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Avaliação do crescimento microbiano em sondas de uso único para vitrectomia reprocessadas na prática assistencial

Evaluación de crecimiento microbiano en sondas de uso único para vitrectomía recicladas en la práctica asistencial

Resumos

O objetivo deste estudo foi avaliar o crescimento microbiano em sondas para vitrectomia de uso único, reprocessadas na prática assistencial. Foram investigadas nove sondas reusadas e reprocessadas por diferentes métodos. As sondas foram segmentadas, individualmente, em porções de 3,5 cm, totalizando em 979 unidades amostrais (extensões, conectores e ponteiras) inoculadas em meio de cultura e incubadas a 37ºC, por 14 dias. Os resultados mostraram crescimento microbiano em 57 (5,8%) unidades amostrais, das quais, 25 foram esterilizadas por Óxido de Etileno, 16 por Plasma de Peróxido de Hidrogênio e 16 por Vapor à Baixa Temperatura e Formaldeído. Foram identificadas 17 espécies microbianas, sendo as mais prevalentes o Micrococcus spp., Staphylococcus coagulase negativa, Pseudomonas spp. e Bacillus subtilis. O reuso de sondas de uso único para vitrectomia não se mostrou seguro, portanto tal prática não é recomendada.

Sonda; Vitrectomia; Reutilização de equipamento; Esterilização; Infecção da ferida operatória; Endoftalmite


Este estudio objetivó evaluar el crecimiento microbiano en sondas para vitrectomía de uso único recicladas en la práctica asistencial. Se investigaron nueve sondas reutilizadas y recicladas mediante diferentes métodos. Las sondas fueron segmentadas individualmente en porciones de 3,5 cm, totalizándose 979 unidades de muestra (extensiones, conectores y punteras), inoculadas en medio de cultivo e incubadas a 37ºC por 14 días. Los resultados demostraron crecimiento microbiano en 57 (5,8%) unidades de muestra, 25 de las cuales habían sido esterilizadas con óxido de etileno, 16 con plasma de peróxido de hidrógeno y 16 por vapor a baja temperatura y formaldehido. Se identificaron 17 especies microbianas, prevaleciendo el Micrococcus spp, Staphylococcus couagulasa negativo, Pseudomonas spp y Bacillus subtilis. La reutilización de sondas de uso único para vitrectomía no demostró seguridad, por lo que la práctica no es recomendable.

Sonda; Vitrectomía; Equipo reutilizado; Esterilización; Infección de herida operatória; Endoftalmitis


The aim of this study was to evaluate the microbial growth on single-use vitrectomy probes reprocessed in healthcare practice. We investigated nine vitrectomy probes that had been reused and reprocessed using different methods. The samples were sectioned, individually, in portions of 3.5 cm, totaling 979 sampling units (extensions, connectors and vitrectomy cutters), which were inoculated in culture medium and incubated at 37ºC for 14 days. The results showed microbial growth on 57 (5.8%) sample units, 25 of which had been sterilized using ethylene oxide, 16 by hydrogen peroxide plasma, and 16 by low-temperature steam and formaldehyde. Seventeen microbial species were identified. The most prevalent were: Micrococcus spp., coagulase-negative Staphylococcus, Pseudomonas spp., and Bacillus subtilis. The reuse of single-use vitrectomy probes was shown to be unsafe, therefore this practice is not recommended.

Probe; Vitrectomy; Equipment reuse; Sterilization; Surgical wound infection; Endophthalmitis


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação do crescimento microbiano em sondas de uso único para vitrectomia reprocessadas na prática assistencial

Evaluación de crecimiento microbiano en sondas de uso único para vitrectomía recicladas en la práctica asistencial

Flávia Morais Gomes PintoI; Valéria Garcia Lopes AraújoII; Rafael Queiroz de SouzaIII; Vânia Regina GoveiaIV; Carmen Castilho MissaliV; Reginaldo Adalberto de LuzVI; Kazuko Uchikawa GrazianoVII

IEnfermeira. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação PROESA da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Bolsista CAPES. São Paulo, SP, Brasil. fsmorais@usp.br

IIEnfermeira Graduada pela Escola de Enfermagem da Universidade São Paulo. Guarujá, SP, Brasil. vglaraujo@yahoo.com

IIIEnfermeiro. Doutorando do Programa de Pós-Graduação PROESA da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Bolsista CNPq. Osasco, SP, Brasil. rafaelqsouza@hotmail.com

IVProfessora Doutora do Departamento de Enfermagem Básica da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG, Brasil. vaniagoveia@uol.com.br

VEnfermeira Especialista em Gestão do Bloco Cirúrgico. Enfermeira Responsável pela Clínica Oftalmocentro-Ribeirão Preto. Presidente da Sociedade Brasileira de Oftalmologia. Ribeirão Preto, SP, Brasil. ctcm@uol.com.br

VIEnfermeiro Especialista em Centro Cirúrgico e Prevenção e Controle de Infecção Relacionado à Assistência à Saúde. Mestrando do Departamento de Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. reginaldo.enfermeiro@gmail.com

VIIProfessora Titular do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. kugrazia@usp.br

Correspondência Correspondência: Flávia Morais Gomes Pinto Rua Mateus Grou, 131- Apto. 62 - Pinheiros CEP 05415-050 - São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

O objetivo deste estudo foi avaliar o crescimento microbiano em sondas para vitrectomia de uso único, reprocessadas na prática assistencial. Foram investigadas nove sondas reusadas e reprocessadas por diferentes métodos. As sondas foram segmentadas, individualmente, em porções de 3,5 cm, totalizando em 979 unidades amostrais (extensões, conectores e ponteiras) inoculadas em meio de cultura e incubadas a 37ºC, por 14 dias. Os resultados mostraram crescimento microbiano em 57 (5,8%) unidades amostrais, das quais, 25 foram esterilizadas por Óxido de Etileno, 16 por Plasma de Peróxido de Hidrogênio e 16 por Vapor à Baixa Temperatura e Formaldeído. Foram identificadas 17 espécies microbianas, sendo as mais prevalentes o Micrococcus spp., Staphylococcus coagulase negativa, Pseudomonas spp. e Bacillus subtilis. O reuso de sondas de uso único para vitrectomia não se mostrou seguro, portanto tal prática não é recomendada.

Descritores: Sonda; Vitrectomia; Reutilização de equipamento; Esterilização; Infecção da ferida operatória; Endoftalmite

RESUMEN

Este estudio objetivó evaluar el crecimiento microbiano en sondas para vitrectomía de uso único recicladas en la práctica asistencial. Se investigaron nueve sondas reutilizadas y recicladas mediante diferentes métodos. Las sondas fueron segmentadas individualmente en porciones de 3,5 cm, totalizándose 979 unidades de muestra (extensiones, conectores y punteras), inoculadas en medio de cultivo e incubadas a 37ºC por 14 días. Los resultados demostraron crecimiento microbiano en 57 (5,8%) unidades de muestra, 25 de las cuales habían sido esterilizadas con óxido de etileno, 16 con plasma de peróxido de hidrógeno y 16 por vapor a baja temperatura y formaldehido. Se identificaron 17 especies microbianas, prevaleciendo el Micrococcus spp, Staphylococcus couagulasa negativo, Pseudomonas spp y Bacillus subtilis. La reutilización de sondas de uso único para vitrectomía no demostró seguridad, por lo que la práctica no es recomendable.

Descriptores: Sonda; Vitrectomía; Equipo reutilizado; Esterilización; Infección de herida operatória; Endoftalmitis

INTRODUÇÃO

Nas instituições de assistência à saúde do Brasil, o reprocessamento de materiais de uso único é uma prática frequente, embora seus riscos ainda não tenham sido explorados de forma a garantir a segurança na utilização destes materiais. A principal justificativa para esta prática está sustentada no alto custo dos materiais(1), a título de exemplo, as sondas para vitrectomia. Em nosso meio, o reprocessamento de materiais de uso único tem sido discutido e estudado sob diferentes aspectos, a saber: éticos, legais, técnicos e de segurança. Mas, até o momento, as evidências não permitem um consenso(2). Além de contrariar as indicações do fabricante quanto ao uso único, o material comercializado como tal é fabricado com matéria-prima que não suporta agressões inerentes a limpeza e posterior esterilização, podendo comprometer a funcionalidade no uso subsequente. Adicionalmente, estes materiais não desmontam para possibilitar a limpeza necessária, que é considerada a etapa principal para a segurança do produto esterilizado.

No Brasil, o Ministério da Saúde por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), vem liderando as discussões, bem como regulamentando o reprocessamento desde 1985(3). Apesar de não ter dados oficiais ou estudos específicos sobre a real dimensão dessa prática(4), é sabido que a oftalmologia é uma das especialidades médicas que reutilizam materiais de uso único, incluindo a sonda para cirurgia de vitrectomia posterior. Apesar da gravidade das infecções quando a visão é acometida, o reuso destes materiais é frequente e muitas vezes realizado sem validação da segurança do seu reprocessamento.

A sonda para vitrectomia posterior é utilizada em procedimentos cirúrgicos vitreoretinianos realizados para remover o humor vítreo, substância gelatinosa que preenche a maior parte do olho(5). Este procedimento cirúrgico é realizado no tratamento de casos avançados de descolamento da retina, retinopatia diabética, inflamações e traumatismos que levam à turvação do vítreo. As taxas de endoftalmites após vitrectomia nas situações relatadas são baixas, de 0,02% à 0,05%(6-7), quando comparadas com endoftalmites após cirurgias de catarata com vitrectomia, que estão na faixa de 0,04% a 0,13%(8-10). Há que se atentar para o risco quando essas sondas são utilizadas em cirurgias de extração da catarata com vitrectomia, em que há possível ruptura da cápsula posterior, com subseqüente perda vítrea, sendo estes eventos relacionados a fatores de risco para endoftalmite(5,11).

Com base nos riscos apresentados, o reprocessamento de materiais de uso único deve estar sustentado em fortes evidências da ausência de riscos relacionados, não apenas a infecção, mas estendendo para a presença de endotoxinas, resíduos tóxicos de produtos de limpeza, funcionalidade e integridade do material. Apesar destes múltiplos fatores de riscos potenciais, a presente investigação limitou-se para avaliar a segurança quanto à esterilidade de sondas para vitrectomia de uso único reutilizadas na prática assistencial, reforçando que são dispositivos que não desmontam para serem limpos e são dotados de lúmens estreitos e longos, constituindo, portanto, um desafio para o seu processamento seguro.

OBJETIVO

Avaliar o crescimento microbiano em sondas para vitrectomia de uso único reprocessadas na prática assistencial.

MÉTODO

Considerando, a priori, que o reuso de materiais de uso único implica em questões legais para os Estabelecimentos de Assistência a Saúde que o praticam, o acesso ao material de análise foi obtido pelo método intencional racional, solicitando auxílio da Presidente da Sociedade Brasileira de Enfermagem em Oftalmologia (SOBRENO). Esta intermediou a doação de sondas, juntamente com uma breve descrição da rotina de limpeza e esterilização de cada sonda (Quadro 1).


Foram doadas nove sondas reprocessadas, devidamente embaladas e esterilizadas, provenientes de quatro Instituições, constituindo-se o grupo experimental. As sondas para vitrectomia posterior de uso único são compostas por duas extensões de 215 cm com diâmetro de 1,5 mm, ligadas por conectores e presas a uma ponteira.

As extensões das nove sondas foram segmentadas, individualmente, em porções de 3,5 cm, em capela de fluxo laminar sob técnica asséptica, com auxílio de tesoura e lâminas de bisturi descartáveis, ambas esterilizadas, totalizando 979 unidades amostrais, sendo 935 segmentos, 35 conectores e 9 ponteiras. O tamanho amostral foi analisado sob assessoria de um profissional matemático, adotando o modelo de estudo epidemiológico bicaudal, sendo o poder da amostra de 90%, com α= 0,5% e β= 10%.

Uma sonda nova da marca ACCURUS®, esterilizada originalmente por Óxido de Etileno (ETO) pelo fabricante foi utilizada para controle negativo, seccionando-se as extensões da mesma forma que as do grupo experimental, totalizando em 121 segmentos, 4 conectores e 1 ponteira.

Cada unidade amostral foi semeada individualmente e diretamente em meio de cultura Caldo Tríptico de Soja (TSB) e incubada a 37ºC por 14 dias com leitura diária da turvação. A identificação microbiológica dos crescimentos positivos foi realizada no Laboratório de Microbiologia do Serviço de Infecção Hospitalar da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, Brasil. As amostras que apresentaram turvação foram plaqueadas em meio de cultura Agar sangue e incubadas a 35ºC ± 2ºC por 7 dias. As placas que apresentaram crescimento positivo foram identificadas de acordo com a morfologia e propriedade tintorial visualizada na coloração de Gram. Nas colônias de cocos Gram positivo foram utilizados os testes de catalase, coagulase (Staphy Test®, Probac® do Brasil) ou hidrólise da esculina, crescimento na presença de bile (Bilesculina) e crescimento na presença de NaCl 6,5% (Kit para Enterococos, Probac® do Brasil). Os bacilos Gram negativos foram identificados pela série bioquímica contendo, Tríplice de açúcar e ferro (TSI), motilidade, citrato, fenilalanina e indol. Nesta série, os bacilos que se mostraram não fermentadores de glicose foram identificados pelo Kit NF II (Probac® do Brasil), por meio das provas de oxidase, crescimento em MacConkey, fermentação de O/F glicose, maltose e lactose, descarboxilação de arginina e lisina e liquefação da gelatina.

RESULTADOS

As nove sondas para vitrectomia posterior reprocessadas apresentaram crescimento microbiano em alguns de seus segmentos, conectores e ponteiras, conforme os dados apresentados nas Tabelas 1.

Foram recuperadas 57 (5,8%) amostras positivas de um total de 979 unidades amostrais, Dentre os 57 crescimentos positivos, 53 foram em segmentos da extensão e dois em conectores. Dentre nove ponteiras, duas apresentaram-se contaminadas.

Na comparação dos métodos de esterilização utilizados no reprocessamento das sondas para vitrectomia posterior, o teste do qui-quadrado (χ2), cujo resultado foi de 0,9951, comprova que não houve diferença estatística entre os três métodos de esterilização utilizados no reprocessamento das sondas para vitrectomia posterior, a saber: ETO, PPH, VBTF.

Quantos aos microrganismos recuperados, os dados estão apresentados no Quadro 2 e Tabela 2.


Foram isoladas 17 espécies microbianas. Em algumas amostras houve crescimento de mais de um microrganismo. À microscopia, 16 espécies foram bacterianas e uma fúngica, sendo 7 bactérias Gram positivo, 9 bactérias Gram negativo e um fungo, conforme os dados apresentados na Tabela 2.

Não houve crescimento microbiano nas unidades amostrais do controle negativo (0/126).

DISCUSSÃO

A complicação infecciosa após cirurgia de vitrectomia posterior é um evento raro, que ocorre, em média, na proporção de um para cada 3.000 procedimentos cirúrgicos. Os agentes etiológicos mais comumente citados pela literatura após cirurgia de vitrectomia posterior, são Staphylococcus coagulase negativa, Proteus mirabilis e Enterococcus faecalis(6-7).

A maior parte dos microrganismos encontrados no presente estudo é da microbiota da pele e mucosas, como as espécies de Micrococcus e os Staphylococcus coagulase negativa, sendo que os últimos coincidem com os agentes de infecção oftalmológica apontados pela literatura. Entretanto, foram identificados também possíveis contaminantes de água, solo e superfícies do ambiente operatório como bacilos Gram positivo, espécies de Pseudomonas e Acinetobacter, podendo-se inferir que as fontes de contaminação de materiais utilizados na assistência a saúde são diversas e que métodos adequados de limpeza e esterilização devem garantir a sua eliminação. As sondas para vitrectomia apresentam grande dificuldade na limpeza efetiva dos canais internos, em razão das extensões longas (215 cm) e diâmetros estreitos (1,5 mm). Desta forma, métodos manuais sem fricção das suas superfícies, conforme encontrados na prática são insuficientes. A limpeza de qualquer produto para saúde com estas características, representa o principal desafio para os profissionais das unidades de processamento. A técnica de limpeza para esta conformação de materiais deve envolver a desmontagem do produto, sua exposição ao detergente, ação mecânica manual e automatizada complementar (lavadora ultrassônica com retrofluxo), enxágüe, secagem e inspeção visual(13). No presente estudo, as sondas não foram submetidas a este padrão de limpeza. Em todos os casos, ocorreu apenas a limpeza manual, sem a desmontagem do dispositivo, pois o material não possibilita a mesma; sem fricção interna utilizando escovas, imersão em detergente enzimático, enxágüe e secagem, sendo este último não realizado por uma das instituições que forneceram as amostras. No processamento das sondas, a secagem é um passo que não pode ser negligenciado, principalmente nos materiais que são submetidos à esterilização em ETO. Tanto o ETO, quanto seus subprodutos, etileno cloridrina e etileno glicol, são extremamente irritantes para os tecidos. O etileno glicol é um subproduto que resulta lentamente da reação do ETO com a água(14). Dessa forma, em materiais não secos adequadamente, a quantidade final dessa substância poderia constituir um risco adicional no reprocessamento das sondas.

A gravidade do risco foi expressa nesta pesquisa pela recuperação de microrganismos na forma vegetativa e não só de microrganismos com potencial para esporulação (Bacillus subtilis) indicando falhas evidentes tanto da limpeza como da esterilização. Diferente do método de esterilização por meio do calor, em que ocorre a condução do agente esterilizante, os que empregam baixa temperatura agem apenas por contato entre o agente esterilizante e a superfície do material. Resíduos de matéria inorgânica e orgânica, incluindo os biofilmes, podem constituir-se em barreiras físicas que levam ao insucesso da esterilização.

Um estudo(15) que explorou a presença de resíduos orgânicos em instrumentos cirúrgicos submetidos a imersão em solução enzimática por 60 minutos, limpeza mecânica durante a imersão, lavagem ultrassônica durante 10 minutos, enxágüe por 3 vezes em água de torneira, lubrificação, inspeção do funcionamento, secagem com ar comprimido e posicionamento vertical para a secagem final, detectou na inspeção visual por microscopia, resíduos numa prevalência de 84,3% (27/32). Os resultados deste estudo permitiram aos autores concluírem que mesmo utilizando protocolos de limpeza para o reprocessamento dos materiais, os resíduos são muito difíceis de serem completamente removidos. Considerando o reprocessamento das sondas para vitrectomia posterior, que foram submetidas a um processo de limpeza, aquém do recomendado como boas práticas, ressalta-se a importância de cautela na tomada de decisão em relação à prática do reprocessamento e reuso de materiais de uso único pelos estabelecimentos de saúde.

Esta pesquisa limitou-se a avaliação do risco potencial de infecção, porém há outros riscos potenciais associados ao reuso de materiais de uso único descritos na literatura que extrapolam as infecções, evidenciando também pirogenias, eventos adversos decorrentes de resíduos tóxicos de produtos utilizados no processamento, falhas no desempenho funcional e danos na integridade física do material(16).

Um aspecto de grande relevância no processamento de materiais utilizados na assistência a saúde é a qualidade da água do enxágue, que pode ser uma fonte geradora de endotoxinas (quando contaminada com microrganismos Gram negativo) e outros resíduos orgânicos e inorgânicos que podem comprometer a segurança do processamento(17). As recomendações oficiais indicam água tratada por osmose reversa, filtro bacteriano, destilada para o último enxágue. Nenhuma das Instituições que doaram as sondas para esta pesquisa mencionou este cuidado. No caso dos materiais utilizados em cirurgias oftalmológicas, há recomendações específicas para o enxágue, o qual deve ser realizado de forma abundante para a remoção dos resíduos do detergente e o último enxágue, que deve ser feito com água destilada esterilizada(18). Esta recomendação fundamenta-se em relatos de ocorrência de síndromes tóxicas oculares pós-cirúrgicas, definidas como síndrome tóxica do segmento anterior ocular (TASS - Toxic anterior segment syndrome) pela American Society of Cataract and Refractive Surgery - ASCRS - e a American Society of Ophthalmic Registered Nurses - ASORN(18).

As tecnologias de esterilização que empregam baixa temperatura são indicadas para esterilizar materiais termossensíveis. Desde a década de 1950 o ETO vem sendo empregado, sendo o PPH e o VBTF métodos relativamente novos. As pesquisas sobre estes datam da década de 1990 e os métodos diferem entre si quanto ao poder de difusibilidade. A disponibilidade destas tecnologias, de certa forma, favoreceu a opção pelo reuso de materiais de uso único fabricados com matéria-prima termossensível, considerando a possibilidade de diminuição dos custos hospitalares(19-20). Os materiais utilizados neste estudo são termossensíveis, entretanto, possuem lúmens estreitos e longos, que constituem desafio na difusão do agente esterilizante. Um dos métodos de esterilização empregado por uma Instituição doadora, o PPH, é incompatível para a extensão do material analisado (215 cm).

Os resultados deste estudo sugerem a possibilidade da formação de biofilme na superfície interna das sondas. Sabe-se que o biofilme formado em produtos para saúde pode ser constituído por bactérias Gram positivas (Enterococcus faecalis, Staphylococcus aureus, Sthapylococcus epidermidis e Streptococcus viridans), Gram negativas (Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae, Proteus mirabilis e Pseudomonas aeruginosa) ou fungos(21). Esses microrganismos podem ser provenientes da pele dos pacientes e dos profissionais de saúde, da água de torneira ou outras fontes ambientais(21). Muitos dos microrganismos descritos na composição do biofilme vêm ao encontro dos identificados no presente estudo (Enterococcus faecalis, Sthapylococcus coagulase negativa, Streptococcus viridans e Pseudomonas aeruginosa). Como as sondas de vitrectomia analisadas neste experimento foram reutilizadas múltiplas vezes, entre duas e dez vezes, e sem um protocolo de limpeza validado, os microrganismos recuperados podem ter-se originado de biofilmes formados nos lúmens estreitos e longos das extensões das sondas e também nos conectores e ponteiras.

Os resultados da presente investigação não deixam dúvidas quanto ao risco do reprocessamento de sondas para vitrectomia de uso único da forma como realizada pelas Instituições doadoras das sondas analisadas. Os passos do processamento adotado pelas Instituições demonstraram ser falhos para assegurar a esterilidade dos materiais, assim como ausência de testes que validem a prática, atendendo a legislação em vigor, Resolução nº 2606(22). Não há na literatura estudos que avaliaram a viabilidade técnica do reuso de sondas para vitrectomia posterior e ter-se-ia dúvidas se resultados favoráveis seriam atingidos, considerando a complexidade do dispositivo.

Dentre o universo de materiais de uso único há aqueles que seriam passíveis de reuso por serem materiais de conformação simples, sem espaços internos e que a funcionalidade após o reprocessamento poderia ser comparável ao novo. Na avaliação dos autores do presente estudo, as características que configurariam segurança para o reuso não se aplicam para as sondas de vitrectomia posterior.

CONCLUSÃO

O reprocessamento de sondas de uso único para vitrectomia posterior não foi seguro nas condições deste estudo, portanto esta prática não é recomendada.

Recebido: 28/09/2010

Aprovado: 27/09/2011

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  • Correspondência:
    Flávia Morais Gomes Pinto
    Rua Mateus Grou, 131- Apto. 62 - Pinheiros
    CEP 05415-050 - São Paulo, SP, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      28 Set 2010
    • Aceito
      27 Set 2011
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