 83,1% dos estudantes com idades entre 14 e 20 anos referiram cefaleia, também mais representados pelo sexo feminino(8) e na Universidade de Zagreb Medical School, Croácia, estimou-se prevalência de enxaqueca de 8,86% em estudantes do primeiro ano de medicina e 10,90% em estudantes do sexto ano, enquanto a prevalência de cefaleia do tipo tensional foi 60,13% e 57,69%, respectivamente(9). As mulheres sofriam de enxaqueca com frequência significativamente maior do que os homens (p=0,017). Na Yugoslávia, Universidade de Belgrado, 66,8% (n=1943) das estudantes referiram cefaleia primária(10).

No Brasil, um estudo(11) conduzido com estudantes universitários de diferentes cursos, em Ribeirão Preto, Estado de São Paulo, estimou prevalência de enxaqueca de 24% e de cefaleia tensional de 32%, sendo que, entre os enxaquecosos, a produtividade escolar foi menor do que entre aqueles que sofriam cefaleia tipo tensional. Outros estudos conduzidos com a população brasileira em geral apontaram prevalência de cefaleia de 74,1%, no Estado de Santa Catarina(12); de 53,2% no interior do Espírito Santo(13) e de 71,3%, no Rio Grande do Sul(14). Em todos os estudos houve predominância de mulheres e adultos jovens.

Diante dessa realidade e da falta de estudos sobre o tema em estudantes universitários brasileiros, julgou-se importante contribuir com o avanço dos conhecimentos sobre a epidemiologia da cefaleia nessa população, buscando conhecer a extensão do problema entre os futuros enfermeiros e subsidiar serviços de saúde que almejem a prevenção de agravos e promoção da saúde nessa população.

O estudo teve como objetivo verificar a ocorrência de cefaleia como a principal dor autorreferida por universitárias de Enfermagem e caracterizar a experiência dolorosa e o prejuízo dela advindo nas atividades cotidianas dessas mulheres.

MÉTODO

O estudo foi realizado na Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás (FEN/UFG), na cidade de Goiânia, Estado de Goiás, Brasil, no período de maio a junho de 2008, após parecer favorável do Comitê de Ética e Pesquisa Médica Humana e Animal do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (protocolo nº 173/2007), respeitando-se a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Estudo tipo corte transversal, realizado com a população de estudantes (n=250) regularmente matriculados no curso de graduação em Enfermagem (aproximadamente 50 alunos por ano). Foram excluídos aqueles que possuíam idade inferior a 18 anos, não encontrados em sala de aula após três tentativas do pesquisador e os do sexo masculino (três alunos), totalizando 203 participantes, distribuídos entre os cinco anos do curso (81,2% dos alunos do curso de enfermagem).

As variáveis do estudo incluíram: ocorrência de cefaleia (considerada como qualquer dor localizada na cabeça), caracterizada quanto à intensidade (medida através de uma Escala Numérica (EN)(15), de 0 a 10, na qual 0 significava sem dor e 10 a pior dor possível. Escores de 1 a 4 representaram dor leve, 5 e 6 dor moderada e de 7 a 9 dor forte; qualidade avaliada por meio do Questionário de McGill-LF(16), constituído por 78 descritores, distribuídos em quatro grandes grupos e 20 subgrupos, sendo 11 subgrupos caracterizando a dimensão sensitiva-discriminativa da experiência dolorosa, quatro a dimensão afetiva-motivacional, um subgrupo a dimensão cognitiva-avaliativa e cinco o grupo miscelânea. Ademais, investigou-se o período do dia em que o episódio de dor ocorreu (manhã, tarde e noite), duração do episódio de dor (algumas horas, metade do dia, o dia todo, uma parte da semana, uma parte do mês e o mês todo), a frequência dos episódios de dor (nenhuma vez, algumas vezes, frequentemente, continuamente) e os fatores relacionados ao surgimento da cefaleia (separação da família, perda de pessoas próximas, rompimento de relacionamento afetivo, estudos, estresse, não sabe e outros). A intensidade do prejuízo causado pela cefaleia nas atividades cotidianas foi medida por meio de uma escala de copos(17), na qual o primeiro copo equivalia ao escore 0=nenhum prejuízo; o segundo ao escore 1=prejuízo pequeno; o terceiro ao escore 2=prejuízo moderado; o quarto copo ao escore 3=prejuízo grande e o quinto copo ao escore 4=prejuízo total e os fatores relacionados ao surgimento da dor (separação da família, perda de pessoas próximas, rompimento de relacionamento afetivo, estudos, estresse, não sabe e outros).

As participantes foram caracterizadas de acordo com a classe socioeconômica (classificada com base na escolaridade do chefe da casa e na quantidade de bens que possuiam, de acordo com a Chave de Correção de Classificação Socioeconômica no Brasil, Classes: A1, A2, B1, B2, C1, C2, D, e E - Associação Brasileira de Anunciantes/Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado (ABA/ABIPEME)(18), a idade (18-20 anos, 21-23 anos, >= 24 anos), o ano do curso que a estudante frequentava (1º, 2º, 3º, 4º ou 5º ano); envolvimento em atividades extracurriculares (pesquisa, extensão, monitoria e estágios - respostas sim ou não) e prática regular de atividade física (no mínimo três vezes por semana - respostas sim ou não).

As universitárias foram abordadas em sala de aula, em momento propício para o preenchimento de instrumento padronizado para a coleta de dados. Foram orientadas a localizarem, em diagramas corporais, a principal dor sentida e em seguida caracterizá-la segundo as variáveis de interesse. Os dados foram compilados e analisados pelo programa SPSS 16.0 e representados por meio de medidas descritivas de centralidade como a média e mediana e de dispersão (Q1-25% da amostra ordenada e Q3-75% da amostra ordenada, mínima, máxima e desvio padrão). O teste de correlação de Spearman foi utilizado para associação entre as variáveis numéricas e o teste do qui-quadrado para associação entre as variáveis categóricas. O nível de significância considerado para todos os testes foi de 5%.

RESULTADOS

Entre as 203 universitárias de enfermagem, distribuídas nos cinco anos do curso de graduação em Enfermagem, 70 (34,5%) apontaram a cabeça como o local da principal dor. A idade das mulheres que queixaram cefaleia variou entre 18 e 28 anos (M=21 anos; Dp=1,8); 48,5% pertenciam à classe econômica A (A1+A2); 65,7% participavam de atividades extracurriculares e apenas 21,4% praticavam atividade física regularmente (Tabela 1).

As estudantes do terceiro ano do curso de Enfermagem foram as que apresentaram maior frequência de relatos de cefaleia (25,7%). Os episódios surgiram com maior frequência no período vespertino (52,9%), com duração de algumas horas (51,4%) e foram frequentes para 40,0% das estudantes (Tabela 2).

Quando questionadas sobre os fatores relacionados ao início da cefaléia, 54,3% das estudantes não souberam informá-los, 17,1% apontaram os estudos e 11,4% o estresse.

A mediana dos escores de intensidade da dor (atribuídos por meio da escala numérica de 0-10) foi igual a 7,0 (MÍN=2,0; MÁX=10; Q1=5,0; Q3= 8,0). Para 45,7% das estudantes, a dor foi classificada como forte; para 35,7% como moderada; para 10,0% como leve e para 8,6% como a pior dor possível (Figura 1).


Quanto à qualidade da dor, os descritores mais frequentemente escolhidos (porcentagem igual ou superior a 30% da população) foram: latejante (74,3%), pontada (62,9%), enjoada (55,7%), cansativa (48,6%), aperto (38,6%), que incomoda (38,6), penetra (32.9%), pesada (31,4%), dá náusea (30,0%) e sensível (30%), dos quatro agrupamentos (sensitivo, afetivo, avaliativo e misto) do Questionário para Dor de McGill-LF(16).

As atividades prejudicadas pela cefaleia estão mostradas na Tabela 3. A proporção de estudantes que referiu prejuízo nas atividades cotidianas (capacidade de concentração, humor, relações com outras pessoas, habilidades cognitivas, habilidades psicomotoras e realização das atividades práticas e de avaliação) devido à cefaleia foi maior que aquelas que referiram prejuízo devido a outras dores.

Os escores atribuídos à intensidade do prejuízo causado pela dor nas atividades cotidianas, por meio da escala de copos, podem ser observados na Figura 1. Maior porcentagem das estudantes (35,7%) atribuiu escore 3 - prejuízo muito grande, nas atividades exigidas pelas disciplinas e capacidade de concentração; e 22,0% atribuíram escore 2 - prejuízo moderado, no humor, sono, em realizar atividades práticas, atividades diárias, aproveitar a vida e relacionar-se com os colegas.

A correlação entre a intensidade de prejuízo e intensidade de dor na cabeça (índice de Spearman) foi fraca (r variou de 0,27 a 0,35), positiva e significativa para a capacidade de concentração (r=0,35; p=0,006); atividades sociais, recreativas e familiares (r=0,31; p=0,010); relação com outras pessoas (r=0,32; p=0,006) e capacidade de aproveitar a vida (r=0,27; p=0,010), apontando a importância de se considerar a intensidade de dor na avaliação da incapacidade.

DISCUSSÃO

Estudos epidemiológicos(5-6,8-9) realizados em diversos países, inclusive no Brasil(11), estimaram prevalência de cefaleia entre estudantes universitários mais alta (41,0% a 98,3%) que a do presente estudo - 34,5% - e tal achado pode estar relacionado ao fato de ter sido considerada apenas a principal dor, ou seja, aquela que mais incomodava. Na Nigéria, entre estudantes do primeiro e sexto ano do curso de Medicina, com média de idade de 23,4 anos, a prevalência de cefaleia foi de 46,0%, significativamente mais comum entre as mulheres (62,8%)(19). Na Turquia, entre estudantes (idade média de 21,16 anos; d.p.=2,03) do mesmo curso, houve predomínio de enxaqueca entre as mulheres(6). Em Oman, no Golfo Pérsico, foram observadas altas prevalências de cefaleia (98,3% em algum momento da vida e 96,8% no último ano de vida) entre 403 universitários, com média de idade de 21,9 anos; d.p.=1,9, representados pelo sexo feminino (62,5%)(20). Na Universidade de Belgrado, Yugoslávia, a prevalência de cefaleia primária entre universitárias do curso de Medicina e Farmácia, com idades entre 18 e 28 anos, foi de 66,8%(10).

Nos Estados Unidos da América (EUA), 17,3% dos estudantes referiram episódios de cefaleia uma ou mais vezes por semana; 33,6% uma ou duas vezes no mês; 50,9% pelo menos uma vez no mês e 49% com pouca frequência e variação maior de tempo. Ademais, 60% dos entrevistados afirmaram que a dor de cabeça interferiu em suas atividades habituais(4), frequência superior a constatada no presente estudo (21,4%), semelhante à de Oman(20), em que 20% dos estudantes de Medicina referiram não conseguir realizar as atividades diárias durante os episódios de dor, que apareciam uma ou mais vezes ao mês. Tais dados apontam prejuízo frequente nas atividades dos estudantes, podendo resultar em fracasso acadêmico e dificuldade em tomar decisões importantes na vida profissional e pessoal.

Em nosso estudo, a dor de cabeça foi estudada sem referência ao diagnóstico etiológico. No entanto, estudos mostraram que a enxaqueca e a cefaleia tensional são as que mais acometem as mulheres(6,9-10, 14, 19-20), gerando a hipótese de que estes eram os dois tipos mais frequentes de cefaleia entre as estudantes universitárias deste estudo. Ademais, em relação à enxaqueca, observa-se associação com as variações hormonais que as mulheres estão sujeitas durante a vida, especialmente relacionadas ao ciclo menstrual(10). Além disso, a enxaqueca é descrita como pulsante/latejante e de intensidade moderada a grave, semelhantemente aos achados desse estudo. No Brasil, no Estado do Rio Grande do Sul, em estudo com a população em geral, as mulheres apresentaram quatro vezes mais enxaqueca que os homens(14). Por outro lado, a cefaleia tensional é prevalente em indivíduos com maior escolaridade e há um pico de prevalência em torno dos 30-39 anos para ambos os sexos(21).

Quanto aos fatores relacionados ao início da cefaleia, 17,1% das estudantes apontaram os estudos e 11,4% o estresse. Entre estudantes de Medicina, a privação do sono (72,4%), as horas excessivamente longas de trabalho (57,9%) e a falta de descanso (52,3%) foram os fatores precipitantes/agravantes da dor(20). No Estado de Santa Catarina, Brasil, em população eminentemente feminina, apontaram o estresse (79,7%) e a menstruação (61,7%) como os fatores desencadeadores de dor mais frequentemente citados(12). Na África, o cansaço psicológico foi o fator desencadeante de cefaleia mais frequente entre os estudantes universitários(5).

A qualidade da dor foi descrita pelas universitárias deste estudo por meio de palavras dos grupos sensitivo, afetivo, avaliativo e misto do (MPQ-LF), aparecendo como as mais frequentemente escolhidas: latejante (74,3%), pontada (62,9%), enjoada (55,7%), cansativa (48,6%), aperto (38,6%), que incomoda (38,6), penetra (32.9%), pesada (31,4%), dá náusea (30,0%) e sensível (30%). Em investigação conduzida num serviço de neurologia de um hospital escola do Estado do Rio de Janeiro com 50 pacientes (80% do sexo feminino; idade média de 32 anos) portadores de cefaleia do tipo tensional episódica, os descritores de dor escolhidos com maior frequência foram pesada (34%) e aperto (30%)(21). Aperto também foi a palavra mais frequentemente escolhida (70,96%) por estudantes com cefaleia tipo tensional e latejante por aqueles com enxaqueca (87,57%)(6). Entre estudantes de Medicina, a cefaleia foi descrita com maior frequência pelos descritores aperto (38,6%) e latejante (36,1%)(20), semelhantemente aos achados do presente estudo. Novas pesquisas são necessárias para elucidar com maior acurácia a descrição dos diferentes tipos de cefaleia. Vale lembrar que o MPQ pode ser utilizado para diferenciar síndromes dolorosas(22).

A intensidade da dor autorreferida neste estudo foi forte (escores 7,8,9) para 45,6% das estudantes e pior dor possível (escore 10) para 8,6% delas. A cefaleia também teve intensidade muito forte para 11,9% dos estudantes de Medicina de Oman(20), fato que alerta para a intensidade da dor na cabeça, independente da idade e profissão, poder ser referida como muito forte, resultando em limitação e incapacidade, como observado em estudo realizado no Estado de São Paulo, Brasil(11). Ademais, no presente estudo, a correlação entre intensidade de dor e intensidade de prejuízo nas atividades cotidianas das estudantes foi positiva e significativa, apoiando os relatos de prejuízo nestas atividades. Estudantes de Medicina também relataram dificuldade em completar suas atividades diárias(20).

Na Turquia, incapacidade moderada-grave foi encontrada em dois terços dos universitários migranosos de diferentes cursos, associada a fracasso educacional(1). Na Nigéria, a incapacidade foi moderada-grave para 36,6% dos universitários(19). concentração e o humor (84,3%) (<0,05).

Quanto à frequência com que as atividades cotidianas das universitárias foram prejudicadas pela cefaleia, observamos que prevaleceu a capacidade de concentração e o humor (p<0,05) e com menor frequência a capacidade de desenvolver atividades diárias e o relacionamento com os colegas. O impacto na qualidade de vida, bem como a diminuição da capacidade laboral e de lazer, são fatores bem conhecidos e amplamente descritos na literatura. Funcionários do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP, Estado de São Paulo, disseram que evitam dirigir com dor (35,1%); alguns relataram já haver cancelado atividades com a família (59,9%) e de lazer (81,2%) devido à dor. 82% relataram que precisaram parar de fazer o que estavam fazendo para deitar-se ou o que gostariam de fazê-lo(3).

Neste estudo, a correlação significativa entre intensidade da dor e a intensidade de prejuízo na capacidade de concentração, participação em atividades sociais e recreativas, relação com outras pessoas e capacidade de aproveitar a vida aponta a intensidade da dor como possível fator determinante de baixa produtividade e/ou perda de qualidade no resultado das tarefas das estudantes, como observado em estudo(11) conduzido com 1022 estudantes universitários brasileiros.

As limitações deste estudo relacionadas à população restrita a uma única faculdade de Enfermagem e à falta de diagnóstico etiológico das cefaleias apontam a necessidade de novas pesquisas, com amostras mais representativas, que permitam conhecer melhor o problema cefalei, entre universitárias de Enfermagem. A importância de se investigar a cefaleia em população feminina e jovem tem como propósito maior evitar sofrimento desnecessário, reduzir comorbidades, iniciar tratamento precoce e adequado e promover saúde, reconhecendo o valor dessa população como futuros profissionais da saúde.

CONCLUSÃO

A prevalência de cefaleia como a principal dor referida pelas universitárias de enfermagem é menor que aquela encontrada em estudos semelhantes. No entanto, a intensidade subjetiva de dor é classificada como muito forte/pior possível para a maioria das estudantes. Qualitativamente, a dor é descrita por palavras do agrupamento sensitivo, afetivo e avaliativo do McGill Pain Quationnaire (MPQ), apontando a natureza multidimensional dessa experiência.

Os episódios de dor surgem preferencialmente à tarde, permanecem por algumas horas do dia, surgem com frequência e são desencadeados pelos estudos e pelo estresse. A cefaleia interfere nas atividades cotidianas das estudantes, principalmente na capacidade de concentração e no humor, fundamentais para o processo de aprendizagem.

Ressalta-se que a elaboração/implantação de programas de saúde preventivos deve ser encorajada, com o propósito de rastrear casos de cefaleia e encaminhar os estudantes precocemente para atendimento especializado, com o objetivo de prevenir doença e promover saúde nesta população jovem.

Recebido: 21/12/2009

Aprovado: 11/05/2010

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  • Endereço para correspondência:
    Polyana Cristina Vilela Braga
    Rua 227 Qd. 68, s/n - Setor Leste Universitário
    CEP 74605-080 - Goiânia, GO, Brasil
  • *
    Extraído do Trabalho de Conclusão de Curso "Ocorrência, características clínicas da cefaleia e prejuízo advindo dessa dor nas atividades cotidianas de estudantes universitárias de Enfermagem", Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás", 2009".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Fev 2012

    Histórico

    • Recebido
      21 Dez 2009
    • Aceito
      11 Maio 2010
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